Guiné > Região Leste > Bambadinca > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O alfero Jorge Cabral, de pé, ao centro, o corpo coberto de mezinhos à prova de bala (e de mau olhado, de inveja, de impotência, de ciúme, etc.), com alguns dos homens do seu pelotão... mais o bode, ao fundo, meio envergonhado (e assinalado com um círculo a roxo), o verdadeiro herói desta estória de Mansambo, e que já fazia parte do inventário de Fá, em 1968, ao tempo que por que lá passou a CART 2339 e o Alf Mil Torcato José Mendonça...
Foto: © Jorge Cabral (2006). Direitos reservados
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Grupo de combate do Alf Mil Mendonça , antes de ser recambiado para Mansambo, paar o trabalho de pá e pica > O arriar da bandeira ... Tirando às patrulhas ao mato Cão, para montar segurança aos barcos da Gouveia que atravessavam o Geba Estreito (Xime-Bambadinca-Bafata), Fá Mandinga, antiga estação agronómica por onde passara, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa, era uma verdadeira colónia de férias... (Esta história do Amílcar Cabral ter trabalho aqui está por comfirmar: parece não ser verdade, ele trabalhou,sim, com a esposa, portuguesa, e também agrónoma, em Pessubé, perto de Bissau).
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Fá (Mandinga) > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça... Em que pensaria ele ? E qual deles, o Torcato ou o José, está aqui representado na imagem ?
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > O Alf Mil Torcato José Mendonça... Em que pensaria ? Ou qual deles, o Torcato ou o José, está aqui representado na imagem ? Diz o Torcato: "Conheço o José há tanto tempo que não sei, ao certo, nem onde nem quando o encontrei pela primeira vez. Fizemos ambos a tropa e estivemos na Guiné. Muito pouco falamos nisso. Talvez o tenhamos feito, uma ou outra vez, porque não podíamos fugir ao tema".
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Imagem da alma do obus 10,5... A verdade é que as peças de artilharia tinham alma... Pleo menos, era o que diziam os arilheiros. Nunca fui bom nem em teologia nem artilharia, mas acredito que esses engenhos mortíferos tenham alma... Se não tivessem, os tugas não lhes tirariam fotografias para mandar para a família, cristã, a milhares de quilómetros, a norte... Há uma terceira teoria sobre isto: tal como o bode, o obus fazia parte da cultura falocrática do tuga... O obus era o caralho lusitano, orgulhosamente só mas desvatador, apontado ao resto d0 mundo...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Um dos famosos abrigos do "campo fortificado de Mansambo", como lhe chamavam os guerrilheiros do PAIGC... Uma obra-prima não da engenharia militar, mas do génio do tuga, da tríade Sangue, Suor e Lágrimas...
Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Mansambo > 1968 > CART 2339 (1968/69) > Uma mensagem para os vindouros...
Fotos: © Torcato Mendonça (2006). Todos os direitos reservados.
Comentário de L.G.:
1. O Torcato (ou o José, nunca sei qual deles...) é um bom amigo, que nos lê, de fio a pavio, e nos telefona quando o seu sexto sentido o alerta para questões potencialmente fracturantes para a nossa Tabanca Grande (Pides, fuzilamentos dos comandos africanos, 25 de Abril., descolonização...), ou quando se entusiasma um pouco mais do que o coração lho permite, com a leitura de um post nosso...
O Torcato (ou o José), um deles, ou ambos, merece um prémio de assiduidade, dedicação, amizade e camaradagem... O Torcato (mas também o José) tem-nos mandado, além de muitas fotos e alguns filmes (estes do seu camarada Alf Mil Cardoso), belas estórias que, infelizmente, continuam na calha, a aguardar vez... Decididamente não é justo. Por isso, eu hoje pus, à boa maneira portuguesa, uma cunha ao editor para ele despachar a estória de Mansambo nº 10, que tem por figura principal... o bode de Fá Mandinga (sim, essa mesma, onde viveu o nosso Jorge Cabral, mas também um outro Cabral, o Amílcar, não menos famoso, muito antes da guerra; e que, para cúmulo, irá ser, a partir de finais de 1969 / princípios de 1970, a sede da 1ª Companhia dos Comandos Africanos, comandada pelo Capitão graduado João Bacar Jaló).
2. Entretanto, deixo-vos aqui o mail que ontem, à noite, o Torcato teve a gentileza de mandar aos editores do blogue:
Ora até que enfim tive um palpite certeiro. Aí está o DVD [do filme 'As Duas Faces da Guerra']. Até o sujeito da aldeola por detrás do sol-posto, se tiver electricidade, bateria no portátil, ou souber subtrair energia àquelas ventoinhas horrorosas que enxameiam os cumes das serras, vai ver como se fosse gente de cidade… haja deus…
Acabei de ler o J. Cabral e comentei: 'Maravilha'!… Espero que o Beja leia e que se cuide: parece que os Tigres, mais ainda se tiverem risca sim risca não, a bênção ou o mezinho de um Soncó, estão no catálogo dos bichos a extinguir…
Tá um frio do caraças[, no Fundão]. A lenha não veio e o ar condicionado não derruba tanto frio.
Bom fim de semana e um abraço para vocês do, Tocato Mendonça
3. Estórias de Mansambo (9) > O bode
por Torcato [José] Mendonça
Final de tarde, o toque combinado da campaínha e aí está o José. Conversa trivial, sobre a eterna crise, a política, um livro que estava a ler. De repente dispara:
-Vou contar-te mais uma estória, dando continuidade às anteriores (1). Antes, por razões que não quero focar agora, digo-te que não morria de amores pela Administração Colonial. Haviam excepções. Poderemos falar nisso, estabelecendo as diferenças, se abordarmos os Temas – História e Lendas da Guiné. Poderemos mesmo falar da Canção de Cherno Rachide. Ficará para depois.
