Mostrar mensagens com a etiqueta Jorge Cabral. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Jorge Cabral. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26341: Humor de caserna (89): 38 sutiãs ("corpinhos"),de todos os tamanhos, cores e feitios, para as bajudas de Bissaque e Fá (Jorge Cabral, 1944-2021)


Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap SGE ref Zé Neto (1927-2007), o nosso primeiro grã-tabanqueiro a deixar a Terra da Alegria... 


Enquanto que as feministas da Europa, do pós-Maio de 1968, queimavam os seus sutiãs, símbolo do sexismo e opressão falocrática, na Guiné, o supremo luxo, para as nossas queridas bajudas, era ostentar um corpinho (sutiã), como este que se vê na foto... Farto, largo, colorido...

O "alfero Cabral" foi o primeiro dos "régulos" da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...Um "corpinho" era "manga de ronco"!

O nosso inimitável,  impagável e inbstituível  Jorge Cabral deixou-nos há 3 anos, em 28 de dezembro de 2021. Faz-nos muita falta. E deixou um rasto de saudade.A melhor maneira de o recordar é ler ou reler as "estórias cabralianas". Esta que republicamos é simplesmente genial (*). Lembro-me de ele me ter confidenciado que comprou os sutiãs para as bajudas, quando veio de férias, logo no princípio de 1970, nos Armazéns Grandella (no conto, é o Armazém Fama, na Calçada do Garcia, também na zona do Rossio).

Foto (e legenda) © José Neto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fotograma do vídeo do Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021), de apresentação do vol I de livro de contos, "Estórias Cabralianas", em Lisboa, no Jardim Constantino, em 29 de outubro de 2020, um ano e dois meses antes de morrer. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


Humor de caserna > A festa do corpinho...


por Jorge Cabral (1944-2021)

[ex-alf mil at art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]


O Marinho era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá  
[antiga estação agronómica], desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque (a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito), o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado   [flagelação a Bissaque, aldeia balamta sob duplo controlo, em 18 de dezembro de 1969].

O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca [BCAÇ 2852, 1968/70] (**).

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a tabanca, numa ação socioerótica [...]

Habituado às bajudas mandingas, verifiquei [...] a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito etnicomamário.

A fim de me redimir, em janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 38 corpinhos (sutiãs) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 38 sutiãs de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã. Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os sutiãs constituíam a minha única bagagem. 

Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei, mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo [ prisão militar norte-americana, que faz parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, em Cuba].

In: Jorge Cabral - "Estórias Cabralianas". Lisboa: ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60 (com a devida vénia...).

Originalmente publicado no nosso blogue em 16 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

terça-feira, 17 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26274: Humor de caserna (87): A virilidade lusitana: das bagas do Sambaro ao estoicismo do Sousa (Jorge Cabral, 1944-2021)

Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71 >  O 1º cabo Monteiro (já falecido): "com um pequenino Alfero Cabral, às costas", legendou o cmdt do Pel Caç Nat 63, com graça ... A par da tragédia, a guerra da Guiné foi também um peça do Teatro do Absurdo... Jorge Cabral (1944-2021) tinha o grande talento e o especial mérito de nos mostrar, com um toque de genial humor castrense, esse outro lado da guerra, que era o nosso quotidiano de gente "saudavelmente louca", que se não fora esse "grãozinho de loucura" não teria vencido (leia-se: sobrevivido).

(Foto gentilmente cedida, pelo Jorge Cabral, em 2006, sem menção de autor, e que passou a ser parte do arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné)

 
1. Chega esta altura do Natal e eu sinto uma doce saudade de alguns amigos e camaradas que foram ficando pela picada da vida. Um deles é o "alfero Cabral", o Jorge Cabral (1944-2021), um dos "históricos" do nosso blogue... 

Já lá ficou ele, em plena pandemia, "sentado no marco quilométrico nº 77 da nossa picada da vida", cada vez mais cheia de minas e armadilhas...Sinto que tenho que ir reler algumas das suas "estórias cabralianas"... Para experimentar estar mais próximo dele, do seu legado, da sua irreverência mas também da sua empatia, da sua capacidade de compreensão e compaixão do outro...

Esta "estória" foi publicada há 18 anos, na quadra natalícia (*).. Talvez seja pouco ... natalícia mas é divertida, irónica, desconcertante. E a gente precisa de rir-se como só ele sabia pôr-nos a rir, a sorrir,  a pensar, com a sua graça brejeira e a sua ironia desarmante, desconcertante    (ninguém como ele para ser capaz de  "avacalhar" o sistema, a tropa, a guerra..., mas sem ódio, sem insultos, sem grosseria) .

Onde quer estejas,  Jorge, tu que foste noutra incarnação alferes miliciano de artilharia, comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, Sector L1 - Bambadinca, região de Bafatá, Zona Leste, 1969/71), continua a inspirar-nos e dar-nos ânimo para podermos continuar a contar e partilhar as nossas estórias da Guiné, umas tristes, outras mais divertidas, umas mais safadas outras mais provocatórias, umas mais estúpidas outras mais inteligentes...

Bem sabes que nunca invejei (e tu também não...) o lugar de comandante de coisa nenhuma, no TO da Guiné, e muito menos deste tipo de destacamentos (como o de Missirá), isolados, na linha de fronteira dos setores, na terra de ninguém, guarnecido por pelotões de caçadores nativos, mais uns tantos milícias com a sua numerosa família às costas, além dos cães e dos cabritos   e das galinhas (nunca vi gatos) 
,  e mais meia dúzia de graduados (1 alferes, 2 ou 3 furriéis, outros tantos cabos e especialistas de origem metropolitana), à beira do abismo, esquecidos e abandonados, sem eletricidade, sem bebidas, sem frescos, sem comida decente, sem artilharia... Enfim, entregues à sorte e ao azar...  E, ainda por cima, sem direito a um lugar na História. (No Arquivo Histórico-Militar, não há sequer  história destas subunidades, porque ninguém as escreveu.)

Amigos e camaradas da Guiné: não vejam nestas "estórias cabralianas" qualquer propósito de ofender a secular e nobre instituição militar, mas tão apenas o relato das manifestações de uma saudável loucura, própria dos seres humanos que são postos à prova em situações-limite...

Contrariamente a qualquer bestiário da guerra, as estórias cabralianas são um hino à idiossincrasia lusitana, à plasticidade comportamental dos nossos soldados, à enorme capacidade de resistência, de sobrevivência, de imaginação, de adaptação e de "desenrascanço" da nossa gente...

Eu sei que as estórias do Jorge têm fãs e detratores... Eu, que estou do lado dos fãs, tiro-lhe o quico, bato-lhe a pala, desfaço-me em adjetivos e louvores... Infelizmente este filão esgotou-se: uma doença crónica de evolução prolongada  cortou-lhe o fio da vida, o húmus do humor, a torrente da escrita,  já no final de 2021...

