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sexta-feira, 8 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26127: S(C)em Comentários (52): General António Spínola 'versus' general Bettencourt Rodrigues (Morais da Silva, cor art ref, e 'capitão de Abril')


Cor art ref Morais da Silva: (i) cadete-aluno nº 45/63 do Corpo de Alunos da Academia Militar e depois professor de investigação operacional na AM, durante cerca de 2 décadas; (ii) no CTIG, foi instrutor da 1ª CCmds Africanos, em Fá Mandinga, adjunto do COP 6, em Mansabá, e comandante da CCAÇ 2796, em Gadamael, entre 1970 e 1972; e (iii) fez parte do Grupo L34, na Op Viragem Histórica, no 25 de Abril de 1974.


1. Comentário (*) do cor art ref Morais da Silva, membro da nossa Tabanca Grande, com 144 referências no blogue:

 
Felizmente ainda estou vivo e continuo a não gostar que se refaça a história. 

Afirmar na sinopse que ... "onde substituiu o general Spínola depois de este ter desistido de continuar pela força das armas" é um ultraje à memória deste ilustre comandante de tropas de combate na guerra do ultramar que com 51 anos, tenente-coronel, se voluntariou e partiu em 1961 para Angola comandando o BCav 345. 

O senhor General Spínola nunca desistiu, antes concluiu que não havia saída militar para a guerra da Guiné e disso deu conta ao PM de então que, tolhido pelos integracionistas, entendia que - “Os exércitos fizeram-se para lutar e devem lutar para vencer, mas não é forçoso, que vençam. Se o exército português for derrotado na Guiné depois de ter combatido dentro das suas possibilidades, essa derrota deixar-nos-ia intactas as possibilidades jurídico-políticas de continuar a defender o resto do Ultramar. E o dever do governo é defender todo o Ultramar.”

Marcelo Caetano ordenaria pois, a exemplo da Índia, que se morresse “com honra” !

O senhor general Bettencourt Rodrigues, ao aceitar o comando-chefe da Guiné "abraçou" o lado errado da história e sofreu as consequências da sua escolha tal como teria acontecido, caso falhassem, aos que travaram a ultima batalha das suas vidas, derrubando o regime em 25 de Abril de 1974. (**)

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de novembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26124: Agenda cultural (864): Convite para o lançamento do livro "Um Grande Militar Português - General Bethencourt Rodrigues" da autoria de António Pires Nunes, a levar a efeito no próximo dia 5 de Dezembro, pelas 17h30, no Auditório das Instalações do Instituto Universitário Militar, em Pedrouços. A obra será apresentada pelo Major-general João Vieira Borges

quinta-feira, 7 de novembro de 2024

Guiné 61/74 - P26124: Agenda cultural (864): Convite para o lançamento do livro "Um Grande Militar Português - General Bethencourt Rodrigues" da autoria de António Pires Nunes, a levar a efeito no próximo dia 5 de Dezembro, pelas 17h30, no Auditório das Instalações do Instituto Universitário Militar, em Pedrouços. A obra será apresentada pelo Major-general João Vieira Borges






SINOPSE


"Bethencourt Rodrigues é considerado por muitos o melhor general do séc. XX e sê-lo-ia também em qualquer outro Exército.

Foi o único oficial a ser escolhido para três difíceis missões de liderança, nas quais sempre se agigantou: Chefe de Estado-Maior da Região Militar de Angola (61/63), onde combateu a guerrilha no Norte; Comandante da Zona Militar Leste (71/73), onde venceu a Batalha do Leste mediante uma operação militar e um plano de desenvolvimento; Governador e Comandante-Chefe das Forças Amadas da Guine (73/74), onde substituiu o general Spínola depois de este ter desistido de continuar pela força das armas, continuando a senda vencedora que o caracterizava e onde o Golpe Militar de 25 de Abril o foi surpreender.

A forma ignominiosa como foi afastado é a maior mancha da geração de oficiais daquela época. O General José Manuel de Bethencourt Rodrigues foi um grande português, um grande chefe militar, um comandante de aguda inteligência estratégica e muito apreciado pelos bravos."


quinta-feira, 18 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25403: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVIII: a versão do cor inf António Vaz Antunes (1923-1998), na altura comdt interino do COMBIS ( Memorando digitalizado e transcrito pelo seu filho, engº Fernando Vaz Antunes)



Guiné > Bissau > 1974 > O cor inf  António Vaz Antunes (à esquerda, na imagem) com o gen Bettencourt Rodrigues, e outros oficiais numa visita do Comandante-Chefe a uma unidade em Bissau. Fotografia do arquivo pessoal do Coronel António Vaz Antunes.


Guiné > Região do Oio > Farim > 1974  > O cor inf António Vaz Antunes com militares e população local. Fotografia do arquivo pessoal do coronel António Vaz Antunes.

Fotos (e legendas): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]





Cópia da primeira metade  da folha 1, do documento manuscrito do cor inf António Vaz Antunes, "Memorando dos acontecimentos de Bissau", datado de Lisboa, 30 de abril de 1974, e constituído  por 9 folhas, numeradas.

Transcrição da responsabilidade do seu filho, engº  Fernando Vaz Antunes,  que digitalizou e facultou o documento ao Luís Gonçalves Vaz, para divulgação no nosso blogue (*). 

Nos 50 anos do "golpe militar de Bissau" (**), voltamos a reproduzir a versão daquela oficial superior, que se solidarizou com o gen Bettencourt Rodrigues na manhã de 26 de Abril de 1974: na altura, era adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG.

O nosso especial agradecimento a ambos, filhos de militares com brilhantes carreiras, pelo seu contributo para a preservação e divulgação de documentos relevantes, como este, para a historiografia da presença portuguesa na Guiné, e em particular para a nossa historiografia militar, relativa ao período de 1961 a 1974:

Sendo ambos filhos de militares que serviram a Pátria no TO da Guiné, querem também, e com toda a legitimidade, homenagear e honrar aqui a memória dos seus pais:

(i)  Fernando Vaz Antunes, engenheiro (passou  pela Academia Militar, e vivia em em Mafra, em 2014 de acordo com a sua página no Facebook);
  
(ii) Luís Gonçalves Vaz, membro da nossa Tabanca Grande,  professor do 2º/3º ciclos do ensino básico em Vila Verde,  vive em Braga,  filho do  cor cav CEM Henrique Gonçalves Vaz (último Chefe do Estado-Maior do CTIG, 1973/74) (1922-2002); tinha 13 anos e vivia em Bissau quando se deu o 25 de abril de 1974, que derrubou o regime do Estado Novo.

