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segunda-feira, 13 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26386: Humor de caserna (95): Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau (António Reis)


Guiné > Bissau > Hospital Militar 241 > Natal de 1967 > "Foto que me foi oferecida pelo grande amigo  António Malheiro (natural de Lamego, vive no Porto)."


Foto (e legenda): © António Reis (2023). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Tombali > Cachil > CCAÇ 1423 > Monumento funerário, à memória dos Fur Mil Condeço e Boneca, mortos na tarde de 24 de dezembro de 1966 (ainda evacuados para o HM 241). (****)

Foto (e legenda): © Ex-1º Cabo Gandra / Hugo Moura Ferreira (2006). 
Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Ex-1º cabo aux enf, HM 241, Bissau, 1966/68; natural de Avintes, V. N. Gaia, é membro da nossa Tabanca Grande, nº 882; é autor de dois livrinhos de memórias da Guiné; tem página no Facebook... Vai fazer 81 anos no próximo dia 28 de fevereiro.

Gosto de reler o seu título "A minha jornada em África", com as as suas pequenas histórias do dia dia do HM 241 (Bissau), onde há uma sempre uma mistura de ternura, compaixão, humanidade, humildade, gratidão... e ironia". Tem uma boa memória.

Algumas delas tem perfeito cabimento na nossa série "Humor de caserna". Como esta que vamos aqui reproduzir, com a devida vénia, "Os Natais"...

Ele passou dois, no CTIG, o de 1966 e 1967. Um, o de 66, passado em família, a grande família do hospital, onde não faltaram oficiais e sargentos, médicos e enfermeiros, esposas que vieram da metrópole, etc., e onde não faltou nada do bom e do melhor... O de 67, bom... "também não foi mau", mesmo sem convidados... À boa melhor maneira portuguesa, ele justifica-se: havia quem estivesse pior, no mato...

Os meus Natais de 66 e 67 no HM 241, em Bissau...

por António Reis


O de 66 foi um Natal passado em família, a família do hospital mais os convidados. 

As mesas forma postas cá fora; foram os oficiais médicos e os não médicos, os sargentos... Foram muitas esposas da metrópole para passarem o Natal.

Para quem estava habituado a pouco como eu, diria que nada faltou. Na nossa mesa andava, à vez, um de nós quase sempre de pé para desenrascar o que faltava.

Para quem estava em guerra foi um bom Natal, mas para que não esquecêssemos que estávamos em guerra, não faltaram  os helicópteros com mortos e feridos, por mais de uma vez, uma das quais com um capitão, já morto (**), e outra com dois furriéis gravemente feridos.

Um deles, se bem me lembro era uma figura do mundo do desporto, conhecido por "furriel boneco": ficaram ambos na minha enfermaria. Não me lembro se morreram os dois, mas pelo menos o "boneco" morreu. (***)

Assim se passou o Natal de 66, só que depois veio janeiro e passámo-lo, nós, as praças, a comer "bianda" (arroz) ao almoço e "bianda" ao jantar, para pagar a fatura do que foi gasto na noite de Natal.

No Natal de 67, como não foram  convidados nem médicos nem sargentos, nem ninguém estranho ao serviço, passámo-lo no nosso modesto refeitório, feito em hexágonos de cimento, tendo como telhado chapas de zinco, sem nada a lembar qiue era o Natal.

Não foi mau, porque outros o passaram metidos em abrigos que tinham furado, ou tinham sido feitos com camadas de troncos de árvores, e  a frazerem uma prece para chegarem ao dia seguinte.



Fonte: António Reis, "Os Natais". In: A minha jornada de África, 1ª ed., s/l, Palavras e Rimas, Lda, 2015, pp. 75/76,

(Revisão/ fixação de texto, título: LG)

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Notas do editor:

(*) Ultimo poste da série > 11 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26377: Humor de caserna (94): "Ó meu alferes, telefone à minha mulher e diga-lhe que morri a pensar nela!" ... Ou para o que davam as sezões!... (Alberto Branquinho, "Cambança Final", 2013)

(**) Vd,. poste de 17 de setembro de 2009 > Guiné 63/74 - P4968: In Memoriam (32): Cap Mil Art Fausto Manteigas da Fonseca Ferraz, CART 1613, morto pelo Sold Cavaco, na véspera do Natal de 1966

(***) Não era alcunha mas apelido: "Boneca" e não "boneco": José Manuel Caracol Boneca, algarvio de Portimão...Vd. aqui os dois furriéis, gravemente feridos, que vão morrer no HM 241 na Consoada de 1966, ambos vítimas de rebentamento de uma armadilha, no Cachil:

Álvaro Nuno Florentino Condeço, fur mil at inf, CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Évora,

José Manuel Caracol Boneca,  fur mil sapador,  CCAÇ 1423 / BCAÇ 1858, natural de Portimão.


(****) Vd. poste de 18 de dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2361: O meu Natal no mato (4): Cachil, 1966: A morte do Condeço e do Boneca, CCAÇ 1423 (Hugo Moura Ferreira / Guimarães do Carmo )

terça-feira, 31 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26329: Tabanca da Diáspora Lusófona (28): o luso-canadiano, de origem madeirense, João E. Abreu, ex-sold cond auto, CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) - Parte II

 


Foto nº 13  > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > Buruntuma > Natal de 1968 >  



Foto nº 14  > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) >  Nova Lamego > Natal de 1967


Foto nº 15  > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > s(l > s/d > Equipa de futebol




Foto nº 16A e 16 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > Buruntuma
 > c. abril 68 / mai 69 >: Equipa de futebol... O Eusénio é sehundo de pé, a contar da esquerda para a direita.




