1. Mensagem do Joseph Belo
Data - 13/10/2021, 19:20 e 20:41
Assunto -A caminhada para a... "descolonização exemplar" !
Em 1962 foi elaborado pela CIA um plano denominado “Commonwealth Plan”com vista a fazer aceitar ao governo português as inevitáveis independências das colónias. O plano estipulava a autodeterminação de Angola e Moçambique após um período de transição de oito anos.
O relacionamento futuro de Portugal com as ex -colónias seria resultante de um referendo efectuado durante o período. O planeamento propunha que em 1962 a NATO oferecesse a Portugal 500 milhões de dólares para modernizar a sua economia.
Foto à esquerda: José Belo, jurista, o nosso luso-sueco, cidadão do mundo, membro da Tabanca Grande, reparte a sua vida entre a Lapónia (sueca), Estocolmo e Key-West (Flórida, EUA); foi nomeado por nós régulo (vitalício) da Tabanca da Lapónia, agora jibilado; na outra vida, foi alf mil inf, CCAÇ 2391, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); é cap inf ref do exército português; durante anos alimentou, no nosso blogue, a série "Da Suécia com Saudade"; tem cerca de 210 referências no nosso blogue.
Um ano depois esta proposta foi ampliada pelo diplomata Chester Bowles duplicando a quantia. Estes novos 500 milhões seriam pagos durante um período de cinco anos.
Mil milhões de dólares era uma quantia enorme na época tendo-se em conta a verdadeira dimensão da economia portuguesa.
Esta proposta foi apresentada a Salazar em Agosto de 1963 pelo então Secretário do Estado adjunto norte-americano, George Ball, em nome da Administração do Presidente Kennedy.
Salazar recusa a oferta, do mesmo modo que recusara todas as ofertas de uma saída política, por parte dos aliados, aquando da queda (exemplar?) de Goa.
Curiosamente verifica-se a exatidão com que a CIA e vários diplomatas norte-americanos apresentam, com uma antecedência de muitos anos, a previsão da derrocada portuguesa em África a somar-se ao derrube da ditadura em Portugal.
“A ser permitido que as revoltas em África ganhem volume, a incapacidade de uma vitória militar será o resultado inevitável, agravado pela internacionalização dos conflitos.“
Questionava-se mesmo se “os Estados Unidos poderiam permitir que Portugal cometesse suicidio arrastando os seus aliados na mesma via.”
No meio de todas estas análises o então embaixador norte-americano em Portugal, Burke Elbrick, enviou em 1963 um telegrama para Washington, salientando o facto de Portugal se encontrar frente a escolhas muito difíceis: “Não suficientemente forte, nem rico, para enfrentar uma prolongada guerra em três frentes.“
Advertiu ainda que “as guerras de África viriam a significar o fim do império Lusitano e do regime de Salazar. Fim de regime que poderia levar ao poder um governo consideravelmente mais esquerdista ou neutral.”
Um ano depois (1964), dez anos antes de Abril/74, a CIA advertiu que as guerras de África levariam a um aumento do descontentamento interno que poderia vir a convencer os militares da necessidade de substituir Salazar.
Em 1964 o então Presidente Johnson foi advertido pelo Conselho de Segurança Nacional que as perspectivas das guerras de Portugal em África não eram boas a longo prazo. “Já não se tratava de saber se as colónias se tornariam independentementes, mas antes de saber quando e como.”
Tinham como certeza que, quanto mais as lutas se prolongassem, mais violentas, racistas e infiltradas por comunistas se tornariam. Estes prolongamentos levariam a que a crise final a ser enfrentada pelos Estados Unidos seria mais caótica, radical e anti-ocidental (Angola é usada como exemplo).
O governo da ditadura mais uma vez procurou enfrentar a onda em vez de inteligentemente a “cavalgar”. Teriam havido oportunidades de “alinhamentos” diplomáticos passíveis de trazer benefícios nacionais… dentro de parâmetros realistas e dimensionados. Porque “alinhamentos” já os havia então,tanto transatlânticos como europeus.