 

Golpe Militar de 26 de Abril de 1974 no TO da Guiné  > “Memorando dos acontecimentos de Bissau” (Digitalização e transcrição do manuscrito, e notas: Fernando Vaz Antunes; notas complementares: Luís Gonçalves Vaz)


Pelo cor inf António Vaz Antunes [1923-1998]

Funções:

Desde 24Mar1974 – Inspector do CTIG | 13Abr1974  – Adjunto do Cmdt do CTIG para parcial substituição do Brig. 2º Cmdt [1] , de licença; Cmdt intº do COMBIS por licença do Comandante

Sequência cronológica

24Abr1974

Considerando que 26 era feriado em Bissau, e para aproveitamento de tempo, solicitei à Chefia Srvc Transportes passagem para Bolama, a partir das 09:30

Planeei assistir às cerimónias mais significativas de homenagem a Honório Barreto e seguir depois para Bolama, em visita ao BArt [2] em IAO.

25Abr

Conhecimento por camaradas, do Movimento das Forças Armadas em Lisboa: através da BBC ao fim da tarde, depois de actividades várias no CTIG e COMBIS, tive conhecimento do triunfo do Movimento. 

Às 18:00 horas comuniquei à Chefia Srvc Transp para anular ida a Bolama.

22:00 horas – como de hábito, desloquei-me para o COMBIS para pernoitar, depois de ter recebido comunicação telefónica do Chefe do Estado Maior do CTIG [3] para recomendar ao pessoal de guarda a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN.

À chegada ao COMBIS recebi a mensagem escrita que repetia a recomendação telefónica. Dei as necessárias instruções ao Oficial de Dia. 

Pouco depois o Oficial de Dia batia à porta do quarto para me prevenir de que a Emissora Nacional (Lisboa) ia transmitir uma mensagem do Movimento. Desloquei-me para o Bar, onde ouvi a mensagem na companhia do Oficial de Dia e mais 2 alferes.

Logo de seguida voltei para o quarto e pouco depois ouvi a repetição da mensagem, feita agora por emissor da Guiné e mais tarde repetida pelo PFA [Programa das Forças Armadas] , vulgo “PIFAS”.

26Abr

Às 08:00 dirigi-me para a Praça Honório Barreto, de uniforme nº 1 (branco), acompanhado do Cor Lemos [4]

Terminada a cerimónia, voltei ao quarto e mudei de farda.

09:45 – Chegada ao QG/CCFAG para tomar parte no briefing diário. Enquanto aguardava no local habitual, juntamente com outros oficiais – nomeadamente Cor Vaz, Cor Pilav Amaral Gonçalves, Cmdt Ricou e Comodoro Brandão [5] –, o Cmdt Lencastre chegou conduzindo um Volkswagen muito apressadamente, travou bruscamente e dirigiu-se a correr ao Comodoro a quem comunicou qualquer coisa, de que eu só percebi “vêm aí pára-quedistas”. 

O Comodoro não reagiu, o Cor Amaral Gonçalves pareceu-me surpreendido e eu perguntei ao Ricou, também impassível, o que se passava.

Este informou-me que eram os pára-quedistas que estavam a cercar o QG. Perguntei qual a intenção, respondeu não saber. Perante a impassibilidade destes, dirigi-me à sala de reuniões para onde tinha visto entrar o Sub Chefe do Estado Maior – Ten Cor Monteny [6] –, disse-lhe o que se tinha passado e ele respondeu-me que não sabia de nada. 

Respondi que, nesse caso, o nosso General [7] também não devia saber. Confirmou-me que não. Nessa altura ordenei-lhe que fosse avisar o nosso General, o que se prontificou a fazer, tendo saído para o efeito [8]. 

Momentos depois o grupo de oficiais, que estava fora, dirigiu-se para a sala de reuniões. Fiz o mesmo e cada um ocupou o lugar habitual.

Faltavam o General Cmdt Chefe, o Brigadeiro Adjunto [9] e o CEM/QG/CCFAG [10]. Não estranhei, por supor que estariam ocupados – e não era a primeira vez que o Comodoro presidia à reunião.

Logo que todos tomaram lugares – e havia muito mais oficiais que era habitual em briefing de rotina, especialmente considerando que era feriado –, adiantou-se para a frente o Ten Cor Mateus da Silva [11] que pedia atenção e disse: 

“A Comissão na Guiné do Movimento das Forças Armadas, que está aqui presente, entendeu que o Sr. General Bethencourt Rodrigues não podia continuar no desempenho de funções. Foi-lhe dado conhecimento disso e destituiu-o. Em face disso nomeia o Sr. Comodoro, Comandante Chefe, e eu, que já desempenhava funções de direcção no Serviço das Obras Públicas, passo a desempenhar as de Secretário Geral” [12].

O Comodoro fez um gesto afirmativo de cabeça e disse: “Bem, vamos ao briefing!”. 

Houve uns curtos momentos de silêncio e passividade que me fizeram crer que só eu fora surpreendido, pelo que me levantei e pedi licença ao Comodoro para dizer: 

“Para mim é surpresa o que acabo de ouvir. Tenho uma missão de responsabilidade da defesa de Bissau. Desejo identificar os membros da Comissão da Junta que tomou tais decisões e conhecer a minha posição!” 

O Comodoro propôs que falássemos depois do briefing. Insisti para que se não adiasse porquanto não conhecia as novas estruturas criadas.

Além disso,  em 33 anos de Oficial nunca se me tinham deparado tais procedimentos dentro das estruturas militares, pelo que pedia o esclarecimento da situação. 

Enquanto falava, um capitão tentou intrometer-se, no que o impedi [13]. Mas logo que terminei, ele pediu licença ao Comodoro e sugeriu “que o senhor Coronel acompanhasse o Sr. General para Lisboa, no Boeing que o transportaria nessa tarde”.

