domingo, 15 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22458: (De)Caras (173): "Afinal, de quem são as árvores?"... Recordando os madeireiros Manuel Ribeiro de Carvalho (Binta) e Albano Neves (Contuboel) (José Eduardo Oliveira, JERO, 1940-2021 / António Rosinha / Valemar Queiroz / Cherno Baldé)






Anúncio da empresas madeireira Manuel Ribeiro Carvalho,  com estabelecimentos em Binta e Farim, em meados dos anos 50. Imagem reproduzidas, com a devida vénia, de Turismo - Revista de Arte, Paisagem e Costumes Portugueses, jan/fev 1956, ano XVIII, 2ª série, nº 2. (*).


1. Dois conhecidos madeireiros do nosso tempo de Guiné, são aqui evocados, por camaradas nossos, em comentários a postes diferentes,um de 2015 e outro de 2021. Vale a pena ir recuperá-los (**):

(i) José Eduardo Oliveira (JERO) (1940-2020):

"Tropecei" com particular emoção neste anúncio do madeireiro Manuel Ribeiro de Carvalho, que conheci em Binta no 2º.semestre de 1964. 

Pertenci à CCaç 675 que esteve em Binta desde 30 de Junho de 64 a finais de Abril de 1966. Fui o Furriel Enfermeiro da Companhia e recorda-me de ter tratado do sr. Ribeiro duas vezes: a uma retenção de urinas, em que tive o algaliar e um "ataque" de abelhas muito grave. 

A minha Companhia fez-lhe segurança em algumas idas ao mato para cortar madeiras quando se aproximava a data do carregamento de barcos que vinham até Binta, pelo Rio Cacheu. Falei muitas vezes com ele. Era uma pessoa de bom trato e , nesse tempo, já com uns 30 anos de Guiné.

Quando vi o seu "anúncio" nesta postagem fiz uma autêntica viagem ao passado. E já vão 50 anos !!! Obrigado. Jero.

5 de fevereiro de 2015 às 21:02 (**)


(ii) António Rosinha:

Amigo Jero, Binta era de facto um antigo importante ponto de embarque de troncos de madeira, talvez a maior parte para exportação.

Se te lembras tinha uma ponte cais de madeira, pois o governo de Luís Cabral que dava muita importância ao transporte fluvial, ainda conseguiu dinheiro para substituir a pequena ponte cais de madeira por uma idêntica mas em betão armado.

Luís Cabral foi corrido e já não viu a sua obra. Mas os guineenses já não precisavam da ponte cais porque com o equipamento e máquinas modernas e grandes tractores e camiões da Volvo que a Suécia ofereceu, num instante cortaram e transportaram a maioria dos grandes troncos no porto de Bissau, e por via terrestre. (...)

5 de fevereiro de 2015 às 22:18 (*)


(iii)  JERO:

Boa, noite António Rosinha

Tenho muitas fotos da ponte cais que referes e "vi" muitos anos depois a de betão, que descaracterizou Binta. Digo eu. (...) Abraço de Alcobaça. JERO

5 de fevereiro de 2015 às 22:51  (*)

 
(iv) Valdemar Queiroz:


Lembro-me, em Contuboel, da serração do Sr. Albano (Neves). Quem passou por Contuboel, pelo menos, de Fevereiro  a Maio/Junho de 1969, interrogava-se, afinal de quem são as árvores?. Nunca soubemos.

Depois CART2479 / CART11 foi para Nova Lamego, para o Quartel de Baixo. Grandes árvores faziam parte da área no nosso Quartel, principalmente uma grande árvore que fazia sombra ao refeitório dos nossos soldados, á cantina e ao armazém da Companhia. 

Um dia, um enxame de abelhas fez poiso, na grande árvore do refeitório. Tanto o refeitório dos soldados, como o dos oficiais/sargentos, do outro lado, em frente, começaram a ser fustigados pelas abelhas. O 2º. Sargento Almeida, "o Velho Lacrau', aprontou-se para resolver o problema e, munido de um archote ateado, subiu à árvore para escorraçar as a abelhas com o fogo e conseguiu afasta-las para nunca mais serem vistas. Mas criou outro problema, pegou fogo ao 'coração' da grande árvore. Para apagar o fogo no interior da árvore despejaram-se vários 'Unimogs' de água, mas nada conseguia afastar o, mais que provável, desmoronamento da árvore. 

Por isso, surgiu ideia de contactar o senhor (cujo nome já não recordo),  da serração local, para abater a árvore. Depois, numa manhã, bem cedo, dois homens quase nus, apenas de tanga, com grandes serras e cunhos de ferro chegaram para abater a árvore que, entretanto, já tinha sido desbastada dos ramos principais. 

Disseram, quem viu, que os dois homens a serraram, compassadamente, de cachimbo aceso na boca, apenas pararam para meter os cunhos de ferro que iam aguentando a parte serrada, até chegarem ao fim, completamente a verterem suor por todo corpo que mais parecia uma nascente em cascata, até à queda da grande árvore. Depois, foi sendo levado tudo da árvore, para a serração. Não sei, nem agora estou interessado em indagar, como é que foi feito o 'contrato'.

8 de fevereiro de 2015 às 02:00 (*)


(v) Cherno Baldé:

A Serraçao do Português Albano Neves, com sede em Contuboel continuou a explorar madeira nesse Sector antes, durante e depois da guerra colonial (1963-1974). Eu cresci a ver os velhos camiões desta empresa a transportar madeira para Contuboel, inclusive depois da independência a partrir de sitios dos mais improváveis da nossa zona.

E a plantação de novas árvores pelos madeireiros ou quaisquer outras entidades para recuperação ou compensação era um mito, pois eu nunca vi uma única planta de substituição em todo o Sector e nunca vi nenhuma obra de infraestruturas para beneficiar a população local. 

E acreditem que eu conhecia a minha terra como poucos pois fazia pastorícia desde a mais tenra idade e só deixei de o fazer com a minha partida para os estudos em 1985 (em Kiev). Os sinais da exploração da madeira eram visíveis em todas as partes da floresta onde cortavam o bissilão o pau-de-sangue e o pau-de-conta.

A exploração dos recursos do continente, sejam eles florestais ou aliêuticos sempre foram feitos com a participação dos europeus em primeira linha,  sejam eles do Leste ou do Ocidente. Pessoalmente sou a favor da exploração controlada se isso fosse possível num pais tão desprotegido e fragilizado, porque de qualquer modo todas essas riquezas naturais estão condenadas a desaparecer seja pela acção do homem seja por causas naturais ligadas às mudanças climáticas.  E, porque não aproveitar quanto antes (digo eu) ?!

 12 de agosto de 2021 às 11:02  (***)


(vi) António Rosinha:

A "Serração do Albano", só foi do Albano após o 25 de Abril, pois o verdadeiro proprietário entregou as rédeas ao Albano que era o gerente ou encarregado.

Rezavam as crónicas dos moribundos resistentes brancos que iam desaparecendo de Bissau aos poucos,  que aconteceu isso com outros comerciantes e proprietários brancos,  entregarem as suas propriedades e casas a empregados enquanto eles, patrões, cansados de guerra, desvaneceram-se.

Só que o Albano não só manteve como desenvolveu e se entendeu muito bem com aquela empresa com a independência da Guiné Bissau.

Albano, quase sem exemplo, digo "quase". Entendeu-se às mil maravilhas, como peixe na água.

Na Guiné só se modernizou ou tentou modernizar a industria madeireira à "grande e à sueca" com Luís Cabral e seus ministros e continuou.

Até uma moderníssima fábrica de contraplacados e afins se montou em Buba, coisa linda, não sei como estará hoje.

Entraram mais máquinas, tratores, máquinas de corte, giratórias e camiões todo o terreno, tudo Volvo, tudo moderno para a Socotram de 1975 a 1983, do que desde 1500 até 1974 para os rudimentares madeireiros portugueses.

Aliás, era precisamente a medíocre iniciativa industrial e comercial e mineira dos portugueses, que os dirigentes dos movimentos nacionalistas mais criticavam e mesmo ridicularizavam o "portuga" e a sua presença nas colónias.

Dai-nos a independência e vão ver o que fazemos desta terra. (o que eu ouvi em Angola e depois repetido no Brasil, e depois na Guiné na inauguração da fábrica do Nhaie-Citroen).

Falar em ecologia em África é muito complicado, e na Guiné não é o pior país. Há linhas de água na Nigéria que o petróleo de pipe lines rotos contaminou. E nós, exploradores indignos, selávamos furos de prospecção de petróleo.

Eramos mesmo uns ecologistas, lá e cá, só mais tarde é que caímos nessa dos eucaliptos e celuloses, que estupidez de riqueza.

12 de agosto de 2021 às 18:27  (***)
___________

Notas do editor:

5 comentários:

Tabanca Grande Luís Graça disse...


"Afinal, de quem sao as árvores ?", pergunta e bem o Valdemar Queiroz... Em Portugal, por exemplo, o direito de propriedade não é absoluto. Eu não posso cortar os sobreiros da Quinta de Candoz... Nem o azevinho espontâneo...

É bom que se saiba que há espécies protegidas pro lei... Por exemplo, além do sobreiro, o azinheiro, o azevino espontâneo e o "arvoredo de interesse público"...

Citemos o sítio do ICNF - Instituto de Conservação da Natureza e Florestas, I.P.... Aqui vai algns excertos a proteçao do sobreiro e da azinheira;

https://www.icnf.pt/florestas/protecaodearvoredo/protecaodearvoredofaqs

(...) A protecção do sobreiro e da azinheira, justifica-se largamente pela sua importância ambiental e económica, e o Dec.-Lei 169/2001, de 25 de maio, alterado pelo Dec.-Lei n.º 155/2004, de 30 de junho, estabelece as medidas de proteção a estas espécies.
.
(...) O corte de árvores ou de ramos (poda) de sobreiros e azinheiras têm de cumprir alguma obrigação legal?

O Dec-Lei n.º 169/2001, de 25 de maio, alterado pelo Dec-Lei n.º 155/2004, de 30 de junho, impõe que o corte ou a poda de sobreiros e azinheiras sejam requeridos e autorizados pelo ICNF, I.P. Os exemplares a abater têm de ser previamente cintados com tinta indelével e de forma visível.

A poda só pode ser executada no período entre 1 de novembro de cada ano e 31 de março do ano seguinte. Acresce que a data limite de 31 de março pode ter de ser antecipada, dependendo do ano climatérico e da região do País, para respeitar o período de nidificação das aves nos termos do Dec-Lei nº 49/2005, de 24 de fevereiro, alterado pelo Dec-Lei n.º 156-A/2013, de 8 de novembro.

(...) O ICNF, I.P. só pode autorizar podas em sobreiros e azinheiras quando esta operação vise melhorar as características produtivas dos exemplares.

Assim, o ICNF, I.P. não pode autorizar corte de ramos de qualquer ordem de que resulte mutilação das árvores, operação proibida pelo n.º 4 do artigo 17º. Da autorização a emitir constarão todas as condicionantes a observar na execução da poda.

Em caso de perigo para pessoas e bens atestado pelos Serviços de Proteção Civil do Município, pode o ICNF, I.P. autorizar uma poda de sobreiros/azinheiras um pouco mais intensa desde que não represente mutilação, caso em que é preferível o corte do exemplar executado rente ao solo, horizontal ou ligeiramente inclinado e com superfície absolutamente lisa, com a finalidade de poder efetuar-se o aproveitamento da provável rebentação de toiça que, devidamente encaminhada através de seleção das varas e podas de formação, poderá rapidamente originar exemplar que não venha no futuro a representar problema. (...)

Patricio Ribeiro disse...

Boas.
O Albano, vendeu a um grupo de Portugueses
Que por sua vez. Venderam a Empresario Guineense.

A Serração de Mansaba, que esteve alguns anos na mão um Portugues que faleceu. Até ha pouco tempo estrava trabalhar na mão dos Chineses.

Antes da pandemia.
Podimos encontar troncos à beira das estradas na região de Oio. Depois da proibição de os exportar.

Há uma universidade espanhonha que junto das florestas da agricultura,tem financiado projectos para a preservação das florestas,apoiando os viveiros do estado.

Abraço

Carlos Vinhal disse...

Caro Patrício Ribeiro, no meu tempo, em Mansabá, quem explorava a Serração era o senhor José Leal que tinha com ele a esposa D. Olinda. Eles tinham na sua residência, ao tempo no lado de fora do arame farpado que rodeava o quartel, um pequeno restaurante onde íamos matar saudades da boa comida. Referes-te à mesma pessoa? Em 1971 nasceu-lhes uma menina provavelmente a morar hoje em Portugal.
Abraço.
Carlos Vinhal
Leça da Palmeira

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Cada vez mais a gestão da nossa "casa comum" tem de ser global e partilhada... Os egoísmos nacionalistas têm de se subordinar aos imperativos da sustentabilidade do planeta Terra... Tal como o montado de sobro, no Alenetjo, não é só do dono da terra, também o mar não é só dos pescadores, nem a Amazónia é só dos brasileiros e dos colombianos, nem o Cantanhez é só dos guineenses.

Claro que os recursos florestais devem ser geridos de maneira controlada, e postos ao serviço, não das elites corruptas mas do desenvolvimento sustentado do povo guineense.

A descarbonização, ou seja, o processo de redução de emissões de carbono na atmosfera, especialmente de dióxido de carbono (CO2). tem um preço e temos que pagá-lo, uns mais (os rticos) do que os outrs (os pobres)... S

Ms éfundamental para termos uma economia global com baixas emissões de modo a conseguir a "neutralidade climática"... Este é o século da transiçºao energética...

E a Guiné-Bissau é, infelizmente, dos mais países mais vukneráveis ao risco de subida dos oceanos...

Tabanca Grande Luís Graça disse...

Atenção: nos também fomos "madeireiros": quantas árvores e hectares de floresta foram derrubados para construir os nossos aquartelamentos, destacamentos, estradas, pistas de aviação, reordenamenos, novas tabancas, etc. E já nao falo da accao direta da guerra: bombardeamentos aéreos e de artilharia naval e terrestre, fogos e contra-fogos, etc.

De um lado e do outro...Pobre Guiné!