sexta-feira, 27 de outubro de 2006

Guiné 63/74 - P1216: A batalha (esquecida) de Canquelifá, em Março de 1974 (A. Santos)

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Guiné > Zona Leste > Sector L3 >Nova Lamego > O António Santos no seu posto de rádio. Operador de mensagens, por ele passavam muitas notícias da guerra. Era também ouvinte frequente da Rádio do PAIGC, localizada em Conacri, a que as NT chamavam a Maria Turra (1).

Texto e foto: © António Santos(2006). Direitos reservados. Foto alojada no álbum de Luís Graça > Guinea-Bissau: Colonial War. Copyright © 2003-2006 Photobucket Inc. All rights reserved.


1. Mensagem do A. Santos, com data de 23 de Outubro:

Amigo Luís e caros tertulianos:

Eu já tinha abordado este assunto, embora superficialmente com o Luis Graça, mas com a questão actual sobre Guidaje ele veio ao de cima: todo o tempo passado na Guiné foi mau, penso que para todos e em qualquer sector, independentemente do ano em que por lá passámos, mas o ano de 73 e os últimos meses de 74, foram péssimos. Tenho a certeza que para isso contribuiu e muito a morte de Amílcar Cabral: o PAIGC ganhou mais força e apoios e o resultado estava-se a ver.

Eu ouvia com muita assiduídade a Maria Turra, embora os homens de Bissau empastelassem a frequência rádio, e sei que tudo o que nos prometeu, após a morte de Amílcar [,em 20 de Janeiro de 1973], cumpriu-se, acho até se aquilo dura mais uns tempitos, teríamos que fazer as malas com antecedência.

Um Alfa Bravo para todos.

A. Santos
Ex-Sold Trms
Pel Mort 4574/72
Zona Leste, Sector L3, Nova Lamego,
1972/74


2. Texto do A. Santos


Camarada, Luis Graça.

Estou há muitos anos a guardar na minha memória vários acontecimentos que se passaram na Guiné. Penso que isso acontece com todo o pessoal. Vivi à distância os acontecimentos de Guidaje e Guileje, mas a guerra passava-me pelas mãos, porque em Nova Lamego fui sempre operador de mensagens e não transmissões que de facto foi a especialidade que me despejaram em Campolide - Lisboa.

Acho que chegou o momento para contar um deles. Além de Guidaje e Guileje/Gadamael houve uma terceira ofensiva forte, levada a cabo pelo PAIGC no final da guerra, mas desta vez no Leste, no início do ano de 1974, mais precisamente no sector L4 e L6. Alvos preferenciais: Bajocunda, Copá, Mareué e Canquelifa, sem esquecer outros.

Copá foi extinto em 14 de Fevereiro de 1974, após violentas flagelações, Mareué idem em 11 de Março de 1974, mas o aquartelamento mais sacrificado foi o de Canquelifá, que sofreu flagelações a toda a hora. Neste caso a arma mais utilizada foi o morteiro 120, e houve abrigos que não resistiram.

A 20 de Março de 1974, entrou em cena o Batalhão de Comandos Africanos, com as três companhias que dele faziam parte integrante. Saíram de Nova Lamego em coluna composta por viaturas militares e civis e dirigiram-se para o local. A operação durou 3 dias, de 21 a 23 de Março 1974. Segundo os canhenhos militares, capturaram 3 Mort. 120, 1 RPG, 2 espingardas, 367 granadas de Morteiro e deixaram 26 mortos do lado IN (do nosso lado nada dizem)...

Mas cá o rapaz, no dia 22 [de Março de 1974], como não fazia nada, e porque o condutor da ambulância era do meu pelotão e foi chamado à pista, eu fui com ele. Chegados ao local, era um vaivém de helicópteros que traziam mortos e feridos. Eu dei uma mãozinha para pegar nas macas. Retirava dos Helis e, segundo instruções do médico, ora pousava na pista (estava morto), ora colocava num Dakota que estava logo ali (estava muito ferido)... Vi pernas destroçadas por estilhaços de não sei de quê!

Isto foi só em Nova Lamego porque em Piche não soube, nem quis saber e não sei o que se passou.

Um Alfa Bravo

A. Santos
_________
Nota de L.G.:
(1) Maria Turra era a locutora de serviço da Rádio do PAIGC, localizada em Conacri: vd. artigo do jornalista Joaquim Vieira, na edição do Expresso de 21 de Abril de 1984 > Como os rapazes viveram a paz e a guerra
(...) "Os tempos da fraternidade estavam afinal mais próximos do que alguém podia imaginar no batalhão. Onze dias depois da Páscoa, na manhã de 25 de Abril, começaram a chegar a Sedengal notícias de um golpe de Estado em Lisboa. As primeiras informações foram recebidas através das emissões em português de Rádio Conakry. Alguns soldados não sabiam o que era um golpe de Estado, e procuraram informar-se. Algumas horas depois, a locutora - que os portugueses tratavam por Maria Turra - anunciou a prisão de Américo Tomás e Marcelo Caetano. A gaja está mas é maluca, houve quem comentasse" (...).
Por Maria Turra também era conhecida, entre as NT, a viúva de Amílcar Cabral: Vd. também post de 21 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCCIV: Eu estava lá, na entrega simbólica do território (Mansoa, 9 de Setembro de 1974)(Magalhães Ribeiro)

(...) O Eduardo [Magalhães Ribeiro] diz que ficou famoso pela sua foto a arriar a bandeira verde-rubra , em Mansoa, na presença da Maria Turra (sic), como era conhecida entre os tugas - com o sentido de humor, que é típico da caserna, mas com respeito e até carinho - a viúva do Amílcar Cabral, que assistiu com outros destacados dirigentes do PAIGC a este momento histórico" (...).

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