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quinta-feira, 14 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25270: Memórias cruzadas: Referência ao António Lobato (1938-2024) em mensagem de 'Nino' Vieira para Aristides Pereira, em 1963 (voltariam a encontrar-se 36 anos depois, em Bissau)



António Lobato (1938-2024), maj pil av ref: no cativeiro (maio de 1963 / novembro de 1970) sempre recusou a liberdade em troca da denúncia, aos microfones da rádio, da guerra colonial. Mas em carta  à  mulher, datada de Kindia, 22/5/65, escreveu: (...) "Houve momentos de fraqueza em que quse me arrependi de ter recusado essa liberdade, hoje porém agradeço a  Deus o ter-me dado a força necessária para resistir" (pág. 125).


1. Releia-se a notável descrição do encontro do António Lobato com o já então  mítico  'Nino' Vieira, escassos dias a seguir à sua captura: vd. páginas de "Liberdade ou evasão:  o mais longo cativeiro de guerra", 1ª ed.  Amadora, Erasmos Editora, 1995, pp. 62/64).

(...) " Diz então, como quem se gaba dos poderes absolutos que detém, que poderia reenviar-me para Bissau ou que poderia até matar-me, mas que não irá fazê-lo pelo facto de há quinze dias atrás, ter recebido ordens de Amílcar Cabral, para fazer prisioneiros e dirigi-los a Conacri" (...) (pág. 63). (vd. no ponto 2 um excerto mais completo.)

'Nino' Vieira em mensagem posterior a Aristides Pereira, que a seguir se transcreve, faz referència a este encontro (no seu "quartel-general" em Darsalame):

(...) "Recebi a vossa carta com o  n/ camarada Seni, no qual tomei conhecimento de que o tal piloto  [António Lobato]  mudou da ideia que tinha quando  [se]  encontrava em n/ poder cá  dentro."... 

Segundo o tratamento arquivístico desta correspondència, pela Fundaçáo Mário Soares, isto queria dizer: "Recusa do piloto [António Lobato] de prestar uma declaração contra a guerra colonial"... 

É a única referència ao António Lobato que encontrámos até agora no Arquivo Amílcar Cabral. (*)

 Lemos no "Observador", num trabalho da jornalista Tânia Pereirinha,   que o Lobato e o 'Nino' voltariam a encontrar-se mais tarde, em Bissau, em 1999, trinta e seis depois:

(...) "Foi por isso mesmo que, em 1999, quando o então Presidente guineense Nino Vieira o convidou para almoçar, António Lobato não pensou duas vezes. Ao longo de um par de horas, conversaram e recordaram os tempos em que um tinha estado à guarda do outro. Dias depois, quando fez check-out do Hotel 24 de Setembro, a funcionar no local onde décadas antes tinha sido a messe dos oficiais portugueses em Bissau, o piloto descobriu que a sua estadia já tinha sido paga — nada menos do que pelo primeiro Presidente da República da Guiné Bissau.

“Depois, quando perdeu o mandato, fugiu da Guiné e veio para Portugal, os jornalistas perguntaram-lhe se tinha cá alguém conhecido e ele respondeu: ‘Tenho um amigo, o Lobato!’”, continua a recordar. “Isto não cabe na cabeça de ninguém, mas para ele eu era um amigo, um conhecido.” (...)



Camarada Aristides: 
Recebi a vossa carta com o  n/ cama-
rada Seni, no qual tomei conheci-
mento de que o tal piloto  [António Lobato] 
mudou da ideia que tinha
quando  [se]  encontrava em n/ poder cá 
dentro.

Junto segue com o Djaló
a camarada Ernestina [Titina]   Silá e
mais dois empregados, um da Casa
Gouveia e o outro da S.C. U.  [Sociedade Comercial Ultramarina].

Seguem mais três rapazes, que
devem apresentar os seus nomes,  [os] dos



seus pais, e mais 
 [h]abilitações que 
têm,  Todos eles têm [-se] dedicado muito 
bem no Partido. Um deles estva já
 [h] á 9 meses no mato juntamente 
connosco.

Como sabes,aqui encontra-
-se também nalús e sossos, mas
 [na sua maior] parte não têm instru-
ções necerssárias. 

Junto segue nomes de camaradas Jugaré Natchuta,
Quecife Nina, Sebastião Monteiro, 
Silvina Vaz da Costa, António
Araújo ou Insemba Juboté, Jaime
Nandia, filho da Jubana.



Agradeço fazer voltar Djaló ou o
seu companheiro [o]  mais depressa 
possível porque estamos com falta
de munições.

Tenho a participar do ataque 
feito a Calaque [na]  área de Cacine,
sob o comando do camarada 
Corona.  Um grupo dos nossos 
militantes teve um recontro 
com as forças portuguesas onde 
conseguiram  [a]bater 17 soldados e
um ferido. Esse recontro foi
no dia 13 às 19h30. Caíram





do nosso lado os camaradas Iembaná  [?] 
Fuam de Cassumba en Nhina;
Tunqué Nhaberama
e Tunga Naquedama que fica-
ram feridos.

Agradeço aumentarmos  [sic] mais materiais
para poder manter a nossa posição
defensiva em toda a área.

O que precisamos mais é de metra-
lhadoras ligeiras e pesadas. Mesmo
que mais 20, temos homens suficientes
para pegarem nelas. Do camarada
Marga  [nome de guerra de 'Nino' Vieira] .



 [Nomes propostos por 'Nino' Vieira, para;] 

Estado (sic) de segurança: Ingaré Natchuta,
Sebastião Monteiro,
Quecife Naina,

Bolsas de estudo:

Orlando Paulo Trindade,
António Tambó Nhanque,
Jaime Nandaim, filho de Iembaná  [?],
Ernestina [Titina]   Silá,
Gilda Silá,
Silvina Vaz da Costa,
Celestina Marques Vieira, minha irmã"] 

Cooperativas:

António Araújo ou Insemba Juboté,
Mamadu Camará,
Cristiano Vieira.




Agradeço mandar-nos oferecer 
capas e relógios e películas.

Marga

(Seleção, revisão / fixação de texto / negritos / parènteses retos: LG)

Fonte: Casa Comum | Instituição:Fundação Mário Soares | Pasta: 04613.065.057 | Assunto: Recusa do piloto [António Lobato] de prestar uma declaração contra a guerra colonial na Guiné. Participa que seguem com o camarada Djalo e Ernestina Silá, dois empregados da Casa Gouveia, um empregado da Sociedade Comercial Ultramarina e três rapazes. Nalús. Falta de munições. Comunica o ataque em Calaque (Cacine) sob o comando de Corona (Ansumane Sanha II). Segurança. Bolsas de estudo. | Remetente: Marga (Nino Vieira) | Destinatário: Aristides Pereira | Data: s.d. | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Correspondência 1963-1964 (dos Responsáveis da Zona Sul e Leste) | .Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Correspondencia |

Citação (s.d.), Sem Título, Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_39139 (2024-3-14)



Guiné > s//l> s/d c. José Araújo e Nino Vieira, membros do Conselho Superior da Luta [José Araújo estava encarregue de acompanhar a delegação da UIE  c- dezembro de 1970 / janeiro de 1971].

Citação: Mikko Pyhälä (1970-1971), "José Araújo e Nino Vieira", Fundação Mário Soares / Mikko Pyhälä, Disponível HTTP: http://www.casacomum.org/cc/visualizador?pasta=11025.008.026 (2024-3-14) (com a devidfa vénia...)
   


2. Vale a pena reproduzir a descrição mais completa o Lobato faz deste encontro como 0 'Nino' (excertos das pp.  62/64, da 1ª edição,  com a devida vénia):

(...) Uma vez do  outro lado [do rio Cumbijã ?]  encetamos uma marcha de cerca de duas horas,  através de uma zona pantanosa, enterrados na lama até meia perna. Paramos numa área a que chamam Dar-es-Salam  [Darsalame] , onde se encontra o acampamento do comandante da guerrilha da zona Sul, Nino Vieira.

Sentado no tronco seco de uma árvore, o jovem chefe guerrilheiro, vestido de caqui verde escuro, pés nus e espartilhados por sandálias de plástico, braços ornamentados com grossos anéis de madeira e couro, um pedaço de couro pendurado ao pescoço com uma tira de cabedal, mais parece a estátua inerte de um deus negro expulso do Olimpo, do que o temível turra a quem todos obedecem, porque é “imune às balas do tuga”.

À minha chegada, o chefe levanta-se e olha-me de frente durante alguns instantes, sem pestanejar e  sente-se de novo. Só então a sua voz quase feminina se faz ouvir: “senta”, diz ele.

Embora esteja farto de saber o motivo por que ali me encontro, convidam a fazer o meu próprio relato dos acontecimentos. Quando termino pergunta-me o que pretendo ao que eu respondo, voltar para casa

Diz então, como quem se gaba dos poderes absolutos que detém, que poderia reenviar-me para Bissau ou que poderia até matar-me, mas que não irá fazê-lo pelo facto de há quinze dias atrás, ter recebido ordens de Amílcar Cabral, para fazer prisioneiros e dirigi-los a Conacri,

A seguir, questiona-me sobre a minha família e fica a saber que sou casado há seis meses e que a minha mulher está em Bissau. Tira, então, do bolso da camisa um pedaço de papel e uma esferográfica. Estende-mos e diz que se quiser posso escrever uma carta à minha mulher que ele garanta sua entrega.

Não acredito nas suas palavras, mas como não tenho nada a perder, escrevo meia dúzia de linhas e de devolvo lhe o papel que ele repõe cuidadosamente no bolso (sete  anos e meio mais tarde, venho a saber que a carta foi entregue à minha mulher em Bissau, por um guerrilheiro que aí se deslocou durante a noite).

Passo três dias no acampamento de Nino Vieira, sem que alguém se atreve a molestar-me ou mesmo dirigir-me palavras insultuosas, como aconteceu nos dias anteriores.

O próprio Chefe. apesar da sua frieza no trato, esforça-se por demonstrar uma certa amabilidade, embora a carapaça endurecida por um embrear diário com a morte,  frustre as suas intenções de cordialidade. Ambos reconhecemos que existe entre  uma espécie de comunicação primária que denuncia a existência de um respeito mútuo.

(…) Neste quartel-general (um acampamento idêntico ao da ilha do Como) há uma movimentação constante de grupos de guerrilheiros que vão e vêm. É impossível determinar os efetivos reais desta força, sempre em movimento.

Ao contrário das noites silenciosas dos outros acampamentos, por onde passei,  aqui, a atividade noturna parece ser mais intensa que a diurna. Dorme-se pouco, fala-se também a voz, não se veem fogueiras. O pouco que há para comer, aparece quente. (…)

(Seleção, revisão / fixação de texto / negritos e itálicos: LG)

quarta-feira, 28 de fevereiro de 2024

Guiné 61/74 - P25222: Memórias cruzadas: A Op Safira Solitária (em que o PAIGC sofre um dos maiores reveses da guerra, no Morés) e o delirante comunicado, em francês, do Amílcar Cabral em que fala de uma derrota amarga dos colonialistas portugueses, incluindo a morte de 102 militares e o suicidio do... comandante da operação, que foi o major comando Almeida Bruno



Amílcar Cabral (1924-1973) > c. 1970 >  Foto  do líder histórico do PAIGC, incluída em O Nosso Livro de Leitura da 2ª Classe, editado pelos Serviços de Instrução do PAIGC  (1970)... O "culto da personalidade" com a ajuda dos amigos suecos (mas também italianos, franceses, etc.)...

O homem que assina o comunicado de 4 de janeiro de 1972 não podia ser um tipo "inteletualmente honesto"...  Aceitava "acriticamente" todas atoardas que os seus comandantes no mato lhe faziam chegar a Conacri, incluindo a notícia (manifestamente exagerada...) do suicídio do major comando Bruno de Almeida, futuro cmdt do Batalhão de Comandos da Guiné, de 2 de novembro de 1972 a 27 de julho de 1973... 

Neste comunicado (vd. abaixo), o Amílcar Cabral, em desespero de causa, transforma um dos maiores desaires militares do PAIGC, no coração das "áreas libertadas" (o mitico Mores) numa heróica vitória do seu povo em armas... Mas era assim que se construíam os mitos revolucionários naquele tempo....

O então capitão Almeida Bruno, ajudante de campo do gen Spínola, fotografado no decorrrer da Op Ostra Amarga, na mata da Caboiana, em 18 de outubro de 1969. (Foto do arquivo do Virgínio Briote, reproduzida, a preto e branco, na pág. 223, do livro de memórias do Amadu Djaló).


1. Comunicado original, em francês, datilografado, a 2 folhas, datado de 4 de janeiro de 1972, e assinado pelo Secretário Geral, Amílcar Cabral (tradução, revisão e fixação de texto: LG)



PAIGC - Comunicado

O governo português, por intermédio do Estado Maior das tropas colonialistas no nosso país,  tornou público, no dia 29 de dezembro último, um "comunicado especial", relativamente aos resultados de uma operação designada "Safira Solitária" ("Saphir Solitaire", em francês), lançada contra a zona libertada do Morés, no centro-norte, a cerca de 50 km de Bissau.


Este comunicado especial, ao mesmo tempo que reconhece que as tropas colonialistas tiveram 61 baixas no decurso da operação, vêm fazer elogios à ação e à "técnica avançada" dos nossos combatentes, ao mesmo tempo que pretende fazer crer que se trata de grupos infiltrados do Senegal, enquadrados por cubanos e "mercenários estrangeiros africanos".

 Estamos perante uma tentativa desesperada, da parte do Estado Maior colonial e particularmente do governador militar, de esconder a amarga derrota, infligida às tropas colonialistas pelas nossas forças armadas e pelo povo em armas.


Convém esclarecer, em primeiro lugar, que o Sector do Morés, onde a luta armada foi desencadeada em julho de 1963, é uma zona libertada desde 1964, em que a organização do Partido e do nosso Estado em desenvolvimento é uma das mais sólidas.

É neste  sector que o escritor francês Gérard Chaliant assim como os cineastas e jornalistas Mario Marret e Isidro Romero (franceses), Piero Nelli e Eugenio Bentivoglio (italianos), Justin Vyera, Justin Mendy e Mamlesa Dia (africanos), Oleg Ignatiev (soviético), Nicolai Bozev (búlgaro) e tantos outros, rodaram os seus filmes e fizeram reportagens bem conhecidas da opinião mundial, nomeadamente europeia.

Lembremos, além disso, que o dito "Comunicado Especial" afirma que, durante os combates, as forças armadas regulares do nosso Partido estavam reforçadas por mais de 300 elementos da milícia popular, a qual, no quadro da nossa organização, é uma força armada local integrada pelos camponeses e camponesas do sector.


Com base nos relatórios recebidos do Comando da Frente Norte e do sector do Morés, assim como em informações provenientes de Bissau e Mansoa, estamos em condições, neste momento, de esclarecer a opinião pública sobre o que se passou no sector do Morés, entre 20 e 26 de dezembro último.

Face à intensificação da acção dos nossos combatentes que, em dezembro, tinham atacado por por diversas vezes todos os campos fortificados do centro-norte do país, nomeadamente


as cidades de Farim e Mansoa, e as importantes guarnições de Bissorã e Olossato, o Estado Maior colonialista convenceu-se que nós estávamos a preparar uma ação mais ampla por altura do fim do ano, nomeadamente um novo ataque contra a capital.

Foi tomada então a decisão de desencadear uma operação de grande envergadura contra as nossas forças na região, em particular no sector do Morés, conhecida como uma base importante,


Assim, na manhã de 20 de dezembro, vários contingentes de tropa colonialista, estimados em cerca de 800 homens, saídos dos quartéis da região, e dos comandos especiais helitransportados de Bissau, penetraram no sector do Morés, vindos de várias direcções, depois de um bombardeamento aéreo intensivo.

No decurso de vários reencontros e emboscadas realizadas tanto pelos combatentes das nossas forças armadas regulares como pelas forças armadas locais e o povo armado, a tropa colonial foi posta em debandada, tendo vindo em seu socorro os aviões a jacto, e helicópteros para evacuar os mortos e os feridos.

Os nossos combatentes mataram 102 militares inimigos, tendo ferido


várias dezenas. Os hospistais de Bissau transbordaram com a chegada de feridos, de tal modo que não havia lugar para todos. O comandante português que dirigiu a operação dita "Safira Solitária", suicidou-se.

Os colonialistas portugueses  sabem muit0 bem (e estes resultados mostraram-no mais uma vez) que, se é fácil dar às suas operações uma designação de estilo nazi, o nosso povo não tem necessidade de recorrer a combatentes ou a quadros não nacionais,  para transformar estas operações em amargas derrotas.


Noite de 4 de janeiro de 1972, 
Amílcar Cabral, Secretário Geral


Comunicado PAIGC, datilografado, a duas págimas, redigido em francês, datado da noite de 4 de jneiro de 1972, e assinado pelo Secretário geral Amílcar Cabral

Fonte: Casa Comum |  Instituição: Fundação Mário Soares |  Pasta: 07197.160.006 | Título: Comunicado do PAIGC analisando os resultados da operação "Safira Solitária" | Assunto: Comunicado assinado por Amílcar Cabral, Secretário Geral do PAIGC, analisando os resultados da operação "Safira Solitária" lançada contra o sector de Morés, cujos dados foram divulgados pelo Estado Maior do Exército Português num comunicado especial. | Data: Terça, 4 de Janeiro de 1972 | Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Documentos. | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Documentos. Citação (1972), "Comunicado do PAIGC analisando os resultados da operação "Safira Solitária"", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_42402 (2024-2-28)


2. Despacho da Agência Lusitânia, datada de Bissau, 29 Dez 1971 (não nos foi possível encontrar este comunicado das Forças Armadas na imprensa de Lisboa, e em especial no "Diário de Lisboa", neste dia e dias imediatos)

 
BISSAU, 29 Dez 1971  - Comunicado especial do Comando-Chefe das Forças Armadas da Guiné: 

"Numa das mais importantes operações militares realizadas no Teatro de Operações da Guiné, as forças guerrilheiras acabam de sofrer um expressivo revés.

"Desde Outubro, final da 'época da chuvas',  que o Comando, através dos seus orgãos de pesquisa,  vinha acompanhando os movimentos de infiltração do inimigo nas florestas da área do Morés, situada no norte da Província, tendo lançado algumas operações de diversão com vista a criar no inimigo uma falsa sensação de segurança que o levasse a continuar a concentrar meios na referida área,  o que efectivanente se verificou. 

"A crescente adesão das populações à causa nacional permitiu que,  através de informações seguras e detalhadas, colhidas no seio do próprio dispositivo inimigo, se localizassem exactamente as posições inimigas e se completasse o conhecimento do esquema da sua denominada 'Ofensiva do Natal' e definida nos seguintes termos constantes em documentos apreendidos: Oposição a todo o custo ao asfaltamento das estradas Mansoa - Bissorâ e Bula- Bissorâ - Olossato; desencadeamento dum conjunto de acções ofensivas na quadra do Fim de Ano sobre as povoações mais importantes da área, nomeadamente Bissorã, Mansoa, Olossato, Mansabá e sobre todos os novos aldeamentos. 

" De posse de todos os elementos foi planeado, no maior sigilo, uma grande operação visando envolver, cercar e aniquilar as forças de guerrilha concentradas na referida área fulcral do Morés.  Montada a operação, denominada 'Safira Solitária', foi esta levada a efeito por unidades da força africana e teve início ao alvorecer do dia 20,  prolongando-se até à tarde do dia 26,  tendo as nossas forças sido guiadas na floresta por elementos das populações da área pertencentes à nossa rede de informações que conhecia a localização precisa das posições inimigas. 

"Apesar de colhido de surpresa,  o inimigo estimado em 6 bigrupos, 2 grupos armados de armas pesadas instalados em posições fortificadas e cerca de 333 elementos armados da milícia popular, opôs durante os três primeiros dias tenaz resistência,  acabando todavia por ser desarticulado e aniquilado, tendo sofrido 215 mortos confirmados, entre os quais três cubanos, e alguns mercenários estrangeiros africanos, 28 capturados, além de apreciável número de feridos. Segundo declarações dos capturados, encontravam-se na área pelo menos mais 4 elementos cubanos. 

"Verificou-se que o inimigo estava implantando no Morés um sistema de fortificação de campanha do qual se destacavam espaldões para armas pesadas e abrigos subterrâneos para pessoal. Os grupos de guerrilha, pela resistência que ofereceram,  revelaram uma sensível melhoria de enquadramento e uma técnica mais avançada de guerra de posição. 

"No decurso da operação foi capturado o seguinte material: 1 canhão sem recúo B-10, 2 morteiros de 82 mm, 2 morteiros de 60mm, 3 metralhadoras pesadas Goryonov, 7 lança-granadas RPG-7, 14 espingardas automáticas Kalashnikov, 38 espingardas semi-automáticas Simonov, 8 espingardas Mosin Nagant, 14 pistolas metralhadoras PPSH, além de avultado número de armas de repetição, de cunhetes de munições, fitas e carregadores, destruídos no local por desnecessárias. 

"As nossas forças sofreram 8 mortos, 12 feridos graves e 41 feridos ligeiros." 

_____________

Nota do editor:

sexta-feira, 26 de janeiro de 2024

Guiné 61/74 - P25111: Memórias cruzadas: pistolas Walther P38 alegamente capturadas ao nosso exército, e distribuídas ao pessoal do PAIGC, ainda antes do início oficial da guerra... (José Macedo, ex-2º ten fuzileiro especial, RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74, a viver agora nos EUA)



A pistola Walther, P38, de 9 mm, de origem alemã, foi adoptada pelas nossas Forças Armadas, em 1961, como pistola 9 mm Walther m/961, vindo substituir a Parabellum.
Foi desde logo utilizada na guerra colonial em África (nova versão P1).  




Declaração: 
"Nós, abaixo assinados, declaramos que da mão do nosso camarada Pascoal recebemos duas pistolas marca Walther, números 770809 e 241113, com quatro carregadores 100 balas (sic) 
com cinquenta cada um.

Koundara, 3 de novembro de 1961
aa) Braima Solô (?) | Adbul Djaló


Declaração: 
"Nós, abaixo assinados, declaramos que da mão do nosso camarada Pascoal recebemos duas pistolas marca Walther, números 220868K e 214492K, com quatro carregadores 100 balas (sic) 
com cinquenta cada um.

Koundiara, 3 de novembro de 1961
aa) Pedro Gomes Ramos | Hilário Gapar Rodrigues



Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares | Pasta: 07068.099.028 | Título: Declaração de recepção de pistolas | Assunto: Declaração assinada por Pedro Ramos, Hilário Gaspar Rodrigues, Braima Sôlô e Abdul Djalo, acusando a recepção de pistolas Walther. | Data: Sexta, 3 de Novembro de 1961 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral |Tipo Documental: Documentos | Página(s): 1

Citação:
(1961), "Declaração de recepção de pistolas", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41059 (2024-1-25)



Pistolas Walther, e respetivos números, alegadamente capturadas ao exército português pelo PAIGC. S/d, s/l.

Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares |  Pasta: 07056.009.011 | Título: Pistolas Walther nas Zonas 4, 7 e 8 | Assunto: Números de série de pistolas Walther [capturadas ao exército português] nas Zonas 4, 7 e 8. | Data: s.d.Observações: Doc. Incluído no dossier intitulado Material militar (com manuscritos de Amílcar Cabral).Fundo: DAC - Documentos Amílcar CabralTipo Documental: Documentos-

Citação:
(s.d.), "Pistolas Walther nas Zonas 4, 7 e 8", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40992 (2024-1-25)




Pistolas Walther, para a Zona 11: "P38 9mm | 346 k ac 44 | 3375 d c/ 160 b(alas) | Data: 6/10/1962.


Fonte: Casa Comum | Fundação Mário Soares ! Pasta: 07056.009.021 | Título: Pistolas Walther para a Zona 11 | Assunto: Pistolas Walther para a Zona 11.| Data: Sábado, 6 de Outubro de 1962 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabrall | Tipo Documental: DocumentosPágina(s): 2


Citação:
(1962), "Pistolas Walther para a Zona 11", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41002 (2024-1-25)


(Com a devida cénia...)


  
1. Mensagem do nosso amigo e  camarada José Macedo  (ex-2º tenente fuzileiro especial, RN, DFE 21, Cacheu e Bolama, 1973/74; nasceu na Praia, Santiago, Cabo Verde, em 1951; vive nos Estados Unidos, onde é advogado; é membro da nossa Tabanca Grande desde 13/2/2008):

Data - quinta, 23/03/2023, 21:31
Assunto - Pistolas Walther


Boas noites, camarada. Espero que lá em casa estejam todos de saúde (parece as cartas do 'Nino' ao Aristides Pereira).

Tenho passado algum tempo a ler,  na Casa Comum, o Arquivo Amilcar Cabral,  e tenho encontrado alguma correspondência em que eram enviadas pistolas Walther para as diferentes Frentes. E como cada pistolas tinha o seu número de série, fico curioso em saber se seria possível identificar as  unidades a que  pertenciam as pistolas que foram capturadas.

Um abraço,

Zeca Macedo

2. Comentário de LG:

Vai ser muito difícil, se não impossível,  a alguém (incluindo o nosso especialista em armamento, o Luís Dias) (*) dar-te uma ajuda no esclarecimento desta questão... 

Tendo em conta o ano (1961 e 1962), mas também a quantidade (nos documentos acima repriduzidos são duas dezenas), é de todo imprável que estas pistolas Walher tenham sido capturadas pelo PAIGC ao exército português... 

De facto, não consta que tenha sido assaltado por forças do PAIGC (ainda PAI)  algum depósito de armamento em Bissau ou  esquadra de polícia e, muito menos, algum aquartelamento no mato (ainda havia poucos), no início dos anos 60...

E mesmo que fossem pistolas do exército português, só eventualmente no Arquivo Histórico-Militar, e com muita sorte, se poderia encontrar uma lista dessas armas "capturadas pelo IN", com os respetivos números de série... Enfim, seria como encontrar uma agulha num palheiro...  

O mais provável é estas pistolas Walther P38 (a nossa era já a P1) terem entrado clandestinamente na Guiné-Conacri, oriundas de Marrocos ou terem sido  compradas no "mercado negro" (lembro-me de Luís Cabral ter falado nisso, nas suas memórias)... Terão equipado os primeiros comandantes e comissários politicos como nosso conhecido Pedro Ramos, irmão do Domingos Ramos, que andavam a fazer trabalho essencialmente político (propaganda, recrutanento e organização) no interior do território) e ações de sabotagem ... 

O PAIGC oficialmente começou a guerra (dos tiros)  em 23 de janeiro de 1963, com um ataque a Tite.  No meu tempo (1969/71), eles já usavam a pistola russa Tokarev (a CCAÇ 12 apanhou uma a um guerrilheiro: vd foto a seguir)...

De qualquer modo, obrigado pela tua questão. Pode ser que algum camarada tenha mais alguma informação adicional. (**)



Uma pistola de origem soviética, Tokarev, de 7,62, igual ou parecida à que que foi apreendida ao guerrilheiro Festa Na Lona, na Ponta do Inglês, no decurso da Op Safira Única ... Pelo que me recordo, esta pistola ficou à guarda do Alf Mil Abel Maria Rodrigues, comandante do 3º Grupo de Combate, que a tomou como "ronco"... Não sei se a conseguiu trazer para o Continente e legalizá-la... Ao que parece, esta arma teve a sua estreia na Guerra Civil de Espanha, em 1936, nas fileiras do exército republicano, estando distribuída a pilotos e tripulações de tanques, entre outros... (LG).

Fonte: © Kentaur, República Checa (2006)(com a devida vénia...)
 (link descontinuado:
 http://www.kentaurzbrane.cz/shop/images/sklady/tokarev.jpg )

_________________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

(...) A pistola Walther P-38 é uma arma semi-automática, com origem na Alemanha (fábrica Carl Walther), datada originalmente de 1938 e foi a substituta da Luger, como a principal pistola alemã da IIª Guerra Mundial, com provas dadas em diversos teatros de guerra. Em meados dos anos 50, foi seleccionada para equipar o novo Exército da RFA e, com ligeiras alterações, passou a denominar-se P1 e é este modelo que veio para Portugal, passando a ser a pistola das guerras de África. (...)

(**) Último poste da série >  16 de janeiro de  2024 > Guiné 61/74 - P25076: Memórias cruzadas: o que o PAIGC sabia sobre Bubaque, em 1969... "O antigo governador Schulz ia lá de vez em quando, com outros militares e algumas mulheres. O atual governador nunca lá esteve morado. Foi só visitar."...

quinta-feira, 19 de outubro de 2023

Guiné 61/74 - P24771: Ataques ou flagelações com foguetões 122 mm: testemunhos (5): Quem mente, o Paulo Santiago ou a "Maria Turra" ? Ainda a flagelação a Aldeia Formosa, no fim de semana de carnaval de 1971


Página 1 de um documento de 2 pp, do PAIGC, "Acções do PAIGC: Artilharia"

Fonte: Portal Casa Coum |  Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 07198.168.083 | Título: Acções militares do PAIGC - Fevereiro de 1971 | Assunto: Acções militares do PAIGC - Fevereiro de 1971. Artilharia. Emboscadas, minas, assaltos. | Data: Fevereiro de 1971 ! Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Militar / Comunicados de Guerra 1971. Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral  

Citação:
(1971), "Acções militares do PAIGC - Fevereiro de 1971", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40307 (2023-10-19) 

Edição e reprodução neste blogue. com a devida vénia...


1. Nem sempre a "Maria Turra" (Amélia Araújo,  angolana, que hoje, ainda a ser viva, será "uma simpática velhinha", a viver em Cabo Verde,  com os seus quase 90 anos) dizia "mentiras" ou "só mentiuras"... 

Seguramente que este comunicado do PAIGC (vd. documento acima) passou pelos microfones da Rádio Libertação (um potente emissor oferecido pelos suecos), que emitia a partir de Conacri... E deve ter sido lido e relido por ela...

Em todas as guerras as "Marias Turras", de um lado e do outro,  contam contos e acrescentam-lhe uns pontos...  A propaganda faz parte da guerra, de um lado e do outro. Senore fez e é com mais mais importante... 

Neste caso, o PAIGC diz que atacou ou flagelou com o sistema "Grad" (foguetões 122 mm), em fevereiro de 1971, seis localidades e/ou aquartelamentos, incluindo Quebo (ou Aldeia Formosa), no dia 20...

Há uma pequena discrepância na data, na versão do Paulo de Santiago (*), quando confrontada com a da "Maria Turra": 20 ou 22 de fevereiro de 1971? A terça feira de carnaval desse ano foi a 23 de feveriro, portanto a segunda foi a 22, domingo 21, sábado 20... 

Na versão da "Maria Turra", Quebo / Aldeia Formosa foi atacada com o "Grad" a 20 (sábado) e a 22 (segunda feira) com "artilharia" (canhão s/r, morteiro...).

Dia  6, Gadamael: "Grandes destruições; ao fugir do quartel, o inimigo caiu numa emboscada e teve muitas baixas" (sic);

Dia 7, Encheia;

Dia 12, Catió;

Dia 20, Quebo: "todos os obuses atingiram o objectivo" (sic);

Dia 21, Susana; "o inimigo ao fugir do quartel, caiu numa emboscada, sogrendo muitas baixas" (sic);

Dia 25, Cabuca. 

Na altura ainda estava em Aldeia Formosa, sede do Sector S2, BCAÇ 2892, rendido em 26 de agosto de 1971, pelo BCAÇ 3852

A CECA (2015) (**) não faz especial referência a esta flagelação a Aldeia Formosa, com o "Grad" (a 20) e com  "artilharia" (a 22/2/1971)... (Refere, sim, 4 flagelações com foguetões 122 mm em agosto de 1971, certamente de boas vindas aos "periquitos" do BCAÇ 3852 e de despedida ao "velhinhos" do BCAÇ 2892)...

De qualquer modo, o Paulo Santiago estava lá, a 12 km de distância, nesse fim de semana de carnaval de 1971, e viu os "Katyusha" a passar sob o céu do rio Corubal, e a "Maria Turra", essa, estava em Conacri, a mais de 400 km... 
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(**) Vd. Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6º volume: aspectos da actividade operacionaç Tomo II: Guiné, Livro III, Lisboa: 2015.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23286: Bom dia, desde Bissau (Patrício Ribeiro) (25): Cacheu, restos que o império teceu... - II (e última) Parte


Foto nº 1 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu >  Cacheu > O que resta do Monumento em homenagem do "V Centenário da Morte do Infante Dom Henrique [1460-1960]... Nas proximidades fica a antiga Casa Gouveia, agora comvertida em Memorial da Escravatuar e do Tráfico Negreiro.


Foto nº 2 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu > Cacheu > "Este monumento ...em que a pedra não está a aguentar...como nós", escreve o Patrício com fina ironia...


Foto nº 3 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu >  Cacheu > Forte de Cacheu (séc- XVIII) > Aspecto parcial, com alguns dos 16 canhões de bronze...


Foto nº 4 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu >  Cacheu >  Forte de Cacheu (séc. XVIII): exterior e porto


Foto nº 5 > Guiné > Bissau > Região de Cacheu >  Chacheu > Memorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro >  O museu foi inaugurado em 8 de julho de 2016... mas já apresenta sinais de degradação (manchas de salitre nas paredes interiores, por exemplo, visíveis nesta foto...) > O grande mentor deste projeto museológico foi o nosso amigo Pepito (1949-2014) que já não viveu para poder assistir á sua inauguração. É aqui lembrada por uma foto (da autoria de Luís Graça: Lisboa, Escola Nacional de Saúde Pública / Universidade de Lisboa, 2006...e tal como o retratado, a palmeira também já não existe...)... Na foto à sua direita, o antigo edifício da Casa Gouveia, em ruínas, que foi recuperado para nele ser instalado este museu. 

O projeto da construção deste memorial, dando continuidade ao projeto Percurso dos Quilombos, recebeu um financiamento da União Europeia e  resultou dos esforços e colaboração da ONGD guineense Ação para o Desenvolvimento (AD), da Associazione Interpreti Naturalistici (AIN), de Itália, da COAJOQ, Cooperativa Agropecuária de Jovens Quadros e a Fundação Mário Soares.

Fotos (e legendas): © Patrício Ribeiro (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Segunda (e última) parte de um conjunto de fotos que nos foram enviadas recentemente pelo nosso colaboador permanente Patrício Ribeiro (Bissau), sobre a cidade do Cacheu e os restos da presença portuguesa (*). Fotos tiradas no domingo, dia 15 de maio, no Cacheu onde esteve em trabalho.

Sobre o Mmeorial da Escravatura e do Tráfico Negreiro, em Cacheu, ver aqui um excerto de página da UCCLA:

 Guiné-Bissau, Cacheu > Inaugurado memorial de escravatura em Cacheu

A cidade de Cacheu (Membro Efetivo da UCCLA), no norte da Guiné-Bissau, conta, desde o dia 8 de julho, com um memorial dedicado à escravatura e tráfico negreiro, erguido num edifício em ruínas cujas obras de reabilitação foram custeadas pela União Europeia.

O memorial consiste num pavilhão multiusos, salas de formação, residência para investigadores e um museu que preserva alguns artefactos que marcavam o dia-a-dia dos escravos. A população de Cacheu contribuiu com os artefactos - colheres de cozinha, tachos, correntes, ferros que serviam para marcar os escravos depois de passados em lume, chicotes - que podem ser contemplados no museu.

A iniciativa é da organização guineense Acão para o Desenvolvimento (AD), com apoios de várias organizações locais e internacionais, nomeadamente a Fundação Mário Soares de Portugal que forneceu técnicos para a reabilitação arquitetónica do antigo edifício da Casa Gouveia hoje transformado no memorial.

O memorial foi apresentado como sendo um espaço que visa "valorizar a memória de uma realidade que marcou profundamente os países africanos e ainda hoje permanece com grande acuidade nas sociedades dilaceradas pelo tráfico negreiro".

A ideia da construção do memorial foi iniciada pela AD em 2010, no âmbito do projeto Percurso dos Quilombos, sempre contando com o apoio financeiro da União Europeia, dai que o representante desta comunidade na Guiné-Bissau, Vítor dos Santos, tenha enaltecido o trabalho realizado até aqui. "O memorial inicia hoje um longo caminho representando um elemento de união entre o presente e o passado e o futuro da comunidade em seu território bem como uma ligação com outros territórios (...) Estados Unidas, o Canada e o Brasil na perspetiva da compreensão da própria historia e da construção da memória histórica".

O ministro guineense da Cultura, Tomas Barbosa, disse que o memorial deve ser usado como um chamariz para os descendentes de escravos para que possam voltar à terra dos seus antepassados. (...)

Fonte: Excertos de UCLA - União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa > Guiné-Bissau, Cacheu > Inaugurado memorial de escravatura em Cacheu. Publicado em 09-07-2016 (com a devida vénia...)
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Nota do editor:

quarta-feira, 16 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23083: Recortes de imprensa (121): Debate sobre a Guiné-Bissau na Assembleia Geral da ONU em plena crise petrolífera (Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973)

 

Diário de Lisboa, 23 de outubro de 1973





Citação: (1973), "Diário de Lisboa", nº 18259, Ano 53, Terça, 23 de Outubro de 1973, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_5334 (2022-3-15)

(Com a devida vénia)

Portal Casa Comum | Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 06819.169.26520 | Título: Diário de Lisboa | Número: 18259 | Ano: 53 | Data: Terça, 23 de Outubro de 1973 | Directores: Director: António Ruella Ramos | Observações: Inclui supl. "DL Economia".| Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa


1. Notícia de caixa alta do "Diário de Lisboa", do dia 23 de outubro de 1973 (*), quando estávamos em plena guerra israelo-árabe e consequente crise petrolífera... 

A Assembleia Geral das Nações Unidas, reunida em sessão plenária,  votou, em 22 de outubro, o debate de uma resolução que condenava a "ocupação ilegal" de Portugal da autoproclamada "República da Guiné-Bissau". (Em 24 de setembro de 1973, o PAIGC havia declarado unilateralmente a independência do território.)

Foi decidido colocar o assunto na agenda, por 88 votos a favor, 7 contra e 20 abstenções. Além de Portugal, Votaram contra, Bolívia, Brasil, Espanha, Estados Unidos da América, Grécia e República da África do Sul. Entre os 20 que se abstiveram contavam-se membros fundadores da NATO como  a Bélgica, o Canadá, a Dinamarca, a França, a Holanda, a Itália, o Luxemburgo, a República Federal da Alemanha e o Reino Unido.

Em 15 de outubro de 1973, a "República da Guiné-Bissau" era já reconhecida por 60 países não alinhados e do bloco soviético da Europa de Leste. O embaixador de Portugal nas Nações Unidas protestou contra a resolução, alegando que a inclusão do assunto na agenda do plenário da Assembeia Geral era uma violação da Carta das Nações Unidas, e que a pretensa Guiné-Bissau era uma "república no papel", sem um governo soberano,  sem território definido  nem população sob o seu controlo.

O representante da Arábia Saudita disse que Portugal estava "declaradamente a brincar com  os direitos de autodeterminação do povo africano", e criticou os EUA, a França e a Inglaterra por não apoiarem a resolução.

O artigo do "Diário de Lisboa", de caixa alta, baseava-se em peças de duas agências: a Reuters  (R) e a ANI, a  Agência de Notícias e Informação,  criada em 1947 pelo  até aí redactor-chefe do "Diário de Notícias", Dutra Faria, juntamente com Barradas de Oliveira e Marques Gastão. Era uma agência muito próxima do regime de Salazar.

2. Sobre a crise petrolífera de 1973, recorde-se que foi desencadeada  por um  protesto dos países árabes, com destaque para a Arábia Saudita,  pelo apoio prestado pelos Estados Unidos a Israel durante a Guerra do Yom Kippur (de 6 a 23 de outubro de 1973), um conflito particularmente sangrento com milhares de baixas de um lado e do outro. 

Como represália, os países árabes organizados na OPEP (criada em 1960 pela Arábia Saudita, Kuwait, Irão, Iraque e Venezuela) o preço do petróleo em mais de 400%. Em março de 1974, os preços nominais tinham subido de 3 para 12 dólares por barril (a preços atuais, de 14 a 58).

O Canadá, o Japão, a Holanda, o Reino Unido e os Estados Unidos foram os principais alvos do embargo inicial que se estendeu depois a Portugal, a Rodésia e a África do Sul. Os efeitos económicos e financeiros, a nível internacional, fizeram-se sentir de imediato. Por exemplo, em Portugal, o litro de gasolina super passa de 7,5 escudos para 11 escudos ( o equivalente, a preços atuais, 
a 2,32 €). Esta crise, de 1973,  ficou conhecida como o  "primeiro choque petrolífero". Outro se seguiu em 1979. (Fonte: Wikipédia  > Crise petrolífera de 1973).  

No caso de Portugal, tiveram tremendas consequências económicas, financeiras  e político-militares, que já não cabe aqui analisar, mas que vão desembocar, indiretamente,  no golpe de Estado do 25 de Abril de 1974 e no fim da guerra colonial, numa altura em que a situação militar, no terreno (incluindo na Guiné) estava longe de ser desfavorável para o exército português.
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Nota do editor:

(*) Último poste da série > 12 de fevereiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22991: Recortes de imprensa (120): A seca e os incêndios florestais fora de época... (Apontamento de Carlos Pinheiro no semanário O Almonda de Torres Novas)