quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26463: A nossa guerra em números (27): 800 mil portugueses (muito mais, em termos relativos, do que os americanos no Vietname, ou os franceses na Argélia) "contribuiram com o seu esforço e empenho para que o poder político obtivesse uma solução política" para a guerra, (...) "mas este não correspondeu e o tempo da história foi implacável" (maj-gen João Vieira Borges, in "Crepúsculo do Império", 2024)



Capa do livro "Crepúsculo do Império"
de João Vieira BorgesPedro Aires Oliveira 
(Lisboa: Bertrand Editores, 2024, 800 pp.)
 



Faro > "Cerimónia do 10 de Junho de 1970, realizada no Largo do Carmo, em Faro. Entrei na tropa, em Tavira, no dia 6 de Abril de 1970 e no dia 10 de Junho já aqui estava, com G3 na mão". 

Foto (e legenda) do álbum do Zeca Romão (José Romão, ex-fur mil at inf,  CCAÇ 3461 / BCAÇ 3863, Teixeira Pinto, e CCAÇ 16, Bachile, 1971/73). Página do Facebook de Zeca Romão (Travassos), 9 de março de 2013 (com a devida vénia...)


Foto (e legenda): © José Romão (2013). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Os números da guerra são sempre controversos, por causa do acesso aos arquivos, da diversidade e divergência das fontes, da metodologia de recolha e tratamento de dados, etc. Tal não nos impede de tentar falar com números sobre a guerra que calhou em sorte à nossa geração (*)


João Vieira Borges, presidente da Comissão Portuguesa de História Militar, escreveu recentemente (**) que nunca Portugal fez um esforço tanto grande como na guerra de África (1961/75), em matéria de recrutamento e mobilização militar. (Em termos relativos, foi um esforço maior do que o dos EUA, no Vietname, ou o da França, na Argélia.)

Em números redond0s foram enpenhados 800 mil militares portugueses:

  • 75% oriundos de Portugal Continental, e dos arquipélagos da Madeira e Açores;
  • 25% do recrutamento local (Angola, Guiné e Moçambique).

Cerca de 92% dos efetivos eram oriundos do serviço militar obrigatório (pág. 390). O país tinha na altura uma população inferior a 10 milhões:

  • 8,994 ,milhões, em 1962;
  • 8,754 milhões, em 1974 (redução de 2,7%).


Em 1973, e para uma populção de 8, 63 milhões, tínhamos cerca de 163 mil (162 996) nos 3 teatros de operações. assim repartidos:

  • 43,3% em Angola;
  • 21,8% na Guiné;
  • 34,9% em Moçambique.
A repartição pelos 3 ramos das Forças Armadas era a seguinte:

  • Exército: 91,5%;
  • Força Aérea: 5,5%;
  • Marinha: 3,0%.

Veja-se agora o  peso relativo do recrutamento em cada um dos TO (em média) (citando Sousa, 2020) (***):
  • Angola: 32,8%
  • Guiné: 15,7%
  • Moçambique: 43,2%.
A "africanização da guerra" é mais acentuada em 1973, com percentagens médias de pessoal do recrutamento local  a atingir os seguintes valores (pág. 392):
  • Angola: 42,3%;
  • Guiné: 20,1%;
  • Moçambique: 53,6%.
Impressionante é a constação de que "entre os jovens recenseáveis (mais de 1700 mil em todo o Portugal), mais de 40% eram analfabetos e apenas 72% foram considerados aptos para o serviço militar." (pág. 399).

O número de desertores, faltosos e refratários, de acordo com os registos oficiais,"ultrapassam os 231 mil jovens".  

Números significativos, comenta o major-general do exército e autor do capítulo (**), "em especial se considerarmos o regime autoritário em que se vivia na época". Por outro lado, são indissociáveis do fenómeno da emigraçáo em massa:  entre 1961 e 194, saíram em média por ano 97 700 cidadãos portugueses.

Comentário final: 

"Sabemos que as guerras longas são inimigas do recrutamento e mobilização. Os militares contribuiram com o seu esforço e empenho para que o poder político obtivesse uma solução política. Mas este não correspondeu e o tempo da história foi implacável" (pág. 400).

_________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 13 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26041: A nossa guerra em números (26): Aceitemos, provisoriamente, o número (oficioso) de 437 "internacionalistas cubanos" que terão combatido ao lado do PAIGC, "de 1966 a 1975"

(**) João Vieira Borge - O recrutamento e a mobilização das Forças Arnadas portuguesas. In: Crepúsculo do Império, op.  cit., pp. 381-401.

(***) Pedro Marquês de Sousa - "Os números da Guerra de África". Lisboa, Guerra & Paz Editores, 2021, 379 pp.

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