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quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26463: A nossa guerra em números (27): 800 mil portugueses (muito mais, em termos relativos, do que os americanos no Vietname, ou os franceses na Argélia) "contribuiram com o seu esforço e empenho para que o poder político obtivesse uma solução política" para a guerra, (...) "mas este não correspondeu e o tempo da história foi implacável" (maj-gen João Vieira Borges, in "Crepúsculo do Império", 2024)



Capa do livro "Crepúsculo do Império"
de João Vieira BorgesPedro Aires Oliveira 
(Lisboa: Bertrand Editores, 2024, 800 pp.)
 



Faro > "Cerimónia do 10 de Junho de 1970, realizada no Largo do Carmo, em Faro. Entrei na tropa, em Tavira, no dia 6 de Abril de 1970 e no dia 10 de Junho já aqui estava, com G3 na mão". 

Foto (e legenda) do álbum do Zeca Romão (José Romão, ex-fur mil at inf,  CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73). Página do Facebook de Zeca Romão (Travassos), 9 de março de 2013 (com a devida vénia...)


Foto (e legenda): © José Romão (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Os números da guerra são sempre controversos, por causa do acesso aos arquivos, da diversidade e divergência das fontes, da metodologia de recolha e tratamento de dados, etc. Tal não nos impede de tentar falar com números sobre a guerra que calhou em sorte à nossa geração (*)


João Vieira Borges, presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, escreveu recentemente (**) que nunca Portugal fez um esforço tanto grande como na guerra de África (1961/75), em matéria de recrutamento e mobilização militar. (Em termos relativos, foi um esforço maior do que o dos EUA, no Vietname, ou o da França, na Argélia.)

Em números redond0s foram enpenhados 800 mil militares portugueses:

  • 75% oriundos de Portugal Continental, e dos arquipélagos da Madeira e Açores;
  • 25% do recrutamento local (Angola, Guiné e Moçambique).

Cerca de 92% dos efetivos eram oriundos do serviço militar obrigatório (pág. 390). O país tinha na altura uma população inferior a 10 milhões:

  • 8,994 ,milhões, em 1962;
  • 8,754 milhões, em 1974 (redução de 2,7%).


Em 1973, e para uma populção de 8, 63 milhões, tínhamos cerca de 163 mil (162 996) nos 3 teatros de operações. assim repartidos:

  • 43,3% em Angola;
  • 21,8% na Guiné;
  • 34,9% em Moçambique.
A repartição pelos 3 ramos das Forças Armadas era a seguinte:

  • Exército: 91,5%;
  • Força Aérea: 5,5%;
  • Marinha: 3,0%.

Veja-se agora o  peso relativo do recrutamento em cada um dos TO (em média) (citando Sousa, 2020) (***):
  • Angola: 32,8%
  • Guiné: 15,7%
  • Moçambique: 43,2%.
A "africanização da guerra" é mais acentuada em 1973, com percentagens médias de pessoal do recrutamento local  a atingir os seguintes valores (pág. 392):
  • Angola: 42,3%;
  • Guiné: 20,1%;
  • Moçambique: 53,6%.
Impressionante é a constação de que "entre os jovens recenseáveis (mais de 1700 mil em todo o Portugal), mais de 40% eram analfabetos e apenas 72% foram considerados aptos para o serviço militar." (pág. 399).

O número de desertores, faltosos e refratários, de acordo com os registos oficiais,"ultrapassam os 231 mil jovens".  

Números significativos, comenta o major-general do exército e autor do capítulo (**), "em especial se considerarmos o regime autoritário em que se vivia na época". Por outro lado, são indissociáveis do fenómeno da emigraçáo em massa:  entre 1961 e 194, saíram em média por ano 97 700 cidadãos portugueses.

Comentário final: 

"Sabemos que as guerras longas são inimigas do recrutamento e mobilização. Os militares contribuiram com o seu esforço e empenho para que o poder político obtivesse uma solução política. Mas este não correspondeu e o tempo da história foi implacável" (pág. 400).

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"

(**) João Vieira Borge - O recrutamento e a mobilização das Forças Arnadas portuguesas. In: Crepúsculo do Império, op.  cit., pp. 381-401.

(***) Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.

terça-feira, 3 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23224: A nossa guerra em números (16): A "força africana" em 1972: mais de 20 mil homens em armas, segundo o enviado especial do "Diário de Lisboa" ao CTIG



Guiné > s/l [Bambadinca ?] > s/d [c. 1971/73] > A Força Africana... O major inf Carlos Fabião, na altura (1971/73),  comandante do Comando Geral de Milícias, e o gen António Spínola, passando revista a uma formatura de novos milícias.(*)

In: Afonso, A., e Matos Gomes, C. - Guerra colonial: Angola,  Guiné, Moçambique. Lisboa: Diário de Notícias, s/d. , pp. 332 e 335. Autores das fotos: desconhecidos. (Reproduzidas com a devida vénia)


1. Estes dados  foram  retirados do trabalho do jornalista do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues,  enviado em julho de 1972, à Guiné, por convite (e com garantias) de Spínola . 