Fica a sua memória,  a sua verve, a sua capacidade de grande observador da natureza humana, o seu talento literário: ninguém como ele sabia, com duas pinceladas, criar uma personagem (um "boneco") e mostrar aquilo que é o único na espécie humana que é a compaixão (no seu sentido etimológico, cum + passio > sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor) e a capacidade de rir-se  de si próprio quando a gente se olha ao espelho... no outro.

O Jorge, que enquanto estudante universitário tinha devorado o Ionesco e o teatro do absurdo, não se colocava na situação, confortável, do marionetista, manipulando as suas criaturas... Ele fazia parte, de alma e coração, da peça e do cenário, e do "makng of" do seu teatro do absurdo...

Caro leitor: que não sejam precisas as bagas do Sambaro no teu/nosso sapatinho para nos pormos a sorrir, a pensar,  a ter esperança, saúde, boa disposição, amor, amizade, liberdade,  paz... E, já agora,  Bom Ano Novo, saudemo-lo, a ele que aí vem, cheio de promessas, de ilusões, de oportunidades e de ameaças como todos os Novos Anos que já vivemos... 


O "alfero Cabral", 
em carne e osso
A virilidade lusitana: das bagas do Sambaro ao estoicismo do Sousa

por Jorge Cabral
 (1944-2021)


Amigo Luís, cá continuo relembrando a vida nos Destacamentos, com a ajuda dos Amigos que me acompanhavam, e que me contam extraordinárias peripécias, algumas das quais eu já havia esquecido.

Num Destacamento isolado como era Missirá, a forma de estar e de viver dependia muito da personalidade do respectivo Comandante, suas capacidades, limitações e peculiaridades. Até porque as funções que lhe eram atribuídas, excediam a mera chefia militar. Médico, Psicólogo, Juiz, Conselheiro, superentendia em todos os assuntos, e do seu carácter podia resultar um férreo ambiente prisional, ou uma agradável comunidade de afectos, como creio ter sido o meu caso.

Claro que estávamos todos apanhados, mas numa loucura amena e saudável, que nos divertia e  
nos ajudava a mascarar a tristíssima rotina.

Todos, metropolitanos e africanos, alinhavam  n imaginação do alferes  que cada dia surgia com uma nova ideia. É por isso que devo ter material para centenas de estórias, desde a comemoração de São Mamadu, até o ter colocado as mulheres de sentinela…

As decisões mais difíceis aconteciam com as evacuações por doença, principalmente porque o meu enfermeiro, o maqueiro Alpiarça, quando não estava bêbado, para lá caminhava…
A estória que hoje remeto, descreve, precisamente, uma situação em que tive muitas dúvidas. Felizmente, o Sousa recuperou…

Bom Natal, Amigo! Grande Abraço!
Jorge (*)
______________


Aos domingos vestíamo-nos à paisana e dávamos longos passeios à volta da parada, imaginando praças, avenidas, ruas, adros de igreja e até estações de comboio. Depois entrávamos na Cantina e invariavelmente pedíamos:

− Um fino e uns  tremoços!!!

Não havendo tremoços, triplicávamos a cerveja, não sem o Pechirra, o nosso motorista, explicar a importância do acompanhamento em falta, o qual segundo ele possuía um monumental efeito afrodisíaco, pois…  E lá contava uma delirante estória das suas proezas sexuais. Só os soldados africanos e algum adido metropolitano periquito, ainda o escutavam, embora o seu calão portuense fosse dificilmente traduzível.

Uma vez o bazuqueiro Sambaro anunciou que possuía umas bagas suma (**) tremoço,  tão boas que um homem podia estar toda a noite… Achei piada. À basófia tripeira respondia a basófia fula… Afinal as diferenças não eram assim tão grandes…

O certo é que o Sambaro foi buscar as tais bagas, e calhou ao Sousa experimentar. Ao fim de uma hora resultou. Passadas quatro horas continuava a resultar. Oito horas depois o Sousa uivava de dor, e suplicava-me a sua evacuação. Que fazer?

Reuni com os furriéis. Podia eu lá evacuar um soldado com aquele motivo ?! Que escreveria na mensagem? Ataque de tes*o…? 

Pragmático,  o Amaral sentenciava:

− O que sobe, desce. 

E o Branquinho acrescentava:

− Não há mal que sempre dure, nem bem que nunca acabe.

E quanto ao Pires inventava:

 − A curiosidade não matou, inchou o gato.

Tomada a decisão, o pobre do Sousa aguentou três dias, como um herói.

Quando terminei a comissão, deixei-lhe proposto um louvor “porque durante setenta e duas horas suportou com estoicismo a dor resultante de fogo interno, devendo ser apontado como exemplo da virilidade lusitana"...

Parece que o Polidoro (***) não concordou. Enfim, injustiças…

Jorge Cabral

( Revisão / fixação de texto, títulos, itálicos e negritos, notas, título: LG)
________

Notas de L.G.:

(*) Vd. poste de 14 de dezembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1369: Estórias cabralianas (16): As bagas afrodisíacas do Sambaro e o estoicismo do Sousa

(**) Igual a, como (em crioulo)

(***) Polidoro Monteiro, último comandante do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72). Substituiu o tenente-coronel Magalhães Filipe.

(****) Último poste da série > 12 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26260: Humor de caserna (86): O ”turra” e a boina verde da enfermeira paraquedista (Maria Arminda, ex-ten graduada enfermeira paraquedista, FAP, 1961/70)

segunda-feira, 9 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25924: Humor de caserna (73). "Trombas do Lopes" (Jorge Cabral, 1944-2021)

 


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > "Cinco séculos de história vos contemplam!", terá proclamado o "alfero Cabral", perante o anónimo  (e quiçá estupefacto) fotógrafo que tirou esta fabulosa "chapa"...  Em tronco, nu, o "alfero Cabral", é o segundo a contar da esquerda para a direita, na segunda fila... De pé, e sem cachimbo... Comandante de mais insólita subunidade do exército português, foi também "menino da luz", isto é, aluno do Colégio Militar... Não por isso, mas por mérito próprio,  teve direito a um louvor dado pelo  último cmdt do BART 2917, o ten-cor inf João Polidoro Monteiro.

