sábado, 2 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24612: Convívios (970): XX Encontro do pessoal do HM 241 de Bissau, dia 7 de Outubro de 2022, em Espinho (Manuel Freitas)

C O N V Í V I O S

1. O nosso camarada Manuel Freitas (ex-1.º Cabo Escriturário do HM 241, Bissau, 1968/70), dá notícia do 20.º Encontro do Pessoal daquela Unidade de Saúde, no dia 7 de Outubro, em Espinho.

Boa tarde
Pedia o favor de anunciar o 20.º Encontro do pessoal do HM 241 - Guiné.
Será no dia 7 de Outubro em Espinho.

Contacto 964 498 832 - Freitas

Obrigado
Cumprimentos,
manuel freitas | manuel.freitas@equicontas.com

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Nota do editor

Último post da série de 17 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24559: Convívios (969): CCAÇ 3398 (Buba, 1971/73): Cinquentenário do regresso (1 set 1973): Freiriz, Vila Verde, a "terra dos lencinhos dos namorados", 2 de setembro de 2023 (José da Silva Lourenço / Joaquim Pinto Carvalho)

Guiné 61/74 - P24611: Os nossos seres, saberes e lazeres (588): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (118): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (9) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Junho de 2023:

Queridos amigos,
Não se viaja impunemente até à Antuérpia, a expectativa era enorme, ir conhecer o resultado de 11 anos de obras no interior do Museu Real de Belas-Artes, não vinha aqui desde 1991, saio daqui profundamente agradado, uma inteligente requalificação, espaços amplos, a despeito da manutenção de lugares marcados pelo classicismo do início do século XIX, lindamente restaurados. Despeço-me percorrendo uma área onde coabitam tesouros artísticos do século XV ao nosso tempo. Faço votos para regressar daqui a alguns anos, acontece até que, por falta de transportes públicos, vou agora em marcha forçada percorrer uns quilómetros até à gare rodoviária. Guardei uma imagens que vos vou mostrar. Amanhã o dia será passado em Namur, uma amiga prometeu-me um programa diversificado entre a arte e a natureza, e regresso a Bruxelas feliz e contente, ainda por cima tenho agendada mais uma visita à Feira da Ladra, nesta altura nem posso imaginar que vou comprar, no meio de enorme quinquilharia, um prato na porcelana de Meissen.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (118):
Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (9)

Mário Beja Santos

Despeço-me a custo do Museu Real de Belas-Artes de Antuérpia, a idade não perdoa, há horas a fio que ando para aqui a flanar, ainda com ingenuidade de que a memória consegue absorver todas estas amostras do génio humano. Em jeito de despedida, fujo às secções temáticas, ao tardo-gótico, aos primitivos flamengos, à arte espanhola, deixo os séculos XVII e XVIII em paz e atiro-me com a última energia ao que ainda me é possível lavar a alma entre o impressionismo e a contemporaneidade. Bem gostaria de ir pontuando obra de arte por obra de arte, só servia para entediar o leitor, a ver se reservo a grande salva de artilharia para um incontestável santo do meu culto, René Magritte. Vamos ao desfile, acabo por descobrir que entrei numa sala de exposição com tesouros dos vários séculos, assim seja, já não volto atrás.

Autorretrato, por Rik Wouters.
É para mim um mistério como este desafortunado pintor (morreu com 34 anos e deixou um legado impressionante de centenas de obras) é praticamente desconhecido fora do seu país. É excelente em tudo o que lhe saiu das mãos, a escultura, a pintura, o desenho, um fauvista incondicional a cuja arte plástica tão personalizada me sinto rendido desde que ponho os pés na Bélgica. E quando permaneço em Watermael-Boitsfort há sempre uma visita obrigatória, contemplar uma escultura sua no centro da povoação.

Já aqui mostrei algumas imagens das transformações no interior do Museu de Antuérpia, o arquiteto criou espaços amplamente desafogados, conectados, uma atrativa forma de expor, permitindo que se faça uma circunavegação sem molestar quem queira estar a contemplar, confortavelmente sentado.
Tive a sorte de visitar em Bruges, no ano de 1994, a grande retrospetiva de Hans Memling, alusiva aos cinco séculos da sua morte. Até o quadro dele que pertence ao Museu Nacional de Arte Antiga lá foi parar. O génio deste flamengo mede-se pela intensidade dramática (veja-se a cena clássica da morte de Cristo, o desfalecimento da Virgem), os panejamentos, uma muito peculiar ocupação dos espaços, neste caso do tríptico uma disseminação das figuras em que a espiritualidade é também dada pelos anjos que assistem ao momento dramático da morte de Cristo e assegura uma visibilidade não só à arquitetura da época como aos usos da indumentária. Tudo somado, um pintor à parte, daqueles a quem é possível rapidamente identificar a obra pictórica e dizer instantaneamente: é Memling!
Deus Pai com Cantores e Músicos feitos Anjos, Hans Memling. Peças do altar-mor de uma igreja de um mosteiro em Espanha.
Pormenor do retábulo mencionado acima.
Escultura de Panamarenko, Chisto 1
Hans Memling, retrato de Bernardo Bembo, Homem de Estado e Embaixador de Veneza
Retrato de Pieter Gillis, por Quinten Massys
Madame Récamier, por René Magritte
Uma das muitíssimas versões de René Magritte sobre O Império das Luzes

