sábado, 1 de maio de 2021

Guiné 61/74 - P22162: Consultório militar do José Martins (65): Ao Povo de Moscavide reconhecido à tropa do RI 7 no 28 de Maio de 1926


Desta feita, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem de 8 de Abril de 2021, mandou-nos um trabalho dedicado ao Povo de Moscavide e às tropas do RI 7 do Destacamento das Caldas da Rainha,  que se deslocaram para aquela localidade aquando do Movimento de 28 de Maio de 1926.
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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22157: Consultório militar do José Martins (64): Análise ao Artigo 19 (Honras Fúnebres) do Estatuto do Antigo Combatente - Anexos

Guiné 61/74 - P22161: Os nossos seres, saberes e lazeres (450): Quando vi nascer a Avenida de Roma (6) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Março de 2021:

Queridos amigos,
Há para aqui uma tentativa de esboçar a topografia da mobilidade pedestre daquelas crianças que frequentaram a Escola Primária Nº 151, a seguir ao ensino primário houve irradiação de destinos mas muitos dos pontos de referência já estavam instalados, a corografia de Alvalade forçosamente tem que ser entendida na ampla rede que abarca o Campo Grande, a Avenida da República até ao Campo Pequeno, após o alcatroamento da Avenida dos Estados Unidos da América espiolhava-se o crescimento da Avenida de Roma, descia-se o Bairro de São Miguel e então entrávamos no nosso burgo. Vamos crescendo, alteram-se as referências, no princípio da adolescência ainda somos um grupo que se reúne aos sábados à tarde para ir ver dois filmes: no Pathé, no Lis, no Max, no Rex, até no Salão Lisboa. E vai começar a atração pelos cinemas da nossa região, e por isso eles aqui são mostrados. Faltam agora algumas lojas para se pôr termo a esta viagem de apresentação que foi o nascimento da Avenida de Roma e que para mim constituiu um resgate de saudade.

Um abraço do
Mário


Quando vi nascer a Avenida de Roma (6)

Mário Beja Santos

Quem viu nascer a Avenida de Roma obviamente que chegou um tanto mais cedo, à guisa de recapitulação, mostra-se o Bairro das Caixas de Previdência e no seu limite oriental, junto da Quinta do Sr. Visconde de Alvalade, a Rua António Patrício. Não há comércio no bairro, impõe-se a necessidade de ir ao Campo Grande e à Rua de Entrecampos. Quem desenhou o projeto escolheu um formato uniformizado, ou quase, para as fachadas, natureza das janelas ou varandas, o que muda substancialmente é a dimensão das casas. As maiores, segundo aquela lógica do Estado Novo de cada um no seu lugar, têm à entrada um quarto minúsculo para a criada, um arrumo para as malas e um escaparate em madeira para pôr fotografias; em anexo uma minúscula casa-de-banho com duche e sanitário, a criada não pode ter intimidades com a higiene dos patrões.
No fim da década de 1940 nasce o Bairro das Caixas de Previdência, em Alvalade, em baixo quase que confina com o Campo Grande, o seu limite oriental é a Rua António Patrício que tem em frente a Quinta do Visconde de Alvalade, cortada pelo estradão da Avenida dos Estados Unidos da América, no primeiro plano à esquerda a entrada do Campo Grande e à direita os últimos prédios da Avenida da República e nas suas traseiras corre a Rua de Entrecampos. Grandes mudanças vão começar.
Rua António Patrício, ao fundo irá confluir com a Avenida de Roma, imagem atual
Em primeiro plano os campos de futebol do Benfica. Ao fundo o estádio do Sporting ainda em construção (início dos anos 50). Para melhor se entender o quase descampado que se segue ao Campo Grande, esta fotografia aérea é elucidativa. Os nossos colegas de Telheiras vivem em autênticos tugúrios, na rede de azinhagas à esquerda dos campos de futebol. À direita vemos a Alameda das Linhas de Torres, artéria que nós no bairro não frequentávamos, tínhamos ainda muito para desvendar à volta do Campo Grande, percorríamos alegremente os caminhos sinuosos que articulavam a vida no interior do bairro até que surgiu o prato de substância, o nascimento da Avenida de Roma, que nos deixou temporariamente desinteressados nos restos do Mercado Geral de Gados, das fábricas e das fabriquetas em torno do Campo Grande, preferimos então acompanhar a construção civil e ver a chegada daquela classe média que rapidamente se assenhoreou da sua avenida e limítrofes, caso da Avenida João XXI, Praça de Londres, Avenida Paris, a Guerra Junqueiro, também com o seu comércio chique.
Pastelaria Sul América, Avenida de Roma

