domingo, 9 de dezembro de 2018

Guiné 61/74 - P19270: Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Capítulo 72 (Fim): Fui com a ideia de que aquela terra era Portugal, quando parti para lá; regressei com a ideia de que estava num país estrangeiro.


Guiné > Região de Quínara > Fulacunda > 3ª CART / BART 6520/72 (1972/74) > O Dino,  num posto de sentinela

Foto (e legenda): © José Claudino da Silva (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


José Calduno da Silva, chaperio em Amarante
1. Continuação da pré-publicação do próximo livro (na versão manuscrita, "Em Nome da Pátria"), do nosso camarada José Claudino Silva [foto atual à esquerda] (*):


Chegamos ao fim da viagem do "Dino" pelas suas memórias de Fulacunda, socorrendo-se do seu "roteiro literário-sentimental".

No capº 72, o último, conta como o exército lhe transmitiu, nove dias depois, a notícia da morte da sua mãe, Mabilde da Silva...

O livro, que tinha originalmente como título "Em Nome da Pátria", passa a chamar-se "Ai, Dino, o que te fizeram!", frase dita pela avó materna do autor, quando o viu fardado pela primeira vez. Foi ela, de resto, quem o criou. 

Ver aqui nota detalhada dobre o autor e  a sinopse dos postes anteriores.


2. Ai, Dino, o que te fizeram!... Memórias de José Claudino da Silva, ex-1.º cabo cond auto,
3.ª CART / BART 6520/72 (Fulacunda, 1972/74) > Cap 72º (Fim)


72º (e último) Capítulo: A MENSAGEM
José e Amélia


Quando aconteceu o maior drama por mim vivido nessa terra, já não devia estar lá.

Reconhecida internacionalmente por muitos países como Guiné-Bissau desde 1973, ainda hoje há quem pense que aquela terra era Portugal. Foi com essa ideia que parti para lá. Regressei com a ideia de que estava num país estrangeiro.

No dia 10 de Junho de 1974, cerca das cinco horas da manhã, sua excelência o senhor capitão Serrote chamou-me ao seu gabinete para me ler uma mensagem que o Jorge operador cripto decifrara:

- “Saiba nosso cabo que é com imensa pena e pesar que o informamos do falecimento da sua mãe. Condolências em nome do exército português”.


Creio terem sido estas as últimas palavras que ouvi da boca do meu capitão que ficou com o papel na mão.

 “Em meu nome pessoal e de todos os elementos da nossa companhia lamentamos a sua perda. Sentidos sentimentos”.

Devia terminar aqui este livro mas a minha guerra “Em Nome da Pátria” continuou e, embora algumas coisas não as possa provar, por muito inimagináveis que lhes pareçam, são verdadeiras.

Exactamente, no mesmo dia em que recebo a notícia da morte da minha mãe, uma enorme conjugação de casualidades permitem-me fazer algo digno dum filme de James Bond. O meu 1º sargento, um homem acérrimo defensor da lei, acede a um pedido meu.

“Toda a companhia sabe que estou doente, por favor peça uma evacuação urgente e mande-me para o hospital de Bissau”.

Ainda hoje me parece ver a sua cara de espanto ao meu pedido. O que é certo é que, contra tudo e todos, sem tampouco informar o capitão e com a ajuda do meu amigo de transmissões, requisitou uma evacuação urgente. Quatro horas depois, estava em Bissau. Acho que ainda hoje ninguém sabe o que foi aquela avioneta fazer a Fulacunda. Eu pura e simplesmente desapareci. Iria aparecer mais tarde.

EPÍLOGO

Apenas trouxe comigo a farda de saída, o meu correio e fotografias. Tudo o resto, desde a G3 aos artigos do meu negócio, ficaram para trás num canto da cantina.

Mal a avioneta aterrou em Bissalanca, fui de táxi ter com o sargento Leão, pedir-lhe para me arranjar bilhete para a Metrópole. O 1º sargento Leão tinha a mala pronta para partir no dia seguinte, num avião da TAP. Vinha à Metrópole tratar de assuntos pessoais. Ainda teria de regressar. Achava ser impossível conseguir bilhete para mim, a menos que alguém desistisse, mas ia tentar.

Recordo que naquele tempo sair das colónias era uma prioridade para muitos civis, embora na Guiné não fosse tão grave como, por exemplo, Angola. Foi uma senhora vestida com uma saia vermelha e blusa preta, esposa dum oficial da polícia, que ao ouvir o drama que eu estava a passar conseguiu o bilhete. Custou seis contos mas, no dia seguinte, viajei para a metrópole, ao lado do sargento Leão.

Embora eu não tivesse intenção de o fazer, vou dizer-lhes quem era o sargento Leão.  Trabalhei na Garagem Auto Seroa, em Paços de Ferreira, em 1969/70/71. Um dos meus patrões tinha um irmão no exército: era o Sargento Leão que em boa hora encontrei na Guiné.

No dia 11 de Junho, logo que aterrámos em Lisboa, liguei para Penafiel. Foi para a loja do Sr. Amaro que me conhecia muito bem. Identifiquei-me e perguntei se sabia dizer-me o horário do funeral da Senhora Mabilde da Silva, a minha mãe.

"Ó Claudino,  o funeral já foi há dias ela morreu no dia 1, rapaz."

A minha Pátria demorara 9 dias a cumprir a sua obrigação de me informar da morte da minha mãe. Eu cumpri muito melhor a minha parte.

Para mim, a minha mãe viveu mais tempo do que na realidade viveu. Jamais perdoarei os dirigentes do meu país na época me fizeram.

O Leão ficou comigo até há hora do comboio e viemos os dois de Santa Apolónia até Campanhã.

Omiti até agora tudo o que fui lendo em que me referia à minha mãe. Não foi muito. A minha mãe não teve meios de me criar e entregou-me à minha avó. Isso nunca impediu de a respeitar; orgulho-me da minha mãe. Sem ela, eu não estaria aqui. Só passei uma festa com a minha mãe: Foi o último Natal, antes de assentar praça. Ainda bem que o fiz!

Reapareci a 27 de Agosto de 1974 no anexo do hospital militar em Campolide. Deram-me dois comprimidos enquanto lá estive, três semanas. Estava a piorar e os médicos não me ligavam nada. Sem passar cartão a ninguém, mais uma vez desapareci.

A minha companhia foi extinta em 26 de Setembro de 1974. Fui esperá-los a Lisboa. Os meus camaradas estiveram mais 112 dias na Guiné do que eu. Voltei a ser no fim, tal como fora no início, um privilegiado.

Quando pensava que já me chamava José Claudino da Silva, ainda surgiria nova situação caricata.  O meu colega de trabalho (aquele sim!), o Abreu, pintor de automóveis, foi para a tropa alguns meses depois. Especialidade: cabo escriturário, colocado em Penafiel. Foi incumbido, juntamente com um tenente, de trabalhar no dossiê  dos desaparecidos nas províncias ultramarinas.

Foi isto que ele me contou! 

“ Quando vi que o teu nome estava lá, disse ao tenente. Vai-me desculpar, senhor tenente,  mas este nome conheço-o. O 1º cabo 158532/71 José Claudino da Silva não está desaparecido. Ele é chapeiro e trabalha na mesma oficina onde eu trabalho. Sei bem o nome dele José Claudino da Silva”.

Claro que fui chamado e apresentei-me no R.A.L. 5 para esclarecer a minha situação. Na minha caderneta militar, passei à disponibilidade em 23 de Setembro de 1975. Durante o meu “desaparecimento” da tropa, aproveitei para casar com a Amélia.

Na minha caderneta militar e na página das ocorrências extraordinárias, estão as frases:

1975. Transferido para o R.A.S.P. desde o dia 1 de Maio.
Reunida em sessão no H.M.P. confirmo o soldado 158532/71

APROVADO PARA TODO O SERVIÇO MILITAR

(LÁ VAMOS COMEÇAR TUDO DE NOVO)



VENCEU A POESIA

FIM

7 de Outubro de 2017

Texto original da autoria de
José Claudino da Silva

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1 comentário:

Luís Graça disse...

Para aqueles camaradas que poderão não te "levar a série", estas tuas palavras é impossível que não os "toquem":

(...) "A minha mãe não teve meios de me criar e entregou-me à minha avó. Isso nunca impediu de a respeitar; orgulho-me da minha mãe. Sem ela, eu não estaria aqui. Só passei uma festa com a minha mãe: Foi o último Natal, antes de assentar praça. Ainda bem que o fiz!" (...)

Gostei de ler e editar o teu manuscrito... Boas festas, bom Natal, melhor ano de 2019. LG