quarta-feira, 24 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25435: No 25 de Abril de 1974 eu estava em... (32): Rio de Janeiro, como rececionista num hotel, numa fase difícil da minha vida; como emigrante não prestava, até 1996, grande atenção à política em Portugal (João Crisóstomo, Nova Iorque)



João Crisóstomo: (i) é natural de Torres Vedras; (ii) membro da nossa Tabanca Grande desde 26 de julho de 2010, sentando-se à sombra do nosso poilão sob o n.º 432; (iii) tem 225 referências no nosso blogue; (iv) é o régulo da Tabanca da Diáspora Lusófona; (v)  foi alf mil inf, CCAÇ CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67); (vi) vive em Queens, Nova Iorque, desde 1975, mas vem cá com frequência, ao seu querido Portugal; (vii) conhecido ativista social, foi-lhe atribuido recentemente o Prémio Tágides 2023 (na categoria de "Portugal no Mundo")



Guiné >Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xime > CCAÇ 1439 (1965/67) > Agosto de 1965 > O primeiro contacto com as terras do Xime...Em primeiro plano, o alferes Crisóstomo  e o picador...

Foto (e legenda): © João Crisóstomo (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné].


1. Mensagem do João Crisóstomo:

Data - segunda, 22/04/2024, 06:37
Assunto - 25 de Abril

Vejo já artigos, reportagens, descrições individuais fabulosas sobre este 25 de Abril. E quase estou na dúvida se devo mandar o que segue, que em comparação não tem muito por onde se lhe pegue, a não ser que o tédio também conte.

Ao fim e ao cabo estou a falar pouco desse dia, exceto dum ponto muito subjetivo e mesquinho, quase e apenas pessoal. Bom, talvez conte, para fazer vir o sono a alguns dos mais velhotes e como eu com dificuldades de dormir, antes de irem para a cama… 

Mas foi isto que me veio à ideia quando pensei no “meu’ 25 de Abril (*).

O 25 de Abril 1974 apanhou-me numa fase difícil da minha vida. Depois de ter regressado são e salvo da Guiné (**), decidi dar uma volta pela Europa para aperfeiçoar línguas, pois tinha posto na cabeça que o meu futuro em Portugal seria o turismo.

Dois anos na Inglaterra, um ano em França, sete meses na Alemanha e no meio deste encontrei a que viria a ser minha esposa.

Casados em Londres,  decidimos ir para o Brasil,  onde tencionávamos gerir um restaurante que teórica e oficialmente pertencia a um avô da minha esposa. Mas no Brasil isso não contava já nada.

Avisados para não nos metermos em sarilhos, pois se tentássemos sequer reaver o restaurante tudo nos podia acontecer, acabei por começar do zero, pois a tal lei de reciprocidade entre portuguese e brasileiros, nessa altura. na prática não passava de uma fantasia no Brasil.

A cunha de um português bem alicerçado no Brasil que tinha sido colega de escola da minha sogra, foi a minha salvação. 

E estava já trabalhando como rececionista num hotel, quando chegou a notícia : houve um golpe de Estado em Portugal.

A minha reação foi quase nula: "Oxalá não hajam mortos e apareça alguém com capacidade para governar", pensei eu.

Tudo o que me preocupava era encontrar maneira de dar à minha jovem família e a mim mesmo razão de esperança e confiança de um futuro melhor do que estava experimentando desde que tinha chegado ao Brasil.

Uma crise de meningite em crianças que subitamente pôs o Rio de Janeiro em estado de pânico,  levou-me a pôr a minha família no primeiro barco de regresso a Portugal, enquanto eu, que tinha sido promovido a subgerente, ficava, mas ainda procurando algo melhor.

Do Brasil vim aos Estados Unidos, convencido de que aqui podia tirar um grau superior em Hotelaria, que me ia abrir as portas no mundo do turismo, que era para mim a minha primeira escolha depois que voltei da Guiné.

Tudo saiu diferente do que esperava e acabei por ficar em Nova Iorque para onde trouxe depois a minha família, agora acrescida de um filho que tinha nascido em Portugal, seis meses depois do regresso do Brasil.

Como emigrante não prestava muita atencão à política em Portugal, sabendo apenas que, graças a Deus, tal golpe de Estado tinha sido quase pacífico, mas que havia muita confusão : que se tinha dado a correr a independência a todos os que a pediam; mas que a pressa em que tudo era feito não augurava bom futuro para ninguém, como se veio a verificar.

E lembro que em 1996 quando me pediram para me envolver na causa de Timor Leste, eu respondi imediatamente que não me queria envolver em guerras fraticidas e na confusão que essa concessão de independência total sem as preparações devidas tinha causado em toda a parte.

Mas a minha experiência na Guiné vinha-me frequentemente à memória e comecei a procurar saber notícias e mesmo literatura . Não encontrava nada.

Até que numa visita a Portuga encontrei numa feira do livro, na Gare do Oriente, o livro "em Terras de Soncó", do Mário Beja Santos. Esse livro , logo seguido pela minha entrada para a Tabanca Grande, e encontros com camaradas da Guiné e outros veio reforçar o interesse por assuntos portugueses que durante muito tempo eu tinha intencionalmente ignorado.

Minha opinião agora é de que o 25 de Abril possibilitou e desencadeou um despertar de consciências geral, que possibilitou a democracia que agora vivemos. Não é perfeita, mas parece-me que o é o melhor que já alguma vez tivemos. E isso faz dessa data uma das mais importantes da nossa história.

João Cisóstomo, Nova Iorque

(Revisão / fixação de texto, negritos: LG)

__________

Notas do editor:

(*) ÚLtimo poste da série > 21 de abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25419: No dia 25 de Abril de 1974 eu estava em... (31): Lisboa, de licença de férias, e depois de uma noitada o meu cunhado acordou-me às 9h00: "Eh, pá, já não voltas mais para a guerra" (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART/BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

(**) Vd. poste de:

14 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23078: CCAÇ 1439 (Xime, Bambadinca, Enxalé, Porto Gole e Missirá, 1965/67): A “história” como eu a lembro e vivi (João Crisóstomo, ex-alf mil, Nova Iorque) - XIX (e última) Parte: Anexo B: Outros dados estatísticos: baixas, louvores e condecorações

5 comentários:

Valdemar Silva disse...

Meu caro amigo João Crisóstomo, uma simples frase com a tua habitual amizade aos grandes acontecimentos.

"E isso faz dessa data uma das mais importantes da nossa história."


Um grande abraço e Viva o 25 de Abril
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

João: de quase um milhão de combatentes, que regressaram de África, quantos não terão emigrado como tu ? Uns para "dentro" outros para "fora"... Depois de terem um "pouco mais de mundo", quem é que, dos nossos camaradas, aceitava voltar à sua "parvónia" (casal, aldeia, vila, ilha ou cidadezinha...) ? Tu foste para França, Inglaterra, Alemanha, Brasil, EUA... Eu fiquei mais perto, mais também fui para Lisboa, onde podia continuar a estdar e frequentar a universidade...

Dizia-se que Portugal, nessa época, era Porugal e o resto era paisagem... Felizmente, já não é verdade (ou inteiramente verdade): a saúde, a educação, o sanemamento básico, a habitação condigna, as ligações rodoviárias, o emprego, o consumo, a cultura, ... já chegaram, com o 25 de Abril, ao interior do país, de Bragança a Beja, da Freixo de Espada à Cinta a Castro Verde...

Só quem, como nós, nasceu numa ditadura, sabe "dar valor aos valores que o 25 de Abril representam", e que para ti e para mim são importantes como a vida: a liberdade, a justiça, a equidade (ou igualdade de oportunidades)... Valores que, como a saúde, não têm preço...


José Botelho Colaço disse...

Caro Luís como diz o provérbio popular nem tudo o que brilha é ouro: Com a via da desertificação as ligações rodoviárias ou ferroviárias com o interior com tendência para piorar. Exemplo Castro Verde rodoviária tempo da ditadura ligação a Lisboa partida de manhã Faro Lisboa, partida de Lisboa Faro na parte da tarde, ligação Faro Beja parte da manhã, Ligação Beja Faro parte da tarde, Actualmente zero certas época inventam uma expresso que terminado aquele prazo pura e simplesmente desaparece. ligações ferroviárias tempo da ditadura comboio correio de Lisboa Faro e haviam os mercadorias que integravam uma carruagem de passageiros, actualmente linha desactivada há vários anos Beja Funcheira. O que vale a Castro Verde e vai mantendo vivo é o empreendimento das minas Neves Corvo senão seria praticamente um deserto. Nós emigramos ou imigramos mas o Estado pouco ou nada fez para ajudar aqueles que por amor à terra tudo sacrificaram e também aqueles que não desejavam não queriam cortar o "cordão umbilical" . Abraço amigo.

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Correndo embora o risco de trazer para o blogue as questões da "atualidade", só te posso dar razão... Conheço (ou conheci) bem na primeira metade dos anos 90 a Somincor, que é a "garrafa de oxigénio" de Castro Verde (e Almodôvar)... E conheço razoavelmente bem o interior do país, cuja litoralização se tem agravado, a par do envelhecimento... Um bom 25A. Luis

PS - Olha, estou à espera que o António Pina, teu vizinho de São João da Talha, diga que sim ao convite que lhe enderecei para integrar o blogue... A tua forma de colaboração na comemoração dos nossos 20 anos (como blogue), é trazer esse "periquito" para a Tabanca Grande... Não tenho o endereço de email dele, nem o nº de telemóvel... Sei que fez anos agra a 24 de abril. Manda-lhe um abraço meu...

https://www.facebook.com/groups/1541868166066935/

José Botelho Colaço disse...

Quanto ao contacto telefónico também pensava que tinha o teu mas acontece que o dito cujo se "esfumou" se puderes enviar em ms privada agradeço. quanto ao Pina e a sua integração na Tabanca Grande tenho feito o possível, mas ele é como o homem dos sete ofícios e como dizia o pastor quem muito gado toca algum fica para trás. Este fim de semana foi para a terra Loriga zona de Castelo Branco durante a semana é as consultas de saúde e ainda tem as hortas que é o lugar onde o consigo encontrar porque há dias em que se pira para Marinhais para tratar de um "cazal" Naquela zona cazal é uma casa com terreno. Abraço amigo.