Foto nº 17 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > Buruntuma > 1969 > Equipa de futebol dos condutores... (Mas a melhor era a das transmissões, diz o Zé Rosa Neto...). O Eusébio é o primeiro da esquerda, na primeira fila.




Foto nº 18 > Guiné > Zona Leste > Região de Gabu > CART 1742 (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) > Nova Lamego
 > 1967 >  "Quem se recorda destes jovens ? *ara ajudar a indificá-los aqui vão os seus nomes:e, primeiro plano da direita, Anibal, Santos, Eusebio, Pereira, Lemos;  em baixo Pires, Monçáo, Guimarães,  Fafe"

Fotos (e legendas): © João E. Abreu (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


João Eusénio Abreu

1. Estamos a selecionar, editar e publicar,  com a devida vénia,   algumas das fotos do nosso camarada João Eusébio Abreu, ex-sold cond auto, CART 1742, "Os Panteras" (Nova Lamego e Buruntuma, 1967/69) Tem cerca de duas dezenas de fotos disponíveis "on line" na sua página do Facebook (Joáo E. Abreu).

 É amigo do Facebook da Tabanca Grande. Temos em comum o amigo (e camarada) Abel Santos (ex-sold at inf,  também da CART 1742), que muito tem contribuído para que os "Panteras" de Nova Lamego e Buruntuma  não sejam votados ao esquecimento. Já trouxe com ele mais quatro camaradas da CART 1742:


(i) 
António Joaquim Oliveira, ex-1.º cabo quarteleiro (membro da Tabanca Grande nº 760);

(ii) Jaime da Silva Mendes, ex-sold at inf, natural de Braga (senta-se à sombra do nosso poilão mnp lugar nº 762);

(iii) José Rosa Neto, ex-1.º cabo radiotelegrafista, grão-tabanqueiro nº 823;

(iv) José Horácio Dantas, ex-1.º cabo at art, apontador de bazuca, natural de Lama, concelho de Barcelos (grão-tabanqueiro nº 765);


Já  convidámos o João Eusébio Abreu a entrar para o Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné.  Ficaríamos honrados cokm a sua presença. Precisaamos que nos responda para o nosso email: 

 Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné:


Regúlo da Tabanca da Diáspora Lusófona: João Crisóstomo, Nova Iorque:

crisostomo.joao2@gmail.com
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sábado, 28 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26320: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte V: Um ano depois, pelo Natal de 73, dá-se iníco à Op Estrela Telúrica: "Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade" (António Graça de Abreu, CAOP1, Cufar, 22, 25 e 26 de dezembro de 1973).



Foto nº 1




Foto nº 2


Guiné > Região de Tombali > Cufar > CAOP1 > c. 1973/74 > Em cima, o António Graça de Abreu, em Cufar, no rio Cumbijã (foto nº 1); na foto seguinte (nº 2), posando de camuflado, no aeroporto de Cufar, em janeiro de 1974, com Miguel Champalimaud.

Fotos (e legendas): © António Graça de Abreu (2007). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um ano depois do início da Op Grande Empresa (*), o Cantanhez continua a "ferro e fogo"... É o que se deduz da leitura do incontornável diário do  António Graça de Abreu, de que já publicamos,  em tempos,  extensos excertos, com a devida autorização do autor. 

Estamos a falar do  "Diário da Guiné: Lama, Sangue e Água Pura" (Lisboa: Guerra & Paz Editores, 2007, 220 pp)

Recorde-se que o nosso António Graça de Abreu:

(i)  chegou a Bissau a 24/6/1972, vindo de DC-6, de Lisboa;

(ii) foi colocado no CAOP1 - Comando de Agrupamento Operacional nº 1, sediado em Canchungo (Teixeira Pinto);

(iii) era alferes miliciano, com a especialidade de atirador de infantaria, reclassificado por incapacidade parcial em "Secretariado, Serviço de Pessoal";

(iv)  chegou a Canchungo, de helicóptero, a 26, de manhã;

(v) nunca identifica, no livro,  o seu primeiro comandante, coronel paraquedista [ Raul Durão, durão de apelido e durão no exercício da autoridade];

(vi) tinha um diário, onde escrevia quase todos os dias (ou, em alternativa, cartas e aerogramas que mandava à sua mulher, num total de 347, até ao fim da comissão, em  17/4/1974);

(vii)  teve os seus primeiros "trinta e cinco dias de férias em Portugal" de 7 de novembro a 17 de dezembro de 1972 (período em que não tem quaisquer notas no seu Diário); (uns dias antes, a 12, começara a Op Grande Empresa, no sul da Guiné);

(viii)   passou depois por Mansoa (Parte II do Diário) para acabar a sua comissão, sempre no CAOP1, em Cufar, no sul da Guiné (Parte III).

É desta III parte do seu diário, que transcrevemos as suas entradas relativas aos dias 22, 24 e 26 de dezembro de 1973. É já com-chefe e governador da Guiné o gen Bettencourt Rodrigues. 

É em Cufar que o António Graça de Abreu passa o seu Natal de 1973, o seu segundo Natal na Guiné, numa época claramente de escalada da guerra no sul... 

Estava em curso mais uma grande operação no Cantanhez, a Op Estrela Telúrica, na sequência  da Op Grande Empresa (reconquista e reocupação do Cantanhez, península do Cubucaré, dezembro de 1972-junho de 1973). 

