sábado, 27 de abril de 2024

Guiné 61/74 - P25451: Os nossos seres, saberes e lazeres (625): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (151): Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 (1) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 23 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Foi uma tarde de domingo para encher a alma de gostosas memórias. Há umas boas décadas, tinha comprado um livro do fotógrafo Luís Pavão com as tabernas de Lisboa, imagens espantosas. Elas reaparecem agora na exposição que o grande fotógrafo tem no Museu de Lisboa, vem bem a propósito agora, que estamos meio século separados do Estado Novo, como éramos e como somos, até parece que nos estamos a ver ao espelho, é um registo impressionante desta viagem pelo tempo. E um quilómetro à frente, entrei num espaço de culto, a Galeria 111, inaugurada em 1964, ao lado da Livraria onde Manuel de Brito nos facultava quer obras proibidas ou nos dava informações sobre novidades editoriais, não era propriamente a livraria dos livros do meu curso, essa era a Livraria Universitária. Tenho uma dívida impagável com a Galeria 111, foi espaço iniciático, é mais do que um dever de memória saudar os 60 anos da Galeria 111, a perseverança dos seus familiares que mantêm vivacissimo este espaço de cultura e convidar os leitores a vir até cá, a exposição prolonga-se até agosto.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (151):
Lembranças de Manuel de Brito e da Galeria 111 - 1


Mário Beja Santos

Nos anos 1960, a aquisição e descoberta de livros fazia-se no Campo Grande, descia-se a Alameda da Universidade, virava-se à direita, enteava-se na Livraria Universitária, era aí que fui comprar livros para as disciplinas de Pré-História, Antiguidade Oriental e Antiguidade Clássica, Teoria da História, Idade Média, Cultura Medieval, etc., havia que conversar com a “senhora doutora”, a proprietária, se estivesse só a empregada só atendia quando apontávamos o dedo para este ou aquele livro, caso contrário era melhor virmos mais tarde. Tínhamos depois a Livraria 111, aqui primava a variedade, até na música, mesmo sem dinheiro para compras, ouvia-se José Afonso, Adriano Correia de Oliveira, Joan Baez, Bob Dylan, Jacques Brel, Leo Ferré, o acervo de música clássica era impressionante. Depois apareceu o anexo, em fevereiro de 1964, a galeria de arte, festejam-se agora os 60 anos. O que ali aprendi não é enunciável, a galeria também funcionava como uma tertúlia, podia-se consultar livros, era local onde a PIDE se mantinha ativa e vigilante, e tinha razão para isso, vendiam-se obras proibidas de à sorrelfa. Ali iniciei a minha formação de gosto pela arte contemporânea, há exposições inesquecíveis, ali aprendia a deslumbrar-me com a arte de Sonia Delaunay, com as primorosas gravuras de Bartolomeu Cid dos Santos e David de Almeida, com a arte terna de António Dacosta, que começou no surrealismo e na plena maturidade se fascinou por temas de grande ingenuidade e delicadeza; ali passei a admirar Jacinto Luís e Eduardo Luís, o período pop de António Palolo, os temas ligados à sociedade de consumo e da luta pelos direitos personificada nos trabalhos de Sá Nogueira, foi aqui que descobri o génio da Paula Rego e de Júlio Pomar, de quem tinha umas gravuras que adquiri quando fui sócio da Gravura, uma cooperativa de artistas que revolucionou a arte seriada.

Volto agora para contemplar neste espaço de que guardo doces memórias a exposição dos 60 anos. Venho com as pernas doridas da exposição que está no Museu da Cidade dedicada à fotografia de Luís Pavão. Pedi uma cadeira e folheei um desdobrável de apresentação. Foi aqui que expuseram pela primeira vez artistas como Álvaro Lapa, António Palolo ou António Sena. O que aqui se pode disfrutar são imagens da coleção Manuel de Brito. “Ao longos destes 60 anos foi reunido um importante arquivo com toda a documentação das exposições, livros, catálogos, artigos de imprensa e a correspondência trocada pelos artistas, que é regularmente consultado por estudantes portugueses e estrangeiros para as suas teses de mestrado e doutoramento.” Em janeiro de 2023 abriu, no espaço do Campo Grande o Centro de Arte Manuel de Brito, sem objetivos comerciais, mostra-se as obras da coleção. O objetivo da efeméride é exibir duas centenas de obras de quase todos os artistas que expuseram na galeria ao longo destas décadas.

Enquanto me vou fixando em obras que me tocam, recordo Manuel de Brito e o modo afável como ele tratava os estudantes desabonados, e mesmo mais tarde, nas décadas de 1970 e 1980, quando os proventos eram parcos, e quando mostrávamos entusiasmo perante uma gravura ele propunha prontamente compras a prestações. Foi assim que adquiri uma ponta seca da Vieira da Silva que o David Almeida gentilmente removeu umas sujidades. E aqui deixo ao leitor imagens de obras que sempre me impressionaram, de gente tocada pelo génio ou por talento desmesurado, de que não escondo a profunda admiração, admiração que estendo à mulher e ao filho de Manuel de Brito, a Maria Arlete e o Rui Brito que continuam a adquirir obras para a coleção e que mantêm vivo este espaço dominante das artes plásticas.

Manuel de Brito e Sonia Delaunay, 1962
Paula Rego em pleno labor criativo, na Galeria 111, 1982
Obra de Paula Rego na Exposição Comemorativa dos 60 anos da Galeria 111, esteve exposta num outro lugar até março de 2024, na companhia de obras da Lourdes Castro
Obra de Sonia Delaunay
Obra de António Palolo
Obra de Miguel Telles da Gama
Arman
Duas obras de Paula Rego
Obra de Jacinto Luís
Obra de Menez
Bartolomeu Cid dos Santos

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25416: Os nossos seres, saberes e lazeres (624): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (150): No Museu Militar de Lisboa, o mais antigo da cidade (2) (Mário Beja Santos)

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