Fiquei perplexo, o Comodoro não respondeu, mas fitava-me como esperando a minha reacção, e então retorqui: 

“Lamento que seja posto na situação de aceitar uma sugestão apresentada por um Capitão que não conheço, mas se o Sr. Comodoro a aceitar eu aceito-a também!”.

 O Comodoro respondeu: “Sim, é melhor, vai com o Sr. General para Lisboa!”. 

Perguntei se podia contactar com o Sr. General, a fim de lhe perguntar se dava licença que o acompanhasse. Perante resposta afirmativa, pedi licença e retirei-me. Dirigi-me de imediato ao gabinete do Comandante Chefe e perguntei ao Sr. General Bethencourt Rodrigues se autorizava que o acompanhasse no avião que o transportaria para fora de Bissau. 

Respondeu-me que não tinha que se pronunciar sobre isso porque fora forçado por um grupo de oficiais, que invadiram o seu gabinete, a abandonar o cargo. Esclareci que apenas pedia licença para o acompanhar, porquanto a ordem para embarcar tinha-me sido dada no briefing nas circunstâncias que atrás referi.

Entretanto entraram no gabinete o Comodoro, o Cor Vaz, o Cmdt Ricou e o Cmdt Lencastre. Após breves palavras que o primeiro disse ao Sr. General, em termos de lamentação (que eu não entendia… ), esclareci-o que o Sr. General autorizava que eu o acompanhasse. Perguntei por guia de marcha, e disse-me que não era precisa. Indaguei sobre hora e local de reunião e fui informado que podia reunir-me no Palácio, ao Sr. General, até às 13 horas. 

Logo de seguida – cerca das 10:15 –, dirigi-me ao COMBIS para recolher os meus haveres pessoais e informar o meu Chefe do Estado Maior, de que devia entrar em contacto com o Cmdt Chefe para lhe definir a situação e missões.

Quando chegava à entrada do Depósito de Adidos, acesso ao COMBIS, estava a formar junto à porta, muito apressadamente, um Pelotão do Batalhão de Comandos Africanos, transportado para ali numa viatura pesada estacionada em frente. O Pelotão estava completamente armado, inclusive com LGF e armas automáticas, equipado e municiado.

Deduzi que seria por minha causa, mas nem parei nem interferi. Rapidamente reuni os meus haveres após o que chamei o Ten Cor Altinino e o Cap Bicho para os informar que deixava o COMBIS, mas não tinha dados que me permitissem transmitir o Comando.

Cerca das 12:45 cheguei ao Palácio com a minha bagagem. Cerca das 14h, quando vi chegar a guia de marcha para o Brig. Leitão Marques e Cor. Hugo Rodrigues da Silva, telefonei ao Cor Vaz, Chefe do EM/CTIG solicitando uma guia também para mim. Às 15:30 o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny disseram-me que o Comodoro não assinava a guia e não autorizava que eu saísse.

Surpreendido por esta nova versão, procurei o Comodoro para que me esclarecesse. Estava num dos corredores do Palácio para tomar parte na cerimónia de tomada de posse do novo Governo da Província. Respondeu que não estava na disposição de autorizar que saísse quem pedisse. Lembrei-lhe que eu não o pedira – ele é que o ordenara. Reagiu atirando-se para um sofá e declarando que se quisesse embarcar que embarcasse, mas que não me passava guia.

Mais tarde, já no aeroporto, pedi-lhe para me atender em particular, e solicitei que recordasse o que se tinha passado e a ordem que me dera, e a situação em que me colocara na presença de dezenas de oficiais. Decidiu então que me enviaria a guia pelo correio e autorizou que embarcasse.

Chamei o Cor Vaz e o Ten Cor Monteny e, estando também presente o Cmdt Ricou, o Comodoro deu ordem ao Cor Vaz para me enviar a guia para o DGA [14] no dia seguinte.

Nessa mesma ocasião, disseram (não me lembro quem) ao militar que fazia policiamento à porta de passagem para a gare, que eu podia embarcar.


(24-26Abr1974) – Cor António Vaz Antunes

Fernando Vaz Antunes, documento inédito, cedido pelo autor ao Luís Gonçalves Vaz e ao blogue  Luís Graça & Camaradas da Guiné

Notas de AVA/FVA/LGV:

[1] - Brigadeiro Octávio de Carvalho Galvão de Figueiredo, 2º Comandante do CTIG e, por inerência, Comandante do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau).

[2] - Batalhão de Artilharia nº 6520/73, mobilizado pelo RAL5-Penafiel e aerotransportado entre 01 e 04Abr74, do AB1-Portela para a BA12-Bissalanca, de onde marchou para o CIM-Bolama.

[3] - Coronel de cavalaria CEM Henrique Manuel Gonçalves Vaz (CEM/QG-CTIG desde 07Jul73 até 14Out74)

[4]  -«A cerimónia começou mais tarde porque se aguardou, em vão, a chegada do Gen Cmdt Chefe. A dada  altura, por decisão do Comodoro Brandão que estava presente, deu-se início à cerimónia com uma alocução  do então Maj de infantaria Alípio Emílio Tomé Falcão, Comissário Provincial da MP na Guiné.» [AVA]

[5] - António Horta Galvão de Almeida Brandão, Comandante do ComDefMarG (Defesa Marítima da Guiné).

[6] - António Hermínio de Sousa Monteny, Tenente-Coronel CEM

[7] - José Manuel de Bethencourt Conceição Rodrigues, desde 29Set73 Governador e CCFAG.

[8] - «Houve entretanto um curto impasse: o Monteny continuava a escrever uns papéis, que eu lhe retirei da secretária repetindo-lhe que fosse de imediato – e ele foi. Isto passou-se na sala, enquanto o resto do pessoal estava fora. Quando o Monteny saiu, vim atrás dele, mas ao chegar à porta vi que os que estavam fora, incluindo o Comodoro, vinham entrando para o briefing, e eu fiz o mesmo, enquanto o Monteny descia o jardim.» [AVA]

[9] - Brigadeiro Manuel Leitão Pereira Marques.

[10] - Coronel CEM Hugo Rodrigues da Silva. [O QG/CTIG era o Quartel General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau). O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após este Golpe Militar.]