Vale a pena observar que a Avenida de Roma do cruzamento com a Avenida dos Estados Unidos da América e em direção ao Hospital Júlio de Matos tinha uma arquitetura muito semelhante à que se impôs em direção à Praça de Londres, mas nem de perto nem de longe possuía os seus atrativos comerciais, mesmo agora. A Sul América foi durante muitos anos um ponto de convívio para as gentes locais, mesmo os trabalhadores de serviços vinham aqui ao pronto a comer. E um dia fechou a porta e deu lugar a uma casa de hambúrgueres. O local de maior convivência é o revitalizado Centro Comercial de Alvalade e depois o intenso comércio da Avenida da Igreja entre a estátua de Santo António e a Igreja de S. João de Brito, tem de tudo, quatro farmácias, comidas e petiscos, frangos assados na hora, roupa para todos os preços, agência funerária, a velha Riviera, uma charcutaria que também procurou adaptar-se aos novos ritmos de vida.
Passemos em revista os cinemas do bairro. O icónico, aquele que atraía os apreciadores de cinema de qualidade, foi o Quarteto, foi encerrada por falta de requisitos de segurança, mas por ali passaram filmes lendários e nas temporadas de verão havia ciclos de cinema para rever. Ambiente acolhedor, mas já dentro daquela fórmula de entrar, petiscar e seguir prontamente para uma das quatro salas. Continuo a tremer de emoção quando vejo esta imagem.
Cinema Quarteto, quatro salas, quatro filmes, edifício icónico da minha geração, sito na Rua Flores de Lima, uma paralela da Avenida dos Estados Unidos da América, uma autêntica barreira protetora da região afim, do Bairro de São Miguel
Cinema Alvalade

Acompanhei a vida do Cinema Alvalade do princípio ao fim, naqueles tempos havia duas matinés e a sessão da noite. O desenvolvimento da RTP foi a primeira sacudidela firme, mas o repositório de filmes era aliciante, por ali passou muito do melhor cinema europeu, em concorrência com o cinema norte-americano. Não me recordo de ter aqui estacionado um cineclube, mas no verão havia ciclos que se prolongavam por mais de um mês com filmes do passado, sempre com a sala cheia. O seu interior era gracioso, naquele tempo concebiam-se espaços para os espetadores conversarem, o cinema tinha decoração, neste caso um belo painel da pintora Estrela Faria que ainda se pode ver no novo edifício que tem habitantes, restaurante oriental e várias salas de cinema. Vejam as imagens que se seguem, talvez ajudem a compreender como os adolescentes se sentiam bem neste ambiente.
Escadaria de ligação à primeira plateia com o mural de Estrela Faria
Interior do Cinema Alvalade

O Cinema Roma é um enorme caixotão que também capitulou à falta de espetadores. Um dos meus cineclubes, o Católico, aqui estacionou, as quotas eram baixas, a escolha de filmes tinha por detrás bons selecionadores e muitas vezes havia apresentações em grande estilo, alguns dos grandes estudiosos do cinema, como João Bénard da Costa ou Manuel Machado da Luz, vinham com frequência apresentar filmes nos então quatro cineclubes que trabalhavam febrilmente para os seus cinéfilos.
Cinema Roma
Cinema Londres
Quadro de Noronha da Costa no Cinema Londres. Esta pintura corresponde ao período dourado do artista, era uma inovação do trabalho em acrílico com uso de pintura a óleo
Escultura de João Cutileiro no Cinema Londres

Este cinema atraía uma enorme população, mesmo de gente que vivia para lá da Fonte Luminosa ou da Avenida Manuel da Maia, Avenida João XXI, etc., era o Cinema do Areeiro. Sala decorada, escadaria enorme com portada retangular, coração à moda, bem embrincado na arquitetura panorâmica envolvente. Na imagem que escolhemos para mostrar um pouco da Avenida de Roma, a seguir, é patente que tudo isto foi um rico laboratório arquitetónico, o confronto entre as linhas tradicionalistas de projetos baratos como o do Bairro das Caixas de Previdência, as fachadas e interiores com outro nível de qualidade do Bairro de São Miguel e a modernidade de pioneiros como Cassiano Branco, Formosinho Sanches e Fernando Segurado. Estes cinemas tinham cafetaria, o Londres avançou para o snack-bar, estrutura que estava à moda, com refeições ligeiras, que davam pelo nome de combinados. Com a luminosidade e o espírito observador sem rival que o timbrava, Alexandre O’Neill num seu livro de 1960, As andorinhas não têm Restaurante, compôs um texto com delicioso humor:
“Você conhece estes restaurantes de traz-que-eu-engulo, do engole-vai-embora, esses esófagos da cidade que mal dão tempo de fazer glu?
No calor da nalga recém-partida você assenta a sua própria nalga recém-chegada, mas o desgosto dura o tempo da fusão dos dois calores. Outro virá, meu filho, desgostar-se (breve) no calor da sua…
É nestas estações de devoração que você se reabastece de azias de opilações, de engulhos, de flatulências, de tonturas e ardências. É aqui que você faz glu com vinho que, bebido, lhe deixa no fundo da garrafinha uma inesperada linda frase:
A CEPA O DEU, VOCÊ O BEBEU!”
(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 24 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22132: Os nossos seres, saberes e lazeres (449): Quando vi nascer a Avenida de Roma (5) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P22160: Fotos à procura de... uma legenda (150): a continência à(s) bandeira(s) (Valdemar Queiroz, ex-fur mil at inf, CART 11, 1969/70)


Foto nº 1 > Guiné > Zona leste > Região de Gabu > CART 11 (Nova Lamego, Piche, Paunca, 1969/1970) > Nova Lamego > "Porta de armas": continência à bandeira nacional.

Foto (e legenda): © Abílio Duarte  (2013). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Nhala > 2.ª CCAÇ/BCAÇ 4513 (Aldeia Formosa, Nhala e Buba, 1973/74), > 1973 > Cerimónia do arriar da bandeira que ainda se repetiria por mais um ano, aproximadamente. Como se pode ver, estava um grupo de combate a entrar, que pára em sentido. Mesmo as mulheres que vinham da fonte com água à cabeça paravam nestas ocasiões, tal como os homens e as crianças.

Foto (e legenda): © António Murta (2016). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]

 

Foto nº 3 > Guiné > Região de Gabu > Nova Lamego > CCS/BCAÇ 1933 (1967/69) > Janeiro / fevereiro de 1968 > A cerimónia cheia de significado da continência à bandeira nacional. Trata-se do hastear da bandeira, pela manhã, depois o arriar era às 18 horas, já quase noite. Hoje onde se vê disto? Em Bissau, por exemplo, toda a gente em sentido, até na Estrada principal, paravam os carros e saiam as pessoas com destino ou vindas de Bissau, a passar em Brá.

Foto (e legenda): © Virgílio Teixeira (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 4 > Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Mendonça , antes de ser recambiado para Mansambo, para o trabalho de pá e pica , a construção do aquartelamento  > O arriar da bandeira ...  

Foto (e legenda): © Torcato Mendonça (2007). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 5 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Xime > Posto Escolar Militar nº 8 > 1972 > Alunos participando na cerimónia do içar da Bandeira Nacional em 10 de junho de 1972. Ao centro o professor da Escola de Mansambo [?], presente a convite do camarada Carvalhido da Ponte.. [Um dos miúdos era o José Carlos Mussá Bai, hoje engenheiro florestal a trabalhar e a viver em Lisboa]

Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2014). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]


Foto nº 6 > Guiné > Canjadude > 1974 > O PAIGC toma posse do antigo aquartelamento da CCAÇ 5 e hasteia a bandeira da nova República da Guiné-Bissau. 

Foto (e legenda): © João Carvalho (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]



Foto nº 7 > Guiné > Região do Oio > Mansoa > 9 de Setembro de 1974 > Uma foto para a história: O Fur Mil Op Esp Magalhães Ribeiro arriando a bandeira verde rubra... Esta terá sido a última cerimónia do arriar da bandeira portuguesa, no TO da Guiné, pelo menos com "honras de Estado", isto é, em cerimónia oficial, com altos representantes, de um lado (NT) e do outro (PAIGC)... Diz o Eduardo que estava prevista, inclusive, a presença do 'Nino' Vieira, anulada à última hora por razões (compreensíveis) de segurança.

Foto (e legenda): © Eduardo Magalhães Ribeiro (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís GRaça & Camaradas da Guiné]



1. Mensagem do Valdemar Queiroz [ex-fur mil, CART 2479 / CART 11, Contuboel, Nova Lamego, Canquelifá, Paunca, Guiro Iero Bocari, 1969/70; tem mais de 120 referências no nosso blogue, e é um activo e incansável comentador; vive em Agualva-Cacém]

Date: terça, 13/04/2021 à(s) 15:00
Subject: Fotografis à procura de uma legenda 

As grandes fotografias da cerimónia diária do içar e arriar da Bandeira, que estão publicadas no blogue, representam perfeitamente o que se passava diariamente dentro e fora dos nossos Aquartelamentos.

Era um momento de cerimónia militar e de grande respeito de toda a população. Parava tudo, dos miúdos às bajudas, dos mulheres grandes aos velhos.

Estas fotografias à procura de uma legenda foram escolhidas por representarem as várias situações que se verificavam nesta cerimónia diária. Mas é apenas uma pequena amostra.

Desde a imagem em Nova Lamego que até dentro de casa havia cumprimento, passando pela correcta Continência à Bandeira dos poucos militares que ficavam no Quartel da minha CART.11, a particularidade de em Nhala a Continência ser feita com um "enxada arma", provavelmente por hábito agrícola, ou em Fá Mandiga ser um Pelotão a fazer a cerimônia, ficamos com uma ideia do escrupuloso cumprimento desta cerimónia diária.

Na Continência à Bandeira do PAIGC, em Canjadude, ressalta o respeito mútuo, apenas com um nosso militar bem fardado estar um bocado à balda calhando por estar contra o acontecimento.

Julgo que os autores destas extraordinárias imagens não se importarão que eu as utilize, agora venham lá legendas para estas fotografias.

Abraço
Valdemar Queiroz
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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P22159: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VIII: A primeira visita... dos "vizinhos", com ataque ao arame!

Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 > O meu grupo de combate (2.º pelotão) preparado para mais uma saída para o mato – É de meter medo !!! Eu sou o primeiro da esquerda (de pé), o Alferes Afonso o primeiro à direta (de pé), o Zé Carlos e a sua basuca o primeiro à esquerda (fila da frente), o Belinha o 3.º da primeira fila (da esquerda para a direita com a pica na mão, logo a seguir o homem de Castelo Branco com o seu morteiro...


Foto nº 2 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 > Cavando, amassando... fazendo tijolos para a construção da nossa modesta casinha.


Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 > “Rambo” Costa - “O guardador”... de tijolos 


Foto nº 4 > Guiné > Região de Tombali > Cumbjã > CCAV 8351, "Os Tigres do Cumbijã", 1972/74 > Nem tudo era mau,  camaradas: bom whisky a “pataco” (com o selo de garantia: CTIG). Religiosamente guardadas para comemorar o meu centenário (espero estar ainda em boa forma!). Se a publicação das minhas memórias se concretizar, talvez abra uma no dia da sua apresentação (para chamar mais clientes!).

Fotos (e legendas): © Joquim Costa (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de Joaquim Costa, ex- furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, Cumbijã (1972/74)

Date: quarta, 21/04/2021 à(s) 18:59
Subject: Memórias de um Tigre do Cumbijã


Meu caro Luís

Como escrevíamos antigamente para casa, nos míticos aerogramas, espero que esta te vá encontrar com ânimo bastante para venceres mais um obstáculo nesta prova de resistência que é as nossa vidas.

Por vezes, dado este meu ímpeto de colocar um pouco de humor em tudo, acabo por ser inconveniente. Espero que não seja o caso.

Por trás deste humor também há lágrimas…e obstáculos.

Felizmente tenho uma pequena costela de brasileiro pelo que por muitos obstáculos que surjam no caminho penso sempre que a coisa vai dar certo.

Meu caro Luís, o lema do Blogue é o mundo é pequeno mas a tabanca é grande. E assim é!

