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segunda-feira, 21 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23800: Memória dos lugares (445): O Xitole que eu conheci em 1971/72, no tempo da CART 3492 / BART 3873 e do "tio" Jamil Nasser (Joaquim Mexia Alves)


Foto nº 1



Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4



Foto nº 5


Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Xitole > 6 de abril de 1972  > Um almoço de chabéu que o Jamil (fotos nºs 1 e 4)  me ofereceu no dia dos meus anos,  precisamente no alpendre da frente da sua casa (Fotos nºs 2 e 3). .Foram convidados o Capitão Godinho e a sua mulher, bem como os alferes da companhia a que se juntou , por ter vindo em coluna do Saltinho,  o alf Armandino (meu camarada de curso de Operações Especiais), que veio a falecer escassos dias depois na célebre emboscada do Quirafo  [em 17 de abril de 1972]. Está sentado na ponta da mesa, juntamemte  com  o Chefe de Posto (Foto nº  2 e 4, aqui junto ao cap Godinho)..

Fotos (e legendas):  © Joaquim Mexia Alves  (2022). Todos os direitos reservados.Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 (Bambadinca) > Xitole > c. 1970 > Uma coluna logística, vinda de Bambadinca, chega a Xitole, atravessando a ponte dos Fulas, sobre o rio Pulom, ao fundo. A viatura civil, em primeiro plano, podia muito bem ser do nosso conhecido comerciante libanês Jamil Nasser, amigo de alguns dos nossos camaradas que passaram pelo Xitole, como foi o caso do Joaquim Mexia Alves.  Nessas colunas logísticas integravam-se viaturas civis de diversos comerciantes da zona leste. Foto do álbum de Humberto Reis, ex-fur mil op esp, CCAÇ 12 (Bambadinca, 1969/71).


Foto (e legenda):  © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados.Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do Joaquim Mexia Alves, ex-alf mil op esp / ranger, CART 3492/BART 3873, (Xitole/Ponte dos Fulas); Pel Caç Nat 52, (Ponte Rio Udunduma, Mato Cão) e CCAÇ 15 (Mansoa), 1971/73, régulo da Tabanca do Centro (Monte Real):

Data - 21 nov 2022 10:09

Assunto . - Xitole: Serração do sr. Henrique Martinho, amigo do Jamil, que deixou a Guiné em 1962 (*)

Caro Luís

Como sabes o Jamil e eu tínhamos uma forte relação de amizade. Tratava-o muitas vezes por Tio Jamil! (**)

Enquanto estive no Xitole, praticamente todos os dias ia a casa do Jamil ao fim da tarde e, sentados no seu alpendre, bebíamos whisky com água Perrier acompanhado de bocados de tomate só com sal.

Ele ouvia as notícias em árabe e comentava comigo o que se ia passando no seu Libano.

Tenho para mim que a casa que na foto tem o alpendre em ruínas, era a casa do Jamil, só que essa vista é de lado ou seja é do lado que dava para o quartel e assim o David Guimarães terá razão.

A frente da casa tinha a continuação desse alpendre e dava para a estrada que vinha de Bambadinca.

Do outro lado da estrada, mais ou menos em frente da casa, e um pouco afastado da estrada, ficava o armazém de venda do Jamil, que poderia muito bem ter sido a tal serração de que fala Maria Augusta Martinho Antunes.

Anexo fotos de um almoço de chabéu que o Jamil me ofereceu no dia dos meus anos em 6 de abril de 1972, precisamente no alpendre da frente da sua casa. Foram convidados o Capitão e a sua mulher, bem como os Alferes da Companhia a que se juntou por ter vindo em coluna do Saltinho o Alf Armandino, (meu camarada de curso de Operações Especiais), que veio a falecer escassos dias depois na célebre emboscada do Quirafo, sentado na ponta da mesa, e também o Chefe de Posto.

A minha amizade com o Jamil era tal que numas férias da Guiné em Lisboa, por coincidência ele estava também em Lisboa, (ficava num hotel encostado ao então cinema Tivoli, Hotel Condestável?), e então fomos almoçar juntos, se bem me lembro.

Depois perdi completamente o rasto ao Jamil Nasser, mas a sua amizade e a sua companhia foram um bálsamo naqueles primeiros meses de Guiné.

Podes, obviamente, servir-te deste email para o que quiseres.

A foto nº 4 somos o Jamil e eu no dia do almoço.

Um abraço para ti e para todos do
Joaquim Mexia Alves

_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 20 de novembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23799: Memória dos lugares (444): Xitole, onde cresci desde bebé até 1957, quando vim para a metrópole estuda... O meu pai, Henrique Martinho, tinha lá uma serração, e era amigo do comerciante libanês Nasser Jamil... (Maria Augusta Martinho Antunes)

domingo, 20 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23799: Memória dos lugares (444): Xitole, onde cresci desde bebé até 1957, quando vim para a metrópole estudar. O meu pai, Henrique Martinho, tinha lá uma serração, e era amigo do comerciante libanês Nasser Jamil... (Maria Augusta Martinho Antunes)


Guiné > Xitole > 1970 > Vista aérea do Xitole (aquartelamento, posto administrativo e tabanca), ao tempo da CART 2716 (Xitole, 1970/72)

Foto (e legenda): © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Comentário do David J. Guimarães (ex-fur mil at inf MA, CART 2716 / BART 2917, Xitole, 1970/72)

(...) "Esta foto aérea terá se ser comparada com outras, que eu tirei em 2001, já publicadas na página do Xitole, e que identificam os edifícios que ainda existem (ou exitiam). Vamos lá descrever o que vejo, possivelmente a bordo de uma DO 27 não sei, deverá ser...

"Da direita para a esquerda, os edifícios: em primeiro lugar, a cozinha das praças notando-se na esquina um abrigo subterrâneo - era nesse abrigo que dormia parte do 4º Grupo de Combate... 

Depois andando mais para a esquerda vemos outro abrigo e depois uma casa civil - era a casa do Chefe de Posto, hoje ainda existente... 

"Continuando, vemos uma casinha pequenina e à frente outro abrigo - aí era o ninho de um dos morteiros 81 e o abrigo da secção de armas pesadas que lá se encontrava...

"Depois mais à frente aparece um grande abrigo - sei que lá se instalava parte do 1º Grupo de Combate... 

"Continuando mais à frente vê-se uma casinha pequenina - era a capela da companhia (tenho eu que enviar uma fotografia onde eu estou na frente). Notem agora uma arvore frondosa - é a árvore grande ainda hoje existente - da parte de vê-se outro abrigo: também ele com o resto do 1º Grupo de Combate... 

"Por detrás da capela e debaixo dessa árvore grande verde, é exactamente o bar do soldado, aquele bar onde o Humberto e o Levezinho se encontram a conversar em fotografia que vem mais abaixo, neste poste...

"Mais à esquerda vemos outra árvore de bom porte: é o local da porta de armas... Seguindo agora desse modo no sentido da pista, vemos um edifício escuro: é a Oficina Mecânica, o depósito de armamento, enfermaria, etc... 

"Caminhamos mais para a direita e novo edifício e abrigo - messe e abrigo dos oficiais... Antes e bem junto nota-se para lá qualquer coisa: ninho da metralhadora Breda e abrigo... 

"Mais para à direita casa dos oficiais, surge então a sala de operações, a messe dos sargentos, a secretaria etc... Deixamos esse edifício comprido e logo vemos outro: depósito de géneros.... 

"Mais à frente e com árvores notam-se edifícios: são casas de banho... Mais um abrigo voltado para a pista e mais uma arrecadação... Enfim, era por ali que se instalou também e já coberto pelas árvores o ninho do morteiro 10.7 ...

"E estamos muito perto do ponto de partida, a cozinha dos soldados.... Aí existia outro abrigo idêntico àquele que se situa ao lado da cozinha... Bem ao fundo nota-se então a pista dos aviões e um quadrado bem definido que é o heliporto....

"Toda a área circundante ao quartel antes da pista tinha uma vala, como era de esperar.... Ela percorria toda a zona habitável do aquartelamento...

"Agora bem à esquerda do aquartelamento aí está o Xitole civil ... Em frente à pista e do lado do heliporto nota-se um trilho que nos levava à Ponte Marechal Carmona... 

"Pelo fundo da pista nota-se uma estrada que vai dar à que segue para o Saltinho... Pela frente e na zona mais arborizada existe um complexo: era onde havia um poço... 

"Mais à esquerda sim, e quem sai da porta de armas, vê-se uma estrada - bem à esquerda da fotografia... Exactamente era por aí que entravam as colunas logísticas que vinham ao Xitole" (...)


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole. "Um antigo armazém do comerciante libanês Jamil Nasser", diz o David Guimarães. A nossa leitora, Maria Augusta Martinho Aunbtubes, que viveu aqui nos anos 40/50 antes de ir estudar para a metrópole, em 1959, diz que erradamente aqui no nosso blogue esta casa  "é referenciada como sendo um antigo armazém do sr. Jamil"... Pelo contrário,  foi "feita pelo meu pai e os trabalhadores da serração", e nela nasceram dois seus irmãos... O Jamil era visita assídua da casa. È possível que o c
omerciante libanês a tenha ocupado, no início da guerra, sob recomendação do pai da nossa leitora, que deixou o Xitole em 1962.   


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole > O antigo depósito de géneros: onde se guardava a bianda e o tudo o mais que era necessário à sobrevivência de uma companhia... O Xitole era abastecido através de colunas logísticas vindas de Bambadinca


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole > O David Guimarães, ao que parece erradamente,  diz que esta era a antiga casa do comerciante libanês,  com alpendre já em ruínas... A Maria Augusta Martinho Antunes tem outra versão:  "
não era nenhuma daquelas mencionadas no álbum de fotografias do Xitole, mas sim uma casa que ficava no cruzamento da estrada que, vinda de Bambadinca, passava pelas nossas e à entrada do Xitole virava para a estrada do Saltinho" (*).


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole >  A antiga casa do chefe de posto, vista do lado da parada do aquartelamento.


Guiné-Bissau > Região de Bafatá  > Xitole  > 2001 > Restos do aquartelamento e povoação de Xitole > Uma das árevores de grande porte. A direita os antigos aposentos dos oficiais.

Fotos (e legenda): © David J. Guimarães (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
 

1. Mensagem, com data de 28/4/2022, 16:56, assinada por Maria Augusta Martinho, leitora do nosso blogue (e que nos chegou por via do Formulário de Contacto do Blogger). Descornimos que se trata de uma "amiga do Xitole", que já há largos anos nos contactou, sob o nome de Maria Augusta Antunes (*)-

Nascida em 1948, no concelho de Tomar, emigrou ainda bebé com os pais para a Guiné, donde regressou aos 12 anos, para estudar. Era filha de Henriqe Martinho, com serração no Xitole. O seu nome completo é Maria Augusta Antunes Martinho. Antunes deve ser apelido de casamento.

O Jorge Cabral identificou-a como mãe da sua aluna, Marta. Nunca chegou a responder ao nosso convite para integrar a Tabanca Grande.  Não nenhuma foto sua nem do tempo  em que viveu no Xitole, nos anos 40/50. Os pais deixaram o Xitole, por causa da guerra, em 1962 (*).

 
De quando em vez, venho aqui à Tabanca matar saudades... Não sei que feitiço aquele chon tem em nós.

Obrigada por me proporcionarem uns bocadinhos de boas memórias. 

Não nasci no Xitole, mas vivi lá desde bebé até 1957 quando vim para a metrópole para estudar.

 Lá nasceram dois dos meus irmaõs, mas um, o Luis Manuel ficou para sempre lá por altura do Natal de 1954. Está sepultado em Farim.  Veio o Zeca que nasceu em outubro de 1955 de quem o sr. Jamil era padrinho, e continua felizmente connosco. 

Esses dois meus irmãos nasceram no Xitole na casa feita pelo meu pai e os trabalhadores da serração, o meu pai trabalhava com o sr. Pires e também com o sr. Toscano de Almeida. 

Erradamente aqui na Tabanca  Grande [essa casa ] é referenciada como sendo um antigo armazém do sr. Jamil. (Não sabemos se ele a ocupou depois do meu pai embarcar para Portugal Continental.) 

Havia, sim, um armazém também feito nessa época, para guardar o arroz que servia de complemento de pagamento para os empregados nativos que trabalhavam na serração.

E sim, sr. Luis Graça, tem razão a casa do sr Jamil, que era libanês e visita assidua de nossa casa e nós da dele, tinha efectivamente um alpendre onde ele gostava de tomar uma bebida com os amigos e o meu pai viciou-o no tomate com sal, que usávamos muito na nossa aldeia, e o meu pai mandava plantar e colher numa horta que mandou fazer junto da serração e que, além de mancarra, tinha também muitos ananases. 

Se não estou em erro era a primeira casa com um muro e com uma escada com poucos degraus aonde estava o gerador... e ficava na estrada que seguia para o Saltinho... Será??? 

Já cá não tenho os meus pais,  infelizmente,  para lhes perguntar. O meu pai faleceu com a Guiné na garganta, gostaria de ter lá voltado mas não foi possivel devido à guerra.

Atravessamos muitas vezes uma mas não me recordo do nome e também na jangada.
Também o meu tio João Martinho esteve muitos anos estabelecido em Nhacra e trabalhava para o sr Toscano. O outro meu tio por afinidade tambem ai ficou sepultado depois de ter sido atropelado por um nativo e ficar colado a um bissilon.

Tenho muitas saudades do Xitole que deixei, e tenho conhecimento que por ai ficou também um irmão que o meu pai nos deu, mas que nunca conhecemos, que julgo ter nascido em 1957/8... 

Sabe Deus se ainda a vou visitar ou se devo continuar com a ideia da linda terra que deixei , pois temo apanhar uma grande desilusão com o Xitole actual.

Desculpem a maçada, mas a saudade tem destas lamechices. Boa tarde a todos. (**)



Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Xitole > Janeiro de 2006 > Casa, em ruínas,  de Jamil Nasser, comerciante de origem libanesa. Fotos do Dr. Rui  Fernandes, médico.

Fotos: Cortesia de  © Rui Fernandes / Carlos Silva  (indelizmente a página do Carlos Silva já n
ão está disponível "on line": http://carlosilva-guine.i9tc.com/ )


Guiné >Região de Bafatá > Carta de Xitole (1955) (Escala 1/50 mil) > Posição relativa do Xitole, na margem direita do Rio Corubal, na estrada Bambadinca - Saltinho - Aldeia Fomosa... Era então posto administrativo, possuindo  serviços sanitários e telegráfico-postais... Sinalizam-se também as ruinas da antiga ponte sobre o rio Corubal e os rápidos de Cusselinta.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022)
__________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

7 de Junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6549: O Nosso Livro de Visitas (92): O Xitole que eu e os meus pais conhecemos até 1962 (Maria Augusta Antunes, filha de Henrique Martinho, antigo madeireiro)

(...) Sou Maria Augusta Antunes Martinho, e fui para a Guiné ainda bebé com a minha mãe e irmão ao encontro do meu pai, Henrique Martinho, madeireiro e colono então no Cumeré.

Mais tarde montaram a serração no Xitole, para onde nos mudamos. Com o meu pai estava também o sr. Pires. Fizeram ambos as suas casas de raíz e também a casa aonde guardavam o arroz e o sal, que faziam parte do pagamento do trabalho diário dos negros, trabalhadores da serração.

Pois a razão deste mail é exactamente o desejo que tenho de corrigir uma informação do seu blogue.

Na verdade, a casa do sr. Jamil (se a memória não me trai, de seu nome completo Jamil Nene Nasser), compadre dos meus pais, (pois foi o padrinho de baptizado de um dos meus irmãos, nascidos naquela casa), não era nenhuma daquelas mencionadas no álbum de fotografias do  Xitole, mas sim uma casa que ficava no cruzamento da estrada que, vinda de Bambadinca, passava pelas nossas e à entrada do Xitole virava para a estrada do Saltinho. Vi a verdadeira casa do sr. Jamil no blogue do sr. Carlos Silva. Como eu a conheço bem!

Quando em 1962 o meu pai veio da Guiné, pediu ao compadre Jamil que olhasse pela casa na esperança de um dia voltar e para evitar ela ser ocupada pelos negros. Assim também sucedeu com a do Sr. Pires.

Vivi e cresci a ouvir falar da Guiné. Transmito isso aos meus filhos e neto. Os meus queridos pais faleceram sem lá poder voltar. Mas isso são outras histórias.....

Como deve calcular posso falar do sr. Jamil, pois que era visita constante de nossa casa.
Se estiver interessado dar-lhe-ei os pormenores que souber.

A minha casa é a que tem os 2 anexos juntos, um era a cozinha e a casa aonde o meu pai punha a caça quando vinha do mato, e o outro era a casa de banho. (...)

Vd. também postes de:

terça-feira, 8 de novembro de 2022

Guiné 61/74 - P23770: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte VI: os primeiros ataques a Farim, em 1963


Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Farim (e dos seus bairos  Nema e Morocunda), além de K3 e Bricama. Recorde-se que cada centímetro da carta corresponde a 500 metros no terreno.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2022).


1. Continuamos a reproduzir excertos das memórias do Amadu Djaló, que a morte infelizmente já nos levou em 2015, aos 74 anos. 

A fonte continua a ser o ser livro "Guineense, Comando, Português" (Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp.), de que o Virgínio Briote nos disponibilizou o manuscrito em formato digital. A edição, que teve o apoio da Comissão Portuguesa de História Militar, está há muito esgotada. E muitos dos novos leitores do nosso blogue nunca tiveram a oportunidade de ler o livro, nem muito menos o privilégio de conhecer o autor, em vida.


O nosso coeditor jubilado, Virgínio Briote (ex-alf mil, CCAV 489 / BCAV 490, Cuntima, jan-mai 1965, e cmdt do Grupo de Comandos Diabólicos, set 1965 / set 1966) fez generosa e demoradamente as funções de "copydesk" do livro do Amadu Djaló. Temos vindo a introduzir pequenas correcções toponímicas ao texto  impresso, a ter em conta numa eventual (se bem que pouco provável) 2a. edição. 

Recorde-se, aqui sumariamente, os primerios vinte e poucos anos do Amadú Djaló (1940-2015), a partir dos excertos que já publicámos (**):

(i) o Amadu Djaló era, em 2010, quando o seu livro foi lançado (no Museu Militar en Lisboa) um dos raros sobreviventes que podia falar de todos os anos que durou o conflito, como muito bem lembrou o Virgínio Briote;

(ii) Futa-Fula, natural de Bafatá, oriundo de famílias da antiga Guiné Francesa, Amadu escolheu um dos lados, combateu no Exército Português, juntando-se a milhares de guineenses; mas o seu pai  que era empregado de balcão de um comerciante libanês, em Bafatá, o Assad,  tivera antes o sonho de o levar até ao Senegal, onde dois sobrinhos-netos eram militares do exército francês, ambos 2º sargentos e antigos combatentes da guerra da Indochina; após consulta a um vidente, passou a sonhar com uma carreira militar brilhante para o filho, coisa que ele na Guiné portuguesa, em sua opinião,  nunca poderia ambicionar:

(iii) recenseado pelo concelho de Bafatá, o Amadu acaba por ser  alistado em 4 de janeiro de 1962, como voluntário, no Centro de Instrução Militar (CIM) de Bolama;

(iv) depois da recruta em Bolama, segue-se o CICA/BAC, em Bissau, ponde tirou a especialidade de soldado condutor autorrodas:

(v) é colocado depois em  Bedanda, na 4ª CCaç (futura CCAÇ 6), em finais de 1962:

(vi) é tranferido, a seu pedido para a 1ª CCaç (mais tarde CCAÇ 3) em Farim, em meados de 1963.

O excerto que hoje publcamos é referente a esse período em Farim   (segundo semestre de 1963, pelas nossas contas). Mantemos a ortografia original.
  



Capa do livro de Bailo Djaló (Bafatá, 1940- Lisboa, 2015), "Guineense,  Comando, Português: I Volume: Comandos Africanos, 1964 - 1974", Lisboa, Associação de Comandos, 2010, 229 pp, + fotos, edição esgotada.



O início da guerra em Farim, no segundo semestre de 1963

(pp. 64-70)

por Amadu Bailo Djaló



Uma coluna de Farim a Susana em cerca de 20 horas

Cerca de um mês depois houve ordem para recolher os pelotões que se encontravam nos destacamentos. A nossa companhia 
[a 1ª CCAÇ]  tinha dois pelotões, um em Porto Gole e outro em Susana.

A minha viatura, depois de descarregada, ficou preparada para fazer parte da coluna com destino a Susana 
[na região de Cacheu]  . Partimos por volta das 08h30, andámos todo esse dia e toda a noite, debaixo de chuva torrencial, numa estrada difícil e lodosa, que exigia muita perícia e um andamento muito cauteloso.

De Farim até Bigene e Barro a estrada não estava muito mal, o pior foi depois, os carros patinavam e atascavam-se a toda a hora.

Quando chegámos a Susana, às 4h00 da madrugada, o pessoal já estava cansado de tanto esperar. Tivemos que carregar tudo rapidamente e por volta das 6h00 iniciámos o regresso a Farim.

Quando passámos pelo Ingoré, vi o alferes Almeida algo preocupado. Andava a ver se arranjava qualquer coisa para dar de comer ao pessoal que estava faminto, já que não comíamos nada desde que tínhamos saído de Farim. Vi-o regressar de mãos vazias. Compreendemos e resignámo-nos, não havia outro remédio.

Para acrescentar, a jangada estava avariada e tivemos que aguardar até às 19h00, que foi quando ficou pronta. Atravessámos o rio 
[Cacheu , seguimos para Bula, onde chegámos à noite, por volta das 21h00.

Aqui, o alferes ganhou esperança em encontrar comida. Mas, tal como no Ingoré,  veio com as mãos a abanar. Não havia nada a fazer e pusemo-nos a caminho de Binar e Bissorã. Em Binar, nem parámos, só quando chegámos a Bissorã descansámos, já passava das 3h00 da madrugada

Refeitos, prosseguimos, primeiro para o Olossato e depois para o K3 e aqui o alferes recebeu uma mensagem para rumar para Mansabá, onde nem parámos e depois para Mansoa.

Desde Susana, trazia de reboque um Unimog “gripado”. Em Mansoa ficámos a aguardar o pelotão que vinha de Porto Gole [1].

Quando chegaram de Porto Gole as duas viaturas, um jipe e um Unimog, a coluna pôs-se finalmente em marcha de regresso a Farim.


Bricama, uma tabanca de pouca confiança


Na tabanca de Bricama, viviam homens válidos para pegar em armas. O comandante da 1ª CCaç, um capitão cujo nome não recordo, era uma pessoa já com certa idade, tratava-me por cunhado, entendeu entregar ao chefe da tabanca dez armas Mauser, para a autodefesa da tabanca. E se tudo corresse bem estava na intenção de entregar, mais tarde, espingardas G-3.

Um mandinga, chamado Malan Injai, também conhecido por Manjai, andava, de tabanca em tabanca, a vender cola e aproveitava para colher informações, que depois passava à tropa. Um dia disse que a tabanca de Bricama não era de confiar e a tropa decidiu recolher as armas.

Um certo dia, Malan Injai entrou no quartel exausto e com ar de sofrimento. Apresentou-se ao oficial de dia e mostrou-lhe as costas em chagas provocadas por chicotadas que lhe tinham dado na mata de Bricama, onde fora preso por uma patrulha do PAIGC, que o acusou de prestar informações à tropa.

Depois de aprisionado e apresentado ao chefe e à população da tabanca, como informador da tropa e traidor, foi levado para um acampamento, onde foi julgado e condenado à morte, por fuzilamento, quando amanhecesse.

Felizmente para o Malan, no grupo que o prendeu, havia um patrício dele que se condoeu e o soltou por volta da meia-noite. Malan pôs-se em fuga e caminhou na mata até Farim, onde chegou mais morto que vivo. Muito emocionado, relatou tudo o que tinha acontecido.

Quando Malan se apresentou ao capitão da 1ª CCaç, em Farim, este, prudentemente, optou por recolher as Mausers que estavam em poder do chefe da tabanca de Bricama.

Para o efeito encarregou o alferes Almeida, do esquadrão de Bafatá 
 [2], para executar a diligência no dia seguinte, na qual eu também participei.

Chegados à tabanca de Bricama fomos acolhidos por pouca gente, ao contrário das outras vezes. O alferes perguntou pelo chefe da tabanca. Veio um filho que informou que o pai se tinha deslocado a Farim, chamado pelo administrador.

– E onde estão as armas?

–  Não posso mostrar. Quando o meu pai sai, fecha a casa e leva as chaves com ele.

–  Por onde passou o teu pai? Não o vimos no caminho!

–   Nós costumamos seguir a corta-mato, que é mais rápido.

Perante esta resposta e como não convinha demorar, o alferes resolveu regressar. Chegados a Farim, fomos directamente à casa do administrador, que informou o alferes Almeida de que o chefe da tabanca tinha ido a casa de Braima Baio, chefe da tabanca de Farim, e que desconhecia se ele ainda regressava naquele dia a Bricama ou se dormia em Farim. O administrador prontificou-se a enviar o motorista a casa de Braima, no bairro de Morocunda, incumbindo-o de trazer o chefe da tabanca, caso ele lá se encontrasse, o que não sucedeu. O motorista, quando regressou, disse que o chefe já tinha regressado à tabanca. E o alferes Almeida prontamente deu a informação ao nosso comandante.

No dia seguinte, de manhã, voltámos a Bricama e encontrámos o chefe da tabanca. Após os cumprimentos, o alferes quis saber dos motivos que o tinham levado a Farim, a casa do administrador, ao que ele respondeu que era devido ao atraso nos pagamentos do imposto. E o alferes continuou:

– Viemos cá, para falarmos sobre esta questão: o chefe tem entre 60 a 80 homens aptos a usarem armas. E, dentro de algum tempo, nós vamos receber mais armas. Assim temos que recolher todas as Mausers, que estão à sua guarda, a fim de serem substituídas por G-3, que são muito superiores. E, logo que seja possível, entregaremos mais algumas.

De imediato, o chefe da tabanca dirigiu-se a casa e, pouco depois, surgiu com nove armas.

– Não são nove. Pela relação que tenho, são dez Mausers!

A arma que faltava tinha já sido recolhida pelo cabo da arrecadação, uma vez que se tinha verificado anteriormente que a arma não estava em condições. Resolvida a questão, regressámos a Farim.


Os dois primeiros  ataques do PAIGC a Farim, no 2ºseemstre de 1963

Quatro ou cinco meses depois de ter sido transferido para Farim, a 1ª CCaç deslocou-se numa coluna de quatro viaturas, à serração de Carés, que ficava perto de Fajonquito, na linha da fronteira com o Senegal. 
[Carés, topónimo que não existe, mais provavelmente trata-se de Caresse]

Quando chegámos arrumei o meu carro junto de outras viaturas. Na minha viatura vinham soldados africanos, nas outras que me seguiam vinham soldados africanos e europeus, que pertenciam ao esquadrão de Bafatá e que estavam destacados na 1ª CCaç, em Farim.

Quando acabámos de estacionar, fui surpreendido por uma voz conhecida. Era o 1º cabo Eurico.

 Eh, pá, não há como na tropa! Um dia separámo-nos em Cacine, junto à fronteira com a Guiné-Conakry, nunca pensei voltar a encontrar-te na Guiné quanto mais neste local, junto à fronteira com o Senegal!

Chamou os colegas [3], fizemos uma grande festa e perguntei onde estavam agora colocados.

 Em Canhamina    responderam.   [Canhamina ,a seguir a Fajonquito, a nordeste, já na carta de Tendinto, que nos falta].

Pouco tempo depois,
 Carès passou a ser terra de ninguém. Num dia, o proprietário da serração, temendo ser atacado, comprou armas e munições para a defender. Mas não resistiram ao ataque do PAIGC. O dono da serração morreu no local e a serração fechou e foi transferida para Bafatá, para um local perto da minha casa [4].

Estava uma noite de luar. Eu tinha-me deslocado ao bairro de Sinchã e estive a divertir-me com alguns colegas. Com a noite já adiantada, resolvi regressar ao quartel. No caminho, quando estava a chegar ao bairro de Nema, vi o pelotão de milícias formado à porta do régulo Made Sissé. Estavam a preparar-se para se dirigirem para os locais de vigilância à segurança do bairro. Passei por eles, sem me dirigir a ninguém, pois estava com pressa de chegar ao quartel, que não ficava a mais de meio quilómetro.

Uns metros andados fui surpreendido por barulho de tiros e de rebentamentos, que me pareceram atingir toda a vila.

– Mas que é isto?  interroguei-me, espantado, sem saber bem o que fazer.

Se tentasse deslocar-me para o quartel, algum militar que me visse a aproximar, baleava-me logo. Por outro lado não me parecia que regressar ao local de onde tinha partido, fosse uma boa solução. As milícias armadas tinham-se espalhado pelo bairro e o perigo para mim era o mesmo. Agachei-me, colei-me ao chão, a pensar no que havia de fazer. O fogo abrandou e a correr alcancei o bairro de Mancanha, já muito próximo do quartel. Vi uma casa e abriguei-me na varanda. O tiroteio recrudesceu e eu bati à porta.

– Quem é?

– Abra a porta!

– Não!

– Se não abrir, vou ter que arrombar!

– Tenho medo!

– Não tem que ter medo, sou militar!

Vendo a porta aberta, entrei precipitadamente, fechei-a e fiquei com a chave na mão. Era um velho que vivia sozinho.

Desconfiados, mantivemo-nos algum tempo a olhar um para o outro. Não me sentia confiante no meu companheiro e, por isso, resolvi não dormir, embora os olhos se me quisessem fechar. Não o deixei sair, nem para urinar, permaneci toda a noite sentado e só resolvi sair, quando as armas se calaram, o que aconteceu por volta das 5 da manhã. Entreguei-lhe a chave, mostrando-lhe que, em mim, não havia qualquer má intenção, apenas queria abrigar-me do tiroteio.

Dirigi-me a um posto de vigilância, próximo dos Correios, e aguardei a viatura que estava a recolher os vários militares dispersos pelos postos de vigilância.

Quando cheguei ao quartel, viviam-se os momentos habituais depois de um ataque. Cada um falava e contava como tinha sido. Emoções e lembranças surgiam a cada passo. As recordações do acontecido duraram poucos dias. Mas estávamos certos que o 1º ataque, de que houve memória, do PAIGC a Farim se iria repetir.

Uma semana depois da recolha das armas em Bricama, o nosso comandante entendeu estar na altura de ver como a população da tabanca estava a reagir. A minha GMC, carregada de soldados,  abria uma pequena coluna de quatro viaturas. Íamos com destino a Bricama, uma localidade atravessada por um ribeiro com muita água e sobre o qual havia uma ponte de troncos de palmeiras.

A tabanca estava na outra margem, a pouco mais de 50 metros. Quando nos aproximámos da ponte, foi com surpresa que verifiquei que tinha sido queimada.

– Siga, continua    gritou-me o alferes Almeida.

– Então e a ponte, meu alferes?

Vendo-me parado a olhar para os restos calcinados da ponte, avançou com o jipe.

– Toca a saltar cá para baixo, menos os condutores    ordenou.

Verificando que a travessia não se podia fazer, mandou o pessoal embarcar novamente e regressámos a Farim.

Esta foi a última saída a Bricama e também o adeus à população da tabanca, que julgávamos nós estava libertada da influência do PAIGC. A partir deste acontecimento, redobrámos a vigilância, as vias de acesso a Farim passaram a ser mais controladas e tivemos consciência que a zona de Farim estava a entrar numa nova fase da guerra.

Não ficámos muito admirados, quando dias depois, Farim voltou a ficar debaixo de fogo. Não foi tão violento, nem tão prolongado como o primeiro. Não houve vítimas do nosso lado, do outro não sei. Também desta vez, me encontrava fora do quartel, estava de serviço aos Correios.

 (Continua)

______________

Notas do autor:

[1] Da CCaç 413, comandado por um alferes que me disseram mais tarde ser sobrinho do Brigadeiro Arnaldo Schulz, nomeado Governador-Geral em 29 março de 1964, quando eu me encontrava ainda em Farim.

[2] ERec 385

[3] Do Pel Caç 870

[4] Depois de 25 de Abril de 1974 a serração acabou por ser abandonada.


[Seleção / revisão / fixação de texto / subtítulos /  negritos / parênteses rectos, com ntas adicionais, para efeitos de edição deste poste: LG. ]

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(**) Vd. os outros postes anteriores:

22 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23728: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte IV: Infância e adolescência

16 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23713: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte III: Colocado em Farim, na 1ª CCAÇ, em junho de 1963, fica logo encantado com as beldades femininas locais e convida-as para ir a uma sessão de cinema do senhor Manuel Joaquim

14 de setembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23615: Bedanda, região de Tombali, no início da guerra - Parte I: Testemunho de Amadu Djaló (1940-2015), relativo ao período de dezembro de 1962 a junho de 1963

5 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23671: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte II: 1962, recruta em Bolama e instrução de especialidade no CICA / BAC, Bissau: o racismo primário do cmdt da CART 240

22 de setemebro de 2022 > Guiné 61/74 - P23638: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte I: Não fomos todos criminosos de guerra: Deus e a História nos julgarão

22 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14282: Os Nossos Camaradas Guineenses (41): Amadu Bailo Jaló (Bafatá, 14/11/1940- Lisboa, 15/2/2015): 13 anos ao serviço do exército português (1962-1975), "em perigos e guerras esforçado mais do que prometia a força humana" (Virgínio Briote)


domingo, 15 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22458: (De)Caras (173): "Afinal, de quem são as árvores?"... Recordando os madeireiros Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta) e Albano Neves (Contuboel) (José Eduardo Oliveira, JERO, 1940-2021 / António Rosinha / Valemar Queiroz / Cherno Baldé)






Anúncio da empresas madeireira Manuel Ribeiro Carvalho,  com estabelecimentos em Binta e Farim, em meados dos anos 50. Imagem reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


1. Dois conhecidos madeireiros do nosso tempo de Guiné, são aqui evocados, por camaradas nossos, em comentários a postes diferentes,um de 2015 e outro de 2021. Vale a pena ir recuperá-los (**):

(i) José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2020):

"Tropecei" com particular emoção neste anúncio do madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho, que conheci em Binta no 2º.semestre de 1964. 

Pertenci à CCaç 675 que esteve em Binta desde 30 de Junho de 64 a finais de Abril de 1966. Fui o Furriel Enfermeiro da Companhia e recorda-me de ter tratado do sr. Ribeiro duas vezes: a uma retenção de urinas, em que tive o algaliar e um "ataque" de abelhas muito grave. 

A minha Companhia fez-lhe segurança em algumas idas ao mato para cortar madeiras quando se aproximava a data do carregamento de barcos que vinham até Binta, pelo Rio Cacheu. Falei muitas vezes com ele. Era uma pessoa de bom trato e , nesse tempo, já com uns 30 anos de Guiné.

Quando vi o seu "anúncio" nesta postagem fiz uma autêntica viagem ao passado. E já vão 50 anos !!! Obrigado. Jero.

5 de fevereiro de 2015 às 21:02 (**)


(ii) António Rosinha:

Amigo Jero, Binta era de facto um antigo importante ponto de embarque de troncos de madeira, talvez a maior parte para exportação.

Se te lembras tinha uma ponte cais de madeira, pois o governo de Luís Cabral que dava muita importância ao transporte fluvial, ainda conseguiu dinheiro para substituir a pequena ponte cais de madeira por uma idêntica mas em betão armado.

Luís Cabral foi corrido e já não viu a sua obra. Mas os guineenses já não precisavam da ponte cais porque com o equipamento e máquinas modernas e grandes tractores e camiões da Volvo que a Suécia ofereceu, num instante cortaram e transportaram a maioria dos grandes troncos no porto de Bissau, e por via terrestre. (...)

5 de fevereiro de 2015 às 22:18 (*)


(iii)  JERO:

Boa, noite António Rosinha

Tenho muitas fotos da ponte cais que referes e "vi" muitos anos depois a de betão, que descaracterizou Binta. Digo eu. (...) Abraço de Alcobaça. JERO

5 de fevereiro de 2015 às 22:51  (*)

 
(iv) Valdemar Queiroz:


Lembro-me, em Contuboel, da serração do Sr. Albano (Neves). Quem passou por Contuboel, pelo menos, de Fevereiro  a Maio/Junho de 1969, interrogava-se, afinal de quem são as árvores?. Nunca soubemos.

Depois CART2479 / CART11 foi para Nova Lamego, para o Quartel de Baixo. Grandes árvores faziam parte da área no nosso Quartel, principalmente uma grande árvore que fazia sombra ao refeitório dos nossos soldados, á cantina e ao armazém da Companhia. 

Um dia, um enxame de abelhas fez poiso, na grande árvore do refeitório. Tanto o refeitório dos soldados, como o dos oficiais/sargentos, do outro lado, em frente, começaram a ser fustigados pelas abelhas. O 2º. Sargento Almeida, "o Velho Lacrau', aprontou-se para resolver o problema e, munido de um archote ateado, subiu à árvore para escorraçar as a abelhas com o fogo e conseguiu afasta-las para nunca mais serem vistas. Mas criou outro problema, pegou fogo ao 'coração' da grande árvore. Para apagar o fogo no interior da árvore despejaram-se vários 'Unimogs' de água, mas nada conseguia afastar o, mais que provável, desmoronamento da árvore. 

Por isso, surgiu ideia de contactar o senhor (cujo nome já não recordo),  da serração local, para abater a árvore. Depois, numa manhã, bem cedo, dois homens quase nus, apenas de tanga, com grandes serras e cunhos de ferro chegaram para abater a árvore que, entretanto, já tinha sido desbastada dos ramos principais. 

Disseram, quem viu, que os dois homens a serraram, compassadamente, de cachimbo aceso na boca, apenas pararam para meter os cunhos de ferro que iam aguentando a parte serrada, até chegarem ao fim, completamente a verterem suor por todo corpo que mais parecia uma nascente em cascata, até à queda da grande árvore. Depois, foi sendo levado tudo da árvore, para a serração. Não sei, nem agora estou interessado em indagar, como é que foi feito o 'contrato'.

8 de fevereiro de 2015 às 02:00 (*)


(v) Cherno Baldé:

A Serraçao do Português Albano Neves, com sede em Contuboel continuou a explorar madeira nesse Sector antes, durante e depois da guerra colonial (1963-1974). Eu cresci a ver os velhos camiões desta empresa a transportar madeira para Contuboel, inclusive depois da independência a partrir de sitios dos mais improváveis da nossa zona.

E a plantação de novas árvores pelos madeireiros ou quaisquer outras entidades para recuperação ou compensação era um mito, pois eu nunca vi uma única planta de substituição em todo o Sector e nunca vi nenhuma obra de infraestruturas para beneficiar a população local. 

E acreditem que eu conhecia a minha terra como poucos pois fazia pastorícia desde a mais tenra idade e só deixei de o fazer com a minha partida para os estudos em 1985 (em Kiev). Os sinais da exploração da madeira eram visíveis em todas as partes da floresta onde cortavam o bissilão o pau-de-sangue e o pau-de-conta.

