sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26341: Humor de caserna (89): 38 sutiãs ("corpinhos"),de todos os tamanhos, cores e feitios, para as bajudas de Bissaque e Fá (Jorge Cabral, 1944-2021)


Guiné >Região de Tombali > Guileje > CART 1613 (1967/68) > Uma bela bajuda local, numa das 150 fotos de Guileje que nos deixou o saudoso Cap SGE ref Zé Neto (1927-2007), o nosso primeiro grã-tabanqueiro a deixar a Terra da Alegria... 


Enquanto que as feministas da Europa, do pós-Maio de 1968, queimavam os seus sutiãs, símbolo do sexismo e opressão falocrática, na Guiné, o supremo luxo, para as nossas queridas bajudas, era ostentar um corpinho (sutiã), como este que se vê na foto... Farto, largo, colorido...

O "alfero Cabral" foi o primeiro dos "régulos" da Guiné a dar-se conta desta tendência comportamental da mulher guineense...Um "corpinho" era "manga de ronco"!

O nosso inimitável,  impagável e inbstituível  Jorge Cabral deixou-nos há 3 anos, em 28 de dezembro de 2021. Faz-nos muita falta. E deixou um rasto de saudade.A melhor maneira de o recordar é ler ou reler as "estórias cabralianas". Esta que republicamos é simplesmente genial (*). Lembro-me de ele me ter confidenciado que comprou os sutiãs para as bajudas, quando veio de férias, logo no princípio de 1970, nos Armazéns Grandella (no conto, é o Armazém Fama, na Calçada do Garcia, também na zona do Rossio).

Foto (e legenda) © José Neto (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Fotograma do vídeo do Jorge Cabral (Lisboa, 1944 - Cascais, 2021), de apresentação do vol I de livro de contos, "Estórias Cabralianas", em Lisboa, no Jardim Constantino, em 29 de outubro de 2020, um ano e dois meses antes de morrer. 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


Humor de caserna > A festa do corpinho...


por Jorge Cabral (1944-2021)

[ex-alf mil at art, Pel Caç Nat 63, Fá Mandinga e Missirá, 1969/71]


O Marinho era um velho, seco e pequenino, guardião das instalações de Fá  
[antiga estação agronómica], desde os anos 50. Embora existisse uma estrada para Bissaque (a norte de Fá Mandinga, na margem esquerda do Geba Estreito), o Marinho conduziu-nos por uma interminável bolanha, após a qual lá chegámos, obviamente muito depois do inimigo ter retirado   [flagelação a Bissaque, aldeia balamta sob duplo controlo, em 18 de dezembro de 1969].

O ataque, referido nos documentos oficiais, não passou de uma breve flagelação. Fui eu que relatei a ocorrência, e porque quem conta um conto... acrescentei-lhe alguns pormenores (essa da intervenção de brancos deve ter sido ficção cabraliana), para assustar o Comandante de Bambadinca [BCAÇ 2852, 1968/70] (**).

Bissaque era uma aprazível aldeia balanta. Logo nessa noite, à volta de uma fogueira, reparei na beleza das raparigas, tendo passado a frequentar semanalmente a tabanca, numa ação socioerótica, a qual consistia numa esfregação mamária às belíssimas bajudas. 

Habituado às bajudas mandingas, verifiquei experimentalmente a superioridade dos seios balantas, tendo, e disso me penitencio, contribuído para um conflito etnicomamário.

A fim de me redimir, em janeiro de 1970, de férias em Lisboa, comprei 38 corpinhos (sutiãs) no armazém Fama, sito à Calçada do Garcia, junto ao Rossio, onde agora se reúnem os guineenses.

Coincidência? Premonição? Lembro a perplexidade do empregado do armazém, quando lhe pedi os 38 sutiãs de todos os tamanhos e cores.

Regressado à Guiné, em plena Tabanca de Fá Mandinga, organizei a festa do corpinho, para a alegria das bajudas, que envergaram o seu primeiro sutiã. Tivesse esta história acontecido nos dias de hoje, e certamente sentiria dificuldades no aeroporto, até porque os sutiãs constituíam a minha única bagagem. 

Armas secretas? Indícios de terrorismo? Não sei, mesmo, se não teria ido parar a... Guantanamo [ prisão militar norte-americana, que faz parte integrante da Base Naval da Baía de Guantánamo, em Cuba].

In: Jorge Cabral - "Estórias Cabralianas". Lisboa: ed. José Almendra, 2020, pp. 59-60 (com a devida vénia...).

Originalmente publicado no nosso blogue em 16 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2354: Estórias cabralianas (29): A Festa do Corpinho ou... feliz o tuga entre as bajudas, mandingas e balantas (Jorge Cabral)

14 comentários:

Valdemar Silva disse...

Bela estória Cabralina, que por acaso tenho uma fotografia tirada a bajudas numa fonte a
lavar roupa e uma deles tinha um sutiã que não usava para o mesmo efeito que foram inventados, mas antes por ronco.

Agora aquele "Afim de me redimir, em janeiro de 1970..." quererá dizer "Parecendo de me redimir..." ou "Com o propósito de me redimir...".
É que há Afim e A fim .

Valdemar Silva disse...

(não assinei)
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Valdemar, não há dúvida que, neste contexto, a forma correta é "a fim de"... Já corrigi. E lá no céu, o "alfero Cabral" concordou...

(...) A fim de é uma locução prepositiva que significa «com o objetivo de»:

– Fiz isto, a fim de proteger os meus dados pessoais.

Afim é um adjetivo que significa «com afinidade; semelhante; próximo»:

– É um caso afim. (...)

Fonte: Porto Editora – a fim de ou afim de? na Infopédia [em linha]. Porto: Porto Editora. [consult. 2025-01-03 15:46:00]. Disponível em https://www.infopedia.pt/$a-fim-de-ou-afim-de

Anónimo disse...

Valdemar, caro amigo, continuas, como sempre. Como dizias na altura, das nossas andanças pela Guiné, Tu muito sério - " Sabem o que é Q S (Queiroz da Silva), em latim, quanta sabedoria!
Abílio Duarte C.ART.11

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não sei se o vocábulo "corpinho" é crioulo da Guiné-Bissau... O "alfero Cabral" era um criativo: foi nas "estórias cabralianas" que li, pela primeira vez, o termo "corpinho" na aceção de "sutiã" (do francês, "soutien", apoio)... É usado pelos falantes da língua portuguesa em certas regiões do Brasil: Baía, Minas Gerais...

Claro que era uma peça de roupa feminina que as bajudas e as mulheres da Guiné-Bissaum, no nosso tempo, não usavam... Nem precisavam... De resto, no Ocidente começou a generalizar-se só partir dos anos 30 do século passado, como adereço de moda... Em África começou a ser imposto pelo colonialismo, os administradores, os missionários, os médicos, as enfermeiras (que eram religiosas...), etc., em nome de uma moral europocêntrica (puritana, vitoriana, hipócrita) e de imposições de uma discutível "medicina tropical" e "higiene social"... Tal como o "sapato": o colonialismo criou uma série de "necessidades supérfluas" para os/as africanos/as para os obrigar a "consumir" e integrarem-se numa economia monetarizada...

Valdemar Silva disse...

Luís, corpinho ou corpete é uma peça de vestuário feminino que se ajusta ao peito.
Em crioulo da Guiné não existem palavras começadas pela letra " C " antes por " K ".
Existe em crioulo não "corpinho", mas sim " kurpiñu " que devia ter sido assim chamado ao sutiã por ser semelhante ao corpete.

Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Muito bem, o Valdemar é já o nosso professor de crioulo... "Kurpiñu": bate certo, o "alfero Cabral", afinal, não inventou nada... Hoje no Gabu, as netas ou bisnetas das tuas "bajudas" andam cobertas da cabeça aos pés... Dizem os viajantes... "Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades" (Camões, séc. XVI)...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Não tenho tido notícias do nosso professor Cherno Baldé... Espero que esteja bem de saúde, ele e a sua ecuménica família. Bom ano de 2025 também para ele, pois claro. E para os nossos amigos da GB. Luís

Valdemar Silva disse...

Pois, Luís, em 2016, as bajudas no Gabu ainda andavam de jeans.
Talvez, agora, com o novo Presidente Embaló, muçulmano, por lá também as bajudas andem vestidas como muçulmanas, mas julgo que haverá cristãs ou balantas que se vestem como seja a moda.
Valdemar Queiroz

Valdemar Silva disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Valdemar Silva disse...

Meu grande amigo Abílio Duarte
Essa da "quanta sabedoria" é uma atenção à nossa amizade e benfiquismo.
Amizade que arranjamos nas terras vermelhas e de guerra na Guiné e do benfiquismo por sermos lisboetas a sério aguentando com as investidos dos lá de cima atirando-nos com
o "bocês da Porcalhota".
Mas, a sigla " qs" vem do latim quantum satis, que quer dizer 'nem mais, nem menos', utilizada nos cálculos farmacêuticos.
Quanto ao meu "QS", de Queiroz da Silva, comecei a utilizar na tropa por estar farto de chamarem ó Silva e responderem três ou quatro "sou eu...sou eu...", e depois alarguei-me para o QS , quantum satis, do nem mais, nem menos.
Também há a sigla " qb " em culinária com o mesmo significado, mas com uma diferença para " bc " em latim bastare pleno (basta cheio) quando se trata de servir a copos de bioxene.
Realmente, na minha vida sempre me orientei por um nem mais, nem menos, em atitudes e procedimentos, embora algumas vezes tivesse dito 'tire lá o pé de cima de meu'.
Abraço e saúde da boa
Valdemar Queiroz

Tabanca Grande Luís Graça disse...

E a história do..."alter ego" ?... Há o sr. Silva, e o sr. Queiroz... No Blogger és o Valdemar Silva, mas assinas como Valdemar Queiroz...

Valdemar Silva disse...

Luís, há mais essa.
No blogger tinha de ser o primeiro e o último nome, mas como o primeiro nome é José seria José Silva, que há muitos e, assim, ninguém me conhecia.
E o Queiroz, com Z por ser de Março de 1945, era o nome conhecido na tropa.
Assim sendo foram os nomes do conhecido no civil Valdemar e o nome conhecido na tropa Queiroz, que deu Valdemar Queiroz.
Julgo que o único da tropa a me tratar por Valdemar é o Abílio Duarte, e agora, a rapaziada do blogue.

Saúde da boa
Valdemar Queiroz

Juvenal Amado disse...

O saudoso alfero Cabral. Que falra nos faz