segunda-feira, 26 de janeiro de 2009

Guiné 63/74 - P3795: Copá, abandonado em 14/2/1974 (José Martins) (1): O princípio do fim, a história do Soldado António Rodrigues

Capa do livro de Benigno Fernando, O Princípio do Fim. Porto: Campo das Letras. 2001. 78 pp (Campo da Memória, 6).

"Benigno Femando nasceu em Massarelos, Porto, em 1960. Começou a trabalhar aos dez anos de idade. Em 1975, iniciou a prática de futebol no Sport Comércio e Salgueiros, prolongando esta actividade durante treze anos em diversos clubes amadores.Durante a década de 90, colaborou na secção desportiva dos jornais O Primeiro de Janeiro e O Portuense. Trabalha nos Serviços Municipalizados de Águas e Saneamento do Porto desde 1979. Reiniciou os estudos no final dos anos 80 e em 2001 estudava na Escola Secundária Alexandre Herculano. O Princípio do Fim é o testemunho de um militar (o soldado condutor auto Rodrigues, da 1ª Companhia do Batalhão nº 8323) que esteve na zona leste da Guiné durante a Guerra Colonial"...

Sabemos que o António Rodrigues é de Braga, e vive no Porto (*)


1. Mensagem do José Martins, de 25 de Janeiro último:

"Boa tarde. Apesar de já ter comprado e lido o livro há dois anos, feitos no dia 9 do corrente, quase de imediato iniciei as minhas habituais pesquisas mas, não sei qual a razão de ter ficado em arquivo.
"Segue o texto, com os parabéns ao Benigno Fernando pela forma como conseguiu passar ao papel, e à posteridade, as memórias do nosso camarada de armas António Rodrigues.
 

Um abraço. 
José Martins"


2. Copá , na fronteira com o Senegal (1965-1974) - Parte I: a história do Sold Condutor Auto António Rodrigues, contada por Benigno Fernando

“Chegava a noite; os que tinham começado a enjoar deitaram-se mais cedo, a maioria só foi para as camaratas perto da meia-noite e a essa hora ainda se conseguia ver luzes na costa portuguesa. Essa vista começou a provocar-lhe uma nostalgia, e foi nesse momento que o Rodrigues começou a pensar: 'É o princípio do fim.' *

(...) Há terras maravilhosas,
De certeza que não minto;
Se duvidam, vão visitar
Copá e Teixeira Pinto. (...)

In Turismo na Guiné,

de Florêncio Oliveira da Silva
Furr Mil, QG, Bissau, 1972



(i) Uma história igual a tantas outras

A frase saída da memória do António Rodrigues e da pena de Benigno Fernando, numa edição da Editora Campo das Letras, recorda-me outra frase, muito semelhante, O fim do principio atribuída como título a um dos textos que compõem a colectânea Refrega, de minha autoria e não editada, e que pretendem recuperar a minha memória dos tempos que passei na Guiné, assim como a fase que os antecedeu e alguns comentários posteriores.

Poder-se-á dizer, durante ou mesmo no final da leitura de O princípio do fim que se tratar de uma história igual a tantas outras.

Todo o percurso daqueles, a grande maioria, que vieram a cumprir o serviço militar obrigatório nas fileiras do Exército, começa com o dia das sortes, sortes essas que já são previsíveis: o apuramento para todo o serviço.

Depois, como o António Rodrigues, a espera pela incorporação, a entrada no quartel com toda amalgama de emoções, muitas das vezes não reprimidas, a aversão à farda, a recruta, a especialidade… tendo de permeio todos os obstáculos que são desde a disciplina militar, nova e despropositada para todos, os pequenos poderes, os fins de semana “à Benfica” (castigo com perda do direito ao passaporte e, algumas vezes a acumular serviços) ou mesmo o contar dos tostões que não chegam para a camioneta para ir à terra ver a família e os amigos.

Depois vem o “formar batalhão” e, quando completo, a ordem de embarque.

No teatro de operações de destino há que cumprir, ainda, o IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) e a sobreposição com a unidade a render.

Depois há que [re] iniciar tudo aquilo que os que nos procederam fizeram, fazendo cada um de nós, e todos em conjunto, a história de cada unidade e a história deste país cuja Bandeira juramos defender.