Merecem o devido destaque, salvaguardadas as necessárias reservas por não se tratar de uma fonte independente... Nomeadamente, os que respeitam aos efetivos do PAIGC  e à população sob o seu controlo. Não é por acaso que o jornalista deu ao conjunto desses quatro artigos de reportagem o título de "Guiné, uma crónica imperfeita" (**)


TERRITÓRIO:

(i)  "a superfície cresce e diminui todos os dias, consoante as marés, situando-se numa média de 32 mil quilómetros quadrados, com 193 quilómetros na extensão Norte-Sul e 330 de Leste a Oeste";

(ii) "a estas condições geográficas tão difíceis para um exército tradicional, vem juntar-se uma fronteira de 750 quilómetros, completamente aberta tanto no aspecto físico como no povoamento".


POPULAÇÃO:

(iii) "Bissau afirma controlar 487 448 habitantes (foram os que se deixaram recensear em 1970)",

(iv)  "mantendo-se outros 27 174 em 'zonas de duplo controle' ".

(iv) "no Senegal vivem 60 000 refugiados, e na Guiné 20 000, segundo informa o Comando-Chefe, apoiando-se em  dados da Comissão de Refugiados da ONU";

(v) "a ser assim, 89,5 por cento dos guinéus viveriam no interior do TO (teatro de operações) e 82 por cento do total estariam sob controle português."

(vi) "numa população que em 1970 era de 594 622 habitantes"

(vii) "os balantas seriam em 1963 perto de 200 mil, isto é, cerca de metade dos guinéus [ erro de cálculo do jornalista, é um  terço e não metade];

(viii) "uma maioria trabalhadora e explorada que forneceu à guerrilha os seus primeiros combatentes";

(ix) "um povo dividido, combatendo, com o PAIGC os fulas, dominadores,  e contra o PAIGC, ao lado de outros fulas da Força Africana".


PAIGC:

(x) "os dois mil combatentes que (...) actuam dentro das fronteiras, manobram a partir das 'zonas sob duplo controle' (...), situadas ao longo do corredor florestal e particularmente nas proximidades de Bissorã / Mansabá / Canjambari, confluência do Geba/Corubal, e sobretudo na zona ao sul do rio Buba, à volta de Catió".

(xi) "outra zona 'quente' situa-se perto do Cacheu, junto ao rio do mesmo nome, alastrando pelas florestas  ao norte do Bachile e do Pelundo";

(xii)  "calculam-.se em 7 000 os combatentes do PAIGC actuando a partir de 25 bases da fronteira senegalesa e de 8 da República da Guiné, incluindo aqueles que se encontram dentro do TO";

(xiii) "militarmente,  as forças do PAIGC estão estruturas em 'corpos de exército' integrados por um comandante, um comissário político, dois chefes de destacamento e três unidades: um grupo de bazookas, ou lança granadas foguete; uma bateria de artilharia, ou de armas pesadas de infantaria, como morteiros ou canhões sem recuo; e quatro bi-grupos";

(xiv) "cada bi-grupo é constituído por dois agrupamentos de trinta e cinco homens (agora reduzidos a vinte e cinco)".

FORÇA AFRICANA:

(xv) "compõem a  Força Africana perto de 5 mil soldados regulares, cerca de 6 mil milícias e mais de 6 mil auto-defesas, além de outros 5 mil homens enquadrados na guarnição normal";

(xvi) "os regulares negros estão enquadrados em companhias de comandos africanos (uma outra está a ser constituída) com oficiais nativos, destacamentos de fuzileiros (e mais um em constituição) com alguns quadros negros, e ainda doze companhias de caçadores instaladas no 'chão' das suas etnias e igualmente comandadas por alguns graduados nativos";

(xvii) "são a grande tropa de elite da guerra da Guiné, capazes de aguentar uma operação  de quatro a cinco dias nas zonas mais 'quentes' do mato, e sempre com um arrojo e ferocidade de fazer tremer a selva",

(xviii) "o corpo de milícias (nove semanas de instrução) é constituído por elementos novos com farda e soldo; são uma espécie de militares em part-time, com a missão fundamental de defesa das populações que habitualmente protegem durante a noite e acompanham nos trabalhos do campo; são todos voluntários, mas só em circunstâncias especiais participam em operações".

(xix) "as auto-defesas são constituídas por civis nativos, sem instrução militar". (***)





Guiné > s/l > PAIGC > Novembro de 1970 > Um bigrupo (em geral, constituído por 30/40 elementos). Na foto contam-se 27 guerrilheiros. Repare-se que na sua generalidade  usam sandálias de plástico (só um usa botas de lona) e há uma grande indisciplina no vestuário. Metade não usa boina ou barrete. Quanto ao armamento, vemos dois apontadores de RPG, e o resto empunha armas automáticas (Kalash, PPSH, Degtyarev...)

Imagem do fotógrafo norueguês Knut Andreasson (com a devida autorização do Nordic Africa Institute, Upsala, Suécia). A fotografia não traz legenda. E  alegadamente. terá sido tirada   em "região libertada" (sic).

Fonte: Nordic Africa Institute (NAI) / Foto: Knut Andreasson (com a devida vénia... e a competente autorização do NAI)  (As fotografias tem numeração, mas não trazem legenda. 

Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.