Já aqui fiz referência ao meu filho Tiago que esteve dois anos na Guiné na construção de uma ponte sobre o rio Geba, pois a sua esposa, enfermeira, fez a especialidade de medicina familiar onde o Luís chegou a ser o seu orientador. O mundo é mesmo pequeno.

Aproveito a oportunidade para te enviar mais um post sobre as minhas memórias de guerra- A primeira visita dos "vizinhos" (ataque ao arame).

Fica na calha para quando tiveres oportunidade(e achares que reúne condições) para ser publicado

Um abraço, Joaquim Costa




Joaquim Costa, hoje e ontem. Natural de V. N. Famalicão,
vive em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.



Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex- furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VIII (*)
 
A primeira visita… dos “vizinhos” 
(ataque ao arame)


Ninguém gosta de receber visitas em sua casa com esta em desalinho e ainda inacabada, contudo, foi o que aconteceu connosco poucos dias depois de nos instalarmos, de armas e bagagens, no Cumbijã.

Para se ter uma ideia do perigo e do escalar do conflito, a proteção do destacamento compreendia duas redes de arame farpado, separadas por alguns metros, com garrafas de cerveja colocadas em todo o perímetro, sobrepostas duas a duas (que tilintavam ao mínimo baloiçar das redes), e no espaço entre as duas redes eram colocados fornilhos (minas e/ou explosivos com vidros e e restos de material de ferro e aço). Tudo o que estava para além do arame farpado, literalmente, era IN.

Poucos dias depois de nos instalarmos no Cumbijã, ao fim da tarde, quando já toda a engenharia, bem como os grupos de proteção tinham regressado a Aldeia Formosa, tivemos a visita de um grupo IN, bastante numeroso, que nos intimidou com uma carga poderosa de morteiro, RPG e rajadas de metralhadora. Para os dois grupos da companhia presentes (os outros dois tinham ido para Aldeia Formosa, merecidamente, já que tinham aqui passado a noite anterior), foi o batismo de confronto direto com o IN.

Ficamos todos muito “chateados” (como diria o Almirante e ex primeiro ministro, que deu nome à minha rua – Pinheiro de Azevedo), pela visita ter lugar numa altura em que a casa ainda não estava acabada e arrumada. Só estava colocada metade da primeira fiada de arame farpado e ainda não tínhamos valas. Pela surpresa, chegámos a temer que conseguissem romper as nossas defesas, pois alguns de nós conseguíamos vê-los a aproximarem-se até muito perto do arame farpado.

Aguentámos, sem baixas, com alguns feridos ligeiros e uma das nossas tendas desfeitas, mas com a reputação em alta perante o IN e os camaradas das outras companhias da região que nos passaram a chamar: “Os Tigres do Cumbijã”.

A minha ajuda na defesa do destacamento neste ataque, de má vizinhança, foi nula já que a minha G3 encravou ao primeiro tiro.

Agora que estou ficando velho, mais dado à contemplação (mística dos factos objetivos – como dizia um camarada amigo e já cacimbado, imitando o professor de uma antiga novela brasileira), muita vezes me questiono: será que em algum momento nos diferentes contactos com o IN atingi mortalmente alguém?

Estes pensamentos, que nunca me ocorreram antes, são recorrentes nestes dias de desocupação, perturbando o meu sono que sempre foi o de um homem justo e de bem com o mundo (passe a presunção). Hoje, recordo este incidente com algum alívio, dizendo: tendo em conta o desfecho do ataque (4 feridos ligeiros... e 6 desalojados!), ainda bem que a G3 encravou!

No dia seguinte, ao fazermos o reconhecimento ao local do ataque, eram evidentes os vestígios de que do lado do IN as consequências foram bem mais gravosas.

O que antes para todos nós era “ronco”, ao verificarmos os estragos causados ao IN, hoje, ao escrever estas minhas memórias de guerra, um turbilhão de sentimentos contraditórios me desassossegam.

Ao mesmo tempo que avançava a construção da estrada para Nhacobá e os trabalhos de adaptação do Cumbijã para receber e unir definitivamente toda a família da CCav 8351, ia-se criando, em cada um de nós, a sensação, agridoce que estávamos a construir a nossa modesta casinha, porventura, no sítio menos aconselhável.

O “cacimbo” já nos começava a afetar pois que reagíamos com naturalidade à forma como os nossos camaradas de outras companhias, que participavam na proteção da estrada, se despediam de nós, com um semblante de quem está a abandonar um amigo e o deixa à sua sorte no meio de mil perigos. Ao mesmo tempo era visível nas suas caras uma sensação de alívio por saírem daquele buraco a caminho de Aldeia Formosa, uma autêntica fortaleza com todas as comodidades, comparadas com aquele buraco.

E ali ficávamos nós, a comer a nossa ração de combate e a dormir no chão em pequenas tendas, nas condições mais que precárias de conforto e segurança (só com a nossa G3, dois pequenos Morteiros 60 e duas bazucas). Entretanto em Aldeia Formosa tomava-se banho de chuveiro, de água sem saber a gasóleo, jantava-se numa messe a sério, com comida (mais ou menos) a sério, jogava-se king acompanhado com whisky em copos a sério, e dormia-se em lençóis a sério, em camas a sério e em casernas a sério…

Passou a ser habitual, e quase rotineiro, sofrermos, com muita frequência, flagelações de canhão sem recuo. Inicialmente as granadas caiam fora do perímetro do destacadamente, mas aos poucos iam-se aproximando até começarem a cair em cima das nossa cabeças, o que nos deixava intrigados, já que a experiência nos dizia que tal só era possível com informação saída do destacamento da correção do tiro!

Nos patrulhamentos quase diários o objetivo prioritário, e absoluto, era o de encontrar o local de onde eram lançados os ataques utilizando, para além da intuição, a matemática e as leis da física, já que não suportavamos mais sermos incomodados durante o jantar (demasiado frequente, tendo em conta os verdadeiros ataques e os falsos alarmes).

O maior perigo era o da(s) primeira(s) granadas,  já que estas chegavam mais rápido que o som provocado pelas saídas das mesmas, apanhando-nos desprevenidos (com consequências dramáticas,  como vamos ver mais à frente).

Lá conseguíamos encontrar o local de lançamento das granadas de canhão sem recuo (uma arma muito ágil, fácil de montar, desmontar e de transportar - segundo algumas informações manobrada por cubanos), deixando aí vestígios evidentes da nossa presença…

Não obstante esta descoberta as flagelações continuaram, porém, doutro local, o que nos dava algum descanso até conseguirem corrigir novamente o tiro.

As flagelações constantes de canhão sem recuo e os ataques ao arame, eram de um grande desgaste psicológico já que nem dentro do destacamento havia momentos de total tranquilidade, dando-nos a sensação de vivermos e dormimos com o inimigo e de estarmos constantemente a ser vigiados. Eram constantes os disparos dos vigias durante a noite ao mínimo tilintar de garrafas no arame ou movimentos suspeitos durante a noite (dada a proximidade com a base do PAIGC a maior parte das vezes era imaginação, mas que para os sentinelas eram mesmo “eles” que estavam ao arame)

A estrada ia avançando, com deteção e levantamento de minas e o jogo do rato e do gato com o IN.

Durante a noite ficavam dois grupos a proteger as máquinas evitando a colocação de minas, e rebentavam-nos mais atrás os pontões, atrasando o avanço da obra. Emboscavamo-nos junto dos pontões e passavamos a ter minas na frente de trabalho.

As minas e os ataques à coluna que se deslocava para a frentes de trabalhos, com mais frequência iam causando feridos graves (geralmente minas) e vários feridos ligeiros.

As condições de segurança e habitabilidade no Cumbijã, paulatinamente, lá foram melhorando com o esforço e entusiasmo de todos nós.