A foto chegou "clandestinamente" à metrópole, garantiu-me ele. Não queria que ninguém do ilustre clá dos Cabrais a visse... Era irreverência a mais... Hoje faz parte do escasso mas precioso álbum  do Jorge Cabral, ex-brilhante advogado e  melhor criminalista, reformado, depois que o senhorio lhe aumentou a renda  do escritório  de 400 para 6 mil euros... É uma das milhares de vítimas da "gentrificação" de Lisboa... O país, depois de perder o Império, está em vias de perder a cabeça, isto é, a metrópole... O Jorge perdeu o escritório e deixou de lutar contra a doença que o minava lentamente.  Morreu aos 77 anos, em 2022. Era ali, naquele cantinho secreto, algures nas avenidas novas, que ele escrevia as suas famosas "estórias cabralianas" (cerca de uma centena, de que só metade saiu em livro, mas todas publicadas no nosso blogue).


Foto:  ©: Jorge Cabral  (2013). Todos os direitos reservados.[Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné ]


 
Capa do livro Jorge Cabral, ""Estórias Cabralianas", vol. I, Lisboa: Ed José Almendra, 2020, 144 pp.  Tinha um II volume, praticamente pronto para ser publicado. A morte surpreendeu-o ao km 77 da picada da vida.

Foi assim que, num belo dia de dezembro de 2005,  o "alfero Cabral" se apresentou à Tabanca Grande, à “tertúlia” criada à volta do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, nestes termos singelos:

“Através do blogue, recordo. E sinto. Vejo os rostos dos camaradas, oiço os sorrisos das crianças, e até, calcula, consigo admirar de novo os belos seios das bajudas. Peço permissão para pertencer à Tertúlia,, oferecendo o ‘pícaro’ de alguns episódios que vivi.”

E dele e das "estórias cabralianas", também escrevi, no prefácio a este volume:

(...) "O 'alfero Cabral' nunca acentua o lado do 'bestiário da guerra' que há no 'Homo Sapiens Sapiens', mas sim o da sua humaníssima, frágil, quase tocante, condição de primata, de 'primus inter pares' na ordem zoológica do mundo... O único animal que, afinal, consegue esta dupla proeza: (i) ser capaz de rir-se de si próprio; e (ii) e mostrar, pelo outro, compaixão (no seu sentido etimológico 'cum' + 'passio': sofrimento comum, comunidade de sentimentos, partilha da dor… e prazer)." (...)



1. E
m matérias como as "doenças sexualmente transmissíveis" (ou, como diria o nosso grande médico do séc. XVIII, Sanches Ribeiro, de Penamacor, "males de amores"), temos aqui, na Tabanca Grande, alguns catedráticos, do José Ferreira (*) ao "alfero Cabral"... São peritos em falar de "esquentamentos" (sic), com elegância, elevação de espírito, competência, devoção,  imaginação, didatismo, profissionalismo e,  sobretudo, com muito fino humor, que é coisa que às vezes nos faz falta... muita falta. Estamos a falar, afinal, de um problema que era de saúde pública, no nosso tempo de Guiné!

A propósito do tema, ainda hoje, volvido mais de meio século, do fim da guerra e da mobilização de um milhão de  homens, europeus e africanos (e até asiáticos, macaenses e timorenses),  para os vários de teatros de operações no longínquo ultramar português, temos as mais diversas opiniões e reações dos ex-combatentes quando se fala dos "ditos cujos"... Convenhamos que, em tratando-se de maleitas nas "partes baixas" ou "pudendas",   não é de bom tom  falar delas em público, para mais num blogue que é lido por toda a gente, lá em  casa, da avózinha ao netinho (*). (Hipocrisia ? Pudor ? Má consciência ?... Já lá dizia o velho Hipócrates, "o que é natural (o corpo,  o sexo, a doença...) não é vergonhoso" (naturalia non turpia", em latinório)...

Confesso que ainda continuo a rir, despudoradamente (!), quando releio as   "Trombas do Lopes", expressão  que, em crioulo de Fá Mandinga e Missirá, queria  dizer ... as "Trompas de Falópio".

O "alfero Cabral" e os seus rapazes do Pel Caç Nat 63, do Nanque ao Lopes,  são figuras impagáveis que ficam gravadas na nossa memória de últimos soldados do Império...



Estórias cabralianas: as Trombas do Lopes

por Jorge Cabral


O Amoroso Bando das Quatro (**) deixou-nos muitas saudades. Mas que noite agradável ... até sonhámos com elas. Só que ainda nem três dias haviam passado, já recebíamos tratamento à fortíssima infecção que nos atingira o dito e adjacências. 

Graças à Penicilina, o caso seria em breve esquecido, pois afinal tinham sido apenas ossos do ofício, os quais segundo alguns até mereceram a pena... Porém, e estranhamente, os sintomas começaram a surgir nos africanos, soldados e milícias, os quais não tinham usufruído da benesse.

Só então o Alfero ficou preocupado. Ora se nos mandam agora numa operação! Que vergonha! Avançaremos de pernas abertas como se fossemos da Cavalaria no tempo dos cavalos?

Mas como é que a moléstia teria chegado aos Africanos? Mesmo sem poder contar com o investigador Nanque que continuava preso em Bambadinca, o Alfero acabou por descobrir. Reconstituída a noite do Amor, constatou que as damas se tinham ausentado durante meia hora para comer. Fora, então.

E quem? Óbvio suspeito, "Preto Turbado", soldado Bijagó, de quem se dizia, que às vezes aliviava os maridos fulas do débito conjugal. Chamado, confessou. Naquela noite oferecera às visitantes a bianda, e à sobremesa... acontecera. Depois contagiara algumas das mulheres dos militares, as quais por sua vez, contaminaram os fidelíssimos maridos...

O assunto era grave. Que fazer perante aquela verdadeira pandemia? Como tratar as mulheres e ao mesmo tempo dissipar as dúvidas sobre o seu comportamento sexual?

Naquele tempo e para aquele Alfero, tudo era possível. Resolveu reunir todos os africanos, soldados, milícias e respectivas mulheres, proibindo os brancos de assistirem, com uma única exceção – o enfermeiro Alpiarça.

E a todos, pregou o mais absurdo discurso da sua vida. Ainda hoje se lembra dos olhos esbugalhados do Alpiarça... Falou de gonococos trazidos pelo vento, das infeções do útero e das trompas de Falópio... Tratamento imediato, frisou, e nada de mezinhas. Claro que perceberam muito pouco, mas ficou com a certeza que no futuro se protegeriam do vento Blenorrágico...

Na semana seguinte, encontrava-se no bar de oficiais em Bambadinca. Conversava e bebia o seu quarto uísque, quando o foram chamar para ir ao Posto de Socorros. Lá foi. Médico, Furriel e Cabo rodeavam um casal de Missirá, o milícia Suma Jau e a mulher. Não os percebiam. Eles queixavam-se das... “Trombas do Lopes”.

O Alfero ouviu e,  muito sério,  informou:

− É fula... Quer dizer... esquentamento.

Parece que o Furriel apontou no seu caderno de sinónimos..