____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 24 de fevereiro de 2012 > Guiné 63/74 - P9526: As novas milícias de Spínola & Fabião (1): excerto do depoimento, de 2002, do Cor Inf Carlos Fabião (1930-2006), no âmbito dos Estudos Gerais da Arrábida (Arquivo de História Social, ICS/UL - Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)

(**) Vd. poste de 2 de maio de 2022 > Guiné 61/74 - P23222: 18º aniversário do nosso blogue (10): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte III: 30 de agosto de 1972: uma formidável máquina de guerra africana contra o PAIGC

(***) Último poste da série > 15 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23079: A nossa guerra em números (15): Segundo o investigador Ricardo Ferraz, do Gabinete de Estratégia e Estudos do Ministério da Economia, a guerra colonial (1961/74) custou ao Estado Português, a preços de hoje, e na moeda atual, cerca de 21,8 mil milhões de euros

segunda-feira, 2 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23222: 18º aniversário do nosso blogue (10): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte III: 30 de agosto de 1972: uma formidável máquina de guerra, a Força Africana contra o PAIGC







Citação: (1972), "Diário de Lisboa", nº 17848, Ano 52, Quarta, 30 de Agosto de 1972, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5496 (2022-5-2)






















(Com a devida vénia ao autor, Avelino Rodrigues,
aos herdeirtos do António Ruella Ramos, e à Fundação Mário Soares)

Fonte:

Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares |  Pasta: 06815.165.26102 | Título: Diário de Lisboa | Número: 17848 | Ano: 52  | Data: Quarta, 30 de Agosto de 1972 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Mulher". | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos.


Comentário do editor LG:

"Guiné, crónica imperfeita" (*)... Porquê ? Porque o enviado especial do "Diário de Lisboa", ao CTIG, o jornalista Avelino Rodrigues.  só pôde ouvir uma das partes em conflito, Spínola e as suas tropas... 

Mas, ao que parece, nos 9 dias em que por lá andou, na "Spinolândia", em julho de 1972, o jornalista  teve bastante liberdade para saber tudo (ou quase tudo) sobre aquela "guerra camuflada", como lhe chamou na primeira crónia  (em Bissau, eram pouco visíveis os sinais da guerra).

Aceitou o repto (e o convite) de Spínola para ir ver com os seus próprios olhos a realidade da guerra, incluindo a inversão da situação, político-militar, que o general estava a operar com sucesso.  Excetuando, ao que parece, o último artigo (com uma entrevista a Spínola que não agradou a Marcelo Caetano), a reportagem (os três primeiros artigos) passou, sem cortes da censura (agora rebatizada,  eufemisticamente,  como "exame prévio").

Este é um dos raros trabalhos jornalísticos sérios,  feitos na Guiné,  por jornalistas portugueses durante todo o conflito... E merece ser aqui  destacado, 50 anos depois, por ocasião do 18º aniversário do nosso blogue.(**)

Recorde-se que o "Diário de Lisboa", um diário lisboeta vespertino, publicado entre 7 de abril de 1921 e 30 de novembro de 1990, e de que  teve Joaquim Manso como  primeiro diretor,  foi considerado  uma grande escola de jornalismo e um das grandes referências do jornalismo português do séc. XX, com um papel cívico, intelectual e cultural ímpar.  

Para o regime de Salazar-Caetano e seus apoiantes, era conotado com  o "reviralho", a oposição democrática ao Estado Novo. 

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Notas do editor:

(*) Vd. postes anteriores:

25 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23198: 18º aniversário do nosso blogue (4): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte I: 28 de agosto de 1972, Bissau, a "guerra camuflada"

26 de abril de  2022 > Guiné 61/74 - P23201: 18º aniversário do nosso blogue (6): O enviado especial do "Diário de Lisboa", Avelino Rodrigues, em julho de 1972, no CTIG: uma "crónica imperfeita" em quatro artigos - Parte II: 29 de agosto de 1972: no mato com Spínola, "a simpatia como arma de guerra"

segunda-feira, 26 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22143: Recortes de imprensa (117): A RTP evoca os 60 anos da guerra colonial / guerra do ultramar

1. Continuação da série Memórias da Guerra, RTP (Telejornal, 19-24 de abril de 2021) (*)


Memórias da Guerra:
[4] Emigração salvou muitos jovens do conflito

RTP, Telejornal, 22 de abril de 2021 (vídeo: 6' 03'') [Apareceu às 20:47]

Sinopse:


Aos 18 anos, Luís Rego tomou uma decisão que mudaria a sua vida para sempre. Foi para França para fugir ao recrutamento militar e à guerra em África. Emigrar, muitas vezes a salto, foi uma estratégia seguida por milhares de jovens portugueses para escapar a guerra colonial.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-emigracao-salvou-muitos-jovens-do-conflito_v1314773

Memórias da Guerra:
[5]  O drama dos combatentes africanos

RTP, Telejornal, 23 de abril de 2021 (vídeo: 7' 32'') [Apareceu às 20:41]

Sinopse:

Quatrocentos e quarenta mil africanos combateram nas forças armadas portuguesas durante a guerra colonial. Muitos desses homens vieram depois para Portugal tentar obter reconhecimento e compensação, em processo longos que demoraram anos.

Zeferino Andrade, angolano, é um desses homens... com a vida repartida entre tempos e continentes.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-o-drama-dos-combatentes-africanos_v1314921

Memórias da Guerra:
[6] Os últimos contingentes antes da independência

RTP, Telejornal, 24 de abril de 2021 (vídeo: 5' 58'') [Apareceu às 21:03]

Sinopse:

Olhamos hoje para Luis Vicente que foi mobilizado para Moçambique em Março de 1974, nas vésperas do 25 de Abril. Esteve em Mueda, onde os ataques ao quartel se intensificaram, mesmo depois do golpe dos capitães.