Não escondo o meu assombro, curvo-me perante a ousadia museográfica, colocar uma escultura de Magritte num espaço de classicismo. A pintura de Magritte baseia-se em jogos conceptuais que nos desconcertam, é uma pintura com uma intensa carga metafórica. Tenho para mim que é o mais original dos génios do surrealismo nas artes plásticas. Já consagrado, e respondendo a encomendas de peso, como a pintura do Teatro Real das Galerias de Bruxelas, alvo de uma retrospetiva em Nova Iorque que culminou numa grande procura dos seus quadros, hoje espalhados por coleções públicas e particulares, nunca deixou o ateliê e as experiências, daí podermos distinguir as diferentes dimensões do seu génio, falando de objetos deslocados, metamorfoseados, em conflitualidade, até mesmo a sua obsessão por variações sobre o mesmo tema, caso do conjunto de pinturas que fez intituladas O Império das Luzes, o que nestas obras se vê é simplesmente uma casa ou um grupo de edifícios entre a folhagem, iluminados pela luz elétrica que irradia das janelas, assim como pela de um ou mais candeeiros. O insólito é que o céu que cobre a cena é de um azul absolutamente diurno, sulcado por nuvens brancas e algodoadas. A coerência da cena é tal que a incompatibilidade do céu com a noite em que se destaca a luz elétrica só se nota após um exame atento do espectador.
Pieter Bruegel, A Dança do Casamento
Obra do artista Christophe Coppens
O jovem imperador Carlos V, por Jan van Beers
Léon Frédéric, Duas Raparigas Camponesas da Valónia
Paisagem com rapariga a saltar à corda, Salvador Dali
Julguei que me ia despedir desta casa que acolhe um acervo de obras plásticas do maior valor andando a cirandar talvez entre o fauvismo e o abstracionismo em moldes atuais; enganei-me na sala, e ainda bem, acabei por rever grandes mestres do século XV, reencontrei Magritte e Dali, saio daqui de papo cheio, agora é só atravessar Antuérpia, ruminar nas coisas belas que vi e sonhar com o dia de amanhã, porventura em Namur, há lá uma amiga que me promete um passei de arromba.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 26 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24590: Os nossos seres, saberes e lazeres (587): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (117): Oh Bruxelles, tu ne me quittes pas! (8) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24610: (Ex)citações (423): Curiosidades lapónicas: As visitas continuam e qualquer dia entram em casa! (José Belo, Suécia)

Foto nº 1 > Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 > As visitas continuam e qualquer dia entram em casa


Foto nº 2> Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 >  A altura a que chegou  a neve no último inverno.


Foto nº 3> Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 > As rochas polidas como mármore devido aos 320 dias por ano sob o gelo, durante milénios.


Foto nº 4 > Suécia > Lapónia > Agosto de 2023 > As matas locais… para saudosos da Guiné.

Fotos (e legendas): © José Belo  (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



O luso-sueco José Belo (com mais de  250 referências no nosso blogue, membro da Tabanca Grande desde 8 de março de 2009): foi alf mil inf da CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70, é capitão do exército português reformado (poderia ser hoje coronel, se tivesse lutado pelo seu direito à reconstituição da carreira militar); hoje jurista, com família sueca, vive na Suécia há mais de 4 décadas; autor, entre outras, da série "Da Suécia com saudade".


1. Mensagens de 25/08/2023, às 20:29, 31 de agosto,. âs 11;17, do José Belo:

Asssunto - Curiosidades lapónicas

1) As visitas continuam e qualquer dia entram em casa!

2) A altura da neve no último inverno.

3) As rochas polidas como mármore devido aos 320 dias por ano sobe o gelo, durante milénios.

4) As matas locais….para saudosos da Guiné.

Vd. fotos acima.
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Nota do editor:

Último poste da série > 31 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24605: (Ex)citações (422): Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné (Manuel Luís Lomba)

Guiné 61/74 - P24609: Por onde andam os nossos fotógrafos ? (8): ex-alf mil cav Jaime Machado, cmdt Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: a morte à saída da Missão do Sono em Bambadinca, na madrugada do dia 1 de janeiro de 1970


Foto nº 19 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá >  Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > O fotógrafo estava lá!... Uma enfermeira paraquedista prepara o moribundo Uam Sambu para a evacuação para o HM 241...  O camarada, de costas, com o camuflado todo ensanguentado é o Mário Beja Santos, comandante do Pel Caç Nat  52, de acordo com a identificação feita pelo fotógrafo, o Jaime Machado.  À saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, reordenamento a  escassas centenas de metros do quartel de Bambadinca, o Sambu foi vítima de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida.  


Foto nº 19A  > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu... Em vão, ele irá morrer na viagem... Vamos continuar a tentar saber quem era a enfermeira... (que tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço).


Foto nº 19B >Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 > Quem seria a enfermeira paraquedista que, nessa manhã, a do primeiro dia do novo ano de 1970, veio de DO 27 para tentar salvar o Sambu ?  Tanto pode ter sido a Maria Ivone como a Rosa Serra, que nesse dia estava de serviço mas, que nos informou, nunca usou pulseira (para mais na mão esquerda).


Foto nº 20 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Região de Bafatá > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  A DO 27 que no primeiro dia do novo ano de 1970, logo de manhã cedo, veio fazer evacuação do Sambu. Do lado esquerdo, de perfil, vê-se o piloto, com "cara de puto", alferes...


Foto nº 20A  > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Outro pormenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva. À esquerda do Beja Santos, sob a asa do DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, parece-se ser o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins. Ao fundo estão camaradas do infortunado Sambu, do Pel Caç Nat 52.



Foto nº 21 > Guiné > Zona leste > Região de Bafatá: Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) >  1 de janeiro de 1970 >  Um DO 27 a levantar voo, de regresso a Bissau... Pode ser a mesma da foto anterior, como pode ser outra... Tudo indica que esta foto tenha sido tirada noutra altura e noutro lugar. Parece-me ser a pista de Bafatá, a avaliar pelo casario ao fundo... (O Jaime Machado diz-me que é Bambadinca e vem na sequência das fotos anteriores,,,).  (LG)

Fotos: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Continuação da publicação de uma seleção das melhores fotos  do álbum do nosso camarada Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70) (*), que vive na Senhora da Hora, Matosinhos [foto atual à direita], e foi contemporâneo do Mário Beja Santos (cmdt do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com uma pequena  diferença de meses. Eu também estive com eles, lá, na mesma altura, desde julho de 1969... O Jaime saiu em fevereiro de 1970, e o Mário, dois meses depois, em abril de 1970, se não erro.

Ao ver estas fotos, tive um arrepio, quando o Jaime Machado me disse que o camarada com o camuflado ensanguentado era o Beja Santos, o nosso "Tigre de Missirá"...  

Lembrei-me imediatamente deste trágico acidente que ceifou a vida ao Uam Sambú. Fui pesquisar os escritos do Mário Beja Santos. Aqui vai um excerto do poste P2540, de 15/2/2008 (**)

(...) O Setúbal já nos tinha avisado que viria o Xabregas [condutor]  ao amanhecer, eu que não estivesse preocupado. Assim que clareou, todos de pé, arrumadas as mantas, satisfeitas as necessidades mais prementes nas redondezas, esperámos a tiritar a aproximação dos faróis do Unimog, procurando desentorpecer os músculos. Assim foi naquele amanhecer de 1 de Janeiro de 1970. O Xabregas trouxe um burrinho, o que significava dez militares sentados, 20 a pé. Dez não, um outro saltava para o lado do condutor, mais um outro encavalitava-se junto do alferes. Uam Sambu senta-se ao pé de mim e diz a Quebá Sissé:
- Sobe,  Doutor, dá cá a mão!

Vejo o riso feliz e sempre aberto de Quebá Sissé, segue-se o estrondo inusitado de uma rajada de G3, procuro levantar-me, oiço gritos de aflição, imprecações, um coro desorientado de protestos, e é nisto que Uam me cai nos braços,  enterrando-me no assento:
- Alferes, estou morto!

Com Uam no meu colo, vejo o seu peito esburacado, os lábios num esgar de dor, o olhar a esmorecer, o sangue passa para a minha farda em abundância. O burrinho corre em poucos minutos nas mãos expeditas do Xabregas até à enfermaria. Vou a correr tirar da cama o [alf mil médico] Vidal Saraiva que se debruça atarantado sobre Uam com o peito tracejado por diferentes perfurações. 

Cá fora, desenrola-se uma outra tragédia, há quem ameace o Doutor, ouve-se a palavra assassino, ouvem-se as expressões impensadas do costume. Ora, tinha sido o mais estúpido dos acidentes, o malogrado Doutor ao subir metera o dedo no gatilho e fulminara Uam, o Doutor era a alma mais pacífica do 52, ninguém lhe conhecia azedume, aguentara estoicamente todos os comentários ao seu trabalho de cozinheiro. Percebendo que era necessário pôr termo àquela ira dementada, disse ao Domingos:
- Não quero aqui ninguém, tudo para a tabanca, tu desces imediatamente com eles e explicas que foi um acidente, quem tocar no Doutor tramo-lhe a vida.

Dita a bazófia, acerquei-me da marquesa onde o Vidal Saraiva me avisou:
- Só por milagre se salva, tem os órgãos vitais atingidos, veja o sangue aos cantos da boca, pulmões e rins têm lesões que presumo serem irreversíveis. Vamos ver como é que ele se aguenta até Bissau.

 O DO [27] chegou rapidamente e lá fomos todos a acompanhar o moribundo até à pista de aviação, Binta, a mulher do Uam, gritava o seu desespero, o Pel Caç Nat 52 assistia ao transporte de Uam num silêncio total, estarrecido. Dispersámos, o Vidal Saraiva era o mais acabrunhado entre nós. (...) 
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sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Guiné 61/74 - P24608: Notas de leitura (1611): "Cabo Verde, Abolição da Escravatura, Subsídios Para o Estudo", por João Lopes Filho; Spleen Edições, 2006 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Outubro de 2021:

Queridos amigos,
João Lopes Filho é alguém na cultura cabo-verdiana, um antropólogo e professor universitário com vasto currículo. Neste punhado de subsídios para o estudo da abolição da escravatura, vem defender que tendo a sociedade e a cultura cabo-verdiana base essencialmente escravocrata o tema da abolição é incontornável para compreender a vida daquela antiga colónia portuguesa a partir do fim da escravatura. Incentiva os historiadores a ir aos arquivos, ainda há muito para esclarecer. E direi eu que há também muito para esclarecer sobre este comércio negreiro que se estendia a vários pontos influentes do que é hoje a Guiné-Bissau, ainda há muito para esclarecer sobre a proveniência dos escravos que estão na génese do homem cabo-verdiano, o arquipélago fazia parte de um vértice, aqui arribavam escravos vindos do golfo da Guiné (nomeadamente de Angola e S. Tomé), de toda a Senegâmbia (do que é hoje o Senegal, a Gâmbia, a Guiné e a Serra Leoa) e o produto final destas investigações não será pacífico, pode muito bem acontecer que se desmoronem tabus sobre a ligação direta Guiné - Cabo Verde, isto independentemente de ter sido neste arquipélago africano, onde, por metro quadrado, mais se adensou a língua, a religião, a cultura trazidas pelos portugueses, numa miscigenação a que não faltou a presença judaica.

Um abraço do
Mário



A abolição da escravatura em Cabo Verde, o olhar de um estudioso cabo-verdiano

Mário Beja Santos

"Cabo Verde, Abolição da Escravatura, Subsídios Para o Estudo", por João Lopes Filho, Spleen Edições, 2006, é apresentado pelo autor como uma abreviada síntese de um estudo com maior fôlego, em preparação. A história do país tem uma base essencialmente escravocrata e Cabo Verde serviu como ponto de apoio, primeiro para a expansão marítima e depois como um dos vértices do triângulo de tráfico escravocrata (África/Cabo Verde/Américas). João Lopes Filho dá-nos uma documentação do processo moroso e conflituoso em torno da abolição da escravatura, nunca perdendo de vista o antes do comércio de escravos e as consequências do abolicionismo.

Perde-se na noite dos tempos o comércio de escravos em África, a dimensão e a envergadura deste comércio altera-se com o tráfico atlântico, iniciado a partir do século XVI, com vários destinos americanos, do Brasil às Caraíbas e ao que é hoje os EUA. Os portugueses bem pretenderam o monopólio, mas tratava-se de um mercado tão lucrativo que foi disputado por espanhóis, ingleses, franceses e holandeses. A economia colonial alterou-se profundamente com este tráfico, os escravos iam para as plantações, foram diretos mobilizadores de recursos agropecuários que trouxeram a riqueza da Europa e das Américas. A escravatura conheceu o seu auge na segunda metade do século XVIII, tendo os ingleses na vanguarda.

Chega o momento de o autor contextualizar Cabo Verde no vértice do triângulo do tráfico de escravos. Os intermediários cabo-verdianos eram expeditos, conheciam bem as mercadorias mais apreciadas nas permutas, não foi por acaso que se desenvolveu uma verdadeira indústria de panaria em Cabo Verde destinada a satisfazer a clientela que fornecia escravos. Inicialmente, os navios negreiros paravam em Cabo Verde, precisavam desses panos. A Igreja veio a intervir neste comércio exigindo o batismo e a lanidização dos escravos antes da sua reexportação. Como escreve o autor: “À medida que a classe sacerdotal se consolidava em Cabo Verde, a Igreja passou a ministrar, antes do batismo, uma formação à generalidade dos escravos e aqueles que assimilavam os conhecimentos passavam a ser designados de ladinos e os outros como boçais”.

Com a perda de influência na costa ocidental africana, nos inícios do século XVIII a maioria dos estabelecimentos comerciais portugueses passaram para as mãos de estrangeiros, mas Cabo Verde manteve durante algum tempo a sua posição – o papel do arquipélago só desapareceu quando o comércio foi totalmente abolido.

E entramos agora nas ideias abolicionistas, foram desencadeadas pela Inglaterra a que se juntaram, no início do século XIX, a Suécia, a Holanda, a França e a Espanha. 1863 é uma data decisiva, o presidente Lincoln promulgou a Proclamação da Emancipação e dois anos depois a 13.ª Emenda confirmava a liberdade dos negros nos EUA. Houve reflexos em Cuba e no Brasil- como o autor observa, e é hoje consensual entre os estudiosos, o movimento abolicionista vingou porque se encontrava emergente uma nova sociedade urbanizada e industrializada detentora de outras perspetivas económicas daquelas que tinham modelado e alimentado a escravatura. Na alvorada da industrialização percebeu-se que África estava destinada a ser uma fonte fornecedora de matérias-primas e um excelente mercado para produtos acabados. Isto para relevar que não foram só interesses éticos e humanitários que estiveram por detrás do abolicionismo, foi necessário consolidar o capitalismo industrial. A oposição dos plantadores, armadores e marinheiros dos barcos negreiros foi enorme, como era previsível, e o confronto chegou a tomar dimensões brutais.

Portugal não aderiu prontamente a esta abolição, uma boa parte da economia dependia do comércio negreiro. A primeira posição firme veio do ministro Sá da Bandeira que em 1836 fez aprovar um decreto abolicionista. Estabeleceram-se protocolos e agendas de combate entre Portugal e Inglaterra, mas tudo com lentidão, mesmo sob a pressão britânica, como João Lopes Filho revela no seu trabalho destacando as medidas legislativas tomadas pelas duas potências. Portugal tinha uma presença enfraquecida na costa ocidental africana, a Inglaterra e a França acordaram em anexar territórios que faziam parte dos domínios portugueses na área da Gâmbia através de uma convenção que assinaram em maio de 1845, convenção essa que abriu caminho para a realização da Convenção Luso-Francesa de 1886 que definiu a superfície da Guiné Portuguesa. Isto num contexto em que as grandes potências coloniais faziam a divisão da África em esferas de influência.

O autor revela a dimensão do tráfico clandestino, estavam sobretudo envolvidos mercadores espanhóis, o mercado das Caraíbas ainda era muito atrativo e ficamos com um quadro de referência bastante iluminado das embarcações apreendidas pelo transporte ilícito de escravos, constituiu-se mesmo uma comissão mista luso-britânica que inspecionava o interior dos barcos para detetar a presença de elementos que levassem a concluir ser navios negreiros, todo este enunciado aparece altamente documentado.

A economia cabo-verdiana sofreu um duro golpe a partir de 1815, quando se anunciou a abolição imediata do tráfico em todos os lugares da costa de África sitos ao norte do Equador. Explodiram conflitos sociais, os coronéis do interior perceberam que o seu poder económico estava comprometido, aumentaram as tensões na relação morgado-rendeiro, surgiram levantamentos populares, revoltaram-se os rendeiros, os escravos fugiam, reinava um clima de mal-estar no seio das Forças Armadas, foram abolidas as milícias, ordenanças e comandos militares, e a partir dos finais de 1835 cresceram as contendas entre senhores e escravos.

Portugal criou em 1854 uma instituição denominada Junta de Proteção dos Escravos e Libertos, a quem competia assegurar que todo o escravo tinha o direito de reivindicar a sua natural liberdade, ficava na situação de liberto, no entanto com a obrigação de servir o senhor pelo tempo de dez anos; determinava-se a condição da criança escrava que ficava sob a tutela da junta protetora que tinha vários objetivos, sendo um deles proteger os pecúlios dos escravos legitimamente adquiridos e fiscalizar a sua aplicação. João Lopes Filho dá-nos um quadro detalhado de toda esta legislação.

Em termos de considerações finais, recapitula a pressão britânica, as muitas fugas à repressão escravocrata, à procura das novas soluções na luta contra o tráfico. E o autor espera ter carreado informações que permitam aos historiadores avançar com maiores desenvolvimentos.

Imagem retirada do blogue Cabo Verde Island Tours
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24596: Notas de leitura (1610): "A Guiné-Bissau Hoje", por Patrick Erouart; Éditions du Jaguar, Paris, 1988 (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P24607: Facebook...ando (34): José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74): primeiro aerograma que escreveu à namorada, em 27/6/1972: fui almoçar num bar perto do Cumeré, paguei 70$00 e fiquei cheio de fome...





1. Postagem de José Claudino da Silva, 29 de agosto de 2023, no Facebook da Tabanca Grande Luís Graça  
 [é autor da série "Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) ", de que se publicaram 
mais de 70 postes (*); é membro da Tabanca Grande desde 18/10/2017); tem mais de meia centena de referências no blogue; foto à direita, o nosso camarada, nascido em Penafiel, em 1950; reside em Amarante; tem livros publicados e página no Facebook ]:

Cheguei á Guiné no dia 26 de junho de 1972, no dia seguinte em Cumeré paguei 70 escudos por uma refeição.

Naquele tempo a mesma custava 8 escudos na metrópole. Está a prova neste aerograma 
[que se reproduz e transcreve acima]. (**)




Primeiro  aerograma enviado pelo José Claudino da Silva, à sua namorada [Maria Amélia Moreira Mendes] depois de chegar à Guiné. 

Trata-se de um excerto. O aerograma não está completo, acaba aqui, deveria ter mais folhas; "Fiquei cheio de fome, e paguei 70$00, as cervejas são a" [...]. 

Vamos pedir ao nosso camarada para disponibilizar a segunda parte. Para além de informação sobre preços que se praticavam em 1972, em Bissau, o aerograma tem outro interesse documental, por nos dar conta das primeiras impressões de um "periquito" chegado à Guiné, "uma terra onde todas as pessoas nos parecem suspeitas, e hostis, e logo por azar nem bebidas há na cantina"... 


Transcrição  [fixação e revisão de texto: LG]

Cumeré, 27/6/72  1ª [folha]

Meli, saudosa e querida: 

Espero desde já dar-te um pouco de alegria com as poucas notícias que vou passar a contar-te, ou tristeza, isso depende de ti.

Devo dizer-te que o resto da viagem decorreu bem, e sinto-me para já óptimo.

No que diz respeito às impressões que me causou a Guiné, devo confessar-te que me sinto maluco, um calor que nem em calção se suporta, uma terra onde todas as pessoas nos parecem suspeitas, e hostis, e logo por azar nem bebidas há na cantina. A água parece que foi aquecida ao lume, e há pouca.  A única satisfação que me resta é que aqui não há guerra, e a vida que levo é boa, só tenho a dizer que isto não interessa a ninguém pelo resto.

Cumeré situa-se a 6 km de Bissau, mas para se chegar lá tem que se percorrer 45, por não haver estradas a direito, e ter um rio muito largo.

Eu vim para Cumeré separado da minha companhia, juntamente com mais 6 condutores, e só daqui a três semanas é que me junto a ela, por isso, embora me escrevas, não receberei correspondência de qualquer espécie, a não ser daqui a essas três semanas. Terei que ter paciência e suportar esse tempo, depois provavelmente recebo tudo junto, não tenho alternativa e resigno-me.

2ª [folha]

Espero que mesmo assim não me deixes de escrever, porque eu farei o mesmo. 

No local onde me encontro é um quartel  de instrução de adaptação ao terreno para condutores, e de I.A.O., e estão aqui mais de 600 homens, entre eles mais de 20 colegas de Penafiel, e conhecidos da recruta, etc., etc. Foi bom assim, [pois não me] sinto só.

A única coisa que me lixa é  a falta de bebidas, e o calor sufocante que aui está é insuportável. Além disso, os mosquitos  não nos deixam dormar, é uma loucura uma pessoa vir para aqui, mas não temos outro remédio, e temos que aguentar, ou melhor ou pior.

Aqui nos subúrbios do quartel há um bar, dirigido por um branco, onde servem refeições. Eu fui lá almoçar, pois aqui a comida não presta. Fiquei cheio de fome, e paguei 70$00, as cervejas são  a [...]


Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


2. Excerto do poste P18002 (***):

(...) Estou agora a lembrar-me que fui sempre um pouco medricas e mesmo que, ao chegar a Bissau, tivesse sido separado dos meus camaradas da 3ª companhia porquanto eles foram para Bolama e eu fui para Cumeré. O que é certo, por aquilo que escrevi, logo no primeiro dia que pisei solo africano, não tive um receio por aí além. Dizia eu!

“Em Cumeré estamos a tirar o I. A. O. (Creio que a sigla significa: Instrução de Aperfeiçoamento Operacional) Aqui não há guerra mas as pessoas parecem-me todas hostis. Neste quartel estão cerca de 600 homens. O calor é sufocante e não há bebidas frescas, nem grande comida e se eu achava caro uma refeição no Porto custar7$50, já me avisaram que fora do quartel custa 70$00. Vê bem que ladrões. Acho que são brancos que vivem a explorar os 'Periquitos' como nós”. (**)


3. Comentário do editor LG:

Usando o conversor da Pordata, verificamos que 7$50 e 70$00 em 1972 valeriam hoje (2023),  2,00 €  e 18,00 €, respetivamente. 

Ao escudo ("peso") da Guiné (emitido pelo BNU - Banco Nacional Ultramarino), temos que abater 10% (de acordo com a taxa de câmbio que se praticvaa então em Bissau)...Se uma refeição no Porto custava, a preços de hoje, 2,00 €, em 1972, em Bissau, custaria  16, 2 €  (=18 € x 0,90).

Em 1969, uma refeição (bife com ovo a cavalo + cerveja) em Bafatá, no restaurante "Transmontana", custava-me  20 "pesos", o equivalente, hoje, a 6,30 €  (=7 €  x 0,90).

Como se vê, de 1969 para 1972, a inflação (ou a especulação, típica da economia de guerra) deu cabo do patacão dos desgraçados dos combatentes que íam parar com os quatro costados à Guiné!

Uma explicaçáo sobre o converssor da Pordata: 

"Esta ferramenta permite converter para preços do ano corrente qualquer montante monetário do passado, desde 1960, utilizando o deflator anual do Índice de Preços no Consumidor (IPC) "base 2012". Trata-se de transformar valores a preços correntes/nominais em valores a preços constantes/reais, descontando a inflação"
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Notas do editor:

(***) Último poste da série > 23 de agosto de 2023 > Guiné 61/74 - P24581: Facebook...ando (33): António Alves da Cruz, ex-fur mil, 1.ª CCaç / BCAÇ 4513 (Bolama, Aldeia Formosa, Nhala e Buba, mar1973 / set 1974); vive em Almada

Guiné 61/74 - P24606: Parabéns a você (2200): Manuel Joaquim, ex-Fur Mil Armas Pesadas Inf da CCAÇ 1419/BCAÇ 1857 (Bissorâ e Mansabá, 1965/67)

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Nota do editor

Último poste da série de 27 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24592: Parabéns a você (2199): Jaime Machado, ex-Alf Mil Cav, CMDT do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, 1968/70)

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Guiné 61/74 - P24605: (Ex)citações (422): Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné (Manuel Luís Lomba)

1. Mensagem do nosso camarada Manuel Luís Lomba (ex-Fur Mil Cav da CCAV 703/BCAV 705, Bissau, Cufar e Buruntuma, 1964/66), com data de 30 de Agosto de 2023, onde nos fala do posto militar mais barato que o Exército Português tinha, o furriel miliciano, dado que enquanto cabo (miliciano) fazia de sargento e enquando furriel fazia de oficial. Quantos e quantos camaradas nossos durante a suas comissões em África completaram o tempo de promoção a segundos sargentos milicianos e só se lambravam disso no momento da passagem à disponibilidade.


Os Furriéis – De Explorados da República a Ícones da Guerra da Guiné

O P24586 é o generativo deste escrito, a gratificação do Cherno Baldé aos furriéis, evocando as vivências na Guiné, e a foto do furriel Carlos Cunha, do furriel Abílio Duarte com criança guineense ao seu colo.

Recorrendo à Wikipédia, o termo furriel é modificação fonética do francês “fourrier”, derivado de “fourrage”, forragem em português, – era o vagomestre responsável das forragens e da palha do passadio dos muares das Companhias de Cavalaria.

O posto de furriel foi introduzido nas Companhias de Ordenanças por D. Manuel I, introduzido por D. João IV nas Tropas de Linha e extinto em 1884, pelo famigerado ministro e capitão de Engenharia Fontes Pereira de Melo. Das conversas quando jovem com o meu conterrâneo Joaquim Luís de Faria, soldado condutor de ambulâncias na Frente da Flandres, condecorado, promovido por distinção a cabo miliciano e passado à disponibilidade como furriel, guardo a memória oral que estes postos terão sido reintroduzidos pelo general Norton de Matos, no contexto da nossa participação na I Guerra Mundial. Sem recurso a fontes, a reintrodução do posto furriel pertencerá a esse nosso vulto histórico, salvo erro ou omissão.

Relembrando que a classe dos praças - os básicos e os cabos -, foram os mais explorados do Exército Português, deixo a dimensão da exploração militar e laboral de cada um ao juízo dos meus camaradas. As matérias e metodologias da instrução, a capacitação, eram comuns aos cursos e instrução de sargentos e oficiais milicianos – os dois volumes do Manual do Oficial Miliciano o seu livro único – a escolaridade formal era a sua discriminação: o 2.º ciclo dos liceus e equivalentes alçava a soldado instruendo do CSM, o 3.º ciclo dos liceus alçava a cadete do COM.

Os soldados instruendos do CSM saíam promovidos a cabos milicianos, passavam a desempenhar todos os serviços de sargentos e até dos oficiais subalternos, mas o pré de praças a sua remuneração, as ementas da messe de sargentos a sua única regalia; os cadetes instruendos do COM saíam promovidos a aspirantes a oficiais, remunerados com soldo de oficiais e as mesmas sinecuras.

A tropa ou não tinha ou o elevador social não funcionava, em matéria de serviço, a nivelação feita por cima. Os cabos milicianos eram investidos nos desempenhos dos praças, dos sargentos e até dos oficiais subalternos, eram pau para toda a obra, os aspirantes e alferes milicianos eram elitizados, longe de investidos no desempenho dos praças e dos sargentos…

Saí do CISMI promovido a cabo miliciano, fui colocado no RI 13, Vila Real, até à chegada do seu comandante, um reprovado da Academia Militar e passado a aspirante miliciano, comandei todo o mês de janeiro de 1964 um pelotão de cerca de 90 recrutas e a sua instrução, maioritariamente analfabetos, coadjuvado por outro cabo miliciano de Lamego e por dois cabos RD – um deles paciente do stress pós-traumático, sofrera as agruras de Nambuangongo -, estudava e cumpria as respetivas fichas e respondia ante o comandante da Companhia, capitão Carrapatoso – eu ganhava 90$00/mês, o aspirante veio ganhar 1.800$00/mês.

Mobilizado para a Guiné, era o ”mais antigo” da Companhia – diferença de duas décimas do saudoso Manuel Simas – substituí os outros furriéis operacionais e os alferes nos seus impedimentos - começara por substituir o vagomestre logo que chegamos e acabei a comissão a substituir o comandante do destacamento da Ponte de Camajabá, entre Buruntuma e Piche.

Em Buruntuma havia um grupo de milícia nativa com o efetivo de pelotão, comandado por um alferes de 2.ª linha fula, fui nomeado comandante dele, fui selecionador de outro grupo de igual efetivo e seu instrutor, o Manuel Simas foi mandado para meu adjunto – dois militares brancos com as divisas de furriel, comandavam dois alferes fulas de 2.ª linha, com galões de alferes…

A burro que muito anda, nunca falta quem o tanja. Como já abordei a relação histórica do posto furriel-cavalo, acrescento o provérbio popular da revolta do burro, analógico à nossa prestação militar: “burro para a azenha, burro para a lenha, burro para a eira, burro para a jeira e burro para a feira – irra de tão burro!”

Para terminar registo um nosso camarada histórico – o Zé do Telhado! E que os furriéis foram as vértebras da “coluna” do 25A74.

Honra aos Furriéis!...

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Nota do editor

Último post da série de 13 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24553: (Ex)citações (421): Vivendo na Suécia há já quase meio século, com família sueca, há muito que compreendi não existirem paraísos... Mas, atenção!, os suecos estão longe de serem ingénuos caçadores... de borboletas (José Belo, Suécia)

Guiné 61/74 - P24604: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (6): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Capítulo I - Mobilização, Composição e Deslocamento para o CTIG



"A MINHA IDA À GUERRA"

6 - HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: CAPÍTULO I - MOBILIZAÇÃO, COMPOSIÇÃO E DESLOCAMENTO PARA O CTIG

João Moreira



(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 24 DE AGOSTO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24584: A minha ida à guerra (João Moreira, ex-Fur Mil At Cav MA da CCAV 2721, Olossato e Nhacra, 1970/72) (5): HISTÓRIA DA COMPANHIA DE CAVALARIA 2721: Guião + Emblema de braço + Zona de Acção (Olossato) + 4º Grupo de Combate

Guiné 61/74 - P24603: Em bom português nos entendemos (26): Poste, post, postagem, mensagem ou publicação? Qual a maneira mais correcta para designarmos as nossas publicações diárias? (Abílio Magro / Luís Graça / Carlos Vinhal)

1. Mensagem do nosso camarada Abílio Magro (ex-Fur Mil Amanuense (CSJD/QG/CTIG, 1973/74), com data de hoje, 31 de Agosto de 2023, levantando a dúvida quanto à utilização da palavra "poste" para designar as publicações diárias no nosso Blogue:

Bom dia camarada do capim!
Kumu bai corpo di bó?
Manga de ronco?

Estou a escrever-te por causa de um assunto que me causa alguma urticária e tem a ver com o uso do termo “poste” em lugar do termo inglês post (leia-se pouste).

Embora também me irrite o uso constante de termos ingleses, entendo que usar, em sua substituição, termos inexistentes em português é “pior a emenda que o soneto”.

Com efeito, o advento da internet (não escrevam internete p.f.) veio trazer novos termos ingleses que depressa se enraizaram no léxico português, um dos quais é o post que deu origem ao verbo português POSTAR que no seu presente do conjuntivo apresenta: que eu poste, que tu postes, que ele poste, etc. Contudo, consultando alguns dos dicionários mais conceituados como: Infopédia, Houaiss, etc., verifica-se que o termo “poste” como substantivo nada tem a ver com “postagens internáuticas”.

Haverá com toda a certeza razões plausíveis para que os editores do blogue dos camaradas da Guiné utilizem o termo “poste” como substantivo em substituição do inglês post, o que me leva solicitar que este texto seja entendido, não como um reparo, mas talvez como uma camuflada assunção de alguma ignorância.

Grande abraço
Abílio Magro


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2. Caro Abílio

Já te respondi por mensagem privada que estou bem, só não referi algumas dificuldades ao nível das suspensões, mas sem grandes cuidados, afinal já não vou (vamos?) para muito longe.

Quanto à tua dúvida, com também te disse, é também minha.

Consultando o nosso Editor Luís Graça, ele mandou-me este link (será sítio?) do Ciberdúvidas da Língua Portuguesa:

acompanhado do seguinte texto:

Quanto à dúvida do Abílio Magro, faz um "poste", a responder-lhe, citando também o Ciberdúvidas da Língua Portuguesa... Foi uma opção discutível que tomámos (eu, pelo menos), há uns largos anos...
Ab, Luís


Abílio, vê aqui o essencial do que podes ler no Ciberdúvidas:

'A melhor tradução de post'

'Na resposta em causa, segue-se um critério desejável: perante um estrangeirismo, deve procurar-se um termo equivalente ou criar uma palavra que se enquadre nas formas vocabulares típicas portuguesas, isto é, com características fónicas e morfológicas características do português. Não é que o aportuguesamento de post, poste, esteja totalmente incorrecto, visto a sua configuração ser possível em português, pelo menos do ponto de vista fonético. Acontece, porém, que se confunde com poste, «coluna, pilar», engrossando o conjunto das palavras homónimas do português. Não sendo isto em si um mal, porque os falantes sabem distingui-las pelo contexto, as palavras homónimas são, mesmo assim, susceptíveis de diminuir a clareza na comunicação.

Quanto ao verbo postar e ao seu particípio postado, o mesmo se verifica: já existem dois verbos homónimos, postar, «colocar» e «estar de pé», e postar, regionalismo brasileiro que significa «pôr no correio». A introdução de postar, «publicar no blogue», vem certamente aumentar a ambiguidade do vocabulário português.

Enfim, não posso dizer que poste e postar sejam aportuguesamentos ilegítimos. Devo, no entanto, advertir que, neste momento, poste e postar são ainda opções discutíveis no que se refere à criação de termos relacionados com a actividade dos blogues. Seja como for, a própria consulente diz, com pertinência, que blog já foi adaptado como blogue ao português. Sendo assim, dada a especificidade deste tipo de escrita, porque não aceitar também outros aportuguesamentos fónicos como poste, que parecem mais capazes de dar conta dessa realidade?

N.E. – (20/02/2015) Postar, no sentido de «colocar (mensagem) num grupo de discussão  ou num bloge», já tem abonação no Grande Dicionário da Lingua Portuguesa, da Porto Editora (2010) e no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, da Academia Brasileira de Letras.

Carlos Rocha 25 de novembro de 2009'

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Já agora, fica aberta a discussão, pois gostaríamos de conhecer a opinião dos nossos leitores quanto à possível utilização de outra palavra começada por P, já que a numeração das nossas publicações diárias começam por esta letra.

CV

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Nota do editor

Último poste da série de 13 DE SETEMBRO DE 2020 > Guiné 61/74 - P21352: Em bom português nos entendemos (25): Quínara, Quinara ou Quinará?... Uma 'ciberdúvida'... (Luís Graça / Cherno Baldé)