(Revisão / fixação de texto: LG)

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 7 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25917: Humor de caserna (72): Estragos no bananal (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 64/66)

(**) Vd. postes de:

sábado, 7 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25917: Humor de caserna (72): Estragos no bananal (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 64/66)


Guiné > s/l > s/d > CART 1689 (1967/69) > O Zé Ferreira da Silva  (ao mei0, entre dois camaradas)em cima do "bagabaga" que, na Guiné, tinha quase esta forma fálica


Foto: © José Ferreira da Silva (2011). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Há dois grandes mestres do humor de caserna no nosso blogue: um, o Jorge Cabral, o "alfero Cabral", que já deixou a Terra da Alegria, para grande tristeza nossa, em 2021, aos 77 anos; o outro, felizmente ainda vivo, mas por agora calado (e, espero, que apenas transitoriamente), o José Ferreira da Silva... 

 São ou foram dois dos nossos mais talentosos contadores de histórias pícaras ou brejeiras, o "alfero Cabral", mais "softcore", e o Zé Ferreira, mais "hardcore"... Ajuize-se por esta história, a seguir, que andava por aí perdida pelos matos e bolanhas do nosso blogue... (Avise-se os pais que é só para gente crescida, mal educada, de língua de carroceiro, que andou na tropa, esteve na guerra da Guiné e convive com os "bandalhos" do Norte, embora o autor seja do Centro)...

PS - O Cabral era incapaz de dizer uma asneira, uma palavrão, uma indecência, o Zé Ferreira chama(va)  os "bois pelos cornos", como nós chamávamos naquele tempo, em que tínhamos testosterona para dar e vender...(enfim, naquela idade ideal para procriar,mas também matar e morrer, a idade da tropa)... Um tempo, enfim,  em que a hipocrisia social (a começar no exército) havia feito do sexo um tabu.  (Há outros contistas de talento  que também cultivam muito bem o  humor como o Alberto  Branquinho, por exemplo.)





"Penisulfadê", pomada antivenérea (à base de penicilina), do Instituto Luso-Fármaco Lda, um fármaco hoje descontinuado (segundo sabemos). Ainda se vendia nas farmácias nos anos 80:  custava 100$00 (a preços de 1985 valeriam hoje, 2,27 euros). Fonte: cortesia de A Primorosa Coleção



Vol. III (Chiado Editora, Lisboa, 2019)


Vol II (Chiado Editora, Lisboa, 2017)



Vol. I (Chiado Editorta, Lisboa, 2016)


1. O Zé Ferreira, ex-fur mil op esp, "ranger", CART 1689/BART 1913 (Fá, Catió, Cabedu, Gandembel e Canquelifá, 1967/69), passou pelos melhores "resorts" turísticos da Guiné do seu tempo, e não fugiu  ao pagamento, à Pátria,  do imposto de sangue, suor e lágrimas. 

Integra a nossa Tabanca Grande desde 8/7/2010. 
Tem mais de 170 referências no nosso blogue onde é autor de três memoráveis séries, que elevaram  o brejeiro,  o pícaro, o anedótico,  o trivial,  o caricato, o ridículo, o trágico-cómico... ao altar da arte de contar histórias (estão também publicadas em livro, "Histórias Boas da Minha Guerra", em  3 volumes, pela Chiado Editora).


Humor de caserna > Estragos no Bananal

José Ferreira da Silva


Ao fim da tarde, estávamos na galhofa a contar as novidades que iam surgindo no contacto diário, quando o básico Guisande se dirige ao Furriel Faria ("Berguinhas#), dizendo-lhe que o Capitão queria falar com ele.

− Dá licença, meu Capitão – pede o Berguinhas, ao mesmo tempo que entra no Gabinete.

 − Ouça lá, ó Faria, vejo aqui este pequeno papel trazido pelo cabo Maqueiro, para serem pedidas para Bafatá 300 embalagens de Penicilina e 400 de pomada Penisulfadê !!!

E continuou:

 
− Estamos aqui há pouco mais de uma semana e você pede uma quantidade destes remédios, que dava para meia dúzia de anos?

 − Pois é, meu Capitão −  diz o Enfermeiro, que continuou:

−  Tem toda a razão, mas não esqueça que metade da nossa Companhia anda com a p*ça esquentada. Deve haver mulheres na tabanca que estão com esquentamento na...

 
− O quê??? – interrompeu em grito alarmante o Capitão.

 Não me diga que ainda não reparou que a maior parte de malta anda de pernas abertas, que até parecem cow-boys? – perguntou o Faria.

− Estamos tramados! – exclamou o Capitão, que aproveitou para dizer:

− Ó Faria, você não sabe utilizar outras palavras como blenorragia, pénis, vagina e …

−  Ânus? – interrompeu o Faria, que acrescentou:

−  Ó meu Capitão, não vale a pena usar essas modernices. Sabe que a Companhia é toda do norte e, se eu falar assim, chamam-me p*neleiro em pouco tempo. E isso, nem pensar. Tenho uma promessa ao São Gonçalo de Amarante e quero ir lá cumprir com a minha patroa nem que seja no meio do milho. Os nossos soldados percebem bem o que é um esquentamento e p*ça e ca*alho e que c*na  é o p*to e que o cu é o cagueiro, a peida, o pacote, o traseiro etc, etc.. Essas outras palavras, não.

 
− Ó Alferes Clarinho, chegue aqui – berrou o Capitão de forma a ser ouvido para além da divisória.

− Diga, meu Capitão – disse o Alferes, ao chegar.

−  Não percebo nada disto. Você foi à tabanca, fez o relatório e não detetou que havia para lá problemas de saúde – disse o Capitão, ao mesmo tempo que apanhava umas folhas agrafadas. 

E continuou:

− Diz aqui: ”Sobre aspectos de saúde nada há a salientar. Apenas pequenos problemas de respiração ou de sinusite em algumas mulheres”. Ora, isto não justificava que mandasse os enfermeiros à tabanca. Então o Cipaio não lhe disse mais nada? É que o nosso pessoal está todo contaminado com blenorragia.


O Alferes, calmamente, pareceu fazer um esforço de memória antes de responder:

−  O Senhor Mamadú Baldé só me disse que havia “mulheres com problema di catota” ao mesmo tempo que encolhia os ombros e torcia francamente o nariz. Deduzi que tinham problemas nas vias respiratórias, talvez com sinusite e catotas no nariz.

Fonte: Excerto de "Coisas de periquitos". In: José Ferreira da Silva -  Memórias Boas da Minha Guerra, vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 64/66.