Como ele escreveu ironicamente, "Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação 'Estrela Telúrica.' Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade". 



2. Excertos do Diário da Guiné:


(...) Cufar, 22 de dezembro de 1973 

Deixei a cidade [de Bissau], deixei o frenesim das gentes, os motores, a poluição, a confusão e regressei ao bucolismo do campo, à nada pacata aldeia africana, aos rebentamentos de granadas, foguetões e bombas, às cabeças alteradas pela guerra, ao desamor e aos medos.

Ao descer do Nordatlas na pista da Cufar, deparei-me logo com a nossa ambulância à espera, pronta para as evacuações para Bissau. Mais um morto e oito feridos, fuzileiros estacionados no Chugué,  atacados no rio Cumbijã,  mesmo em frente a Cufar.

Preparam-se grandes operações na zona. Os comandos africanos vêm cá para baixo fazer mortos, ter mortos. Ontem – isto é muito animador! – deslocaram-se para Cufar mais dois médicos (um cirurgião e um anestesista) mais uns tantos enfermeiros. Trouxeram uns quilos largos de aparelhagem médica e cirúrgica, e materiais para primeiros socorros, enfim temos um aparato clínico capaz de assustar o menos medroso.


Os pobres vão morrer com a certeza de que morrerão bem acompanhados e assistidos.

Por estes dias, chegarão mais quinhentos homens, três companhias de comandos africanos, mais a minha conhecida 38ª de Comandos e ainda talvez paraquedistas. Estes homens vão tentar a “limpeza” do Cantanhez. Em Bissau, encontrei alguns alferes amigos da 38ª que me puseram a par do que se espera com esta operação. Os rapazes também estão receosos, o moral não é elevado.


Entretanto, os Fiats continuam a bombardear aqui à nossa volta, com poucos resultados, parece que os guerrilheiros já possuem abrigos à prova da nossa aviação.

Cufar, 24 de dezembro de 1973 


Tempo de Natal. Paz na terra aos homens de boa vontade, na Guiné em guerra.

Fui a Cadique com o meu coronel, de sintex, dez quilómetros descendo o rio Cumbijã.  

Os pobres de Cadique,  a 1ª C/BCAÇ 4514/72  , que tiveram dois mortos na terça-feira passada, estão a entrar na engrenagem da loucura. Já houve soldados que se recusaram a sair para o mato. Outros, ou os mesmos, na confusão de uma flagelação, atiraram com uma granada de mão ao tenente-coronel,  comandante do batalhão que não o atingiu por pura sorte. 

O tenente-coronel não tem culpa do sofrimento e da morte dos seus homens, limita-se a cumprir ordens, não pode pegar no batalhão e marchar sobre Bissau, ou sobre Lisboa. De resto, entre os muitos oficiais do QP que tenho conhecido, este tenente-coronel é um dos homens mais humanos e sensíveis ao sofrimento dos seus subordinados.

A zona de Cadique é terrível, os guerrilheiros deixaram construir a estrada para Jemberém e agora passam o tempo a dinamitá-la e a emboscar as NT. Sabotaram os sete pontões do trajecto, abriram enormes brechas no asfalto, em vários sítios. 

Para arranjar a estrada, a tropa de Cadique avança com camionetas carregadas de terra e troncos de árvore. Depois dos primeiros dois quilómetros, começam a ser flagelados. Quem quer caminhar para a morte?

Os dias estão tão bonitos! Frescos, serenos, com pouca humidade, manhãs de sol que abrem os braços para os homens, o fumo a sair das tabancas e a espalhar-se sobre os campos, como em Portugal. A natureza não tem culpa da insensatez, do desvario da espécie humana.


Cufar, 26 de dezembro de 1973

Graças ao Natal, umas tantas iguarias rechearam as paredes dos nossos estômagos. Houve bacalhau do bom, frango assado, peru para toda a gente e presunto, bolo-rei, whisky e espumante à discrição, só para oficiais. 

Fez-se festa, fados, anedotas, bebedeiras a enganar a miséria do nosso dia a dia.

Hoje, 26 de Dezembro, acabou o Natal e, ao almoço, regressámos às cavalas congeladas com batata cozida e, ao jantar, ao fiambre com arroz.

Isto não tem importância, importante é a ofensiva contra os guerrilheiros do PAIGC desencadeada na nossa região com o bonito nome de “Estrela Telúrica”. Acho que nunca ouvi tanta porrada, tantos rebentamentos, nunca vi tantos mortos e feridos num tão curto espaço de tempo. E a tragédia vai continuar, a “Estrela Telúrica” prolongar-se-á por mais uma semana.

Tudo começou em grande, com três companhias de Comandos Africanos, mais os meus amigos da 38ª CCmds, fuzileiros e a tropa de Cadique a avançarem sobre o Cantanhez. O pessoal de Cadique começou logo a levar porrada, um morto, cinco feridos, um deles alferes, com certa gravidade. 

Ontem de manhã, dia de Natal, foi a 38ª de Comandos a “embrulhar”, seis feridos graves entre eles os meus amigos alferes Domingos e Almeida, hoje foram os Comandos Africanos comandados pelo meu conhecido alferes Marcelino da Mata,[1] com dois mortos e quinze feridos. Chegaram com um aspecto deplorável, exaustos, enlameados, cobertos de suor e sangue. Amanhã os mortos e feridos serão talvez os fuzileiros… No dia seguinte, outra vez Comandos ou quaisquer outros homens lançados para as labaredas da guerra. 

O IN, confirmados pelas NT, só contou seis mortos, mas é possível que tenha morrido muito mais gente, os Fiats a bombardear e os helicanhões a metralhar não têm tido descanso.

Na pista de Cufar regista-se um movimento de causar calafrios. Hoje temos cá dez helicópteros, dois pequenos bombardeiros T-6, três DO, dois Nordatlas e o Dakota. A aviação está a voar quase como nos velhos tempos. 

Os helis saem daqui numa formação de oito aparelhos, cada um com um grupo constituído por cinco ou seis homens, largam a tropa especial directamente no mato, se necessário os helicanhões dão a protecção necessária disparando sobre as florestas onde se escondem os guerrilheiros, depois regressam a Cufar e ficam aqui à espera que a operação se desenrole. 

Se há contacto com o IN e se existem feridos, os helicópteros voltam para as evacuações e ao entardecer vão buscar os grupos de combate novamente ao mato. Ontem, alguns guerrilheiros tentaram alvejar um heli com morteiros, à distância, o que nunca costuma dar resultado.

Sem a aviação, este tipo de operações era impossível. Durante estes dias os pilotos dormem em Cufar e andam relativamente confiantes, há muito tempo que não têm amargos de boca. Os mísseis terra-ar do IN devem estar gripados porque senão, apesar dos cuidados com que se continua a voar, seria muito fácil acertar numa aeronave, com tanto movimento de aviões e hélis pelos céus do sul da Guiné.

Cufar fica a uns quinze, vinte quilómetros da zona onde as operações se desenrolam. Todos os dias, às vezes durante horas seguidas, ouvimos os rebentamentos e os tiros dos “embrulhanços”, das flagelações. É impressionante o potencial de fogo, de parte a parte. Os guerrilheiros montam também emboscadas nos trilhos à entrada das matas onde se situam as suas aldeias. Aí as NT começam a levar e a dar porrada, e não têm conseguido entrar nas povoações controladas pelo IN.

Natal, sul da Guiné, ano de 1973, operação “Estrela Telúrica.” Tudo menos paz na terra aos homens de boa vontade.

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Nota do autor:

 [1] Sobre o acidentado percurso do alferes Marcelino da Mata, ver a narração pessoal da sua participação nesta guerra em Rui Rodrigues, (coord.), Os Últimos Guerreiros do Império, Editora Erasmos, Amadora,1995, pp. 195-213.

(Revisão / fixação de texto, para publicação no blogue: LG)

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sábado, 7 de dezembro de 2024

Guiné 61/74 - P26242: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte III: Dois amargos Natais, em Caboxanque (1972) e Cadique (1973) (Rui Pedro Silva, ex-cap mil, CCAV 8352, Caboxanque, 1972/74)



Foto nº 1 > Guiné > Região de Tombali > Caboxanque > CCAV 8352/72 (1972/74) > Vista aérea do futuro aquartelamento


Foto nº 2 > Guiné-Bissau > Região de Tombali > 2014 >  Perímetro defensivo, em esquema aproximado, sobre imagem atual, do Google Earth (com a devida venia...). CCaboxanque fican maragem esquerda do Rio Cambijá: vd. infografia abaixo)


Fotos do álbum do nosso grão-tabanqueiro, nascido em Angola, Lobito, Rui Pedro Silva, que foi sucessivamente:

(i)  alf mil, CCAÇ 3347 (Angola, 1971);

(ii)  ten mil, BCAÇ 3840 (Angola, 1971/72);

(iii) cap mil, CCAV 8352 (Guiné, Caboxanque, 1972/74). 

Passou 3 Natais no mato (em Angola, 1971, e na Guiné, Caboxanque, em 1972,  e Cadique, em 1973).


Fotos (e legendas): © Rui Pedro Silva (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça E Camaradas da Guiné ] (*)




Guiné > Região de Tombali > Carta de Bedanda (1956) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bedanda, Cobumba, Cufar, Caboxanque, rio Cumbijã e seu  afluente, o rio  Bixanque.

Infografia:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné   (2024).

 *


 Dois amargos natais, em Caboxanque (1972) e Cadique (1973)

por Rui Pedro Silva


A 21 de dezembro de 1972 a CCav 8352, que eu comandava, desembarcou em Caboxanque, no âmbito da operação Grande Empresa (**), iniciada a 12 de dezembro, a qual tinha como objetivo a ocupação do Cantanhez.

A IAO no Cumeré durou 15 dias e logo marchámos para Cufar,  divididos em dois grupos: o  primeiro grupo deslocou-se de Noratlas a 19 de novembro de 1972 e o segundo de LDG a 21, e  com ele todo o equipamento para a instalação de uma companhia: do equipamento de cozinha às tendas e colchões pneumáticos, das viaturas ao gerador, das armas e munições às rações de combate, etc.

Para todos nós era seguro que não íamos render uma outra companhia e, ao chegar a Cufar, desde logo ficou claro que não seria aquele o nosso destino. Logo no desembarque recebi instruções para conservar o material carregado nas viaturas e tudo o resto guardado num improvisado “armazém”.

Nesse momento ainda não sabíamos da operação a que estávamos destinados. Nas quatro semanas que estivemos em Cufar realizámos operações de patrulhamento da zona, segurança à pista e ao porto e à construção da estrada Cufar - Catió. 

Da sede do batalhão, em Catió [BCAÇ 4510/72, Sector S3, em 1/7/73], vinham insistentes recomendações para nos concentrarmos na segurança da estrada. Havia um claro desentendimento entre os responsáveis em Cufar e a sede do Batalhão. 