Ao António Rodrigues coube-lhe a sorte de cair num destacamento, semelhante a muitos que existiram na Guiné, numa tabanca em que se misturava a tropa e as populações, duma povoação atravessada por uma estrada/caminho de terra batida, mas, na realidade é a história de alguém, a história que revela uma vivência única, porque única é a história de cada um e na história dum povo.

O autor adverte de que a “narrativa é baseada em acontecimentos verídicos”. Assim é. Há nomes, locais, datas ou factos que, validados com a versão oficial, não podem ser mais coerentes.


(ii) Copá: de 11 de Março de 1965 a 14 de Fevereiro de 1974

Copá [ou Kopá, como escrevem hoje os guineenses] foi o local que, a partir de 11 de Março de 1965, passa a ser guarnecido, em permanência, por uma força do exército constituída ao nível de pelotão reforçado e, portanto, uma unidade em quadricula, de pequeno efectivo, mas que se tem de desdobrar para fazer face à vida que se vivia em qualquer destacamento, fosse de que escalão fosse.

O livro é um texto que se lê de uma vez só. Só se consegue parar na última página, mas que obriga, quase de imediato, a regressar ao início, para uma leitura mais pausada. Mais pausada e com outros olhos, colocando, sobretudo, no que foi aquele pedaço de chão e no que se tornou.

A zona, desde o início das hostilidades, era uma zona relativamente calma, dado que era lá para o sul que a guerra se desenrolava, bastando ter na zona apenas um pelotão da unidade que pontificava no distrito de Nova Lamego – a 3ª Companhia de Caçadores Indígenas.

Porém, quando a guerra se estendeu ao Leste, foi necessário ir reforçando a presença militar que, acabando por serem criadas outras estruturas de comando, incluindo o destacamento em análise, que acabaria por ser abandonado em 14 de Fevereiro de 1974. Este abandono foi justificado não só pela ausência dos civis na povoação, mas porque com o evoluir da situação, desfavorável para o lado português, deixou de ter interesse estratégico. Não era o primeiro destacamento/ aquartelamento a ser abandonado. Muitos mais, e em breve a totalidade, seriam alvo do chamado movimento de retracção das NT que, após o Acordo de Argel, teria início.

Situado, sensivelmente, nas coordenadas 13º 55” Oeste e 12º 38” Norte, por lá passaram centenas de homens que, na impossibilidade de se obterem relações nominais, nos levaram a pesquisar as unidades que por lá estiveram, não só actuando directamente no terreno, quer em quadrícula quer em patrulhamentos, mas também nos escalões de comando e coordenação, embora mais afastados do local de acção. Tentou dar-se uma informação sucinta de cada unidade, dando destaque à sua passagem por Copá ou na área em que este destacamento se inseria.

(Continua: Parte II - Unidades que passaram por Copá) (**)
_________

Notas de L.G.:

(*) Vd. postes de:

8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1409: Bibliografia de uma guerra (16): Pirada, Bajocunda, Canquelifá, Copá: o princípio do fim (Beja Santos)


8 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1410: Antologia (57): O Natal de 1973 em Copá (Benigno Fernando)

Vd. também poste de 10 de Novembro de 2008 >
Guiné 63/74 - P3430: Bibliografia de uma guerra (36): No ocaso da Guerra do Ultramar, de Fernando Sousa Henriques (Helder Sousa)

(**) Sobre Copá (aquartelamento abandonado pelas NT em 14 de Fevereiro de 1974), vd. ainda o postes de:

27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

30 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P3004: PAIGC: Op Amílcar Cabral: A batalha de Guileje, 18-25 de Maio de 1973 (Osvaldo Lopes da Silva / Nelson Herbert)

13 de Junho de 2008 > Guiné 63/74 - P2937: A guerra estava militarmente perdida? (16): António Santos,Torcato Mendonça,Mexia Alves,Paulo Santiago.

Vd. ainda o poste de 16 de Julho de 2007 >Guiné 63/74 - P1958: Vídeos da guerra (1): PAIGC: Viva Portugal, abaixo o colonialismo (Luís Graça / Virgínio Briote)

(... ) Referência ao vídeo da televisão francesa, a antiga ORTF, disponível em INA - Institut National de l' Audiovisuel

GUINEE : LA GUERILLA AU GRAND JOUR MAGAZINE 52 ORTF - 04/07/1974 -

Video 12m 32s / DVD 3 €

Sinopse (em francês)

On est plus de 2 mois après la 'révolution des oeillets' au Portugal, le gouvernement Caetano est tombé après un coup d'Etat d'officiers portugais engagés dans la guerre coloniale en Afrique, le mouvement des "forces armées", le pouvoir a été rendu aux civils et le général Spinola, membre de la junte militaire qui a pris le pouvoir le 25 avril à Lisbonne est désigné pour mener à bien la décolonisation en Afrique après avoir été gouverneur militaire de Guinée Bissau et des îles du Cap Vert et avoir combattu les militants du PAIGC.

Abouchar est parti dans les maquis du mouvement en Guinée Bissau sorti de la clandestinité. - meeting du parti dans le maquis acclamant les peuples de Guinée et du Cap Vert et celui du Portugal passé aux mains de l'opposition de gauche - discours d'Antonio Borges en créole et portugais, trad off par Abouchar "la négociation est dans l'impasse avec le Portugal" - discours d'un commissaire politique du PAIGC en portugais - itw Manuel Santos alias Manecas, commissaire politique du Front nord, en français, parlant du combat contre le tribalisme et la lutte anti colonialiste - entraînement des guerilleros équipés par l'Union soviétique.

Camp portugais de Copa détruit et incendié, Manecas fait visiter les lieux à un journaliste portugais Manuel Batoreo, le premier admis dans une zone contrôlée par le PAIGC - itw Manuel Batoreo en français, sur le point de vue du PAIGC - suite itw Manecas sur l'indépendance du Cap Vert qui interviendra seulement le 5 juillet 1975 "le PAIGC est une organisation qui lutte pour l'indépendance de la Guinée et du Cap Vert, ce sont 2 pays différents, dans notre programme c'est très clair, ce sont 2 pays différents mais le PAIGC estime qu'il y a toutes les raisons pour unifier ces 2 pays parce que nous avons des origines ethniques, oui je suis capverdien, le PAIGC n'a pas d'action directe au Cap Vert mais nous avons une organisation clandestine au Cap Vert qui travaille, il y a des manifestations au Cap Vert en faveur du PAIGC, de l'indépendance...le Cap Vert a un intérêt stratégique pour leurs lignes de communication" - dans les marais guinéens, militants débarquant dans une zone très peu accessible, jambes nues et chaussures à la main.

Suite itw Manecas "nous estimons que ce n'est pas une mauvaise chose que d'avoir des contacts avec les militaires portugais mais nous ne pouvons pas arriver à un accord sur place sur un cessez le feu qui n'a pas été encore déterminé entre le gouvernement portugais et les autorités de notre parti" - suite itw Manuel Batoreo "selon moi, le gouvernement est intéressé à accorder l'autodétermination comme premier pas vers l'indépendance mais au bout ce sera effectivement l'indépendance pour toutes les colonies, c'est pour bientôt oui l'indépendance" - arrivée ravitaillement dans zone libérée, la une du journal indépendantiste "PAIGC Actualités" avec la photo d'Aristides Pereira leader du parti, vente de vivres par des magasins ambulants aux villageois.

Itw Batoreo "ce qui m'a le plus marqué ? la conscience collective de la lutte que les gens ont dans les différents rangs de l'armée, des civils, l'organisation, conscience de faire un pays vraiment nouveau, adapté aux besoins des gens exploités toutes ces années par un colonialisme que le monde connaît bien" - itw Manecas "les Portugais ont laissé le pays dans un état on ne peut plus arrièré, il n'y a rien, avant le déclenchement de la lutte armée il y avait au moins 90 % d'analphabètes, la seule école secondaire ouverte en Guinée date de 1956" sur des images d'alphabétisation dans le maquis - la popote et l'ouverture des boîtes de conserves pour les maquis - suite et fin Manecas "le PAIGC se sent prêt pour l'indépendance, nous avons sur place une administration et je crois qu'il faut sur place l'agrandir un peu, ça va fonctionner, nous aurons un régime nationaliste, de parti unique, démocratique, y a t il un pays indépendant africain pour servir de modèle ? nous, on ne croit pas beaucoup aux modèles"
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Resumo em português (tradução e adaptação de LG)

Passaram-se mais de dois meses após a "Revolução dos Cravos" em Portugal, o governo Caetano caiu após um golpe de Estado levado a cabo por oficiais portugueses envolvidos na guerra colonial em África, o movimento das "Forças Armadas". O poder foi entregue a civis e o General Spínola, membro da Junta Militar que tomou o poder em 25 de Abril em Lisboa, é encarregado de levar a bom termo processo de descolonização em África após de ter sido governador militar da Guiné-Bissau e das ilhas de Cabo Verde e de ter ter combatido os militantes do PAIGC .