A exploração dos recursos do continente, sejam eles florestais ou aliêuticos sempre foram feitos com a participação dos europeus em primeira linha,  sejam eles do Leste ou do Ocidente. Pessoalmente sou a favor da exploração controlada se isso fosse possível num pais tão desprotegido e fragilizado, porque de qualquer modo todas essas riquezas naturais estão condenadas a desaparecer seja pela acção do homem seja por causas naturais ligadas às mudanças climáticas.  E, porque não aproveitar quanto antes (digo eu) ?!

 12 de agosto de 2021 às 11:02  (***)


(vi) António Rosinha:

A "Serração do Albano", só foi do Albano após o 25 de Abril, pois o verdadeiro proprietário entregou as rédeas ao Albano que era o gerente ou encarregado.

Rezavam as crónicas dos moribundos resistentes brancos que iam desaparecendo de Bissau aos poucos,  que aconteceu isso com outros comerciantes e proprietários brancos,  entregarem as suas propriedades e casas a empregados enquanto eles, patrões, cansados de guerra, desvaneceram-se.

Só que o Albano não só manteve como desenvolveu e se entendeu muito bem com aquela empresa com a independência da Guiné Bissau.

Albano, quase sem exemplo, digo "quase". Entendeu-se às mil maravilhas, como peixe na água.

Na Guiné só se modernizou ou tentou modernizar a industria madeireira à "grande e à sueca" com Luís Cabral e seus ministros e continuou.

Até uma moderníssima fábrica de contraplacados e afins se montou em Buba, coisa linda, não sei como estará hoje.

Entraram mais máquinas, tratores, máquinas de corte, giratórias e camiões todo o terreno, tudo Volvo, tudo moderno para a Socotram de 1975 a 1983, do que desde 1500 até 1974 para os rudimentares madeireiros portugueses.

Aliás, era precisamente a medíocre iniciativa industrial e comercial e mineira dos portugueses, que os dirigentes dos movimentos nacionalistas mais criticavam e mesmo ridicularizavam o "portuga" e a sua presença nas colónias.

Dai-nos a independência e vão ver o que fazemos desta terra. (o que eu ouvi em Angola e depois repetido no Brasil, e depois na Guiné na inauguração da fábrica do Nhaie-Citroen).

Falar em ecologia em África é muito complicado, e na Guiné não é o pior país. Há linhas de água na Nigéria que o petróleo de pipe lines rotos contaminou. E nós, exploradores indignos, selávamos furos de prospecção de petróleo.

Eramos mesmo uns ecologistas, lá e cá, só mais tarde é que caímos nessa dos eucaliptos e celuloses, que estupidez de riqueza.

12 de agosto de 2021 às 18:27  (***)
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Notas do editor:

quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22452: (D)o outro lado do combate (67): Empresas capitalistas estrangeiras (portuguesas e não portuguesas) com interesses na Guiné e Cabo Verde: documento do PAIGC, de setembro de 1966: só há referência a 3 empresas madeireiras


BNU - Banco Nacional Ultramarino, um dos grupos económicos com maior peso na econmia da Guiné antes da independência, com destaque para a Sociedade Comercial Ultramarina, concorrente da Casa Gouveia, do grupo CUF. O BNU era, além disso, o emissor do "patacão"...














Citação:

(1966), "PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde", Fundação Mário Soares / Arquivo Mário Pinto de Andrade, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_84092 (2021-8-12) (Reprodução das páginas de 1 a 5, Com a devida vénia...)

Portal: Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 04340.003.011

Título: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Assunto: PAIGC - Os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde. Documentação económica. Principais empresas na Guiné:  (...) . Ligações empresas na Guiné a trusts internacionais. Principais empresas estrangeiras - portuguesas e não portuguesas - exercendo a sua actividade em Cabo Verde. Desenvolvimento da luta armada na Guiné cria situação nova, do ponto de vista económico. | 

Data: Setembro de 1966 | Observações: Última página deste documento tem SET.1965 e não SET.1966, como figura na primeira. | 
Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade (...)


1. Este documento, dactilografado, de 16 páginas (capa incluida), tem a chancela do PAIGC, e destinava-se a dar a conhecer (e a combater) "os interesses capitalistas estrangeiros (portugueses e não portugueses) na Guiné e Cabo Verde" (sic). (*)

No final, na página 16, faz-se um balanço, a título meramente exemplificativo, dos resultados da luta armada, afectando directa ou indirectamente esses interesses das grandes empresas e de alguns comerciantes importantes: destruição de armazéns do Pinho Brandão na ilha do Como; apreensão de barcos de carga e respectivas mercadorias, pertencentes à CUF (Casa Gouveia) e à Sociedade Comercial Ultramarina (ligada ao BNU); encerramento de diversas lojas de comerciantes e empresas, etc.

No ponto XII, há referências aos "madeireiros", mas as empresas são apenas três, e nenhuma delas nossa conhecida... Omite-se, por outro lado, a referência ao madeireiro Fausto da Silva Teixeira, considerado "simpatisante" da causa nacionalista, bem como ao outro madeireiro, Manuel Ribeiro de Carvalho, que seria, em meados da década de 1950,  o maior exportador de madeira da Guiné (publicidade à parte). (**)
 
Em relação à fonte da informação documental, no essencial, e tendo em conta o detalhe dos dados, parece-nos ser de origem portuguesa, fornecida pelos meios oposicionistas que então combatiam o regime de Salazar. 

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Notas dos editor:

(*) Último poste da série > 17 de maio de  2021 > Guiné 61/74 - P22208: (D)o outro lado do combate (66): As sabotagens do PAIGC, em Bissau, no início de 1974 (Jorge Araújo)

(**) Vd. poste de 12 de agosto de 2021  > Guiné 61/74 - P22451: Casos: a verdade sobre... (26): os "madeireiros" de ontem e de hoje: a desflorestação da Guiné-Bissau