(Revisão / fixação de texto: LG)

______________

Nota do editor:

Último poste da série > 6 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25814: Humor de caserna (71): O "Xelorico" (José Ferreira da Silva, autor de "Memórias Boas da Minha Guerra", vol I, Lisboa, Chiado Editora, 2016, pp. 67/69)

sexta-feira, 21 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25670: Elementos para a história dos Pel Caç Nat 52, 54 e 63 que, ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, jun 70 / mar 72), estavam destacados no Sector L1 - Parte I




1. A partir da História do BART 2917 (de 15/11/69 a 27/3/72) podemos obter mais alguns dados informativos sobre os 3 Pel Caç Nat que operaram, no setcor L1 (Zona Leste, região de Bafatá)



I. O dispositivo inical das NT na zona de ação do BART 2017, em junho de1970 era o seguinte (referem-se apenas os Pel Caç Nat) (*):
 
  • Pel Caç Nat  52 > Bambadinca
  • Pel Caç Nat  54  > Missirá
  • Pel Caç Nta 63 >  Fá Mandinga

Havia um Gr Comb na Ponte Rio Udunduma, que era rendido  de 3 em 3 dias numa escala que incluía 5 Gr Comb: 4 da CCAÇ 12 (Bambadinca) e 1 um do Pel Caç Nat 52 (Bambadinca)

 Posteriormente foram introduzidas as seguintes alterações ao dispositivo inicial, nas datas a seguir indicadas:

  • em 18 out 70, o Ple Caç Nat 52 vai para Fá Mandinga;  
  • em 19 out 70,  desloca-se o Pel Caç Nat 63 para Missirá;
  • em 20 out 70,  o Pel Caç Nat 54 vem para Bambadinca.
 
Em 2 de julho de 1971, nova rotação destas subsunidades africanas:
  • Pel Caç Nta 52 > Missirá:
  • Pel Caç Bat 54 > Fá Mandinga;
  •  Pel Caç Nat 63 > Bambadinca 

De 26 de julho  a 9 de setembro de 1971, o Pel Caç Nat 54 é destacado para Bafatá,  regressando depois a Fá Mandinga. Nessa altura, é o Pel Caç Nat 63 a ir para Bafatá, donde regressa, a Bambadinca , em 26 de outubo de 1971.
 
E parece ser o Pel Caç Nat 63 que vai "inaugurar" o destacamento de Mato Cão.  


II. Estas três subunidades, ao tempo do  BART 2917, foram comandadas por:

  • Pel Caç Nat 52: 


(i) até Até 24.jul 70, alf mil at inf  Mário António Gonçalves Beja Santos; 

(ii) de 24.jul 70 até para além do regresso do BART 2917 à Metrópole, alf mil at inf Alferes Miliciano Atirador Nelson Alberto Wahnon Reis.



  • Pel Caç Nat 54:

(i) até 18 nov 70, alf m,il at inf Correia (desconhece-seo o nome completo); 

(ii) de 18. nov 70 até para além do regresso do BART 2917 à Metrópole, alf mil Hélder P. R. Martins;


  • Pel Caç Nat  63:

(i) até 1 jul 71, alf mil at art Jorge Pedro Almeida Cabral (1944-2021);

(ii) de 11 jul 71 até 27 mar 72, alf mil at Manuel David Coelho, da  CART 2714 (que estava em Mansambo);

(iii)  em 2 jul 71 o alf mil Arsénio Pires, inicialmente nomeado como Comandante do Pel Caç Nat  63, foi colocado na CART 2714, em substituição do alf mil at Manuel David Coelho.


O "alfero Cabral" (1944-2021), no meio, entre dois dos seus homens do Pel Caç Nat 63


III. Outras transferências de pessoal:

  • em 30 jun.71 foi transferido da CART 2716 (Xitole) para o Pel Caç Nat 52, o fur mil at  Atirador Paulo Ferreira CRUZ [ou Paulo Pereira Cruz];
  • em 16 set 71 foi colocado no Pel Caç Nat  63 o fur mil at Jorge Abreu Batista  da CART 2715 (Xime):
  • em 23 set 71 foi colocado no Pel Caç Nat 63 o fur mil at  Sérgio Oliveira Carvalho Pinto, da CART 2714 (Mansambo);

  • António Branquinho (1047-2023)
    em 24 set 71 por ter terminado a sua comissão de serviço no CTIG  marchou para Bissauo fur mil at António Júlio Abrunhosa Branquinho (1947-2023),  do Pel Caç Nat  63, a fim de aguardar transporte para a Metrópole;
  • em 7 dez 71 foi colocado no Pel Caç Nat 63 o fur mil at Loureiro,  da CART 2714 (Mansambo), onde se encontrava desde 19 out 71;
  • em 15 dez 71 regressou à CART 2715 (Xime) o fur mil at Jorge Abreu Batista. (encontrava-se destacado no Pel Caç Nat 63 desde 16. set 71).

IV. Recomplementos 

JULHO DE 1970

  • Pel Caç Nat 52

- Alferes Miliciano Atirador Nelson Alberto Wahnon Reis 80063969;

- Furriel Miliciano Atirador Manuel Augusto Castro Silva 12709969;

- Soldado Atirador Francisco Lopes 82054167;

- Soldado Atirador Tiburcio Gomes Ofany  82055367;

- Soldado Atirador Mama  Obralé 82036266;

- Soldado Atirador Ogo Baldé 82023766;

  • Pel Caç Nat  54

- 1º Cabo Atirador Roberto Pina Araújo 82022165;

- 1º Cabo Atirador Armando António Silva 82038664;

- 1º Cabo Atirador Dino Vieira 82074665;

  • Pel Caç Nat  63

- 1º Cabo Atirador João S. Guilherme 16335969;

- 1º Cabo Atirador Joaquim S. Freitas 17722969;

- Soldado Atirador Jango Candé 82055065;


AGOSTO DE 1970

  • Pel Caç Nat 52

- Soldado Atirador Paté Mané 82060167:

  • Pel Caç Nat 54

- Furriel Miliciano Atirador Alfredo J. S. Freitas 14037769;

- Furriel Miliciano Atirador José Mário  C. Ferreira 06205370;

- Furriel Miliciano Atirador José A. L. Pires 10684269;

  • Pel Caç Nat  63

- 1º Cabo Atirador António S. Barroso 05674470;

- 1º Cabo Atirador António M. S. Araújo  17925969;

SETEMBRO DE 1970


  • Pel Caç Nat 52

- Furriel Miliciano Atirador João  M.M. Branco 07125668;

- Soldado Atirador Mamassali Baldé 82063867;

- Soldado Atirador Bacar Baldé 82057465;

- Soldado Atirador Mango Baldé 82057165

- Soldado Atirador Seco Umaro Baldé 82055266;

- Soldado Atirador Tunca Sanhá 82037066;

  • Pel Caç Nat 63

- Furriel Miliciano Atirador Carlos E. C. Nunes Amaral 14288269;

- 1º Cabo Atirador Sanassi Baldé 82052865;

- Soldado Atirador Indouque Queta 82052265;


OUTUBRO DE 1970

  • Pel Caç Nat 52

- 1º Cabo Atirador Fodé Mané 82023866;

- Soldado Atirador Adulai Embaló 82049567;

- Soldado Atirador To mango Baldé  82057465;

  • Pel Caç Nat 63

- 1º Cabo Atirador José Sangá 82016164;

- Soldado Atirador Braima Candé  82014060;

- Soldado Atirador Holdé Embaló 82035565;

NOVEMBRO DE 1970

  • Pel Caç Nat 52

- 1º Cabo Atirador António A. F. Rocha 05955270;

- Soldado Atirador Sambaro Baldé 82095264;

  • Pel Caç Nat 54

- Alferes Miliciano Atirador Hélder P- R. Martins  07543668;

- 1º Cabo Atirador Fernando Vasco Menoita 00762170;

DEZEMBRO DE 1970

  •  Pel Caç Nat 54

- Soldado Atirador Adi Jop  82077770

- MARÇO DE 1971


  • Pel Caç Nat 54

- Soldado Atirador Sambaro Embaló 82092068;

- 1º Cabo Atirador Manul Augusto Gaspar12528870;

  • Pel Caç Nat 63

- Soldado Atirador Braima Jau 82035066;

ABRIL DE 1971

  • Pel Caç Nat 54

- 1º Cabo Atirador Amílcar Prazeres Pereira  11702470;

  • Pel Caç Nat  63

- 1º Cabo Atirador Cralos José Pereira Simplício  12687370.

(Continua)

(Seleção, revisão/ fixação de texto: LG)

______________

Nota do editor:

(*) Vd. poste de 4 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25600: O armorial militar do CTIG - Parte I: Emblemas dos Pelotões de Caçadores Nativos: dos gaviões aos leões negros, das panteras negras às águias negras...sem esquecer os crocodilos

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25191: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte II: "32. No Bar"... ("Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice.")

 

Jorge Cabral (1944-2021)

Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."


1. Confesso que tenho saudades do nosso "alfero Cabral", o Jorge Cabral (1944-2021). O mais "paisano" dos militaes que alguma vez conheci... Com o seu inseparável cachimbo... e o seu sorriso, meio amargo e meio trocista... Com o seu humor desconcertante... 

Ultimamente tenho andado a reler o exemplar autografado, que me ofereceu em 2006,  das suas "Histórias de um Professor de Direito" (publicado em 2002)... 

Nunca fomos muito "íntimos". Mas éramos cúmplices. Nem ele nem eu éramos dados a ter muitos amigos do peito... (Amigas, sim, teve ele milhares, as suas alunas; sempre foi bendito entre as mulheres.)

Eu tinha muita estima e afeto por ele, embora privássemos pouco. De vez  em quando eu telefonava-lhe. (A iniciativa era sempre minha. Em geral, por causa do blogue. E,  nos seus últimos meses de vida, por causa da maldita doença que o iria matar.) 

E encontrávamo-nos, pelo menos anualmente, nos  encontros da Tabanca Grande, em Monte Real.  (Tenho pena de nunca ter bebido um copo com ele na  noite de Lisboa; tinha-lhe sugerido que o lançamento do I volume das "estórias cabralianas" fosse num bar do Cais do Sodré, mas infelizmente sobreveio a pandemia.)

Era sobretudo por email que íamos pondo a conversa em dia... Ele sempre muito lacónico,  eu mais palavroso...

Conhecemo-nos na Guiné, em Bambadinca, no período de 1969/71. Ele, num Pelotão de Caçadores Nativos, o Pel Caç Nat 63 (Fá e Missirá, 1969/71). Eu, na CCAÇ 12... Fizemos algumas operações conjuntas.

Reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue mas também, uma vez ou outra,  no Instituto Superior de Serviço Social de Lisboa (cooperativa de ensino criada em 1935, ali no Largo do Mitelo) ou mais tarde na Universidade Lusófona, ali no Campo Grande.

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica então mais uma das provas (sob a forma de casos) a que ele submetia os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, para efeitos de  avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores.

Reconhecemos, na sua "casoteca", nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito",  a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violencia, o álcool, a droga... 

Destaque para o contexto pungente  desta "conversa" entre dois homens à procura da paternidade  perdida... 

(...) Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice. Elas já falavam dos seus úteros elas como quem fala dos parentes, enquanto eles bebiam, bebiam sempre copos atrás de copos, com o ar enfastiado de quem cumpria quem cumpre um ritual.(...)


2. Histórias de um Professor de Direito > III. Dos Filhos (nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras)

32. No bar

por Jorge Cabral  (pp. 65/67)


Era um tristíssimo bar de bairro, frequentado por uma clientela anos sessenta. Homens que tinham feito a guerra sem amor e o amor sem guerra. Mulheres à volta com o croché da rotina, a malha do cansaço e a renda da chatice. Elas já falavam dos seus úteros como quem fala dos parentes, enquanto eles bebiam, bebiam sempre copos atrás de copos, com o ar enfastiado de quem cumpria um ritual.

Apetecia fugir. Desfraldar um bandeira. Gritar um ipiranga. Mas não. Já não podia deixar aquela mesa onde também bebia um xarope para a tosse que o empregado garantia ser whisky, puríssimo  e importado. À minha mesa, dois parceiros, de ocasião, desafinavam um diálogo absurdo e incoerente. Cláudio estava suavemente bêbado,  e sofria.  Porque não queria sofrer só, convidava-nos a sofrer com ele,  e por isso nos contava todas aquelas desgraças. Claudino ouvia, comentava e,  às vezes perguntava. Mas sempre a despropósito.

Não cheguei a perceber se o fazia intencionalmente. Ou era muito estúpido ou muito inteligente, o que, aliás, acontece a todos nós. Tudo depende das circunstâncias, do tempo e do lugar.

Vou tentar reproduzir o que lhes ouvi dizer, tentando ser fiel neste relato.

Cláudio (quase a chorar) Hoje deixei de ser pai. Fui inibido. 

Claudino −  Também já fui assim. Passou-me com a idade.

Cláudio − Diz a sentença que bebo. Que não ligo às crianças.

Claudino  − O meu primo Gustavo também pagou uma multa por causa do balão.

Cláudio  − O advogado diz que pode ser levantada.

Claudino   Quem?

Cláudio    A inibição.

Claudino – Ah! Essa!

Cláudio −  E tudo por causa dela. Que  me trocou pelo carteiro.

 Claudino   Se calhar, precisava de óculos.

Cláudio −  Apanhei-os na cama, na minha cama.  E ele ia lá todos os dias.

Claudino   O carteiro toca sempre duas vezes.

Cláudio −  Ele tinha a chave. Aliás já os tinha visto no elétrico dos Prazeres. 

Claudino −  Isso é cinema pornográfico. Não gosto.  Prazeres elétricos, que estupidez!

Cláudio − Foi por isso que comecei a beber e deixei de lá morar. Mas ela também abandonou as crianças. Até fomos suspensos os dois do poder paternal.

Claudino  − E não caíram?

Cláudio − Os miúdos forem internados no lar de São Teotónio. Ainda lá estão. Parece que vão ser adotados.

Claudino (distraído)  − A droga é um verdadeiro flagelo.

Cláudio − Se eu conseguisse que ela fosse também inibida, ficávamos empatados.

Claudino − Os inibidos empatam sempre. É preciso descontração.

Cláudio  − Eu não consinto. Não assino nada. Mas o advogado diz que eles podem ser confiados.  

Claudino    Sempre há gente muito desconfiada.

Cláudio  − E nem eu sei quem  os quer adotar. É  segredo. Dizem que vão para o estrangeiro.

Claudina − A poluição tem muitas culpas.

Cláudio −  O meu mais velho já tem doze anos. Não sei se com essa idade ele já tem opção.

Claudino  − Depende do contrato. O Oceano vai para o Benfica.

Cláudio−   Ah! Se eu  acabasse com a inibição e ganhasse o divórcio, resolvia tudo, anulava as adoções e voltava a ser pai.

Claudino foi à casa de banho e eu aproveitei para me despedir. A cena passou-se ontem e eu prometi solenemente, a Cláudio,  levar-lhe hoje os vossos testes, para que ele compreenda integralmente a situação.

Coitado do Cláudio!

 Comente, clarifique, descreva,  interrogue e solucione.


(Transcrição e r
evisão / fixação de texto: LG)
________

Nota do editor:

Último poste da série > 31 de janeiro de 2024 > Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...

(...) Comentário de Tabanca Grande Luís Grça:

Tristeza, "alfero Cabral", nem um único comentário ao teu "amoroso" livrinho!...

Como é que tu estás? "Minimamente confortável" no pedacinho de universo que te coube em sorte, "post-mortem", "lá na tua estrelinha"? É para onde vão as "alminhas" (como tu gostavas de chamar às tuas alunas) que desaparecem, e que nós amamos, como eu explico à minha neta que tem pouco mais de 4 anos... E o teu neto, "tens falado com ele"?... Mantenhas, saudades das bajudas de Fá Mandinga, Fá Balanta, Missirá, Bambadinca e Bafatá...

2 de fevereiro de 2024 às 12:37 (...)

quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25125: Jorge Cabral (1944-2021): Histórias de um Professor de Direito: Antologia - Parte I: "25. No Regimento de cavalaria"...


Capa do livro de Jorge Cabral, "Histórias de um professor de Direito: colectânea de testes da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores (Lisboa: APSS - Associação de Profissionais de Serviço Social; Alfredo Henriques, 2007, 71 pp. ; ISBN; Alfredo Henriques - 972-98840-05 | APSS - 972 - 95805-1-0)

Dedicatória manuscrita para o edit0or do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné: 

“Para o Luís,  camarada, companheiro e amigo, um conjunto de testes, frequências e exames que até parecem ‘estórias'. 

Lx, , Fev  2007, Jorge Cabral."

O Jorge Cabral  (1944-2021) foi af mil art, cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71). Tem 253 referências no nosso blogue. Era (é) um histórico: ingressou na Tabanca Grande em 21 de dezembro de 2005.

Cartaz da conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar". Lisboa, Centro de Formação do Hospital dos Capuchos,  17 de Maio de 2006, 16h00.

Foto: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...) 

[O Fórum de Santo António dos Capuchos era, na altura,  uma iniciativa de profissionais de Serviço Social, organizada pelo Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social (CPIHTS), pelo Serviço Social dos Hospitais dos Capuchos, Desterro, Miguel Bombarda, Liga dos Amigos e Utentes do Hospital dos Capuchos (LAU) e do Instituto de Criminologia da Universidade Lusófona.] 

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs Jorge Cabral, Alfredo Henriquez e Cristina Carvajal Isabel (assistente social colombiana, com vasta experiência em trabalho social na América Latina e Europa)

Lisboa > Hospital dos Capuchos > Centro de Formação >  17 de Maio de 2006 > Conferência sobre "Mutilação Genital Feminina: uma abordagem multidisciplinar" >  Na mesa, os drs. Jorge Cabral (docente da Universidade Lusófona, presidente do Instituto de Criminologia, especialista na área da Infância, direito penal, escritor, ex-combatente da guerra colonial na Guiné) e o Alfredo Henriquez (presidente do Centro Português de Investigação em História e Trabalho Social), que presidiu à conferência. (*)

Fotos: Fórum de Santo António dos Capuchos (2006) (com a devida vénia...).

1. Há muito que ando para citar e divulgar este livrinho do nosso sempre chorado e lembrado "alfero Cabral", o  Jorge Cabral (1944-2021). Redescobri-o há tempos na minha biblioteca. Já não recordo, com precisão, em que cirunstâncias é que o autor me ofereceu um exemplar autografado das suas "Histórias de um Professor de Direito"... 

Conhecidos da Guiné, de Bambadinca, do período de 1969/71, reencontrámo-nos muito mais tarde, primeiro no blogue (e depois nos encontros anuais da Tabanca Grande) mas também no Instituto Superior de Serviço Social e ainda na Universidade Lusófona. Participámos em algumas iniciativas como, por exemplo, na Conferência sobre a Mutilação Genital Feminina (Lisboa, Hospital dos Capuchos, 17 de maio de 2006).

Em homenagem ao nosso "alfero Cabral" (1944-2021),  de quem publicámos na íntegra as "estórias cabralianas", aqui fica uma das provas a que ele submeteu os seus alunos (na sua grande maioria, alunas) da licenciatura em serviço social, na avaliação de conhecimentos da cadeira de Direito da Família e Direito de Menores. Reconhecemos, nestas três dezenas e meia de "Histórias de um Professor de Direito" a mesma verve, o mesmo  estilo narrativo, o mesmo poder  de observação, a mesma imaginação criativa, a mesma brejeirice, o mesmo  humor negro, etc., das "estórias cabralianas"... Mas agora  também com um registo mais forte de inquietação, compaixão e empatia, para com aqueles e aquelas que vivem paredes meias com a marginalidade social, a exclusão, a pobreza, a discriminação, a transgressão, a violência...

2. Comecemos com alguns excertos do prefácio dos editores. 

(...) A presente obra, "Histórias de um professor de direito".  traz-nos o testemunho brilhante de um docente que ao longo de anos, e de forma pioneira, tem vindo a reflectir sobre a problemática  humana que o Direito te,m tem vindo a classificar  como uma disciplina autónoma: o Direito de Menores e da Família. 

