1. Mensagem do nosso camarada António Melo* (ex-1.º Cabo Rec Inf, BCAÇ 2930, Catió e QG, Bissau, 1972/74), com data de 1 de Agosto de 2012:
Hoje estando eu sentado diante do meu ordenador lembrei-me de contar-te uma história bonita que se passou com dois loucos ex-combatentes da Guiné que se conheceram através do blogue e por haverem estado os dois em Catió.
Por certo no mesmo batalhão mas em datas diferentes, esses dois loucos são o Manuel Dias Pinheiro ex-1.º Cabo Radiotelegrafista e o António Melo ex-1.º Cabo Rec Inf, como te deves recordar, foste tu quem nos puseste em contacto depois do pedido do Manuel, do meu email e eu com muito gosto lhe respondi.
Daí em diante temos trocado varia correspondência, eu ao ler o que me contava convidei-o a fazer parte do nosso blogue, ele se me escapou, te garanto que é bom rapaz mas se me escapa com muita habilidade, mas te asseguro que este terá que fazer parte do nosso blogue. Depois de vária correspondência trocada já acertamos que iremos a um almoço do blogue para nos conhecermos pessoalmente visto que neste momento estamos bem longe um do outro, eu em França e ele em Espanha e não nos é muito fácil encontrarmos porque nos separa mil e duzentos quilómetros mas como te digo este vai cair.
Carlos à parte te mandarei um extracto de um email que ele me mandou para que tu com a tua paciência e amabilidade componhas este email porque te digo não tenho impressora para poder compor.
Carlos agora também quero através deste blogue pôr em apertos o Manuel e convidá-lo a juntar-se a esta família que é o blogue e como agora o convite é publico quero ver se esse louco da colina dá o nega ao meu convite.
Gracias
Manuel
2. Primeira mensagem do nosso camarada Manuel Dias Pinheiro, ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, enviada ao nosso tertuliano António Melo:
Um amigo que nunca mentiu
Se me recordo da viagem para Catió!!!
Te conto uma história muito grande e assim não estás
aborrecido tu e eu.
Assentei praça no RI8 em Braga no dia 28 de Julho de 1969. Aí fiz a
instrução e no dia 28 de Setembro do mesmo ano fui para o Porto para o Regimento de Transmissões na Arca d'Água, aí estive fazendo a especialidade de
radiotelegrafista até ao dia 22/2/1970. Passei ao Regimento de Transmissões, fui promovido a
1.º Cabo e aí fiz um estágio muito bom, onde fazia de Cabo Dia e algum Cabo
de Reforço. Como já tinha muito tempo pensava que já não ia à
guerra, mas a notícia chegou no dia 25/6/1970, o 1.º Cabo Radiotelegrafista NM 114485/69 vai
para a Guiné. Embarquei no Uíge no dia 18/07/1970 e chegou o periquito à
Guiné no dia 24/07/1970. Como ia em rendição individual fui no porão da
mercadoria, bom depões de dois dias de viagem chegou o pior o enjoo mas
tudo passou.
Chegando a Bissau lá fomos para o Quartel General a que o Agrupamento
de Transmissões estava adido, só mais tarde já no ano 1973 tinha as suas
instalações próprias. Chegando a Bissau me dão uma folha para
preencher na qual havia uma pergunta, se tinha algum familiar na Guiné, como tinha um primo, diz o Manuel: tenho um primo! Então havia um
colega que estava esperando transporte para Catió, esse já não foi para
Catió e foi o Manuel, tendo o outro ido para Piche. Quando chegou o dia de ir
para Catió lá fui por mar, deram-me então uma ração de combate mas não água. Ia com os marinheiros e mais embarcações de civis, esses senhores
marinheiros bebendo as suas cervejas e comendo a sua boa comida e o
pobre do Manuel olhando para eles que nem sequer perguntaram se queria água ou comida.
Lá fomos, a água entrava por um lado e saía pelo outro e eu dizendo:
estou "feito", aonde vim parar. Seguindo com a viagem, chegámos já à
tardinha. Pararam os motores quando entrámos nas bolanhas, agarraram as metralhadoras e eu como parvo olhando para eles e pensando: isto é
guerra! Mas lá chegámos na paz de Cristo. O transporte esperando e lá
cheguei a Catió. Perguntei pelo meu culpado primo que de imediato me deu um
grande abraço, chorando. Fomos beber umas bazucas, depois de ter passado tanta sede até já tinha vontade de beber. Deu-se a casualidade que a minha tia tinha mandado uma caixa com umas
garrafinhas de vinho, uns salpicões e outras coisas. Dizia a minha Tia
que tinha uma alma muito grande, e assim foi, o destino é grande e nunca fujas a ele.
À minha Maria só menti uma vez, foi quando lhe disse que casava com ela,
e até essa mentira foi mentira porque casei com ela quando vim de
ferias em julho de 1971. Casámos e volvi a cumprir o meu dever para com
a pátria. Por coincidência hoje faço 41 anos de casado e cinco de noivos, uma vida. Como se aguenta?
Quanto às fotos não te preocupes que destas tenho muitas e mais fortes, assim prepara-te mas na condição de não fazeres coisas mal feitas.
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3. Segunda mensagem de Manuel Pinheiro a António Melo:
Baseando-me na tua publicação no blog de Luís Graça decidi juntar a
parte dois que é a mais triste.
Depois de chegar a Catió e encontrar-me com o meu primo António
Rodrigues do Bat 2865 e tomarmos umas bazucas, dirigi-me à minha
residência temporária que era o Posto de Rádio dos Telegrafistas do Agrupamento de Transmissões. Depois da apresentação feita, com os meus
camaradas que eram: o Soldado Tino de Tomar, o 1.º Cabo Pinto Costa
que era do Porto e eu o ex-1.º Cabo Radiotelegrafista, nesse dia não
fiz serviço mas no seguinte comecei alinhar com os meus turnos
correspondentes.
Todos tiveram a sorte de regressar, assim começou o primeiro, o
Tino depois o Costa, e como sempre uns regressam e outros vão e assim
foi chegou o ex-Furriel Nelson Batalha, o Soldado João e o Soldado
Miranda que era casado e tinha uma filha e, passado pouco tempo chegou
o Soldado Neto que era de Almada.
Vão passando os dias e de pronto chegam as más noticias, em Dezembro
chega um telegrama para o Soldado Miranda, com a triste noticia que
havia falecido a filha, me recordo perfeitamente era o seu turno e quando
abriu o telegrama começou chorando e eu também, mas como era
guerra o que fiz foi agarrar a chave de Morse e como um valente
transmitindo. Os dias foram passando e vais olvidando mais!
Com o tempo as coisas vão
a pior porque em Janeiro chega um telegrama para mim, quando o abri
partiu-se-me o coração, dizia que havia morto a minha Mãe. Já
éramos dois mas como se diz não há dois sem três. O que virá depois? E
assim foi, chegou o dia 14/04/1971 em que sofremos um grande ataque, no qual ficou
ferido o ex-Furriel Batalha, o Neto e o João foram evacuados para
Bissau nessa mesma noite. Ficamos os dois pobres, o Miranda e eu, foram
tempos de muita amargura e tristeza, como éramos só os dois tocou-me
chefiar o Posto de Rádio. Fazíamos turnos de 4 em 4 horas até que
uns meses mais tarde chegaram dois soldados Alentejanos sem nenhuma
ideia.
Como o tempo foi passando chegou também um Furriel e já estávamos
todos. Entretanto em Junho fui a Bissau por motivo da morte da minha
falecida Mãe e marquei as minhas queridas e desejadas férias porque
tinha a minha bajuda em Portugal, desejosa da minha chegada. Assim
foram os tristes dias da Guiné. Quando regressei de férias já fiquei em
Bissau, era outra vida, quando comíamos as travessas de ostras e as
bazucas dava gosto, tirando os maus momentos, deixam saudades esses
tempos e esses aninhos que tínhamos.
Vou enviar uma foto do Posto de Rádio de Catió.
Catió - Posto de Rádio, 20 de Maio de 1971
Um grande abraço até breve
O amigo
Manuel Gomes
4. Notas do editor:
- Tentei manter a redacção o mais próximo possível com o original, emendando apenas alguns erros de português, próprios de quem há tantos anos faz vida fora de Portugal. As nossas homenagens a estes bravos camaradas que lutaram a vida inteira, primeiro na guerra e depois na paz.
- Como ambos estão ligados à nossa vizinha Espanha, como emigrantes, aplicam alguns termos que tentei manter desde que se compreenda o sentido das frases. Alguns tive que substituir.
- Removi algumas expressões mais "violentas" em vernáculo e adjectivos dirigidos a pessoas e instituições porque o autor não escreveu este texto para ser tornado público e podia não os ter escrito nesta condição.
- Caro Manuel Pinheiro, seguindo a sugestão do camarada António Melo, fica feito publicamente o convite para te juntares a nós, integrando esta Tabanca Grande. Manda uma foto do teu tempo de militar e outra actual, tipo passe de preferência, e serás apresentado como membro desta caserna virtual.
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Junho de 2012 >
Guiné 63/74 - P10095: Os nossos seres, saberes e lazeres (46): Não trocaria por nada aquele tempo de comissão na Guiné (António Melo)
Vd. último poste da série de 25 de Junho de 2012 >
Guiné 63/74 - P10072: O Mundo é pequeno e a nossa Tabanca... é Grande (58): O reencontro, 38 anos depois, de dois camaradas da Ponte Caium, o Cristina e o Pinto, 3º Gr Comb, CCAÇ 3546, Piche, 1972/74 (Cristina Silva, Funchal)