A comissão deste soldado em África foi mais curta, regressou mais cedo numa época de muita incerteza em Portugal e nos territórios africanos.

https://www.rtp.pt/noticias/pais/memorias-da-guerra-os-ultimos-contingentes-antes-da-independencia_v1315091

Fonte: RTP > Memórias da guerra (com a devida vénia...)


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quarta-feira, 11 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20722: (De)Caras (148): O Amílcar Cabral, desde o início e até ao fim, fez tudo para mobilizar os dignitários fulas para a causa da luta, sem qualquer sucesso. E isto não era uma mera coincidência. Os mesmos dignitários, imbuídos de realismo e pragmatismo, diziam-lhe: "Deixem os brancos porque eles são o garante da paz na província e, no dia em que se forem embora, nós vamos recomeçar as nossas guerras do passado recente"... Premonitório: 46 anos depois da independência, continuamos estagnados entre guerras e paz podre... (Cherno Baldé)

1. Comentário do Cherno Baldé, nosso colaborador permanente, ao poste P20720 (*) [, tem mais de duzentas referências no nosso blogue; nasceu em Fajonquito há 60 anos; é um 'homem grande', sábio, a viver em Bissau]:

Caro Valdemar,

Escreves um texto cheio de sentimentos de saudade e também de compaixão para com os vossos recrutas tão jovens, quase crianças. Todavia, olhando bem para vossa foto conjunta, tu apareces com uma maior quantidade de pêlos no corpo, mas também eras quase tão puto quanto eles.

Não deverão ter morrido de velhice, porque eram todos um pouco mais velhos que eu que neste momento estou na casa dos sessenta e não me sinto um velho, provavelmente o stress traumático, durante e depois da guerra, terá contribuído para o desaparecimento precoce desses jovens soldados.

Como é que se fazia o recrutamento nas aldeias e regulados fulas???...

Era simples e ninguém podia recusar. O régulo ou seu representante convocava os chefes das diferentes localidades sob a sua jurisdição e dizia que precisavam de um número X,  a pedido do Governo e o resto ficava a cargo dos chefes das aldeias e um agente da administração onde cada morança listava uma ou duas pessoas da família para o efeito. 

Todavia, os critérios das escolhas nunca eram claros de um lado e do outro. Se os chefes e o agente podiam ser tentados a fazer negociatas, os pais e chefes das moranças, pensando na utilidade no seio do núcleo familiar, procuravam listar os menos úteis nos trabalhos do sustento e reprodução familiar.

Luis, não concordo quando dizes que os fulas "estavam condenados a fazer a guerra....". 

Na minha opinião, longe de ser uma "condenação", era uma opção clara e sem equívocos por diferentes razões de caracter politico-ideológico, de natureza religiosa, do fundamento, motivações e da necessidade da própria luta. 

Não se fala muito disso, mas na verdade o Cabral desde o início e até ao fim, fez tudo para mobilizar os dignitários fulas para a causa da luta, sem qualquer sucesso. E isto não era uma mera coincidência. Os mesmos dignitários, imbuídos de realismo e pragmatismo, diziam ao A. Cabral: "Deixem os brancos porque eles são o garante da paz na província e, no dia em que forem embora nós vamos recomeçar as nossas guerras do passado recente". 

...E 46 anos depois da independência ainda continuamos entre as guerras e uma paz podre que impede o país de avançar para frente.

Valdemar, gostaria de poder ajudar, mas preciso de referências certas sobre as tabancas e regiões de origem. No entanto, receio que seja tempo perdido, pois já se passou muito tempo e nem todos ficaram com boas recordações do seu passado militar, um pouco como acontecia entre vós, até há poucos anos. (**)

Com um abraço amigo,

Cherno Baldé
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Nota do editor:

(*)  Último poste da série >  10 de março de 2020 > Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (120): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)

terça-feira, 10 de março de 2020

Guiné 61/74 - P20720: (De)Caras (147): O que é feito destes 'putos-soldados' da CART 11 e da CCAÇ 12 ? (Valdemar Queiroz)


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Samba Baldé (Cimba), nº mec 82110969... Futuro Ap Metr Lig HK 21, 3º Gr Com 3º Gr Comb [Comandante: alf mil inf 01006868 Abel Maria Rodrigues [, bancário reformado, Miranda do Douro], 1ª secção [fur mil at inf Luciano Severo de Almeida, já falecido]...  De origem fula.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 > Salu Camara, nº mec 82103469. Provavelmente de origem futa.fula. Integrou a CART 11.


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Narço de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras  CART 11 e da CCAÇ 12 >  Sori Baldé, nº mec 82111069,  De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold at inf. Pertenceu O 4 º Gr Comb [, comandante: alf mil  at cav  10548668 José António G. Rodrigues, já falecido, vivia em Lisboa], 3º secção [1º Cabo 00520869 Virgilio S. A. Encarnação, vive em Barcarena]... [O Valdemar Queiroz identifica-o, erradamente, como sendo o Tijana Jaló, esse sim, devia pertencer à CART 11, mas com outro nº mecanográfico... Estou bem recordado do Sori Baldé, um dos meus soldados, quando estive no 4º Gr Comb.]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > Março de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Mamadu Jaló, nº mec 821179669, De origem futa. Integrou a CCAÇ 12, como sold arvorado. . Pertenceu ao 1 º Gr Comb 3ª secção [, fur mil at inf 19904168 António Manuel Martins Branquinho, reformado da Segurança Social, Évora, já falecido]


Guiné > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar > 1º trimestre de 1969 > Recruta dos futuros soldados das futuras CART 11 e da CCAÇ 12 > Alceine Jaló, nº mec 82114669, De origem futa ou futa-fula. Pertenceu à CART 11.