Quando ainda estava em Fá, fazíamos com regularidade seguranças ao Mato Cão. No regresso, de uma delas, tinha uma mensagem rádio do batalhão á espera: Queira apresentar-se Bambadinca, para seguir hoje Mansambo.
De lá, tínhamos nós vindo... um banho, engolir e beber algo, preparar o indispensável, deixar todo o restante emalado em Fá e partir. Íamos abandonar um óptimo aquartelamento. Tinha sido uma antiga Estação Agronómica de Amílcar Cabral. Hoje restavam os edifícios, o guarda Marinho (um mandinga dependente da Administração), a recordação nos mais velhos, do Engenheiro Cabral e os restos de alguma agricultura. Deixávamos Fá com desgosto. Chegara a nossa hora de partida. Éramos o terceiro grupo a ir para a construção do novo aquartelamento e as ordens cumprem-se…
Todos a preparem o vário material, a confusão própria, o tempo a escassear… finalmente as vituras a roncarem… o olhar triste a percorrer Fá e a ordem: Tudo pronto, segue.
Ainda não se iniciara a marcha, surge um grito:
- Pára, pára…os cabritos!
- Quais cabritos ? - grito eu…
- Os da Páscoa - respondem-me.
- Depressa, apanha isso depressa.
Eram dois ou três cabritos comprados, tempos antes, para serem comidos pela Grupo, à boa tradição nortenha, pela Páscoa. Só que o Capitão achou melhor dar atum nesse dia. Tristeza que, por motivos estomacais e de tensão arterial, prefiro não recordar.
Passa o tempo e finalmente, berrando como se os fossem capar, aparecem os bichos:
- Depressa - grito eu. - Este também? Tudo, depressa… está a sair!
Viagem curta e rápida até Bambadinca, troca de coluna e, já com o sol a preparar a descida, nova viagem até ao novo destino.
Chegada tardia, a tentar a distribuição possível pelas novas instalações e esperar o dia seguinte. Lá nos espalhamos, da maneira possível, uns nas tabancas, outros nos improvisados abrigos. Era o início de uma vida semi-enterrado em vida. Não havia luz. Abria-se um buraco no chão, enterrava-se uma garrafa grande de cerveja, cheia de petróleo e com uma torcida, a sair da tampa (carica) previamente furada, à qual se puxava fogo. O resultado era uma luz trémula, mal cheirosa e a lançar figuras fantasmagóricas à volta. Como à noite nada se fazia, divertia-me com as ditas figuras e provocava o aparecimento de outras.
Loucura? Não! Sobrevivência! Vivia-se…em precárias condições até estarem construídos os abrigos caserna. Duro, muito duro viver assim.
Passados, talvez dois dias após a nossa chegada foi recebida uma mensagem rádio. O Alf Cardoso tentou compreender e achou melhor passar-ma. Dizia o rádio, vindo do Batalhão 1904, mais ou menos isto:
- Devolva urgente próxima coluna bode levado abusivamente de Fá.
O Cardoso, 2º Comandante, dizia-me:
- O que é isso, um bode… um bode?
- Sei lá - digo eu.
De repente fez-se luz…os cabritos da Páscoa…já os terão comido? Não houve tempo. O bode é o macho da cabra, o cabrito grande, o cabrão, o chibo adulto. Chamei o Furriel Rei, era o desenrasca tudo, mostrei-lhe a mensagem e ele saiu disparado. Pouco tempo depois aí estava ele, o bode, com corda ao pescoço, berrando. Tinha porte altivo, pelo negro e lustroso, cornos e barbichas curtas. Bonito o bicho. Certamente a envergonhar o dono, como representante das respectivas espécies, no mundo animal.
- É este? Quem é o dono? - Ninguém sabia. Fui eu que dei a ordem:
- Vem tudo ?
- Veio!
Ora o bicho era de um negócio entre o Marinho e alguém da Administração. Ou seja, era o cobridor das cabras na Tabanca de Fá Mandinga.
- Amanhã vamos ao Batalhão e eu trato disso.
E assim foi. Chegados ao Batalhão falei com o Tenente-coronel Branco e esclareci o assunto. Creio que entregaram o animal ao representante colonial.
Resolvido o assunto…em parte…pois ficaram contas pendentes. São outras estórias…O bode certamente voltou a cobrir cabras.
Muito tempo depois, o Capitão Neves e o Tenente-coronel Pimentel Bastos (2), após o ataque a Bambadinca (3), talvez tenham sentido a “bondade” da Administração, na apreciação à actuação deles e das NT, a esse ataque… Os pendentes…os pendentes!
Vamos beber um café e conto-te outra… Em Setembro de 68, sofremos um brutal ataque à fonte de Mansambo. Sofremos baixas. Uma delas, a do protagonista da estória que te conto.
Torcato Mendonça
(ex-Alf Mil da CART 2339,Fá Mandinga e Mansambo, 1968/79)
____________
Notas de L.G.:
(1) Vd. último post desta série:
28 de Setembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2139: Estórias de Mansambo (Torcato Mendonça, CART 2339) (9): Amigos mais velhos
(2) Cap Neves, comandante da CCS / BCAÇ 2852; ten cor Pimentel Bastos, o Pimbas, foi o 1º comandante do BCAÇ 2852 (1968/70), que veio substituir o BART 1904 (1967/68).
Ambos serão substituídos por ordens de Spínola, após o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969. Sobre este ataque do PAIGC, vd.post de 25 de Maio de 2007 > Guiné 63/74 - P1786: Operação Macaréu à Vista (Beja Santos) (47): Finete já está a arder ? Ou o ataque a Bambadinca, a 28 de Maio de 1969
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário