É uma figura conhecida do meio musical, jornalístico e da rádio. Ver aqui a sua entrada na Wikipédia. É também amigo do nosso camarada Manuel Amante da Rosa, e seu contemporâneo no QG/CTIG.
Na sua página do Facebook (Carlos Filipe Gonçalves, Kalu Nhô Roque) encontrámos um texto, em duas partes, sobre a sua versão dos acontecimentos do 25 de Abril em Bissau (**). Vamos aqui reproduzi-lo com a devida vénia. A segunda parte já foi publicada na página do Facebook da Tabanca Grande.
No 25 de Abril eu estava em... (36): Em Bissau, em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, QG/CTIG - Parte I
25 de Abril de 2025 - 51 anos passados, sobre aquele dia que jamais esquecerei, tinha 23 anos, um jovem militar em comissão de serviço na Chefia dos Serviços de Intendência, em Bissau.
Poucos dias antes, a 3 de Março, tinha completado o meu primeiro ano de comissão, pois chegara em 1973.... Nem fiz a comemoração da praxe.... Na época, a passagem à «peluda» era a preocupação diária, faltava-me mais um ano... mas, eis que chegou esse dia, que viria trazer o Fim da Guerra... nem imaginávamos que isso aconteceria.
Para aqueles, que nunca lá estiveram e para os nossos filhos e netos, eis, como passamos o dia 25 de Abril de 1974:
Os primeiros dias de Abril de 1974 começaram, salpicados pelas operações no mato (dos comandos, tropa e guerrilha), algo a que já estamos acostumados em Bissau e continuam os crónicos problemas de ordem pública em bairros como o Pilon, até que…
Naquele dia 25 de Abril de 1974 pelas 8 da manhã, mal entro na repartição, o alferes me diz: “Oh, Gonçalves, está a decorrer algo em Lisboa! A tropa saiu toda para a rua! Parece que é um golpe!”
Fiquei espantado, faço perguntas, porque não entendo nada! O alferes saía, ia por aí, ter com amigos e pessoas de confiança, depois voltava com mais notícias e descrições do acontecia em Lisboa. As notícias chegavam através da malta das transmissões… e o pessoal do Comando-Chefe, também dispunha de muitas informações que eram passadas para muitos oficiais noutros serviços… neste caso o meu alferes!
Fomos assim recebendo informações ao longo da manhã daquele dia 25 de Abril. Por exemplo, cerca das 11 horas, ficámos a saber de um ministro que tinha furado um buraco numa parede de uma das salas no edifício do Terreiro do Paço, para fugir… etc. etc.
Estávamos todos empolgados, rimos às gargalhadas deste episódio, embora estivéssemos muito ansiosos, comentámos: "aquele ministro devia estar a borrar-se todo!"
Começaram depois a surgir preocupações, interrogávamos baixinho: “E o tenente-coronel? O brigadeiro? Como vão reagir!”
Entretanto chegou a hora do almoço. Na esplanada da messe no QG de Santa Luzia, todos ouvem atentamente o noticiário em direto de Lisboa às 13 horas, que relata muito daquilo que já sabíamos e dá notícias mais recentes… à tarde soubemos do cerco a Marcelo Caetano no Carmo.
Mas, nem toda a gente no quartel teve a sorte de seguir quase ao minuto os acontecimentos, como nós, a malta na Secção de Víveres na Chefia da Intendência onde eu estava.
Manuel Amante Rosa, cabo-miliciano, que trabalhava no Batalhão de Intendência, conta que estava “(…) de «Sargento de Dia» na CCS, Companhia de Comando e Serviços do Quartel-General da Guiné, em Bissau. Sem sabermos nada durante toda a manhã. Como sempre aguardamos a hora do almoço na messe. Aqui circulavam os boatos (…). Mas, após cruzamentos e juntando-se alguns pontos, lá fomos sabendo em catadupas e aos bocados que o regime tombara. Deu-se logo a debandada de muitos para os quartos para a sintonização e escuta dos rádios transístor. Nesse dia a Rádio Maria Turra, só à noite seria sintonizada, sempre em segredo, na hora habitual.”
O militar José Teixeira, algures no mato, disse simplesmente: “A gente ouviu através da rádio, (…) que tinha havido um golpe de Estado em Portugal, no dia 25 de Abril.”
Um outro militar em Guidage, no Norte, conta:
“Passámos todo o dia à volta do rádio, ouvindo as edições especiais da BBC em língua portuguesa, a tentar saber algo sobre o sucedido. (…) Está tudo muito, muito confuso, pois todas as notícias são precedidas de «parece que» ou finalizadas por «não confirmado».
Alegria Faustino, citado anteriormente, recorda:
“No dia 25 de Abril, em Jembérem, Cantanhez (Sul da Guiné) a nossa guarnição, sofre flagelação de armas pesadas, (durante) 20 minutos (…). Só no dia seguinte, a 26, se soube da Revolução. Uns riam-se, outros, choravam, outros dançavam, outros bebendo, cada um festejando à sua maneira. Esboçava-se uma esperança, que a guerra teria fim e assim aconteceu.”
Extracto das minhas recordações da Guiné, 1973 – 1975, talvez um dia serão publicadas em livro.— com Vasco Martins e 12 outras pessoas.
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Notas do editor:
(*) Vd. poste de 14 de maio de 2019 > Guiné 61/74 - P19784 Tabanca Grande (479): Carlos Filipe Gonçalves, ex-fur mil amanuense, QG/CTIG, Bissau, 1973/74... Radialista, jornalista e escritor, vive na Praia, Cabo Verde. Senta-se à sombra do nosso mágico poilão, sob o nº 79024 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25435: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (32): Rio de Janeiro, como rececionista num hotel, numa fase difícil da minha vida; como emigrante não prestava, até 1996, grande atenção à política em Portugal (João Crisóstomo, Nova Iorque)
14 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25383: No dia 25 de Abril eu estava em... (28): A viver na Bobadela, a trabalhar em Setúbal... Meti dispensa de serviço depois do almoço e fui a correr até ao Carmo, ainda a tempo de ver a saída da chaimite com o deposto Marcelo... (Hélder Sousa, ex-fur mil trms, TSF, Piche e Bissau, nov 70/ nov 72)
5 comentários:
Eu estava em Nhacra, depois de ter passado por Bigene e Cadique Nalu. A ouvir os relatos da BBC sobre as movimentações das tropas; quando o locutor mencionou o nome do Salgueiro Maia a caminho do Carmo, a malta exultou porque o tínhamos conhecido uns meses antes em Bissau. A 26 ou 27 a C.CAÇ 4540 ainda fez segurança aos pides e suas famílias até ao aeroporto de Bissalanca!
Pois eu estava em Faro e quando me apercebi que o movimento era irreversível exultei pelo facto de ter percebido que as naus do Império iam deixar de transportar nos seus porões carne para canhão.
Abraço
Eduardo Estrela
Eu estava em Mafra, nessa manhã... Trabalhava então na Repartição de Finanças, há uns escassos meses tinha lá ido tomar posse num lugar do quadro do pessoal da Direção-Greal das Contribuições e Impostos...A Repartição estava instalada no próprio edifício do Convento de Mafra. Nas traseiras era a EPI - Escola Prática de Infantaria...
Por incrível que pareça, não dei conta, nessa manhã, de nenhuma movimentação de tropas ou viaturas... Acompanhávamos, com evidente nervosismo (por razões diferentes), os relatos na rádio, enquanto continuávamos a atender o público e a fazer o trabalho que competia a cada um... (Havia um dos colegas que sintonizara discretamente o seu rádio transistor, e íamos também regular mas discretamente colando o ouvido ao aparelho...).
A minha grande dúvida (e receio) é que fosse uma resposta da extrema-direita militar à tentativa (falhada) do 16 de março de 1974...Depois começaram a surgir os sinais (inequívocos) de que se tratava de um golpe de Estado de sinal contrário, liderado pelos jovens capitães do MFA...Já não consegui trabalhar mais nesse dia... Nem eu nem alguns dos mais novos funcionários da repartição... O chefe, que era açoriano, trancou-se no seu gabinete...
Estava longe de imaginar que na madrugada do 25 de Abril de 1974, também se conspirava ali na "Máfrica", a EPI... A escassas centenas do meu quarto alugado, numa das ruas paralelas ao convento...e ao quartel.
"25/04/1974 | 00:30 | Escola Prática de Infantaria, Mafra (EPI)
Cap Rui Rodrigues e Aguda ordenam a formatura da Companhia de Intervenção, a três bigrupos de 50 homens. O Cap Silvério põe em execução o planeamento de defesa da unidade. O Cor Jasmins de Freitas é chamado à unidade onde os Maj Aurélio Trindade (a dirigir a actividade do Movimento) e Cerqueira Rocha põem o coronel a par da situação e convidam-no a assumir o comando da unidade, que aceita."
Fonte: Associação 25 Abril > Movimentações do dia 25 de Abril
... Só mais tarde eu viria a saber que o cap Luís Silvério (hoje general na reforma) era meu conterrâneo, natural de Ribamar, Lourinhã... E o que o major Aurélio Trindade (recentemente falecido, e nosso grão-tabanqueiro a título póstumo) tinha sido o último comandante da 4ª CCAÇ e o primeiro da CCAÇ 6 (Bedanda, 1965/67).
O Luís Silvério era o curso da Academia Militar do nosso coeditor (jubilado) Virgínio Briote... O Luís continuou, o Virgílio saiu, foi parar à Guiné em 1965/67...Ficaram amigos. Não tenho dúvidas que se tivesse prosseguido a carreira militar, o Virgínio estaria ao lado do Luís e de outros capitães do MFA nessa já longínqua madrugada de 25 de Abril de 1974...
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