Fotos (e legendas): © Valdemar Queiroz (2020). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Contuboel > CIM - Centro de Instrução Militar  > c. março / abril de 1969 > CART 2479 / CART 11 (1969/70) > > O Valdemar Queiroz, com os recrutas Cherno Baldé, Sori Baldé e Umarau Baldé (que irão depois para a CCAÇ 2590 / CCAÇ 12).

Estes mancebos aparentavam ter 16 ou menos anos de idade. Eram do recrutamento local. Os da CCAÇ 12 eram fulas, oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Badora e Cossé.

Foto (e legenda): © Valdemar Queiroz (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70]


Data: terça, 5/11/2019, 23:22

Assunto: O que será feito dos 'Putos-Soldados' do CIM de Contuboel

O que será feito dos 'Putos-Soldados'?

Passaram 50 anos que muitos 'putos' foram chamados prá tropa e receberam instrução militar em Contuboel-

Alguns apresentaram-se descalços, com as suas roupas usadas habituais e notava-se que eram muito jovens, mas diziam que tinham 18 anos.

Soube-se mais tarde que houve situações de recrutamento forçado, mas na maioria apareceram com vontade ser soldados. 'Manga de ronco' e 'manga de patacão' que lhes iria acontecer.

Não sabemos, eu não sei nem me lembro de contarem, como foram contactados e por quem (régulo/chefe de tabanca), e se lhes foi dito que iriam ser soldados para entrarem directamente na guerra, que eles já tão bem conheciam.

Não sei se vieram assentar praça, como um serviço militar obrigatório se tratasse, com a diferença de serem ainda menores, ou como uma espécie de voluntariado forçado (ideias de Spínola a fazer lembrar o recrutamento de crianças pelos nazis no final da guerra?).

E assim se formaram a CART.11 e a CCAÇ.12.

Também não soubemos se queriam ser soldados para fazerem guerra contra os 'bandidos' ou para ajudar (como já acontecera em séculos anteriores) os portugueses na guerra contra, neste caso, o PAIGC que queria a independência da Guiné.

Mas, a guerra acabou. Felizmente a guerra acabou.

Os 'putos-soldados' deixaram de ser soldados do Exército Português e passaram, automaticamente, à peluda da sua desgraça. Muitos houve que fugiram para não serem sumariamente executados, muitos outros não tiveram essa sorte e foram assassinados, os restantes resignaram-se voltando, já homens, às suas tabancas para serem o que já tinham sido. Foi sempre assim quando acabam as guerras.

E passados 50 anos o que será feito daqueles que conseguiram sobreviver?

Os que eram mais jovens devem ter, agora, 66/67 anos de idade. O que será feito deles?

Julgo que eram todos Fulas e maioritariamente eram das regiões de Gabu/Piche, os da CART.11, ou de Bambadinca/Xime, os da CCAÇ.12.

O Alceine Jaló era do meu Pelotão, casou-se muito novo com uma bajuda (Saco ou Taco?) e levou-a com ele para Guiro Iero Bocari. As mulheres e os filhos dos nossos soldados também dormiam connosco nas valas e aí aguentavam quando havia ataques à tabanca.

O que será feito deles?

Gostava muito de saber deles e peço um favor muito especial ao nosso grande amigo Cherno Baldé de tentar saber se eles ainda são vivos.

Como curiosidade com os 'putos', havia quatro soldados arvorados, e frequentavam a escola de cabos, em cada Pelotão sendo a escolha feita entre eles e um da nossa escolha. Dos quatro do meu Pelotão o da nossa escolha recaiu no Saliu Jau por ser impecável, mas deu algum recusa por parte dos restantes por o considerarem 'ser djubi mesmo pra cabo'.

Valdemar Queiroz

PS - Anexo fotos de alguns 'putos-soldados' , falta a do Umaru Baldé, talvez o 'puto mais puto', e que me foi oferecida quando estive com ele na Amadora.


2. Resposta do editor Luís Graça:

Valdemar, folgo em saber de ti... E obrigado pela tua "lembrança"... Reconheço estes putos ou pelo menos três, os que pertenceram à CCAÇ 12, e que fizeram a guerra comigo (*)...

Quanto ao Umaru Baldé [c. 1953-2004), o "menino de sua mãe", tens aqui uma foto dele, à direita... Ele tem mais de vinte referências no nosso blogue. 

Soldado do recrutamento local, nº 82115869, tirou a recruta e a especialidade no CIM de Contuboel. Foi exímio apontador de morteiro 60, soldado arvorado e depois 1º cabo at inf  da CCAÇ 12 (1969-1972), no 4º Gr Comb,  3ª secção [, comandada pelo fur mil 11941567 António Fernando R. Marques: DFA, vive em Cascais, empresário reformado, membro da nossa Tabanca Grande].

O Umaru Baldé [, que era de Dembatacpo ou Taibatá, tendo sido  recrutado em 12/3/1969], foi depois colocado,em 1972,  em Santa Luzia, Bissau, no quartel do Serviço de Transmissões, onde ficou até ao fim da guerra. Conheceu, em mais de metade da vida, a amargura e a solidão do exílio. Veio morrer a Portugal, no Hospital do Barro, Torres Vedras. Contou apenas com o apoio e a ajuda de alguns dos seus antigos camaradas de armas.

Valdemar: se me mandaste,  em tempos, este material que agora se publica , ficou para aí na "picada"... Vá temos falado sobre este tema, que nos é caro, a nós os dois (**).

Afinal, fomos instrutores destes putos, no CIM de Contuboel e eles estiveram sob as nossas ordens na guerra, tu na região de Gabu, setor de Nova Lamego, eu na  região de Bafatá, setor L1 (Bambadicna) Foram extraordinários soldados e grandes camaradas, estes "meninos-soldados" (***).

Vamos ver se alguém mais se recorda destes nossos putos, "meninos de sua mãe", parafraseando o título de um extraordinário, pungente, poema de Fernando Pessoa.

3. Aproveito para reproduzir aqui um comentário meu que já tem 14 anos, sobre  "a lista dos Baldés" da CCAÇ 12, e que volto a subscrever: eram 100 os "baldés", que foram integrados na CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, muitíssimos poucos estarão vivos hoje, talvez menos de 5%  (****):

(...) É também um pequeno, modestíssimo, gesto de elementar justiça para com aqueles guineenses que lutaram ao nosso lado, que fizeram parte da CCAÇ 12 e, portanto, da nova força africana com que sonhou Spínola e que tanto atemorizou o PAIGC. Infelizmente, uma parte deles (quantos, exactamente?) já não hoje estarão vivos. Uns foram fuzilados, como o Abibo Jau (...), outros terão morrido de morte natural, que a sua esperança de vida era muito menor que a nossa, em 1969...

Eu estou à vontade para publicar esta lista: sempre critiquei a africanização da guerra da Guiné, embora longe de imaginar que, no dia seguinte à nossa retirada, começasse a caça aos traidores, aos contra-revolucionários, aos mercenários, aos colaboracionistas... 


Em 1969, ainda estava vivo o Amílcar Cabral e eu admirava-o, intelectualmente... Achava que na Guiné, depois da independência, tudo seria diferente, e não aconteceriam os ajustes de contas que se verificaram noutras revoluções ou guerras civis, na Rússia, na China, na Espanha franquista, na França depois da libertação, etc. Pobre de mim, ingénuo...

Mas, por outro lado, também fui cúmplice da sua integração no nosso exército: mesmo sendo de da especialidade de armas pesadas, e não fazer parte formalmente de nenhum dos quatro grupos de combate da CCAÇ 12, participei em muitas das operações em que estes participaram, fui testemunha da sua coragem e do seu medo, dormi com eles nas mais diversas situações, incluindo nas suas tabancas... Foram meus camaradas, em suma.

Soldados ex-milícias, a maior parte com experiência de combate, os nossos camaradas guineenses da CCAÇ 12 (originalmente, CCAÇ 2590), eram oriundos do chão fula e em especial dos regulados do Xime, Corubal, Basora e Cossé, com excepção de um mancanhe, oriundo de Bissau.

“Todos falam português mas poucos sabem ler e escrever", lê-se na história da CCAÇ 12 (O que só verdade, 21 meses depois de os termos conhecido e instruído em Contuboel, em junho e julho de 1969). Foram incorporados no Exército como voluntários, acrescentou o escriba, para branquear a insustentável situação dos fulas, condenados a aliarem-se aos tugas. (...)

___________



(***) Último poste da série > 12 de fevereiro de  2020 > Guiné 63/74 – P20644: (De) Caras (119): Um pequeno texto, cuja essência teve o BLOGUE na sua concepção (António Matos)

sexta-feira, 1 de fevereiro de 2019

Guiné 61/74 - P19458: (In)citações (124): A Angola e os angolanos que eu conheci e que ficaram no meu coração: os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo, do admirável e sofrido povo de Angola; (...) para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual, olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem ... (Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535, 1972/74)

Fernando de Sousa Ribeiro. Vive no Porto.
Mss também gosta de Lisboa  onde viveu e trabalhou
Term página no Facebook
1. Mensagem de Fernando de Sousa Ribeiro, ex-alf mil, CCAÇ 3535 (Angola, 1972/74), membro da Tabanca Grande desde 11 de novembro de 2018_

Obrihgado, Luís, pelos votos e pelo vídeo.

Alguma coisa tem vindo a mudar em Angola desde que João Lourenço assumiu a presidência. Este vídeo [, em que o comandantenacional da política denuncia, publicamente, a corrupção na instituição e expulsa das suas suas fileiras alguns dos seus mais elementos] é uma demonstração real disso.

Mas as dificuldades que o João Lourenço está a enfrentar são provavelmente maiores do que as que ele esperava encontrar, sobretudo no que ao repatriamento de capitais desviados para os paraísos fiscais diz respeito.

Até agora, ele só tem ouvido palavras aparentemente muito simpáticas de vários governos e entidades internacionais, mas sem consequências práticas. O Reino Unido, então, já recusou repatriar os 500 Milhões  de dólares desviados do Fundo Soberano de Angola pelo filho mais novo do José Eduardo dos Santos, José Filomeno dos Santos, e sua quadrilha. É a pérfida Albion no seu "melhor".

De qualquer modo, o tempo parece estar a jogar a favor de João Lourenço, que vai consolidando o seu poder, mas também joga contra ele, porque a economia angolana não parece estar a "levantar voo", nem pouco mais ou menos. Espera-se que este ano a economia do país entre em recessão, o que é muito mau.

Esperemos para ver, desejando que as coisas melhorem, para bem de um povo que eu aprendi a amar, graças aos maravilhosos subordinados angolanos que tive o supremo privilégio de comandar e pelos quais choro copiosas lágrimas de saudade.

A este respeito, permito-me reproduzir as seguintes palavras que lhes dediquei no meu livro inédito de memórias da guerra, a que dei o título de "Dignidade e Ignomínia":


Sinto um orgulho enorme nos subordinados [portugueses e angolanos] que me coube comandar.

(...) Posso (...) afirmar categoricamente que fui um privilegiado por ter tido a meu lado companheiros dotados de uma tal fibra.

Fui ainda mais privilegiado porque entre eles havia angolanos, que foram das pessoas mais extraordinárias que conheci. Não há dinheiro no mundo que pague toda a sua sabedoria, toda a sua generosidade e toda a sua sensibilidade. Depois de os ter conhecido, nunca mais fui o mesmo.


Tenho os seus nomes escritos em letras de ouro no meu coração: Domingos Amado Neto, Silva Alfredo dos Santos, Domingos Cangúia, Diogo Manuel, Ramiro Elias da Silva, Domingos Jonas, Mateus Tchingúri, Jonas Vitorino, Lucas Quinta, Henrique Luneva, Raimundo Nunulo, Domingos Dala, Fortunato Francisco João Diogo e Simão João Leitão Cavaleiro. Nunca os esquecerei.

Os nossos camaradas angolanos eram filhos do povo. Do admirável e sofrido povo de Angola. Quer isto dizer que, para a esmagadora maioria deles, foi só quando passaram a fazer parte da nossa companhia que eles puderam, pela primeira vez nas suas vidas, relacionar-se com brancos de igual para igual. Olhos nos olhos, ombro com ombro, de homem para homem. E eles foram insuperáveis no companheirismo e na dignidade com que se relacionaram connosco, os europeus da companhia.


Encontrando-se na mesma situação que nós, os nossos camaradas angolanos não se limitaram a partilhar as suas vidas connosco no seio da companhia; eles fizeram parte integrante de nós mesmos, tanto quanto isto foi possível.


Eles travaram os mesmos combates que nós.


Eles caíram nas mesmas emboscadas que nós.


Eles enfrentaram as mesmas minas que nós.


Eles contornaram as mesmas "bocas‑de‑lobo" que nós.


Eles suaram os mesmos cansaços que nós.


Eles enjoaram as mesmas rações de combate que nós.


Eles dormiram debaixo da mesma chuva que nós.


Eles tremeram os mesmos medos que nós.


Eles riram as mesmas alegrias que nós.


Eles choraram as mesmas saudades que nós.


Eles acalentaram as mesmas esperanças que nós.


Eles foram nós. Todos fomos nós." (...)(**)
Um abraço

Fernando de Sousa Ribeiro
Porto, 12 de janeiro de 2019

quarta-feira, 21 de fevereiro de 2018

Guiné 61/74 - P18337: Recortes de imprensa (92): A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar: Marcelo Caetano, em Bissau ("Diário de Lisboa", 14/4/1969)






"Diário de Lisboa", nº 16637, ano 49, segunda feira, 14 de abril de 1969, 3ª edição, pp. 1 e 10. Diretor: António Ruella Ramos. Cortesia de Casa Comum > Fundação Mário Soares > Fundos DRR - Documentos Ruella Ramos.

Citação:(1969), "Diário de Lisboa", nº 16637, Ano 49, Segunda, 14 de Abril de 1969, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_7219 (2018-2-20)


1. Complementando a "cobertura fotográfica" da visita a Bissau, do prof Marcelo Caetano, da autoria do nosso grã-tabanqueiro Virgílio Teixeira (*), publica-se um recorte de imprensa da época, mais exatamente do vespertino "Diário de Lisboa", com data de 14 de abril de 1969. (**)

Tratava-se de um jornal "independente", considerado de "referência", que se publicou entre 1921 e 1990,  e que foi, entre nós, uma grande escola de jornalismo.  Chama-se a atenção para o título de caixa alta, publicado na primeira página: "A primeira visita de um chefe do governo português ao Ultramar"...

Caetano, que sucedeu a Salazar, tinha estado na Guiné em 1935, no âmbito do I Cruzeiro de Férias às Colónias do Ocidente (Cabo Verde, Guiné, S. Tomé e Príncipe e Angola), de que foi o diretor cultural. (Este cruzeiro foi uma inciativa da revista "O Mundo Português",  tendo juntado  cerca de duas centenas de "estudantes, professores, médicos, engenheiros, advogados, artistas, escritores, industriais e comeriantes").

Há aqui uma crítica implícita ao seu antecessor que nunca quis pôr os pés no "império"... Nesta viagem, de 14 a 21 de abril de 1968,   às capitais da Guiné, Angola e Moçambique os aviões da TAP iriam fazer qualquer coisa como 19 mil quilómetros, o que dá uma ideia da distância dos territórios ultramarinos em relação a Lisboa.