[11] - António Eduardo Domingos Mateus da Silva, TCor Engº Trms, desde Jul72 Comandante do AgrTmG.

[12] - «O Mateus da Silva propôs-se ocupar os cargos de Secretário Geral e Encarregado do Governo – o que veio a acontecer –, tendo sido “empossado” cerca das 12h quando nós estávamos ainda no Palácio do Governo (e residência do Governador).» [AVA]

[13] - «O Capitão era o José Manuel Barroso, miliciano, que dirigia o semanário “Voz da Guiné” (e mais nada); era casado com a “fulana” que estava em Bissau para estudar a instalação da Universidade de Bissau, recebendo por isso 15 contos X mês … .» [AVA]  [equivalente, a preços de hoje,  a 2860 euros, editor LG]  

[14] - Depósito Geral de Adidos (Calçada da Ajuda, em Lisboa).


Fonte: © Fernando Vaz Antunes (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Luís Gonçalves Vaz / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

 _______________

Notas do editior LG:

(*) Vd. postes de: 

1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13078: O golpe militar de 26 de abril de 1974no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes(1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte I

1 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13079: O golpe militar de 26 de abril de 1974no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes(1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): Parte II

2 de maio de 2014 > Guiné 63/74 - P13080: O golpe militar de 26 de abril de 1974 no TO da Guiné: memorando dos acontecimentos, pelo cor inf António Vaz Antunes (1923-1998) (Fernando Vaz Antunes / Luís Gonçalves Vaz): III (e última) Parte   

(**) Vd. último poste da série > 15 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25388: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVII: O meu pai, cor Henrique Gonçalves Vaz, que não pertencia ao MFA, deu um abraço de despedida, apreço e respeito ao seu Com-Chefe no momento da sua destituição (Luís Gonçalves Vaz)


(***) Nota de Luís Gonçalves Vaz:
  
(...) António Vaz Antunes (1923-1998)  [resenha biográficas mais completa: consultar também portal Ultramar Terrweb]

(i) nasceu na freguesia da Mata, Concelho de Castelo Branco, em 21 de junho de 1923;

(ii) faleceu em 15 de outubro de 1998;

(iii)  frequentou a Escola do Exército, onde se formou como oficial de Infantaria do Exército Português; 

(iv) no ano de 1959 realizou um estágio de oficiais do Exército Português, junto de tropas francesas na Argélia;

(v) passou pelo CIOE / L amego, onde foi 2º comandante; 

(vi) passou também por por Angola onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 185/RMA (1961 e 1962);  e por Moçambique, onde foi 2º comandante do Batalhão de Caçadores 1918/RMM (1967) e comandante do Batalhão de Caçadores 17/RMM (1967 a 1968);

(vii) no CTIG, foi comandante do Batalhão de Caçadores 4512/72/CTIG (1972 a 1975);

(vii) neste teatro de operações, e na altura a que se reportam os acontecimentos relatados no “manuscrito” aqui publicado, o Coronel António Vaz Antunes era Adjunto do Comandante do CTIG e Comandante interino do COMBIS (Comando da Defesa Militar de Bissau), bem como Inspetor do CTIG;

Para que se perceba bem, este oficial tinha nesta altura, uma missão de muita responsabilidade na defesa militar de todos os quarteis no “perímetro militar de Bissau”, mesmo assim na reunião relatada no “documento histórico”, foi afastado destas funções pelo MFA da Guiné. 

Chamo à atenção que nesta altura não estavam em funções os 1º e 2º Comandantes do CTIG, pois encontravam-se de licença, o que elevava a responsabilidade deste oficial no quadro de comandos neste TO (Teatro de Operações). Pode-se ler,  por exemplo, no seu manuscrito, que no dia 25 de Abril recebeu por telefone e por mensagem indicações do CEM/CTIG, coronel cav Henrique Gonçalves Vaz, “recomendações para que o pessoal de guarda tivesse a máxima atenção na vigilância com vista a garantir a segurança dos quartéis contra qualquer tentativa do IN”, a situação era de facto explosiva, vulnerável e muito sensível (...)

segunda-feira, 15 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25388: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVII: O meu pai, cor Henrique Gonçalves Vaz, que não pertencia ao MFA, deu um abraço de despedida, apreço e respeito ao seu Com-Chefe no momento da sua destituição (Luís Gonçalves Vaz)

Guiné > Bissau > 1973  (4.º trimestre )> No canto esquerdo o comandante Ricou, o oficial do lado direito de óculos é o Coronel CEM/CTIG Henrique Gonçalves Vaz, e ao centro, também de óculos, o general Bethencourt Rodrigues (destituído em 26 de Abril de 1974), numa cerimónia oficial, em Bissau, no ano de 1973. Fotografia do arquivo pessoal do coronel Henrique Gonçalves Vaz.

O QG/CTIG era o Quartel-General do Exército (situado nas instalações militares de Santa Luzia), enquanto o QG/CCFAG era o Quartel-General de todas as Forças Armadas em serviço naquele território (situado no antigo Forte da Amura, mesmo em frente ao cais de Bissau).

O coronel Henrique Gonçalves Vaz, CEM/CTIG na altura destes acontecimentos, irá desempenhar as funções de Chefe do Estado-Maior do CTIG/CCFAG (Comando Unificado), após o Golpe Militar de Bissau.

Foto  (e legenda): © Luís Gonçalves Vaz (2014).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


O jovem Luís Gonçalves Vaz,
que tem as melhores memória
do  tempo passado na Guiné
(1973/74)
1. Luís Gonçalves Vaz tem 75 referências no nosso blogue. É filho do Cor CEM Henrique Vaz (Barcelos, 1922-Braga, 2001). E esteve em Bissau, com a família, de 1973/74, Tinha 13 anos quando se deu o 25 de Abril. Frequentava o Liceu Honório Barreto, estava no 3.º ano.  Tem partilhado connosco boa parte do arquivo do pai. Entrou para a Tabanca Grande em 2011. É o nosso tabanqueiro nº 530  (*). 

Com formação académica em Biologia e Geologia, na altura o Luís era professor de Matemática e Ciências da Natureza numa escola C+S,  na região de  Braga (cremos que em Vila Verde).  

Fez o serviço militar na Escola Prática de Cavalaria, frequentou o 2.º  CSM de 1983. Foi fur mil da Polícia do Exército. Tem 18 meses de tropa. Na EPC ainda conheceu (e fez serviço com) o Salgueiro Maia em 1984 (na altura regressado dos Açores, e major cav desde 1981).

Ficou um grande amigo da Guiné. Sempre entusiástico, empenhado e generoso, tem  posto as suas memórias e as do seu querido pai,  à disposição dos amigos e camaradas da Guiné. 

Hoje, e a propósito da 23ª hora do gen Bettencourt Rodrigues, enquanto comandante-chefe do CTIG, fomos repescar um poste já antigo, em que o Luís nos conta como foi o "seu" 25/26 de Abril de 1974 em Bissau, e um episódio da prisão do com-chefe, em que vem ao de cima a nobreza de caracter do seu pai (**).


O meu pai, cor Henrique Gonçalves Vaz, que não pertencia ao MFA,  deu um abraço de despedida, apreço e respeito ao seu Com-Chefe no momento da sua destituição 

por Luís Gonçalves Vaz


O meu falecido pai, Coronel Henrique Gonçalves Vaz, Chefe do Estado-Maior do CTIG, teve conhecimento durante a noite de 25 para 26 de Abril, pois na madrugada recebeu, pelo seu telefone “civil” (não o militar!), a notícia de que na Metrópole decorria um “Golpe de Estado” para derrubar o sistema político de então (sei que foi um oficial da sua confiança que lhe ligou aqui da Metrópole). 

Logo de manhã o meu pai dirigiu-se para a reunião do costume, com o General Comandante-Chefe no Palácio do Governador. Quando lá chega vê o edifício cercado por tropas especiais e deparou-se com a “destituição” de Bettencourt Rodrigues. 

É claro que o coronel Henrique Vaz não pertencia ao MFA, mas isso não o impediu de se insurgir contra alguns “modos um pouco rudes” (em sua opinião, é claro) com que estariam a conduzir o processo de destituição (ou prisão?) do Comandante-Chefe, e ofereceu-se para o acompanhar ao avião que o conduziria de regresso a Lisboa, via Cabo Verde.

O General Bettencourt Rodrigues despediu-se com um abraço do meu pai, e agradeceu-lhe o “respeito” demonstrado, apesar de saber que o meu falecido pai iria continuar a ocupar o seu posto no Teatro de Operações da Guiné. 

É claro que a situação não era para brincadeiras e tudo podia acontecer nas próximas horas, e como o Coronel Henrique Gonçalves Vaz era um militar íntegro, patriota e com espírito de missão (não afeto ao anterior regime), foi imediatamente convidado para continuar como CEM do CTIG, tendo aceitado e só regressou definitivamente a Portugal no último voo de militares portugueses, pelas 23 horas do dia 14 de Outubro de 1974, acompanhando o Brigadeiro Carlos Fabião, na altura já indigitado para CEMGFA.

Esses mesmos oficiais do MFA solicitaram ao Comandante Marítimo, Comodoro Almeida Brandão, que assumisse as funções de Comandante-Chefe interino das Forças Armadas na Guiné-Bissau. 

As primeiras medidas tomadas pelo MFA na Guiné, foram a “detenção dos agentes da PIDE” e a “libertação dos prisioneiros políticos”. 

Como tal, no dia seguinte, 27 de Abril, surgiram pela cidade de Bissau várias manifestações lideradas por esses presos, uma delas cercou e tentou invadir o meu Liceu, o Liceu Honório Barreto.

Ainda me lembro como se fosse hoje, um funcionário do Liceu, um homem de grande estatura, e de origem cabo-verdiana, pegou numa grande tranca e afugentou vários manifestantes (deu resultado!), tendo de seguida fechado a porta principal. 

Nas salas do andar inferior, que davam para o jardim, tivemos de fechar as persianas, pois havia muitos manifestantes que nos diziam aos berros, com paus e catanas “Tuga na ba p`Bó Terra”…

É claro que eu achei muita piada na altura, pois nunca temi pela minha segurança, já que tinha colegas com 16 anos ou mais (alguns vinham do interior da Guiné para estudar em Bissau) que sempre me fizeram estar à vontade. 

Fugi do Liceu com esse grupo de colegas mais velhos (eu tinha apenas 13 anos e frequentava o antigo 3.º ano do Liceu), em direção à base militar de Santa Luzia, onde vivia com a minha família (a casa do Chefe do Estado-Maior do CTIG era aquela mesmo em frente do Clube Militar, na outra ponta da avenida). (***)
____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 13 de dezembro de 2011 > Guiné 63/74 - P9194: Tabanca Grande (310): Luís Gonçalves Vaz, professor, filho do Cor CEM Henrique Vaz (1922-2001)

(**) Vd. poste de 25 de janeiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9399: No 25 de abril de 1974 eu estava em... (16): Bissau, tinha 13 anos, era estudante no Liceu Honório Barreto... (Luís Vaz Gonçalves)

sábado, 13 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25382: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XVI: o golpe militar de Bissau


Lisboa > Base Naval do Alfeite > 30 de abril de 1974 > Da esquerda para a direita: Coronel António Vaz Antunes, Brigadeiro Leitão Marques, General Bettencourt (ou Bethencourt) Rodrigues e Coronel Hugo Rodrigues, todos oficiais afastados no Golpe Militar de 26 de Abril em Bissau. 

Fotografia obtida já no Alfeite, em Lisboa no dia 30 de Abril de 1974. Fonte: arquivo do filho do cor inf António Vaz Antunes, o engº Fernando Vaz Antunes (que vive em Mafra), e a quem agradecemos a gentileza .

Foto (e legenda): © Fernando Vaz Antunes (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Antiga página de rosto do  Arquivo de História Social > Instituto de Ciências Socias da Universidade de Lisboa (o link original foi descontinuado: ver aqui em Arquivo.pt)


"O Arquivo de História Social  (#) publica nesta página uma série de entrevistas sobre a descolonização portuguesa de 1974/1975, fruto de um projecto do Instituto de Ciências Sociais apoiado pela Fundação Oriente. Maria de Fátima Patriarca, Carlos Gaspar, Luís Salgado de Matos e Manuel de Lucena que coordenou, entrevistaram grandes protagonistas desse processo: por um lado, governantes, chefes militares, dirigentes do MFA e outros que então actuaram na Guiné-Bissau, em Cabo Verde, Angola e Moçambique; por outro lado, responsáveis metropolitanos ou íntimos colaboradores seus.

"Não procurando promover qualquer interpretação, chegar a juízos gerais ou encerrar os eventos abordados numa dada problemática, o grupo entrevistador foi seguindo os relatos e aceitando as visões dos seus interlocutores, embora não deixasse de lhes solicitar esclarecimentos por vezes incómodos." 


1. Voltamos aos depoimentos produzidos no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida  [A descolonização portuguesa > Painel dedicado à Guiné > 29 de Agosto de 1995 > Depoimentos de General Mateus da SilvaCoronel Matos Gomes,   José Manuel Barroso e Coronel Florindo Morais]

Iremos reproduzir alguns excertos das enrevistas para ficarmos com uma ideia mais viva, precisa e detalhada do que foi a 23ª hora do último com-chefe do CTIG, gen Bethencourt  (ou Bettencourt) Rodrigues, e  concomitantemente o que se passou nos dias 25 e 26 de abrl de 1974 em Bissau. 

Os antigos combatentes da Guiné, qualquer que seja o ano em que moram mobilizados para o território, de 1961 a 1974, têm o direito de saber como é que acabou a guerra.  E é bom lembrar que parte destes homens que arriscaram vidas e carreiras, na "conspiração" do MFA na Guiné-Bisau, já morreram, como é o caso do ten-gen Mateus Silva.

Sobre o "golpe militar de Bissau", iremos trancreer parte das entrevistas a:

  • Eduardo Mateus da Silva [1933-2021] : Engenheiro militar da Arma de Transmissões; chega à Guiné em Junho de 1972, como tenente-coronel; membro do MFA desde os primórdios; encarregado do governo da Guiné depois do 25 de Abril;
  • Carlos Matos Gomes (n. 1946): Oficial dos Comandos, comandante de Tropas Nativas Especiais; em Moçambique, participou na operação “Nó Górdio”; fez a sua missão na Guiné de Julho de 1972 a fins de Junho de 1974; pertenceu à primeira Comissão Coordenadora do Movimento dos Capitães na Guiné; foi membro da Assembleia do MFA;
  • José Manuel Barroso [n. 1943]  : jornalista, capitão miliciano na Guiné de Julho de 1972 a Maio de 1974; colaborador directo do general Spínola, na Guiné; membro do MFA da Guiné;
  •  Florindo Morais  [n. 1939] : só vai para a Guiné, como major, nos primeiros dias de Junho de 1974, sendo o último comandante do batalhão de Comandos Africanos na Guiné e regressa na véspera da independência. (Notas biográifcas dos organizadores dos Estudos Gerais da Arrábida

2.  O Golpe Militar de Bissau (##)

Entrevistadores: Manuel Lucena (1938-2105), Luís Salgado Matos (1946-2021)

Entrevistados, Mateus da Slva (1933-2021), Matos Gomes (n. 1946), José Manuel Barroso (n. 1943)

 [...] General Mateus da Silva: 

Há um aspecto que também é único no MFA da Guiné: é que o MFA em Lisboa, tinha principalmente capitães, muito poucos majores e não tinha os comandos das unidades. 

Na Guiné, porque o ambiente era totalmente favorável ao MFA, podíamos ter envolvido,  na conspiração, todos os capitães que quiséssemos, mas como não nos interessava isso, porque ia alargar muito, escolhemos os comandantes das unidades: envolvemos o comandante do Batalhão de Comandos, o comandante e o 2º comandante do Batalhão de Paraquedistas, o comandante da Polícia Militar, o comandante das Transmissões (as comunicações eram essenciais), o comandante da Engenharia, o comandante da Artilharia, e, quando quiséssemos carregar no botão e tomar o poder, era só querermos.

Luís Salgado Matos: 


Qual era o papel do general Bettencourt Rodrigues? Percebia o que se estava a passar? Sabia do que se estava a passar? Tinha alguém em quem tivesse confiança?  


Coronel Matos Gomes: 


Ele sabia muito pouco. Há uma história que demonstra a forma diferente do general Bettencourt Rodrigues exercer a sua função de comando, como comandante-chefe. O general Spínola falava com muita facilidade à hierarquia, até cá abaixo. Qualquer capitão podia muito facilmente obter acesso ao general Comandante-chefe. Portanto, estes circuitos funcionavam quase em ligação directa. 


Ao passo que o Bettencourt Rodrigues, até por questões de feitio pessoal e de formação militar e profissional, como oficial de Estado-Maior, a primeira acção que lhe corresponde como comandante-chefe é cortar essa ligação, e coloca um fusível na ligação, que era o seu Chefe de Estado-Maior, o coronel Hugo Rodrigues da Silva, passando a ser impossível um comandante de uma unidade falar com o comandante-chefe ou com outro operacional. Tudo passava pelo coronel Chefe de Estado-Maior. 


Para os comandantes das unidades, habituados a negociar concretamente com Deus Nosso Senhor, as coisas passaram a ser muito complicadas e a reacção é deste género: «Bom se ele não quer saber, não sabe e pronto!» E passa a saber muito menos coisas. Além de não saber aquilo que era o estado de espírito, passa a não saber também coisas [concretas] essenciais. 


José Manuel Barroso: 


 [...] Eu penso que o general Bettencourt Rodrigues (eu continuei a lidar com ele, não do modo como lidava com o Spínola, mas quase diariamente) tentou aguentar o que estava, não quis fazer grandes alterações, criar grandes problemas, grandes conflitos. Tentou aguentar o que estava em função das instruções que levava. 


Simplesmente, o que sucede, quando o general Bettencourt Rodrigues lá chega - e até pelo facto do general Spínola regressar à metrópole -, é que havia já um desencanto total em relação à evolução. 


Quer dizer, a própria retirada do general Spínola do terreno de operações (e do poder político na Guiné) significou, para a grande maioria dos oficiais, não só [para] os que conspiravam lá abertamente, quer fossem spinolístas ou não, mas também [para] os próprios milicianos, uma forma de dizer: «Isto não tem safa, tem que haver uma outra evolução qualquer». Ou: «O próprio Spínola já não tem qualquer hipótese e vai-se embora.» 


Pelo general Bettencourt Rodrigues, havia respeito, não era da «brigada do reumático». Mas ele era um corpo estranho.


General Mateus da Silva: 


[…] Bom, nós reunimo-nos na véspera [do 25 de Abril], estivemos até cerca da 1:00 hora, não conseguimos informação nenhuma de Lisboa, sobre se realmente tinha acontecido ou não alguma coisa. Nós tínhamos um centro de escuta no Agrupamento de Transmissões, que era óptimo. Escutávamos em permanência a Reuter e a France-Press, e tínhamos um tele-impressor ligado e apareciam as notícias em catadupa. 


Escutávamos todas as emissões de rádio dirigidas contra nós, desde a Rádio-Moscovo ao PAIGC, tudo. E todos os dias, era editado um documento, acho que era o Boletim Periódico de Rádio. São documentos que não sei se existem, se foram arquivados. E nós gravávamos, e transcrevíamos todas as emissões em português que eram dirigidas contra nós. Tínhamos as agências noticiosas e, antes de regressarmos a casa, nessa noite, avisei o oficial de dia, que era o alferes Rodrigues, para estar com muita atenção no centro de escutas, que podia acontecer qualquer coisa. 


Às 5 ou 6 da manhã, quando os tele-impressores da Reuter e da France-Press começaram a debitar as primeiras notícias, ele percebeu que realmente tinha acontecido qualquer coisa em Portugal. Telefonou-me logo para casa e eu avisei todos os outros pelo telefone e imediatamente soubemos o que se passava. Lembro-me de que o alferes Rodrigues até chorava a contar o que tinha acontecido. 


Isto foi a noite antes do 25 de Abril, e depois ia falar no dia 25 de Abril.


Quando nós tivemos as primeiras notícias do dia 25 de Abril, avisei o major Freire, que era o comandante da polícia e que também estava connosco (todos os comandantes das coisas importantes estavam envolvidos). 


E o major Freire diz-me assim: «Oh pá! Eu tenho de ir agora às 8 horas com o director da PIDE para a Ilha das Galinhas visitar os presos políticos. O que é que eu faço?» Eu respondi: «Oh pá! Só tens um remédio, vais!» 


Então, às 8 horas da manhã, ele foi para a ilha das Galinhas, com o director da PIDE. Passaram lá uma manhã estupenda, almoçaram, regressaram a Bissau e o director da PIDE não sabia rigorosamente de nada do que se estava a passar em Lisboa. 


Depois, reunimo-nos várias vezes para decidir o que é que fazíamos, o que é que não íamos fazer. E tentámos contactar com Lisboa, mas ninguém nos ligava nenhuma em Lisboa, estavam noutra. 


Ao fim da tarde, apareceu um telegrama do almirante Ferreira de Almeida, chefe do estado-maior da Armada, que,  apesar de ser um homem muito ligado ao regime, disse logo que, tendo o poder político mudado, a Marinha estava com o novo poder político. Tomou logo essa decisão, mesmo antes de ser substituído. 


O comandante naval em Bissau, comodoro Almeida Brandão, perante aquela mensagem, vai ao general Bettencourt Rodrigues, mostra-lhe a mensagem e diz-lhe: 


«Olhe, sr. comandante-chefe, passa-se isto… O chefe do Estado Maior da Armada já está com o 25 de Abril, o que é que o senhor quer fazer?» 


O Almeida Brandão também era um militar, digamos, democrata e aberto, e mandou uma mensagem para Lisboa a dizer que a Marinha na Guiné estava com o MFA. 


O general Bettencourt Rodrigues não tomava posição, estava à espera de receber instruções, e passou toda a noite assim. 


No dia 26 de Abril, logo de manhã, nós, este grupo que estava mais ligado, reunimo-nos no Batalhão de Paraquedistas, em Bissau, às 8.30h, a discutir o que havíamos de fazer. 


E foi nessa reunião que decidimos intervir e, digamos, fazer aquilo a que eu chamo um golpe militar em Bissau, que na altura não teria esta percepção, mas, a posteriori, considero que de facto foi um golpe militar. 


Discutiu-se quem ia ficar como encarregado do Governo, eu propus que fosse o secretário-geral, o dr. Libânio Pires, todos os outros acharam que devia ser eu, como militar mais graduado. Escolhemos o comodoro Almeida Brandão para futuro comandante-chefe, porque era o mais antigo e, além disso, tinha já tomado a decisão de mandar um telegrama para Lisboa, a dizer que aderia ao MFA. 

  [...] Às 9h (era feriado municipal em Bissau), fomos ao gabinete do comandante-naval, comodoro Almeida Brandão, convidá-lo a ser o nosso futuro comandante-chefe. Também tem piada porque, antes de destituirmos o governador, já estávamos a convidar o futuro comandante-chefe. 


O comodoro hesitou um bocado e disse que não podia aceitar. Nós até queríamos que ele também fosse logo connosco ao gabinete do Bettencourt Rodrigues. Recusou-se mas acabou por dizer que aceitava ser comandante-chefe. 


Em seguida, ainda passámos pelo Palácio do Governador mas ele não estava, estava no comando-chefe na Amura. Fomos então à Amura. Na altura, houve uma companhia da polícia militar que cercou o comando-chefe, e também havia tropas paraquedistas nossas que estavam ali à volta. 


Entrámos de rompante no gabinete do general Bettencourt Rodrigues, o ajudante meteu-se à frente e levou um pinhão que voou por ali adentro… A porta abriu-se de escantilhão e nós entrámos. 


Agora imaginem, do ponto de vista do general comandante-chefe, que vê um grupo aí de doze oficiais (###), entrarem-lhe assim pelo gabinete… 


Ele ficou logo desequilibrado psicologicamente. Quando falámos com o coronel Hugo Rodrigues da Silva, que era o intermediário de tudo com o governador, ele recriminou-nos por termos feito aquilo sem o informar primeiro. 