A segurança na estrada mantinha-se 24 horas por dia,  rodando por todos os grupos de combate da companhia de Cufar  [CCAÇ 4740/72, em 1/7/73] e da minha  [CCAV 8352/72 ] e portanto não se percebia a insistência.

A preocupação de Catió resultava do facto de estar em curso uma manobra de diversão procurando atrair o PAIGC para aquela zona,  levando-o a mobilizar os seus efetivos para Cufar e assim garantir uma menor resistência à entrada das nossas tropas no Cantanhez. 

Esta manobra teve pleno êxito. O PAIGC foi surpreendido com a entrada das nossas tropas em Cadique [CCAÇ 4540/72, em 1/7/73, rendida em 22/7 pela 1ª C/BCAÇ 4514/72 mas só regressou a Bissau em 17/8]  e Caboxanque,  não oferecendo qualquer resistência nos primeiros dias.

 A Op Grande Empresa foi muito bem descrita no livro “A Última Missão”,  do sr. cor pqdt Moura Calheiros. Como tive oportunidade de lhe dizer na altura da publicação:

“A sua narrativa permite ao leitor ter uma visão mais abrangente da guerra na Guiné e, ao mesmo tempo, navegar consigo no seu PCA, progredir com os seus bigrupos nas missões mais arriscadas, partilhar a angústia das decisões mais difíceis, confrontar-se com a orientação estratégica do Comando-Chefe, conhecer a atuação da guerrilha, viver a vida de um militar naqueles duros tempos e cumprir a nobre missão de resgate dos militares portugueses falecidos e sepultados na Guiné. 

"Ao ler as páginas deste seu livro revejo e identifico pessoas com quem partilhei uma parte importante da minha vida e situações em que a minha companhia esteve também envolvida e que constituem pedaços da história dos paraquedistas, das forças armadas portuguesas e do nosso país.”

Recomendo vivamente a leitura deste livro a quem ainda não o fez porque nele revemos, cada um de nós, ex-combatentes, uma parte da nossa história. Cerca de seis meses depois,  e em resultado da Op Grande Empresa,  existiam 7 novos aquartelamentos
 [no Cantanhez] :

  • Cadique,
  • Caboxanque,
  • Cafal,
  • Cafine,
  • Jemberem,
  • Chugué
  • e Cobumba.

O COP 4, comandado pelo sr. ten-cor pqdt Araújo e Sá, comandante do BCP 12, coadjuvado pelo seu segundo comandante e oficial de operações, maj pqdt Moura Calheiros,  foi a unidade operacional responsável pela operação.

Mas fiz esta longa introdução para abordar o tema do Natal.

Os quatro dias que mediaram desde a nossa entrada em Caboxanque até ao Natal de 1972, foram preenchidos em ciclópicas tarefas de instalação da companhia, segurança no perímetro defensivo e reconhecimento da zona operacional.

O perímetro tinha cerca de 3,5 km  (Fotos  nº 1 e 2) e só foi possível garantir a segurança de Caboxanque instalando os grupos de combate e cada uma das suas secções ao longo da linha de defesa, ficando a CCav 8352 instalada em metade do perímetro virado a norte e a CCaç 4541 na metade virada a sul. 

Instalados em valas cavadas em contrarrelógio, sem arame farpado e apenas separados da mata do Cantanhez por um largo espaço que as maquinas da engenharia terraplanaram, com a ração de combate a alimentar a nossa fome, a noite escura a servir de cobertor e a angústia de podermos ser surpreendidos pelo PAIGC nessa nossa tão frágil posição, assim se encontravam os militares sob meu comando, carregando sob os meus ombros a enorme responsabilidade do que lhes pudesse acontecer naquelas difíceis circunstâncias.

No dia de Natal a companhia estava dispersa pelo perímetro de Caboxanque, um grupo de combate tinha saído com um bigrupo paraquedista, em patrulhamento, e em Cufar ainda permaneciam alguns militares da companhia, guardando todo o material que lá tinha ficado. 

Sem meios frio a funcionar e portanto sem géneros frescos,  as refeições limitaram-se às rações de combate e a uma sopa improvisada com o pouco que diariamente se trazia de Cufar.


Foto nº 3
Estes foram dias muito difíceis para todos. Numa fotografia que aqui junto (Foto nº 3)  podem verificar como eram feitas as distribuições das refeições ao longo do perímetro. Quando o Unimog que fazia este serviço chegava junto da última secção já a refeição que transportava estava fria.

Um ano antes, no 
Natal de 1971, estava em Angola, nos Dembos, na sede do BCAÇ 3840 sediado em Zemba e na escala de serviço coube-me ser o oficial de dia. (...)

Natal de 1973 foi passado em Cadique para onde a CCav 8352 tinha sido enviada, por um mês, no âmbito da Op Estrela Telúrica que envolveu entre outras forças o Batalhão de Comandos. (Vd. o que escreveu, no seu "Diário da Guiné", o nosso camarada António Graça de Abreu, então em Cufar, no CAOP1).

 Instalados em condições muito precárias, sempre com grupos de combate em acção, principalmente junto à estrada Jemberem – Cadique, este foi o terceiro e o nosso pior Natal em guerra.

Dois dias antes do Natal um grupo de combate da minha companhia e outro da companhia de Cadique foram emboscados quando vinham render outros 2 grupos de combate da CCav 8352 que eu naquele dia comandava. 

Em resultado da emboscada houve mortos e feridos entre os militares da companhia de Cadique.

A moral do pessoal de Cadique estava a um nível muito baixo e assistimos a alguns actos de desespero, como a recusa a sair para operações ou tentativas de acionar uma granada defensiva junto do comando. (...)

(Seleção, revisão / fixação de texto,  parênteses retos, título: LG)


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Notas do editor:
 
(*) 25 de dezembro de 2014 > Guiné 63/74 - P14080: O meu Natal no mato (42): 1971, em Zemba (Angola); 1972, em Caboxanque; 1973, em Cadique (Rui Pedro Silva, ex- cap mil, CCAV 8352, Cantanhez, 1972/74)

(**) Último poste da série > 5 de dezembro de 2024 > Guiné 61/74 - P26236: Operação Grande Empresa, a reocupação do Cantanhez e a criação do COP 4, a partir de 12 de dezembro de 1972 - Parte II: O BCP 12, o "112" do Com-Chefe

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25583: Fotos à procura de...uma legenda (181): Bambadinca, Natal de 1968: Hoje há leitão à Bairrada à mesa do Zé Soldado (Manuel da Costa, ex-sold maqueiro e barbeiro, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)




Guiné > Zona leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > Vésperas de Natal de 1968 > O sold maqueiro Manuel da Costa, de bata branca, finge que faz a "vistoria sanitária" aos leitões que irão à mesa natalícia... Leitões "turras", por certo comprados nas tabancas de Nhabijões, consideradas sob "duplo controlo"... Mas a legenda pode ser melhorada pelos nossos leitores (*)... Por exemplo: "o vagomestre perdeu a cabeça"... Ou: "Leitões ? Só de aviário!...". Ou ainda: "Comprados ? Os balantas não os vendiam aos 'tugas', só se fossem 'atropelados' peçlo burrinho"...

Foto (e legenda) : © Manuel da Costa (2015).  Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O Manuel da Costa é o barbeiro mais famoso de Dalvares, Tarouca. Foi sold maqueiro, CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70), pertencendo aos serviços de saúde , chefiados pelo saudoso alf mil médico David Payne. E lá também exerceu a arte de barbeiro, escanhoando caras e rapanda couros cabeludos de oficiais, sargentos e praças.

Tem uma página na Net (Nova Barbearia Costa). Foi profissionamente motorista de longo curso. Reformado, tomou conta e remodelou a barbearia do seu pai.(**)

Da sua página do Facebook (ele é também amigo da nossa página, Tabanca Grande Luís Graça),  tomámos a liberdade  de lhe pedir emprestada esta imagem, que fala por si (vd. acima): o nosso soldado maqueiro a exercer, com rigor e vigor, a autoridade de vedor das carnes que hão de ir às mesas  da Consoada (embora separadas) da Nobreza, do Clero e do Povo, em Bambadinca, 1968...

Acrescenta ele, bem humorado: 

(...) Esta foto foiu irada nas vésperas do Natal de 1968 onde estou numa brincadeira fazendo crer que estava a examinar os leitões. Chamaram-me na barbearia que era junto à cozinha e refeitório geral para os praças e cabos. O que está em tronco nu é o cabo cozinheiro Carneiro e o do camuflado era o cozinheiro Teixeira, já falecido" (...)

(...) Fiz parte da Companhia Comandos e Serviços (CCS) do Batalhão de Caçadores 2852. estava ligado à enfermagem como maqueiro, mas dado a minha profissão de barbeiro que tinha na vida civil desde 1964, comecei a desempenhar essa arte na barbearia do comando, alternando sempre que era preciso vir à enfermaria e aos domingos sempre que o ilustre e saudoso médico Dr. David Payne, já falecido, precisava, lá ia eu fazer psíco às Tabancas só para rapar os cabelos das feridas crónicas dos civis. (...).

Já em tempos o convidei a ingressar no blogue da Tabanca Grande. Ele tem hitórias para contar e mais fotos para partilhar. Não sei se tem aparecido nos convívios anuais da malta de Bambadinca (1968/71): nunca o encontrei, mas eu também sou pouco assíduo (em 28 convívios, fui a meia dúzia)... De qualquer modo, o Manuel da Costa será bem vindo ao nosso blogue. (**)

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Notas do editor:


(**) Vd. poste de 30 de maio de  2015 >  Guiné 63/74 - P14680: Efemérides (190): o ataque a Bambadinca foi há 46 anos, em 28/5/1969, recorda o barbeiro mais famoso de Dalvares, Tarouca, o Manuel da Costa, que foi sold maqueiro, CCS/BCAÇ 2852 (1968/70)

quinta-feira, 31 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23127: Álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) - Parte II: Bindoro, Natal de 1970: visita do gen Spínola

Foto nº 1 >  Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola e do capelão José Torres Neves: vieram de Bissá para Bindoro, de helicóptero.


 Foto nº 2A > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (1)

Foto nº 2B > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (2)


Foto nº 2C > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (4)


 Foto nº 2D > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (4)


 Foto nº 2 > Guiné > Região do Oio > Sector 4 (Mansoa > BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) > CCAÇ 2588 > Natal de 1970 > Destacamento de Bindoro > Visita no gen Spínola (5)

Fotos (e legenda): © José Torres Neves (2022). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Continuação da publicação do álbum fotográfico do Padre José Torres Neves, ex-alf mil capelão, CCS/BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71)-

Organização e a seleção feitas pelo seu amigo e nosso camarada Ernestino Caniço, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2208 (Mansabá e Mansoa) e  Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, (Bissau) (Fev 1970/Dez 1971) (médico, foi diretor do Hospital de Tomar, 6 anos, de 1990 a 1996, e diretor clínico cumulativamente 3 anos, de 1994 a 1996, vivendo então em Abrantes; hoje vive em Tomar).

O José Torres Neves é missionário da Consolara, ainda no ativo. Vai fazer 86 anos.
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domingo, 9 de janeiro de 2022

Guiné 61/74 - P22891: Antologia (80): O Natal, mesmo na guerra, é quando um homem quiser (e puder)... (Jorge Cabral, 1944-2021)



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Missirá > Pel Caç Nat 63 > 1970 ou 1971 > O Alf Mil At Art Jorge Cabral mais o seu amigo Malan.

Foto (e legenda): ©  Jorge Cabral (2005). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. As mensagens que acompanhavam as  "estórias cabralianas" eram sempre curtas, para não dizer telegráficas. Como esta que acompamnhou a "estória cabraliana" nº 30 (Natal em Novembro). (*)

Querido Amigo, Para ti e todos os Tertulianos, o Bom, o Melhor, o Óptimo!

Estar vivo é já celebrar o Natal!

Abraço Grande
Jorge

PS - Junto Foto. Regressado de uma operação, tinha sempre à minha espera o meu Amigo Malan


Republico a "estória" como homenagem ao nosso "alfero Cabral" (**), o "alter ego" de Jorge Cabral (1944-2021).  A sua sensibilidade humana e o sua capacidade de contar uma pequena história em meia dúzia de linhas continuam a surpreender os seus leitores e admiradores...  "Um Natal em Novembro", chamou-lhe. Em plena guerra. No regulado do Cuor, em "terra de ninguèm". Afinal, o Natal, mesmo na guerra, é quando um homem quiser (e puder). Um texto de antologia (***).


2. Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro

por Jorge Cabral


Amanheceu igual, só mais um dia em Missirá. Para o Mato Cão, vai o Alferes, uma secção, e o maqueiro Alpiarça. É lá chegar, esperar, ver o barco e voltar. Não há tempo para o sonho – do outro lado nem Gaia, nem Almada…

Já estamos de regresso, ouvimos restolhar. Vem aí gente. Neste lugar só podem ser os turras. Claro que, como sempre, o Alferes empunha apenas o seu pingalim e, em vez do camuflado, enverga camisa branca e calções de banho.

Paramos, agachamos, aguardamos. Porra, e se são muitos? Apanhado à mão, assim vestido, pensa o Alferes… Mas não, são três mulheres e um bebé. Doente, muito doente, informa a jovem mãe. Quem são, de onde vêm, ninguém pergunta.

Monta-se segurança, rodeando a mãe, o filho e o Alpiarça. O bebé está muito mal, quase não respira.
- Dá-lhe soro, aspira o muco, alivia-lhe os brônquios – grita o Alferes, subitamente médico.

Arrebita o bebé, elas agradecem e partem. Não perguntou o Alferes para onde, mas não era difícil adivinhar…

Foi em Novembro, estava calor, o Menino era Braima e não Jesus, nenhuma estrela iluminava o céu, e o Alferes não se parecia com os Reis Magos. Porém ainda hoje, ele acredita, que ali no meio do mato, naquela tarde, aconteceu Natal.

Jorge Cabral

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 21 de Dezembro de 2007 > Guiné 63/74 - P2369: Estórias cabralianas (30): Um Natal em Novembro (Jorge Cabral)

(**) Vd. poste de 8 de janeiro de 2022 > Guiné 61/74 - P22890: "Alfero Cabral cá mori": Lista, por ordem numérica e cronológica,  das 94 "estórias cabralianas" publicadas (2006-2017) - Parte II: de 20 a 39

segunda-feira, 20 de dezembro de 2021

Guiné 61/74 - P22824: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI: A "marcha louca" na véspera do Natal de 1973



Foto nº 1 


Foto nº 1A

Foto nº 1 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > c. Natal de 1973 Algures entre Cumbijã e Nhacobá > Base de lançamento das granadas de canhão sem recuo do IN contra o Cumbijã... São bem visíveis  duas valas cavadas feitas à medida do apontador e do municidor do canhão s/r  (Foto nº 1A) > Foto: Cortesia de Carlos Machado 



Foto nº 2

Foto nº 2A

Foto nº 2 B

Foto nº 2 >  Guiné > Região de Tombali > Cumbijã >  CCAV 8351 (1972/74 >  c. Natal de 1973  > Pelotão da “Marcha Louco” > Marchar, marchar… até encontrar o covil do IN e seu amigos Cubanos... 2º pelotão sendo eu o primeiro de pé à esquerda  (Foto nº 2A) e o líder “louco” da marcha, alferes Afonso, o primeiro de pé à direita (Foto nº 2B).



Foto nº 3 


Foto nº 3 A

Foto nº 3 > Guiné > Região de Tombali > Cumbijã > CCAV 8351 (1972/74 > 1974 > Algures entre Cumbijã e Nhacobá: Os furriéis: Machado e Costa... Na base móvel do PAIGC utilizada com sucesso nos ataques ao Cumbijã com canhóes sem recuo. O Machado tentando encontrar o local das minas por ele colocadas depois deste ser alvo de uma queimada, fazendo desaparecer as referências da sua localização. Esta desminagem ocorreu já depois do 25 de Abril de 74, com o objetivo de sinalizar o local com tampas de “bidon” pintadas (Foto nº 3A). Na altura o Furriel Machado já usava calças da moda, rotas nos joelhos! 

Fotos (e legendas): © Joaquim Costa (2021). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]







O ex- furriel mil Joaquim Costa: natural de V. N. Famalicão,
vive hoje em Fânzeres, Gondomar, perto da Tabanca dos Melros.
É engenheiro técnico reformado.
Tem pronto o seu livro de memórias (, a sua história de vida),
de que estamos a editar alguns excertos, por cortesia sua. 
Tem um pósfácio da autoria do nosso editor Luís Graça.


Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XXI




“A MARCHA LOUCA” 
(para garantir que não haveria “fogo de artifício” no dia de Natal)




Não tenho nenhuma memória do meu segundo Natal no TO da Guiné (1973), contudo julgo que esta “marcha louca” teve lugar nas vésperas desta quadra, tendo em conta o redobrar dos esforços no sentido de garantir alguma tranquilidade neste dia, do qual a tradição não fala de fogo de artifício...

As nossas rotinas continuavam: Patrulhamentos de reconhecimento e proteção na mata, fazer segurança aos trabalhos da estrada, levantar minas e proteger pontões, e, aceitar como fizesse parte destas rotinas as recorrentes flagelações com canhão sem recuo.

Sempre que as flagelações atingiam em pleno o perímetro do destacamento não descansávamos até encontrar o local do lançamento das mesmas, que mais tarde ou mais cedo lá conseguíamos.

Não estávamos preparados para aceitar mais mortes dentro do próprio destacamento com estas flagelações!

Não tínhamos dúvidas que os operadores destes canhões sem recuo eram elementos cubanos,  muito bem preparados tecnicamente. Impressionante a forma como à segunda ou terceira tentativa as metiam quase todas dentro do destacamento. Contudo, é minha convicção que algo mais havia para além da competência técnico dos operadores… “No creo em las brujas, pero hay”.

Enquanto as granadas caiam fora do destacamento,  lá íamos tolerando a ousadia do IN (e seus amigos cubanos). Contudo, quando começavam a cair dentro do perímetro do destacamento a coisa “piava mais fino” e todas as contas eram feitas no sentido de confirmar a direção das mesmas e aferir a distância do local, tendo em vista a sua “caça”.

Geralmente o ataque começava ainda com a luz do dia e acabava já noite posta. Sempre assim atuavam. A noite sempre foi a “praia” do IN, deslocando-se, montando minas e infiltrando-se para o interior do território sem nenhum obstáculo a não ser uma ou outra emboscada noturna e uma ou outra granada de obus.

Os ataques nesta “nesga” de tempo tinha como objetivo evitar a nossa perseguição bem como não denunciar a sua posição,  tendo em conta o clarão provocado pela saída das granadas. Contudo, as últimas canhoadas, já com a noite a cair, acabavam por denunciar a sua direção. Quanto à distância? Alguém disse com toda a propriedade: “é só fazer as contas”, sabendo que a velocidade do som é de 340 m/s...

Já dois pelotões tinham saído com o objetivo de encontrar a base de lançamento das granadas de canhão sem recuo. Nada foi encontrado, pelo que chegou a nossa vez de tentar a sorte. Nesta altura já estava no meu pelotão o meu grande amigo “alfero” Afonso (amigo para a vida), que, não tendo passado todo o calvário da companhia até aí, estava, contudo, imbuído de uma determinação, quase doentia, em encontrar o local do ataque. Na saída vira-se para mim e diz-me com toda a convicção: "Costa, só regressamos ao destacamento depois de encontrarmos a base". Ao que eu repliquei: "Então era melhor reforçarmos as rações de combate !"

Inicia-se assim a “marcha louca”, atravessando trilhos, bolanhas e rasgando a mata com a faca de mato na direção do objetivo que o homem tinha gravado na sua cabeça, sem o auxílio de mapas ou bússolas, que segundo ele só complicavam.

Assumiu a dianteira, substituindo-se ao guia, tornando-se cada vez mais difícil acompanhar o seu andamento. A determinação era tanta que nem nos apercebemos que já estávamos a algum tempo a andar em círculo, com o primeiro da coluna a juntar-se ao último (perante o susto e a estupefação dos dois), caminhando em passo cada vez mais acelerado, mas não saindo do mesmo sítio.

Todas estas voltas se justificavam já que o seu “GPS” marcava que tínhamos chegado ao destino/objetivo. Este estava bem dissimulado na mata. “Manga de ronco”, o nosso homem conseguiu!

Encontramos o local junto a um Baga Baga com duas valas cavadas para se protegerem das nossas granadas de obus (Foto nº 1).

Regressamos ao Cumbijã,  eufóricos e só não demos uma medalha ao nosso “herói” porque foram todas gastas no torneio de futebol inter- turmas (pelotões).

Se o Marcelo da altura fosse o Marcelo de hoje, havia medalha!

No dia seguinte um outro pelotão foi ao local minar a zona, tendo encontrado uma das valas minada.

Felizmente tivemos sossego durante algum tempo, ao fim do qual a rotina voltou…

Continua...

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Nota do editor:

Último poste da série > 26  de novembro de 2021 > Guiné 61/74 - P22754: Paz & Guerra: memórias de um Tigre do Cumbijã (Joaquim Costa, ex-Furriel mil arm pes inf, CCAV 8351, 1972/74) - Parte XX: outras guerras, outros protagonistas: os mosquitos, as abelhas, as formigas, as matacanhas...