A maior empreitada foi construir casernas para toda a companhia, aqui já toda reunida, utilizando o que o português tem de melhor, o “desenrascanço”, a saber:

  • Fazer tijolos utilizando terra com capim e água amassando com os pés;
  • Colocar esta argamassa em formas, de tijolo, e pôr a secar:
  • Cortar palmeiras para as traves da cobertura:
  • “Chagar” a cabeça dos altos comandos do ar condicionado de Bissau que precisavamos de chapas de zinco para a cobertura das futuras casernas

Os primeiros dias no Cumbijã foram um duro teste às nossas capacidades físicas e psicológicas:

  • O stress das minas - a qualquer passo que dava-mos corria-mos sérios riscos de pisar uma pessoal ou mesmo anti carro;
  • As flagelações constantes de canhão sem recuo - 24 sobre 24 horas em alerta máxima, nunca conseguindo 10 minutos de sono profundo (com os disparos constantes dos sentinelas);
  • Os ataques ao arame - criando em nós a sensação de estarmos a viver e a dormir com o inimigo;
  • As condições do dia a dia - foi muito tempo a viver em tendas, dormindo no chão e alimentados à base de rações de combate;
  • A falta de higiene diária - muitos dias sem tomar banho. A água vinha de Aldeia Formosa em bidões a saber a gasóleo;
  • O cansaço - muito patrulhamento e proteção aos trabalhos de engenharia ao qual se juntou a construção, a pulso, das nossas casernas.
  • Outros imponderáveis - ver as nossa tendas voarem para fora do arame farpado com os nosso parcos haveres, depois de sermos visitados por um enorme tornado, deixando o destacamento num caos.

A melhoria das condições do destacamento foi muito importante para elevar o moral das tropas e assim vencer paulatinamente todas as dificuldades que nos eram colocadas pelo IN e pelo isolamento. Contudo, foi este mesmo isolamento que criou entre todos nós um grande espírito de grupo e, também, uma grande sensação de liberdade.

Libertámo-nos das “paranóias” militares como a preocupação com a farda, com a barba, o cabelo, as vénias e continências aos superiores. Estas “paranóias”, embora não ao nível de Bissau (preocupados com o meu bigode - como vamos ver mais à frente) eram comuns em Aldeia Formosa.

O Cumbijã para nós era uma verdadeira Aldeia do Astérix em África:

  • Não havia messe de oficiais e Sargentos;
  • Não havia um rancho para oficiais e Sargentos e outro para os soldados. A panela era a mesma para todo o pessoal da companhia;
  • Ninguém se preocupava com a farda, com o cabelo com o bigode (bem evidente na fotografia do meu grupo de combate preparado para sair para uma operação no mato)…
  • Cada um sabia qual o seu papel naquela organizada “bagunça”, onde todos eram conhecidos pelo seu nome próprio e não pela sua patente.
  • Eramos verdadeiramente um grupo de bandalhos, mas nunca no destacamento houve bandalheira. Como diziam os Sargentos de carreira: serviço é serviço, conhaque é conhaque.

Nota: Se a visita se tivesse realizado em Maio de 1974, talvez tivessemos recebido os vizinhos mais próximos (de Nhacobá), fazendo-os entrar pela porta de armas (virtual) “deitando abaixo”, entre sorrisos e abraços [??] as lindas” botelhas” da Foto nº 4. 

Como foi antes do 25 de Abril de 1974, foram recebidos de “sachola” em punho, fazendo lembrar vizinhos desavindos por demarcação de terrenos no Minho.

(Continua…)

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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 13 de abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22100: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte VII: Cumbijã: a nossa modesta casinha, os picadores e a crueldade das minas

Guiné 61/74 - P22158: Parabéns a você (1958): Manuel Luís Lomba, ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705 (Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66)

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Nota do editor

Último poste da série de 29 de Abril de 2021 > Guiné 61/74 - P22150: Parabéns a você (1957): Giselda Pessoa, ex-Sarg Enfermeira Paraquedista da BA 12 (Bissau, 1974/74)

sexta-feira, 30 de abril de 2021

Guiné 61/74 - P22157: Consultório militar do José Martins (64): Análise ao Artigo 19 (Honras Fúnebres) do Estatuto do Antigo Combatente - Anexos


Porque nunca é demais informar, o nosso camarada José Martins (ex-Fur Mil TRMS, CCAÇ 5, Gatos Pretos, Canjadude, 1968/70), em mensagem de 28 de Abril de 2021, mandou-nos um trabalho com a sua análise ao Artigo 19 (Honras Fúnebres) do Estatuto do Antigo Combatente.

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Nota do editor

Último poste da série de 30 DE ABRIL DE 2021 > Guiné 61/74 - P22156: Consultório militar do José Martins (63): Análise ao Artigo 19 (Honras Fúnebres) do Estatuto do Antigo Combatente