O brigadeiro Leitão Marques teve uma reacção perfeitamente despropositada, disse assim: 


«Meus senhores, hoje acabou a minha carreira militar, os senhores prendam-me, matem-me, fuzilem-me, façam-me o que quiserem.» 


Uma coisa perfeitamente dramática e despropositada. 


O general Bettencourt Rodrigues perguntou se estava preso, e este também é um aspecto que acho muito interessante. É evidente que ele estava pelo menos bastante coagido, mas eu disse:


 «Não, o meu general não está preso, simplesmente vai ao palácio, faz as suas malas e embarca hoje no avião para Lisboa.» 


E foi o que ele fez, mas muito civilizadamente. Eu tenho aqui fotocópias, está aqui um texto escrito mais tarde num jornal pelo general Bettencourt Rodrigues: 


«A perguntas minhas, aqueles oficiais acrescentaram que devia seguir para Lisboa nessa manhã, em avião que vinha de Luanda e sairia da Guiné em liberdade».


 Isto é dito por ele próprio e acaba com a polémica.  


O general Spínola já deu uma entrevista a dizer que o Bettencourt Rodrigues foi preso na Guiné, quando a verdade é que quem mandou prender o Bettencourt Rodrigues foi ele, Spínola. Porque quando Bettencourt chegou a Cabo Verde, teve de esperar por ligação para Lisboa, e teve de ficar um dia, ou coisa assim, e os elementos de Cabo Verde agitaram-se, falaram para Lisboa. E então veio um telegrama de Lisboa, da JSN [JUnta de Salvação Nacional ] , a dizer que o general Bettencourt Rodrigues devia regressar a Lisboa, sob prisão.

Do meu ponto de vista, foi o general Spínola, directamente ou alguém por ele, que prendeu o Bettencourt Rodrigues, o que tem a sua lógica, porque o general Spínola não podia com o Bettencourt Rodrigues, pois achava que tinha destruído a sua política da «Guiné melhor». [...]…

Luís Salgado Matos: 


Quando diz ao Bettencourt Rodrigues que não está preso, tem é de fazer as malas para voltar para Lisboa, o que é que ele responde?


General Mateus da Silva: 


Ele não respondeu, ele aceitou. Fez uma cena mais ou menos dramática, quase com as lágrimas nos olhos, a dizer: 


«Meus senhores, estão aqui os oficiais que mais considero na Guiné, os comandantes das principais unidades, fulano esteve ontem aqui sentado ao meu lado, a falar comigo, outro não sei que mais, eu não podia esperar jamais que me fizessem uma coisa destas, estou profundamente magoado.» 


Foi mais ou menos esta a reacção dele. […]


Coronel Matos Gomes: 


Só houve três oficiais que se solidarizaram com ele, o Leitão Marques, o coronel Rodrigues da Silva e, posteriormente, na sala de operações, o coronel Vaz Antunes. 


General Mateus da Silva: 


Eu acho que foi um mal-entendido, porque o Leitão Marques era um homem democrata e nós até gostaríamos que fosse ele a substituir o Bettencourt Rodrigues. Nós saímos do gabinete do general Bettencourt Rodrigues e dirigimo-nos à sala de operações. Como era feriado, o briefing era às 10h e, quando avança aquele grupo comigo à frente, na sala de operações, falando como as coisas são e se passaram, eu senti imediatamente que os coronéis e outros oficiais mais graduados do que eu me abriram alas e me cumprimentaram logo com toda a deferência. 


Entrei na sala de operações e sentei-me na primeira fila, no lugar do general Bettencourt Rodrigues. Antes de me sentar expliquei o que é que se passava e foi nessa altura que o coronel Vaz Antunes disse que não podia aceitar uma situação destas, que estava solidário com o general Bettencourt Rodrigues. E o Almeida Brandão virou-se para ele e disse:


 «Se está solidário, saia!» 


Já o Almeida Brandão a assumir-se como comandante-chefe. E depois teve lugar o briefing com toda a naturalidade. 


Às 3h da tarde, depois de uma grande informação pela rádio, tomei posse como encarregado do Governo. Antes de tomar posse, chegou ao nosso conhecimento a directiva da JSN, dispondo que nas províncias de governo simples o governador devia ser substituído pelo secretário-geral. Então pôs-se a dúvida se eu tomaria posse, ou daria posse ao dr. Libânio Pires e até à última hora estivemos em contacto com Lisboa, que acabou por aceitar: «Está bem, pronto então toma posse.» 


Isso foi de tal maneira que eu pedi ao José Manuel Barroso para me escrever o discurso que eu diria no caso de não tomar posse. Nunca o pronunciei, mas está aí escrito com a letra dele e pelo punho dele. Tomei posse, mas isso foi o próprio MFA da Guiné que decidiu, contrariamente à JSN. 


Manuel de Lucena: 

Da JSN, quem deu o aval à sua posse? 


General Mateus da Silva: 


Não foi ninguém, foi um intermediário, foi um dos oficiais que gravitava ali à volta, não me lembro exactamente quem foi. Aliás ouvia-se muito mal, as comunicações telefónicas eram muito más, confesso que não me lembro.  [...] (#)


(Seleção, revisão / fixação de texto, negritos, parênteses retos, notas, para efeitos de publicação deste poste: LG)

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(#) Atual endereço do sítio do AHS - Arquivo Histórico Social, ICS/UL

(##) Vd. também aqui o depoimento de J. Sales Golias [n. 1941] , ten cor > A descolonização da Guiné: Intervenção na Mesa Redonda levada a efeito pelo Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra / Fórum dos Estudantes da CPLP, Coimbra, 30 de Abril de 2005 

(###) O Jorge Sales Golias  fala em onze:

Lista dos Oficiais revoltosos (##);

TCor Mateus da Silva, Engº Tm | TCor Maia e Costa, Engº | Maj Folques, Cmd | Maj Mensurado, Pára | Cap Simões da Silva, Art | Cap Sales Golias, Eng Tm | Cap Matos Gomes, Cmd | Cap Batista da Silva, Cmd | Cap Saiegh Cmd (Africano) | Cap Ten Pessoa Brandão, Armada | Cap mil José Manuel Barroso
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Nota do editor:

Último poste da série > 12 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25374: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XV: as ondas hertzianas também chegavam a Nhala, Gadamael, Pirada, Canquelifá...