"O Doutor Jorge Cabral terá sido um dos primeiros docentes a introduzir, na década dos anos 70, esta disciplina no programas do ensino superior, através das suas aulas no Instituto Superior de Serviço Social. O seu estilo irreverente e profano, já evidenciado noutras obras e nas inúmeras conferências, revela,  na sua ousadia, este conhecimento profundo da cotidianeidade dos seres humanos mais vulnerabilizados e excluídos,Das cerca de histórias das cerca de 30 histórias.ades e excluídos com as quais ele tem assumido carinhosamente ao longo dos anos o seu compromisso profissional na defesa dos seus direitos". (...) 

Dr. Alfredo Henriques C

(...) Foi com enorme prazer que (re)li as 'estórias' que agora se publicam, fazendo-me voltar atrás mais de 10 anos e recordar as aulas do Professor Jorge Cabral. Fizeram despertar em mim afectos que foram verdadeiramente marcantes, reconhecendo, sem margem de dúvida,  que os seus ensinamentos foram dos mais ricos,  invulgares e eficazes na minha formaçöão. 

Dr. Maria André Farinha, direção da APSS [Associação dce Profissionais de Serviço Social]    .

As histórias aqui reunidas neste livrinho são 35, ao todo. Estão classificadas, de acordo com o índice, em três capítulos ou partes:

I... Do Casamento. Amam-se- Desamam-se. Enganam-se. Desenganam-se.   [Ao todo, são 15 . ] 

II... Da Filiação. As mães são. Os pais talvez. [Ao todo, são 16.   ] 

III... Dos Filhos.  Nascidos de encontros, desencontros, equívocos e mentiras.... [As restantes quatro  ] 


Histórias de um Pofessor de Direito: "25. No Regimento de Cavalaria" (pp. 54/56) 

por Jorge Cabral

Passa das oito da noite. Estou no escritório ainda. Preciso de escrever uma contestação para amanhã sem falta. Tocam à campainha, cinco toques. Quem será? Penso não abrir a porta. Fngir que não estou. É algum chato a fazer uma pergunta. Abro, não abro. Hesito, mas abro a porta. 

Entram. Tresandam a um perfume intenso daqueles que permanece e agoniam.  Ele baixo, entroncado, um bigode fininho, para o moreno, traz uma penso na testa. Ela usa uma saia de criança que só lhe tapa três quartos das coxas e na testa uma fita que não segura cabelo nenhum. Irá jogar ténis ? 

Pergunto-lhe os nomes e finjo tomar nota. Marieta e José. Casados um com o outro. Dois filhos pequeninos. 

 −Então o que o traz por cá?   − interrogo com  simpatia, enquanto os observo. Não respondem. Insisto. 

 − Alguma herança ?  Acidente ?  Uma ação de despejo ?  Problemas de droga ?

 Começam a falar ao mesmo tempo. Brigaram. Odeiam-se. Ela anda na vida e ele vive à custa dela. 

 − Falo eu que sou homem  − diz José.

  −Isso é que era bom    − grita Maria. 

 − Falam os dois  mas um de cada vez   −  interrompo.  O senhor vai ali para o lado.  Já o chamo. 

Ele foi de má vontade. Ea fica e começa:

 − Vou começar pelo princípio e contar tudo, que isto de advogados é como os padres. Há dez anos, inha eu dezassete,. vim servir para Lisboa em casa de um coronel. Chamava-se Alvarenga e tinha uma mulher chata. A Dona Lúcia.  A casa deles era dentro do quartel, o Regimento de Cavalaria 4, na Rua das Almas. O Doutor está a ver,  uma rapariga nova no meio de tantos homens. O primeiro foi o sargento, depois o furriel. Mas nunca foram tantos como por lá constava.  A fama tive. Sabe como é que é. José era ordenança do coronel. E que diferente ele era.  Tímido, envergonhado, sempre com medo de tudo e de todos. Fui eu que o cobicei,  quasi que o obriguei. Ele saiu da tropa em fevereiro de 83 e  nós casámos no 25 de Abril do mesmo ano, seis  meses antes do nascimento do Joca o meu filho mais velho.  José ganhava pouco, bebia, começou a acompanhar com vadios e galdérios. Tinha o Joca dois meses, pôs-me na rua. Eu que ganhasse algum. A princípio custou-me. Depois fiz de conta. José deixou de trabalhar. Saca-me a massa toda. Trata mal os putos e o Zeca tem só dezasseis meses. Estou farta, farta. Quero ir para o Algarve. Ganha-se lá muito mais. Conheço uma senhora que fica com os miúdos. Diz que os vai adotar. É mulher de um engenheiro, já pssou os qquarenta e  não pode ter filhos. Quero o divórcio e  rápido. Tudo legal. Eu não quero problemas. 

 − Pode sair agora. Entre ,  senhor José. 

Ele entrou irritado. 

 − Não sei o que ela disse, mas é tudo mentira. Para já não assim nenhum divórcio. Ela dava-me tudo. Fiz dela uma senhora. Quando a conheci, era uma sopeira.  Se me chateia muito,  tiro o nome aos miúdos. Eu sei lá se são meus filhos Antes de casar, andou com meio regimento. E depois é o que se vê. Diga lá o Doutor se  não tenho razão. Posso deixar de ser pai, não posso ? Diz que vai dar os putos. E se Eu não deixar ? Eu até lhes possa tirar. É verdade ou não é? Provo que ela anda na vida, e pronto. Se ela for para o Algarve, vou lá e arrebento-lhe  as ventas. Tenho esse direito. Pois, não sou o marido ?. 

Chame os dois. Informo-os  que vou estudar o assunto. Marco uma entrevista para daqui a oito dias. Despedem-se. Esquecem-se de pagar. 

Está visto que não poderei ser advogado  dos dois. Mas vocês podem.  E é o que vão fazer. Vão apreciar as razões de cada um e tentar encontrar as soluções jurídicas. 

PS  − Eles estiveram no meu escritório ontem, dia 5 de fevereiro de 1987 (**).

(Revisáo / fixação de texto: LG)

_____________

Notas dos editor:

(*) Vd. poste de 10 de4 março de  2007 > Guiné 63/74 - P1580: Fanado ou Mutilação Genital Feminina: Mulher e direitos humanos: ontem e hoje (Luís Graça / Jorge Cabral)

(**) A data é importante. A profunda revisão do nosso Código Civil (que a partir de 1978 passou a ajustar-ser à nova Constituição da República Portuesa, de 1976) trouxe grandes alterações nas áreas do direioto da família e dos menores (Vd.  Decreto-Lei n.º 496/77, de 25 de novembro. Entrou em vigor  a partir de 1 de abril de 1978.)