Abucar partiu para a Guiné-Bissau, para as regiões controladas pelo PAIGC, saído da da clandestinidade. - Reunião do partido no mato, dão-se vivas aos povos da Guiné e Cabo Verde e de Portugal, país que agora passou para as mãos da oposição de esquerda - Antonio Borges fala em crioulo e Português, tradução de Abucar em voz off, "as negociações com Portugal estão num impasse" - discurso dum comissário político do PAIGC, em Português – entrevista em francês com Manuel Santos, ‘Manecas’, comissário político da frente frente, em que fala do combate contra o tribalismo e da luta anticolonialista – treino dos guerrilheiros equipados pela União Soviética.

Copá, aquartelamento português, destruído e queimado e queimadas, Manecas faz uma visita guiada, acompanhando jornalista português, Manuel Batoreo, o primeiro admitido numa zona controlada pelo PAIGC – entrevista com Manuel Batoréo, em francês, em que se aborda o ponto de vista do PAIGC – continuação da entrevista com Manecas sobre a independência de Cabo Verde, que terá lugar somente em 5 de Julho de 1975, "o PAIGC é uma organização que luta pela a Independência da Guiné e Cabo Verde, são 2 países diferentes, no nosso programa é muito claro, são 2 países diferentes, mas o PAIGC acredita que há todas as razões para unificar estes 2 países, porque temos origens étnicas comuns, sim eu sou caboverdiano, o PAIGC não nenhuma ação directa em Cabo Verde mas temos uma organização clandestina em Cabo Verde que trabalha, há manifestações em Cabo Verde a favor do PAIGC, a independência ... Cabo Verde tem um interesse estratégico para as suas linhas de comunicação " - nos pântanos da Guiné, militantes desembarcam numa área muito pouco acessível, descalços, as botas na mão.

Continuação da entrevista de Manecas, "Nós achamos que isto não é mau, manter contactos com os militares portugueses, mas não podemos chegar, no terreno, a um acordo sobre um cessar-fogo que ainda não foi estabelecido entre o Governo Português e direcção do nosso partido "- prossegue a entrevista com Manuel Batoréo, "Acredito que o governo está interessado em conceder a auto-determinação como um primeiro passo para a independência, mas o final do processo é a independência para todas as colónias, em breve sem dúvida é a independência "- chegada de reabastecimento a uma zona libertada, a primeira página do jornal nacionalista “PAIGC Actualités”, com a foto do líder Aristides Pereira, vende de alimentos aos camponeses pelas lojas ambulantes do PAIGG.

Entrevista de Batoréo, "O que me surpreendeu mais? a consciência colectiva da luta das pessoas nos diferentes escalões das forças armadas do PAIGC, nos civis, a organização, a consciência de se estar a um país verdadeiramente novo, adaptado às necessidades das pessoas exploradas durante todos estes anos por um colonialismo que o mundo conhece bem” – entrevista de Manecas, "os Portugueses deixaram o país num estado que não podia ser de menor atraso, não há nada, antes do início da luta havia pelo menos 90% de analfabetos, a única escola secundária aberta na Guiné data de 1956 ", imagens de alfabetização no mato – o rancho e a abertura de caixas de conserva para os guerrilheiros – continuação e final da entrevista com Manecas, "o PAIGC sente-se pronto para a independência, temos uma administração montada no terreno, creio que é só preciso aumentá-la um pouco, isto vai funcionar, teremos um regime nacionalista , de partido único, democrático, há algum país africano independente Africano para servir de modelo ? nós, não acreditamos muito nos modelos”.

3 comentários:

Pagamico disse...

Prezado professor Luis Graça, será possivel corrigir esta «gralha»

"Capa do livro de Benigno Rodrigo"
Cordiais saudações

Pagamico disse...

Onde se lê Benigno Rodrigo deve ler-se Benigno Fernando.

Amilcar Ventura, Furri. Mecân. 1ª Comp. 8323 disse...

quem é este pagamico que está a defender um usurpador que se serviu da boa fé do António Rodrigues para ganhar dinheiro há custa doutra pessoa o autor do livro tinha que ser o António Rodrigues pois foi ele o autor das memórias do titule "O PRINCIPIO DO FIM " o outro que se diz autor tem outro nome USURPADOR, e mais não digo.