O jornal é politicamente correto, referindo-se sempre às "províncias ultramarinas" (e não colónias, desde a reforma de 1951). Não nos parece que tenha mandado um "enviado especial" a acompanhar o périplo de Marcelo Caetano  pelo Ultramar, tendo por isso que recorrer ao material enviado pelas "agências noticiosas do regime", a Lusitânia e  a ANI. 

Relativamente aos representantes das principais etnias presentes nas cerimónias de boas vindas, é dado o destaque aos fulas, mandingas, felupes e bijagós, mas fazem-se também referências a outros como os papéis, os manjacos e os balantas...

A "representação social" destes grupos continua a ser "estereotipada" na imprensa portuguesa:  "os Papéis dos subúrbios de Bissau, os Manjacos, trabalhadores do porto, os Balantas, cultivadores de arroz, os Beafadas, os Nalus, hábeis escultores de madeira, os Saracolés,  notáveis ourives, enfim, todas as raças"...  Mas antes deles, vêm os "chefes fulas e mandingas que ostentam condecorações ganhas por atos de bravura em campanha"... E ainda, "com turbantes e formatos especiais, os maometanos que já foram em peregrinação a Meca, nas viagens que todos os anos o Ministério do Ultramar organiza"...

Era aguardado, com expetativa e interesse, o discurso do chefe do governo no palácio do Governador. Nessa cerimónia usaram igualmente da palavra o vogal do conselho legislativo Joaquim Baticã Ferreira (, de etnia manjaca, fuzilado pelo PAIGC depois da independência) e o brigadeiro António de Spínola governador-geral e comandante-chefe. 

O último ato público do presidente do conselho de ministros, antes de partir, no dia seguinte, 15 de abril, para Luanda foi a homenagem aos "mortos em defesa da Pátria", no cemitério de Bissau.

Destaque também para a entrevista do brigadeiro António de Spínola, à Emissora Nacional, em que "minimiza" o problema "militar", face às preocupações do governo da província, que seriam a promoção económica, social e cultural do povo guineense, com vista a "acelerar o seu processo de desenvolvimento" (sic)... Começa talvez aqui, menos de um ano depois da sua chegada à Guiné, a consolidar-se a tese (spinolista) de que a solução para o conflito que se trava no território, é muito mais "política" do que "militar"...



Guiné > Bissau > 14 de abril de 1969 > Visita presidencial do Professor Marcelo Caetano a Bissau: lado a lado, mas já de costas viradas, Marcelo Caetano e Spínola...

Foto: © Virgílio Teixeira (2018). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. O que os jornais (e muito menos a televisão...) não noticiaram foi a reunião extraordinária de comandos, ocorrida a 14 de abril de 1969, na sala de operações do comando chefe, em que estiveram presentes, além de Spínola e de Marcelo Caetano, o ministro do ultramar [, Silva Cunha], o CEMGFA [, gen Venâncio Deslandes,] e mais cerca de duas dezenas oficiais com funções operacionais e de comando no TO da Guiné.  Foi seguramente mais importante do que a reunião anterior, protocolar e propagandística, do conselho legislativo...

A reunião extraordinária de comandos acabou num tom sombrio, face às perspetivas de deterioração da situação militar,  à consolidação e relativo sucesso da estratégia do IN (e à sua mais que previsível escalada militar), à ausência de uma "ideia de manobra à escala estratégica nacional", à incapacidade de resposta da "infra-estrutura administrativa-militar", à desmoralização dos operacionais metropolitanos no CTIG, à dramática falta de reforços (em homens e material)...

Segundo o biógrafo de Spínola, Luís Nuno Rodrigues, Marcelo Caetano tende  a ser visto pelo primeiro  como um político, fraco e impotente, nomeadamente face à inércia da estrutura administrativo-militar.  Mas Spínola, que chega ao generalato em julho desse ano, não se coíbe  de falar alto e bom som, ao CEMGFAQ, o gen Venâncio Deslandes, que ele trata por tu, que nunca aceitaria, em terras da Guiné, um segundo caso da Índia...em que os militares foram os bodes expiatórios do desastre político e diplomático... (Rodrigues, L. N. - Spínola: biografia. Lisboa: A Esfera dos Livros, 2010,  pp. 130-135).

Spínola recordou o pedido, ainda em grande parte por satisfazer, que tinha feito em nobvembro de 1968, em termos de "necessidades imediatas": 4 comandos de batalhão  e 13 companhias, além de material de artilharia e antiaéreas...

Marcelo Caetano terá perguntado a Spínola porque é que não utilizava "mais pessoal africano",  uma vez que se encontravam "exaustas as possibilidades demográficas metropolitanas" (sic). Spínola respondeu que a africanização da guerra poderia resolver o "problema humano", mas não dispensava a solução do "problema financeiro"... O tosco do ministro do Ultramar ainda perguntou se as unidades africanas não seriam "mais baratas"... Estou a imaginar a  irritação (contida) de Spínola, ao responder-lhe que já não o eram, por que: (i) "os africanos já tinham tomado consciência de que "neste tipo de guerra e neste terreno são mais aptos do que os metropolitanos" (sic); e (ii) e já não aceitam auferir remunerações inferiores a estes, tendo perdido o seu "complexo de inferioridade" (ibidem, p. 131).

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Nota do editor: