(...) " Quando eu e o capitão João Bacar, em fevereiro [de 1970] , tínhamos vindo de Bissau para Fá Mandinga, para formarmos a CCmds da Guiné, o capitão Barbosa Henriques [o instrutor] deixou-nos em Bambadinca para tratarmos da situação das nossas famílias. E foi nessa ocasião que, em casa de um companheiro de João Bacar, encontrei esse tal homem, o Mamadu Candé, um Homem Grande e adivinho muito respeitado.
Quando lhe perguntei que cidade era essa, se ficava na Europa ou em África, ele respondeu que não sabia. Eu acho que ele sabia muito bem qual era a cidade, não queria era dizer-nos. (...) (*)
Nesta altura veio-me à lembrança que, em Fá Mandinga tínhamos recebido instrução de combate dentro de cidades [ministrada pelo cap art Morais da Silva, hoje cor ref, membro da nossa Tabanca Grande... LG]. E também recordei o que tinha ouvido do adivinho de Paunca [Mamadu Candé, pág. 166 ]. Que íamos para uma grande cidade e que íamos sofrer muitas baixas. Eu nunca falei nesta conversa a ninguém, a não ser ao João Bacar. Fiquei com estes pensamentos na cabeça".(...) (**)
Trata-se de uma premonição da Operação Mar Verde, o desembarque anfíbio em Conacri em 22/11/1970... Ou será antes uma reconstituição feita "a posteriori", na sequênciua da operação ou muitos anos depois, pelo Amadu ? "Afinal, o que adivinho me revelou, batia certo!", terá concluído...
O adivinho não lhe revelava ormenores, de qualquer modo, uma cidade grande, junto ao mar, alvo da ação dos comandos africanos, por via de um desembarque anfíbio, ó podia ser nos países limítrofes, Dakar (Senegal) ou Conacri (República da Guiné).
O recurso a adivinhos, para saber o futuro e aliviar a angústia da incerteza, devia ajudar os combatentes de um lado e do outro a exorcizar o medo, enfim é um ato de securização, tal como uso de amuletos (ou mesinhos) que protegem o corpo contra as balas do inimigo, era muito frequente, nesse tempo, entre os guineenses, quer do PAIGC, quer das nossas tropas.
Amílcar Cabral sempre lutou contra estes aspetos "menos racionais" do comportamento dos seus militantes, e em particular dos seus combatentes. O 'Nino' Vieira, por exemplo, não se deslocava no mato em situações de combate sem o seu arsenal de amuletos, e de ajudantes que os carregavam.... Quem o diz é o comandante Bobo Keita (ou Queita) ( In: Norberto Tavares de Carvalho, De campo a campo: conversas com o comandante Bobo Keita. Edição de autor, Porto, 2011. (Impresso na Uniarte Gráfica, SA; depósito legal nº 332552/11). Posfácio de António Marques Lopes. p. 197). (***)
Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Fá Mandinga > Pel Caç Nat 63 (1969/71) > O "alfero Cabral", "completamente apanhado do clima"... O nosso saudoso alf mil at art Jorge Cabral (1944-2021) ostentando, ao peito, um amuleto de origem fula ou mandinga, e mais dois, um à cintura e outro no direito ...
(*) Vd. poste de 15 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24224: Recordando o Amadu Bailo Djaló (Bafatá, 1940 - Lisboa, 2015), um luso-guineense com duas pátrias amadas, um valoroso combatente, um homem sábio, um bom muçulmano - Parte XXIV: As previsões agoirentas do adivinho Mamadu Candé que nos via, a mim e ao João Bacar Jaló, a viajar num barco para desembarcarmos numa grande cidade e aí a sofrer muitas baixas (... só não nos disse o nome da cidade: Conacri...)
(***) Último poste da série > 4 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24194: (Ex)citações (424): Adeus, até ao meu regresso !... Mas em que ainda se fala de esquizofrenias galopantes, de Diniz de Almeida e do velho... do Restelo da Revolução (José Belo, Suécia)