As características do governo português não o tornariam atraente em muitos “salões” ocidentais. Mas convergências de interesses fazem milagres, principalmente quando os necessitados sabem realisticamente manobrar.
O ditador escolheu o “Orgulhosamente sós“ com êxito (mais uma vez exemplar?) experimentado frente à União Indiana.
Partiu-se do grandioso princípio que tanto os Estados Unidos como os outros aliados ocidentais iriam “acertar passo” por uma política ao revés dos seus interesses (!), porque referirem-se ideais nas relações internacionais seria... despropositado!
Em bicos de pés ditatoriais, que afinal eram de barro, olhando sobre o ombro para Áfricas do Sul e Rodésias que ninguém hoje sabe por onde andam, abriu-se a ampla via que terminou como terminou. Exemplarmente.
Um abraço, J. Belo
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Bibliografia:
— Documentos da Secretaria do Estado Norte-Americana para os assuntos africanos.
—Livro de Witney Schneider (Secretário de Estado Adjunto para os assuntos africanos durante a Administração do Presidente Clinton)
—Documentação de Paul Sakwa (Assistente do Diretor Adjunto da CIA em 1962)
—Memórias do Secretário de Estado Adjunto George Ball.
—Jormal Público/2004
2. Uma adenda ao texto anterior, enviada em 17 do corrente, às 22:35, pelo J. Belo
Spínola e a Comissão Coordenadora do MFA tinham em mente soluções bem distintas para as colónias.
Para a Federação de Estados Lusófonos sob a égide de Portugal já era tarde. A situação político-social tinha tomado um rumo de tal modo acelerado que não permitia soluções políticas apoiadas em forças militares com uma coesão, disciplina e vontade, necessárias para tal missão.
“Nem mais um soldado para as colónias “ era então uma onda de fundo, criada na sociedadecivil mas que se fazia sentir dentro da instituição militar limitando-a nas suas capacidades.
A solução spinolista para ser viável necessitaria de um apoio vigoroso por parte dos Estados Unidos. O resultado do encontro com Nixon a tal não levou.
Ficou demonstrado que o tempo criado pela resistência portuguesa, que poderia ter sido utilizado pelo governo da ditadura para encontrar soluções políticas, fora em vão perante esta nova dinâmica interna e internacional.
O Ocidente já há muito tinha compreendido, e posto em prática, toda uma forma de exploração neo-colonial adaptada às novas realidades e interesses das antigas potências coloniais.
Colhiam-se agora os frutos económicos das ex-colónias sem os custos em vidas e fazenda de todo um retrógrado aparelho colonial.
Portugal não dispunha (como fora reconhecido por Salazar) nem de poder político, económico, industrial, militar ou sequer demográfico, para participar nesta luta.
As colónias não se venderam, na perspectiva do ditador, para mais tarde acabarem por ser dadas ao… desbarato!
Que complexos de culpa, ou de inferioridade internacional, terão levado à afirmação comissieiras….” descolonização exemplar?"
Nenhum dos aliados tradicionais de Portugal se poderia considerar “exemplar” nas suas políticas de descolonização. Não o foram nem nunca sentiram necessidade “moral” de o ser.
Exemplar perante as duas super potências da época? Os Estados Unidos com intervenções continuas, nem sempre pacíficas, nos novos países quando estes não favoreciam os seus interesses económicos ou políticos? A União Soviética com um dos maiores impérios coloniais dos tempos modernos, mas dispondo sempre, segundo alguns, do monopólio da “exemplaridade?" Exemplar perante uma China que já então caminhava, lenta mas consequentemente, para a China de hoje que ocupa em África muitos dos “vazios” exemplarmente criados?
Curiosamente, enquanto muitos apontam algumas figuras “de cartaz”, tanto militares como políticas, a responsabilidade coletiva dos elementos da Comissão Coordenadora do MFA tem sempre passado… ”entre os pingos da chuva", independentemente das violentas cambalhotas políticas que alguns deles fizeram posteriormente.
A descolonização era imprescindível e historicamente irreversível. Delegados às negociações, baseadas nos interesses nacionais e não em agendas partidárias ou complexos internacionais, não estiveram presentes. Exemplarmente.
Um abraço do J. Belo
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