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quarta-feira, 19 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26510: Historiografia da presença portuguesa em África (467): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 15 de Outubro de 2024:

Queridos amigos,
Os Boletins Officiais de 1896 e 1897 são muito monocórdicos para meu gosto, isto quando, afinal, quando toma posse em janeiro de 1896, Pedro Ignacio de Gouveia, pela 2.ª vez governador, diz abertamente que vai confrontar com um mar de dificuldades, os conflitos do Forreá parecem eternizar-se; o relatório sobre as condições higiénicas e de saúde pública alusivas a 1896 fazem-nos pressentir que a capital é quase uma enxovia, os materiais importados quer para os hospitais ou para as instalações militares estavam totalmente desinseridos do espaço e do clima, interrompera-se a macadamização das ruas, a ilha tinha pontos saudáveis mas a escolha do lugar da capital era totalmente desacertada, enfim, o responsável da Junta de Saúde vai dizendo verdades com punhos. Notícia curiosa é a da experiência em curso para ver se a Guiné aderiria a um novo sistema de comunicação, a dos pombos-correios.

Um abraço do
Mário


A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1896 e 1897 (23)


Em termos informativos, o Boletim Official referente a 1896 e 1897 é quase uma maçadoria, muitos relatórios de saúde pública, transcrição de regulamentos de Lisboa, chegadas e partidas, nomeações, louvores e punições e, como veremos, há muito mais mundo que a descrição de patentes, comércio internacional, taxas alfandegárias ou artigos didáticos como aquele que nos explica a borracha.

Temos novo Governador, regressa Pedro Ignacio de Gouveia, dirá coisas a propósito, vem registado no Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro: “Reconheço as dificuldades sempre crescentes e renováveis para manter no estado pacífico as tribos irrequietas de diversas origens tão disseminadas por esta província. Para o natural desenvolvimento da província carecemos mantê-la num estado de pacificação tão completo quanto o comércio e a agricultura possam desafogadamente expandir-se.”

Anteriormente, o Secretário-Geral do Governo discursará assim: “É certo que com a ocupação do Forreá, devido à iniciativa e bom senso do antecessor de V.ª Ex.ª, o capitão-tenente da Armada, Eduardo João da Costa Oliveira, muito há a esperar que melhorem consideravelmente as circunstâncias do tesouro público.”

Temos também que saber ler notícias curtas, como aquela que diz que Sua Majestade, a quem foi presente o relatório do Governador da Guiné acerca do aprisionamento do régulo Damá, e do seu principal chefe de guerra Moló-Lajó, que há muito hostilizavam os povos do Forreá, se comprazia e louvava o 2.º tenente da Armada, José de Oliveira Júnior – o que quer dizer, por outras palavras, que a questão do Forreá era uma tormenta permanente.

Passando agora para o Boletim Official n.º 20, de 16 de maio, veja-se o que escreve o Governador:
“Encontra-se a vila de Bissau, entre muralhas, nas condições de não comportar mais edificações, com uma população já bastante acumulada, razões de ordem pública não aconselham a ampliar a área, é certo que para alguns naturais já foi consentido a seu pedido estabelecer edifícios para habitações fora dos muros.
O comércio, porém, necessita de estabelecer armazéns à beira-mar, para fácil tráfego de embarque e desembarque de mercadorias permutadas com o indígena.
A situação geográfica do ilhéu do rei, fronteira a Bissau, permite que os negociantes, tendo a sua habitação na vila, edifiquem vastos armazéns neste ilhéu, hoje apenas ocupado, quase, que pelo Lazareto.
Bissau e o ilhéu do Rei é a chave do comércio entre os povos de Geba, Corubal, Balantas e Biafadas e pode desenvolver-se extraordinariamente quando o comércio encontre facilmente onde armazenar as mercadorias, o que presentemente não tem, e que o indígena ali traz para permutação.”

E o Governador Pedro Ignacio de Gouveia faz certas determinações sobre o aforamento do ilhéu do Rei.

É também altura de sabermos um pouco mais sobre o estado da saúde e os Boletins Officiais n.º 16 e 17, respetivamente de 17 e 24 de abril, dão-nos sumariamente conta. Para o autor Bolama é a população mais saudável em toda a província, porém são desgraçadas as condições higiénicas na capital. “Situada em terrenos baixo e argiloso, que absorve e retém durante as chuvas grande quantidade de água sem escoante possível, com uma praia totalmente lodosa, uma atmosfera excessivamente húmida, uma temperatura ordinariamente elevada, com habitações péssimas, água ordinária, com falta de recursos necessários para manter a regular limpeza das ruas.”

E acrescenta:
“Tenho notado desde que vim para o Ultramar que nunca foram as condições higiénicas de situação que presidiram à escolha do local para as diferentes povoações. Naturalmente mesquinhos e insignificantes interesses foram atendidos de preferência aos higiénicos para a escolha do local onde assenta a povoação de Bolama, quando bem perto tínhamos pontos mais saudáveis, em muito melhores condições de altitude, com praia arenosa, água regular, etc.; e o que se dá com Bolama dá-se em maior escala com todas as povoações que conheço na província, sobretudo Bissau, o empório comercial da Guiné e Geba. Em Bolama não há uma única habitação que se possa dizer razoável. Se há três casas que pela sua aparência grandeza e material empregado são as melhores da capital, estão, contudo, bem longe de satisfazer, relativamente à higiene o que era absolutamente necessário.”

E vai esmiuçando o material empregado na maior parte das construções, a má escolha dos pavilhões importados para serem edifícios públicos, piores ainda os pavilhões destinados ao alojamento dos oficiais, refere a falta de ventilação e, sobretudo, a falta de higiene. A água é ordinária. “A única suportável é a denominada do Intachá, nascendo a 2 km da povoação. À simples vista, parece pura por ser límpida, mas com certeza tem em suspensão muitos microrganismos e outras substâncias orgânicas, porque demorando envasilhada durante algum tempo, começa a fazer sentir-se o seu mau cheiro.”
Não esquece a irregular limpeza das ruas, largos, pátios e quintais e o facto de no princípio das chuvas tudo se torna num mar de lodo. “Macadamizadas as ruas com uma convexidade acentuada completada a obra iniciada pelo vogal da Junta de Saúde, dr. António Maria da Cunha, quando diretor interino das obras públicas, que mandou abrir largas valetas nas ruas para escoante das águas, ter-se-ia conseguido muito em benefício de Bolama. Mas apesar de se terem já corrido alguns meses depois de que as valetas foram abertas, e de terem vindo tubos para serem colocados nos pontos necessários, ainda elas não foram convenientemente empedradas e cimentadas como é indispensável, a não ser nas duas frentes da Casa Comercial Gouveia e à custa do seu proprietário.”
E vai por aí fora: o sistema de remoção das fezes, a situação do cemitério, o estado do hospital, é uma descrição minuciosa que nos provoca consternação.

Isto que acabámos de escrever tem a ver com o relatório de abril de 1897. Voltando a 1896, e à laia de despedida desse ano, regista-se a publicação de uma portaria do Boletim Official n.º 37, de 12 de setembro, em que se nomeia o capitão do quadro de comissões Luís da Costa Pereira para proceder à montagem dos pombais militares em Bolama e Bissau, seguindo no treino as instruções do continente de Portugal, e experimentando se os pontos indígenas podias ser empregados nos serviços de pombos-correios.

Publicidade publicada num número do Boletim Official da Guiné Portuguesa, 1923
(continua)
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Notas do editor

Vd. post de 12 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26488: Historiografia da presença portuguesa em África (464): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1895 (22) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 18 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, pág. 806)

Guiné 61/74 - P26509: As nossas geografias emocionais (46): Bocana Nova, na margem esquerda do rio Tombali... (E onde também se fala na ONGD, com sede em Matosinhos, "Na Rota dos Povos")





Guiné > Região de Tombali > Catió > Bocana > Carta de Catió (1956) (Escala 1/50 mil) >  Posição relativa do rio Tombali, e as povoações de Tombali, Bocana Nalu, Bocana Balanta e Catió (sede de circunscrição, quando a região foi cartografada em 1956).


Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)


1. A atual tabanca de Bocana Nova, referida no poste P26508 (*),  deve ficar na margem esquerda do Rio Tombali (carta de Catió), a sul da foz do rio Pobreza (afluente do rio Tombali) e a sul da foz do rio Cobade (outro afluente do Tombali). 

Havia, amtes da guerra, duas pequenas tabanas, a Bocana Nalu e mais acima a Bocana Balanta. Depois da independència deve-se ter construído a Bocana Nova. Pertence ao setor de Catió: em 2009, não tinha uma centena de habitantes.


A tabanca (e porto fluvial) de Impungueda, a sul de Cufar e a nordeste de Cantone e  Mato Farroba fica na margem direita do rio Cumbijã, mais a leste (carta de Bedanda, da mesma época).

Para lá se chegar, por estrada (até Catió), são 300 km bem difícieis de pecorrer. 

2. A  ONGD "Na Rota dos Povos", com sede em Matosinhos, tem feito desde 2010 um belo trabalho lá, na regiáo de Tombali, na área da educação, saúde e solidariedade social.

 Ver aqui a sua página oficial, bem como a página no Facebook.


(...) Quem somos

A “Na Rota dos Povos” é uma Organização não Governamental para o Desenvolvimento (ONGD) com foco de atuação na educação, solidariedade social e saúde na região de Tombali, na Guiné-Bissau.

A sede da ONGD é em Matosinhos e, todas as tarefas, tais como angariações, gestão de recursos, comunicação, e organização de missões, são realizadas por voluntários.

Temos sede de delegação local na cidade de Catió, a cerca de 300 km da capital Bissau, onde damos emprego a 35 habitantes que colaboram nos diferentes projetos. A integração da ONGD na comunidade Cationense gera também uma onda de participação num país em que a solidariedade é característica deste povo sempre pronto a ajudar o vizinho.

A nossa motivação

Em Catió, no ano de 2010, o professor Braima Sambu fez um pedido. Quando se esperaria que seria algo para ele, o que Braima pediu foi capacitação para a população da sua terra. Capacitar é tornar capaz, mas também permitir acreditar. A capacitação que falava era ajuda para os professores de Catió.

Sensibilizados com tal pedido, no regresso a Portugal, começaram a reunir-se esforços para responder a este apelo.

Desde esse momento, sempre com o lema “A Educação é o Único Caminho” um longo percurso tem sido trilhado. O projeto que começou com o objetivo de ajudar a melhorar as condições dos professores de Catió tem vindo a crescer atingido agora muitas outras áreas para além das escolas como o orfanato da “Casa da Mamé”, o “Centro de Educação Especial e Terapêutica”, o apoio ao hospital regional da região, entre muitas outras contribuições para o sector de Tombali. (...)
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Guiné 61/74 - P26508: As nossas geografias emocionais (45): Regresso em 2007, a Bocana Nova, e a Impungueda, no rio Cumbijã, na região de Tombali (Henk Eggens, médico holandês cooperante, em Fulacunda e Bissau, 1980/84)


Foto nº 1 > "O Nhinte-Camatchol, escultura nalu, que tenho na minha casa em Santa Comba Dão".



Foto nº 2 > Guiné- Bissau  > Regiáo de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > s/d (2007 ?) > "Centro dc saúde construído nos anos 80, pelo holandês Steven van den Berg", companheiro do nosso Henk Eggens.



Foto nº 3 _ Guiné- Bissau  > Região de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > 2007 > "Foi no final de 2007 que visitámos Bocana Nova. A população reconheceu o meu amigo Steven e a esposa e passámos bons momentos no 'jumbai' ".



Foto nº 4 > Guiné- Bissau  > Regiáo de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > 2007 >  "O Steven e o régulo de Tombali". Acrescentou o Steven, na sua língua materna (aqui traduzida para português): "O Rei de Tombali sente-se extremamente honrado por agora até os maiores inimigos do passado terem podido tomar nota dos feitos inesquecíveis na forma de desenvolvimento da economia local, da saúde e da educação. Obrigado, S.".




Foto nº 5 > Guiné- Bissau  > Região de Tombali > Catió > Tabanca de Bocana Nova > 2007 >  Avenida Holanda... As palmeiras   foram plantadas por meu amigo quase 30 anos antes e cresceram bem!"


Foto nº 6 > Guiné- Bissau  > Região de Tombali > Catió > Impungueda > 2007 > "Em Tombali, no extremo sul da Guiné-Bissau, com as águas presentes sempre, como no porto de Impungueda, no rio Cumbijã" (vd. carta de Bedanda, 1956, escala 1/50 mil).

 

Fotos (e legendas): © Henk Eggens (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem do nosso amigo, Henk Eggens (foto atual a seguir),   grande amigo da Guiné-Bissau, meu colega holandês (ou neerlandês), especialista em medicina tropical e saúde pública, que vive, aposentado, em Portugal, em Santa Comba Dão, e é o administrador e editor de Portugal Portal (em neerlandês ou holan
dês) (*). 

Já há tempos o convidei para integrar a nossa Tabanca Grande. Esteve em Fulacunda e Bissau, na primeira década de 80, como médico. Tem um grande conhecimento e carinho por aquela terra e suas gentes. É casado em segundas núpcias com uma luso-brasileira, sua colega da saúde pública global, Tem um excelente domínio do português, escrito e falado (sua primeira língua estrangeira, a par do inglês). 



Assunto - Nhinte-Camatchol

Data - 17/02/2025, 16:07 (há 1 dia)
 
 
Olá,  Luís,

Gostei da publicação do poema (teu?) "Quem disse que a Guiné-Bissau não tem futuro?", publicado no blogue de 16-2-2025 (*). 

É um poema tipo 'verso livre' no estilo dos poetas americanos Walt Whitman e Allen Ginsberg. Cheio de otimismo, esperança e valorização do povo guineense. É bem preciso este encorajamento num momento de crise política profunda. Dia 28 de fevereiro terminará o mandato do atual presidente da Guiné-Bissau, Sissoco. Parece que não tem nenhuma ideia para sair do poder e convocou eleições para novembro de 2025!

Gosto da fotografia da obra de arte nalu no blogue. Tenho uma escultura igual em casa (foto nº 1), junto com um flamingo de Moçambique. 

Meu companheiro Steven (holandês) trabalhou na região de Tombali nos anos oitenta. Construiu centros de saúde na província, um deles na aldeia de Bocana Nova (Foto nº 2). 

Conhecia o escultor destas estátuas, o Sr. Nfalde Câmara naquela aldeia. O artista produziu várias cópias destes pássaros mágicos em madeira. Imagina minha surpresa quando vi uma cópia no museu Aliança Underground Museum de Berardo, em Sangalhos! E percebi, pelo  blogue, que funcionou como símbolo no Simpósio  Internacional de  Guiledje em 2008.

Foi no final de 2007 que visitámos Bocana Nova. A população reconheceu o meu amigo e esposa e passámos bons momentos no 'jumbai' (Fotos nºs 3 e 4) . As palmeiras nas imagens foram plantadas por meu amigo quase 30 anos antes e cresceram bem! (Foto nº 5) Tudo no Tombali, no extremo sul da Guiné-Bissau, com as águas presentes sempre, como no porto de Impugueda.(Foto nº 6)

Os números correspondem aos títulos das fotografias em anexo.

Se achas oportuno, podes publicar o texto e as fotografias.(**)


AB Henk

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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  16 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26501: Manuscrito(s) (Luís Graça) (265): Que o Nhinte-Camatchol, o Grande Irã, te proteja, Guiné-Bissau!

(**) Último poste da série > 16 de fevereiro de 2025 > 
Guiné 61/74 - P26500: As nossas geografias emocionais (44): A Fulacunda do meu tempo (José Claudino da Silva, "Dino", ex-1.º cabo cond auto, 3.ª CART /BART 6520 / 72, Fulacunda, 1972/74) - Parte III

terça-feira, 18 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26507: Timor Leste: passado e presente (30): Elementos para a compreendão da revolta de Manufai, ao tempo da República (1911/12)


Timor Leste > Parque Dom Boaventura. Comemoração,  dos 20 anos do referendo sobre a independência da Indonésia (1999-2019). 

A estátua de Dom Boaventura foi inaugurada em 23 de novembro de 2012, por ocasião comemoração do 37° Aniversário da Proclamação da Independência (28 de Novembro de 1975 – 28 de Novembro de 2012) e do centenário da Revolta de Manufai, liderada por Dom Boaventura (1912 – 2012).


Foto: cortesia de Wikimedia Commons (editada pelo Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné, 2024)



1. No tempo da República, Timor era, como as restantes colónias portuguesas, parte integrante de Portugal (segundo o artº 2º da Constituição de 1911). 

A desastrosa, mal planeada e sangrenta participação de Portugal na I Guerra Mundial, foi justificada pelos políticos da República como o  imperioso dever do país face ao imperalismo alemão que olhava, com olhos de rapina, territórios como Angola e Moçambique.  Timor ficava mais longe e podia ter menos interesse para as grandes potências coloniais europeias, com exceção da Holanda (hoje Países Baixos)...

A República (1910-19269)  sempre defendeu, para as colónias, um modelo de descentralização administrativa e financeira, com recurso a um Alto Comissário ou governador. A instabilidade política, militar, social e económica da República não permitiu o aprofundamento e aperfeiçoamento do modelo.

Com a  Ditadura Militar (a partir de 1926) e o Estado Novo (a partir de 1933), há um claro retrocesso na autonomia administrativa e financeira das colónias.  O Acto Colonial (1930) vai ser integrado na Constituição de 1933. É o triunfo da perspetiva imperial na relação metrópole-colónias.

A relação da República com Timor e os timorenses também não será pacífica... Há a  "revolta indígena"  de Manufai (1911/12),  cuja história merece um poste â parte. O triunfo das autoridades portuguesas e seus aliados vai marcar a consolidação da até então precária soberania  em toda a parte oriental da ilha.( A delimitação da fronteira só fica resolvida em 25 de junho de 1914, com a devcisão do tribunal de Haia sobre o diferendo relatibvamente ao enclave de  Oecussi-Ambemo: a demarcação no terreno só vai acabar em abril de 1915.)

Só para se ter uma ideia da pulverização do poder político, o território (do que é hoje Timor Leste) estava  dividido em 71 reinos !... 


Segundo o autor que lemos (Fernando Figueiredo, "Timor (1910-1955), in: "História dos Portugueses no Extremo Oriente", 4º volume: Macau e Timor no Períod0o Republicano", dir. A. H. de Oliveira Marques, Lisboa: Fundação Oriente, 2003, pp. 521-575), haveria alguns causas próximas para explicar a revolta, réplica de resto da iniciada em 1895, sob o governo de Celestino da Silva (desta vez liderada por Dom Boaventura da Costa Sottomayor, filho de Dom Duarte da Costa Sottomayor):

(i) a "troca de bandeiras" , com o fim da monarquia: os timorenses davam (e ainda dão) muita importància a simbolos nacionais como a bandeira:  a sua lealdade ia para o rei e para a bandeira "azul e branca" da monarquia, de repente (em 29 de novembro de 1910) substituída por uma outra, "verde e rubra", a da República, que lhes era totalmente estranha;

(ii) a instabilidade da transição política foi aproveitada pelos holandeses para incitar os timorenreses à revolta contra os "novos senhores" da metrópole, e pôr em causa as fronteiras do território:

(iii) substituição da "finta" pelo "imposto de capitação " (imposto de palhota na Guiné); vem afetar os poderes gentílicos, limitar o poder discriconário dos "régulos" (ou "liurais");

(iv) escassa presença militar portuguesa no território (agravada pela longa distância, por via marítima, entre Lisboa e Díli).

Sobretudo o aumento do imposto de capitação (implicando também o arrolamento de coqueiros e gados, a principal riqueza dos timorenses), a par da proibição do corte de árvores de sândalo (prática sancionada com multas), é uma das razões fortes para a revolta de Manufai (ou a sua segunda edição) que ocorreu, em grande parte,  durante o governo de Filomeno da Câmara Melo Cabral (1911-1917). A partir do reino de Manufai, a revolta conquista grande adesão das populações e levará mais tempo a ser debelada. 

A resposta foi militar, com o envio de tropas  oriundas da metrópole, de Goa, de Macau e sobretudo de Moçambique (os "landins"). A artilharia fez grandes razias. As baixas entre os revoltosos vão reflectir-se mais tarde na demografia do território. Fala-se em 5 mil a 20 mil mortos, números difíceis de confirmar. 

A par disso, e como seria de prever, a forte repressão vai agravar as relações entre colonizados e colonizadores... O Estado anexa terras dos vencidos (caso da futura Sociedade Agrícola Pátria e Trabalho). O poder dos "liurais" passou a ser mais simbólico, mas mesmo assim o governador Filomeno da Câmara soube depois imprimir uma dinâmica de desenvolvimento e pacificação efetiva do território, política que será prosseguida com algum êxito até à II Guerra Mundial.

A revolta do régulo de Manufai será o último dos grandes levantamentos contra a autoridade colonial. E tende hoje a ser vista como uma "revolta protonacionalista", de cariz anticolonialista, "avant la lettre".

Carlos Bessa ("Timor. Do Domínio Liurai â Pacificação Portuguesa", in Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 323-333), tirou deste período trágico da história de Timor a  seguinte conclusão:

(...) A nobreza nativa sairá muito enfraquecida destas campnhas, mas, mesmo assim, a autoridade portuguesa continuou a não pretender ser mais do que superestrutura aglutinadora e arbitral das autoridades nativas dos vários reinos, embora se tornasse marcante factor de identidade e unificação política através da influência de uma cultura luso-timotense e do catolicismo,  contrapostos ao islamismo e à influência calvinista holandesa excercida na restante Indonésia, do que resultou o tão impressionante e conhecido culton dos Timorenses pela bandeira portuguesa" (pág. 333).

PS - Num próximo poste apresentaremos alguns dados sobre a demografia do território antes da II Guerra Mundial.



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Nota do editor:

Guiné 61/74 - P26506: Historiografia da presença portuguesa em África (466): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte II ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 514, 27 de dezembro 1915, páqg. 806)

 

Foto nº 1 > Guiné > Bissau >  1915 > "Salva de artilharia dada na fortaleza da Amura. O edifício ao fundo é o do comando militar".



Foto nº 2 > Guiné > Bissau >  1915 >  "Os oficiais que fizeram parte da coluna. Da esquerda para a direita: os srs. segundo tenente da marinha Queimado de Sousa, capitão médico R. Augusto Regala, capitão de infantaria Teixeira Pinto, segundo tenente da marinha José Francisco Monteiro, tenente de infantaria Henrique de Sousa Guerra" (há um erro no nome do capitão médico, Francisco Augusto da Fonseca Regala)


Foto nº 3 > Guiné > s/l (Bissau ) > s/d  (c.1915) > "O tenente de segunda linha,  régulo Madoul-N'djou" (erro no nome, era mais conhecido por Abdul Injai ou Indjai, ou Abdoul Ndaiye, de etnia uolofe, nascido em Ziguinchor, hoje Senegal).


Foto nº 2 > Bissau > 1915 > "O senhor cpitão Teixeira Pinto que comandou a coluna de operações contra os papéis e  grumetes e mais revoltados da ilha de Bissau" (referência aos portugueses reunidos na Liga da Guiné, mas também comerciantes estrangeiros)

1. Notícia da "Ilustração Portuguesa", Lisboa,  27/12/1915:

A Campanha de Bissau

Foi um triunfo para as armas portuguesas a vitória alcançada na África contra os 'papéis0, que desde longa data vinham causando graves prejuízos à nossa soberania.

A lenda de que essa raça era invencível está, felizmente, posta de parte, sendo preciso agira fazer ver aos 'grumetes', almas danadas dos 'papéis0, que Portugal quer restabelecer ali a obediência às suas autoridades, o que fará, custe o que custar,



Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).

 
(Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)



Guiné > Bissau > s/d  [c. 1960] > Monumento a Teixeira Pinto  no Alto do Crim < Bilhete Postal, Colecção "Guiné Portuguesa, nº 112. (Edição Foto Serra, C.P. 239,  Bissau. Impresso em Portugal, Imprimarte, SARL)... 

(Teixeira Pinto, o "capitão-diabo",. tem 90 referências no nosso blogue; esta estátua foi derrubada a seguir à independência e levada para o forte do Cacheu).

Colecção de postais ilustrados do nosso camarada Agostinho Gaspar (ex-1.º Cabo Mec Auto Rodas, 3.ª CCAÇ/BCAÇ 4612/72, Mansoa, 1972/74), natural do concelho de Leiria.Selecção dos postais,  digitalização, edição de imagem e legendagam: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2010)



2. Excerto de Carlos Bessa - Guiné. Das feitorias isoladas ao 'enclave' unificado. In: Manuel Themudo Barata e Nuno Severiano Teixeira, ed. lit - Nova Históriaa Militar de Portugal. Vol. 3. S/l: Círculo de Leitores. 2004. 257-270.


(...) A Liga Guineense não parou de atacar Teixeira Pinto e o seu auxiliar Abdul Injai, mas o governador Oliveira Duque não lhe retirou o apoio. A 13 de maio de 1915 foi decretado o estado de sítio na ilha de Bissau e iniciou-se a campanha contra os papéis. 

Desta vez Teixeira Pinto aceitou a colaboração de um oficial, o tenente Sousa Guerra. Concentrou em Nhacra forte  coluna que entrou em Bissau a 1 de junho. Nesse dia, porém,  os irregulares foram atacados em Antim, fugindo aos milhares. Mas o ataque dos papéis e grumetes contra a cidade foi detido e evitou-se o massacre.

No dia dia 5, após violenta preparação de artilharia contra Bandim e Antim, Teixeira Pinto ocupou aquelas colinas, mas a 7 os papéis e grumetes refizeram-se e atacaram o acampamento.

Após nova preparação de artilharia, a coluna apoderou-se de Antula,a inexpugnável, sem resistência, a 10 de junho.

Com grandce perícia seguiu-se a  penetração nas aldeias, sendo Teixeira Pinto ferido e substituído por Sousa Guerra. As negociações de rendição com os papéis fracassaram e a conquista de Quinhanel abriu a pista para o Biombo no extremo da ilha, onde terminou a campanha após uma armadilha do régulo Cassande, que simulou uma rendição e disparou, mas veio a ser abatido e a prisão do régulo do Biombo  e a a rendição do de Tor.

Teixeira  Pinto mandou construir quatro postos militares: Bor, Bijemita, Safim e Biombo.

A Guiné estava pacificada e, mais do que isso, ficava unificado o "enclave" que os Franceses sempre esperaram vir um dia a pertencer-lhes, fomentando para isso a hostilidade dos guineenses, como vimos. 

A coluna foi dissolvida em 17 de agosto de 1915. Teixeira Pintio bem mereceu, portanto, a estátua  lhe foi erguida  numa das colinas de Bissau por ele conquistada. Tal só aconteceu pela sua energia excecional, determinação e raro conhecimento do modo de ser dos nativos, que permitiu dominá-los por vias apropriadas e pouco acessíveis  à guerra clássica" (Bessa, 2004, op cit, pp. 269/270),

(Seleção, revisão / fixação de texto, edição: LG)


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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2025

Guiné 61/74 - P26505: Agenda cultural (878): Convite para o lançamento do livro "Liberdade ou Evasão", da autoria do Major Piloto-Aviador António Lobato (1938-2024), dia 28 de fevereiro de 2025, às 16h30, no Salão Nobre da Liga dos Combatentes - Rua João Pereira da Rosa, 18 - Lisboa



Lançamento do livro "Liberdade ou Evasão"
do Major Piloto-Aviador António Lobato (1938-2024)

28 de fevereiro | 16H30

Salão Nobre da Liga dos Combatentes
Rua João Pereira da Rosa, 18
1249-032 Lisboa

O Presidente da Liga dos Combatentes, Tenente-general Joaquim Chito Rodrigues, tem a honra de convidar todos os Sócios, Combatentes e amigos para o lançamento do 53.º livro da coleção “Fim do Império, Missões de Paz e Humanitárias”, intitulado Liberdade ou Evasão, da autoria do Major Piloto-Aviador António Lobato (1938-2024), e Evocação do 15.º aniversário do Programa Fim do Império, que terá lugar no Salão Nobre da Sede da Liga dos Combatentes, sito na Rua João Pereira da Rosa, 18 – Lisboa, no próximo dia 28 de fevereiro, sexta-feira, pelas 16H30.
A apresentação do livro estará a cargo do Tenente-coronel Piloto-Aviador João José Brandão Ferreira.

Sinopse:
Originalmente publicado em 1995, o livro Liberdade ou Evasão da autoria do Major Piloto-Aviador António Lobato é um testemunho imprescindível e um valioso contributo para a preservação da memória coletiva nacional de Todos os que serviram Portugal no Ultramar. É o relato da odisseia de sacrifício, vontade inquebrantável e lealdade à Pátria de António Lobato, oficialmente considerado "Herói Nacional, com um louvor por serviços excecionais", contém a narração dos momentos vividos ao longo do seu cativeiro, os encontros com antigos carcereiros, inclusive com o antigo presidente da Guiné-Bissau, Nino Vieira. A 6.ª edição que agora se lança integrada na Coleção "Fim do Império, Missões de Paz e Humanitárias", pretende homenagear este Herói nacional e contribuir para a perpetuação da memória, dos valores, da coragem e do enriquecimento da pessoa humana quando, perante situações limite, consegue vencer-se a si própria.

Como chegar à sede da Liga dos Combatentes
Autocarro (Carris): 22B; 758; 773
Eléctrico (Carris): 24E; 28E
Elevador (Carris): Ascensor da Glória
Metro: Estação da Baixa-Chiado (linha Azul e linha Verde); Estação do Rato (linha Amarela)

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Nota do editor

Último post da série de 20 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26406: Agenda cultural (877): Rescaldo da apresentação do livro "Guiné, Bilhete de Identidade", de Mário Beja Santos, levada a efeito no dia 13 de Janeiro de 2025 na Livraria Municipal Verney, Oeiras (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26504: Notas de leitura (1773): "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro; Chiado Books, 2019 (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Outubro de 2023:

Queridos amigos,
José Maria Monteiro permaneceu 4 anos na Guiné, ligado à telegrafia. A sua ambição é mostrar a exemplaridade da Marinha de Guerra na Guiné, em Angola e Moçambique, referindo que esta geração de todas as gerações foi a mais combatente, a mais sacrificada e a mais revolucionária. Temo que exagere nas laudes que faz ao desempenho dos fuzileiros (cuja bravura jamais alguém contestou), e faz-se uma síntese, de acordo com os elementos que ele apresenta da intervenção dos fuzileiros e da Marinha de Guerra em geral a partir de 1961. Ele recorda que no segundo semestre de 1962 já havia confrontos com a guerrilha, na região Sul, faz uma menção detalhada da operação Tridente e de outras que se seguiram, vamos proximamente continuar com a síntese das atividades que ele apresenta entre 1964 e 1968, as alterações impostas por Spínola à atividade da Marinha, haverá mesmo espaço para se falar da operação Mar Verde.

Um abraço do
Mário



Um outro olhar sobre a Marinha na guerra da Guiné

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Os Mais Jovens Combatentes, A Geração de Todas as Gerações, 1961-1974", por José Maria Monteiro, Chiado Books, 2019. O autor alistou-se em 1967 na Marinha, ofereceu-se como voluntário para a Guiné, nos dois primeiros anos desempenhou as funções de radiotelegrafista de uma lancha de fiscalização pequena; terminados os dois primeiros anos, passou para o Comando da Defesa Marítima da Guiné, continuando mais dois anos como marinheiro telegrafista. Foi aumentando as suas habilitações, concluiu o curso de Economia e, mais tarde, o de Direito.

Começa por lamentar a indiferença com que o país no seu geral trata os que combateram pela pátria, refere o sentimento de revolta que atinge os ex-combatentes; depois faz um esboço dos inícios da guerra colonial, uma descrição do recrutamento dos mais jovens combatentes, como se processava a partida para os teatros de operações e entramos propriamente na guerra de guerrilhas da Guiné, tudo matéria bem conhecida dos leitores, incluindo o mantra que as coisas na Guiné não correram nada bem durante a governação de Arnaldo Schulz, que em 1968 os relatórios não escondiam avanços e sucessos dos guerrilheiros, esperava-se uma mudança providencial com o brigadeiro António de Spínola, refere as primeiras diretivas do novo comandante-chefe, também matéria conhecida dos nossos leitores.
E lança-se então na gesta da Marinha de Guerra na Guiné, então encomiástico, assim, enaltecendo os fuzileiros:
“Penetraram nas matas africanas até ao fim do mundo, com uma vontade férrea de um povo que insistia em manter viva a herança de séculos e séculos, sem pensar que, um dia, as Forças Armadas portuguesas viriam a pôr fim a uma guerra suicida. No final do ano de 1961 embarca um pelotão de fuzileiros para a Guiné. Em junho do ano seguinte, embarca, por via aérea, o Destacamento de Fuzileiros Especiais (DFE) N.º 2, no final de dezembro de 1962 registaram os primeiros feridos entre os fuzileiros. Com o ataque a Tite em 20 de janeiro de 1963, começam as grandes façanhas dos guerrilheiros em terras da Guiné, uma vez que eram os homens mais bem preparados para este tipo de guerrilha. Existindo no Sul do território algumas áreas sobre o controlo do IN, os DFE, apoiados por diversos meios navais, a fragata Nuno Tristão, a LFP Argos, a LFP Escorpião e a LFP Dragão, entre outras, iniciam no Sul da Guiné, concretamente nas ilhas de Como, Caiar e Catunco, penetrando pelas matas serradas naquelas ilhas. Nas operações Trevo, Seta e Lima, competia ao DFE n.º 2 e DFE n.º 8 bater toda a zona envolvente a Darsalame, ocupando-a, tendo em vista içar de novo a bandeira portuguesa, facto que veio a acontecer em novembro de 1963.”

Não terá sido exatamente assim pois o comandante-chefe Louro de Sousa começou a arquitetar a operação Tridente para expulsar os guerrilheiros destas ilhas. José Maria Monteiro descreve a operação Tridente até à sua finalização, ficou a partir de março de 1964 uma unidade do exército na mata do Cachil, a Norte da ilha do Como, com a missão de patrulhar a ilha, controlar a margens do rio Cobade, de modo a assegurar o abastecimento aos operacionais de Catió. Ainda sob o comando de Louro de Sousa, o DFE n.º 2 participa com forças terrestres na operação Alvor, na península Gampará, em busca do quartel-general de Rui Djassi, esta península nunca tinha sido percorrida por forças militares; o relato não deixa claro o que aconteceu.

Com a nomeação de Arnaldo Schulz o Comando da Defesa Marítima da Guiné é alterado e descentralizado, criando-se quatro comandos sediados em quatro zonas distintas: Bacia hidrográfica do rio Cacheu; Bacia hidrográfica dos rios Geba, Mansoa e Corubal; Bacia hidrográfica dos rios Grande de Buba e Tombali; e Bacia hidrográfica dos rios Cumbijã e Cacine. O autor volta a desfazer-se em elogios aos fuzileiros: “Todos os movimentos independentistas só tinham medo e temor aos homens brancos ou negros, com a boina azul-ferrete pertencente aos destacamentos de fuzileiros especiais, em qualquer frente de batalha.”
E vem a seguir novos parágrafos de exaltação:
“Dada a elevada preparação destes jovens combatentes, os DFE eram chamados para participarem nas operações de maior envergadura, tendo no mês de setembro de 1964 participado nas operações Touro, Hitler e Tornado, em que, nesta última, além dos quatro DFE, também participaram três companhias de cavalaria, uma de artilharia, uma de caçadores e um pelotão de paraquedistas, apoiados por duas LFG, duas LFP, oito LDM, três LDP e um ferryboat, sem, no entanto, encontrar qualquer resistência da guerrilha na zona do Cantanhez. A atuação quase permanente das forças especiais da Marinha de Guerra em toda a zona Sul, mormente na região do Corubal e Cacine, conduziu a um notório abrandamento da atividade inimiga, obrigando o PAIGC a deslocar-se para Leste e para Norte, em que os guerrilheiros do PAIGC tiveram de alterar os seus corredores habituais.”

Compreende-se que o autor tenha um elevado espírito corpo, mas os factos históricos desmentem esta gesta laudatória. Mas vale a pena continuar a acompanhar esta escrita:
“Na sequência da operação Tridente, os contactos com o inimigo continuavam a ser frequentes, pelo que havia necessidade de efetuar operações de reconhecimento no extremo sul, a ideia das operações no rio Camexibó e da operação Hitler era estancar e intersetar os corredores intervenientes da Guiné-Conacri, nomeadamente através do corredor de Gadamael. A LDM 305 entrou na foz do rio Camexibó no dia 6 de fevereiro de 1964, em fase de preia-mar com o objetivo de efetuar uma fiscalização àquele rio durante cinco dias. Para o efeito, foi reforçada com uma secção de fuzileiros da CF 3. Dois dias depois, quando se preparava para fundear a montante do rio, um dos elementos da companhia de fuzileiros apercebeu-se de um grupo numeroso de homens armados na margem direita daquele rio. Inicialmente, houve troca de palavras entre os elementos da companhia de fuzileiros e um comandante dos guerrilheiros do PAIGC, conversa que durou pouco tempo uma vez que o oficial que comandava a companhia de fuzileiros deu ordem à guarnição da lancha e aos fuzileiros para dispararem, tendo os guerrilheiros fugido para o interior da mata com baixas muito pesadas. A lancha de desembarque continuou a subir o rio Camexibó, a intenção era patrulhar todo o rio até à confluência com o rio Nhafuane, não só para certificar que comunicaria com o rio Inxanche, mas também verificar se aquelas zonas permitiriam a navegação fluvial a lanchas como a LDM 305 ou mesmo a de porte superior. No dia 29 de fevereiro de 1964, a LDM 305 iniciou a descida do rio Camexibó, sempre na expetativa de ataques dos guerrilheiros, perto das oito da noite foram atacados perto das margens do rio, sem provocar danos humanos, mais adiante foram localizadas cinco canoas, que foram destruídas. A partir do conhecimento obtido no local e das experiências adquiridas naquelas intervenções, foi decidido levar a bom porto uma nova operação, a qual teve o nome de operação Hitler, entregue ao DFE 8, sob o comando de Alpoim Calvão.”

Observa o autor que nenhuma destas intervenções foi bem-sucedida. Vamos ver seguidamente o que o autor tem para nos dizer quanto à síntese das atividades da Marinha de Guerra entre 1964 e 1968.

Ilustração do livro de José Maria Monteiro

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 14 de fevereiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26496: Notas de leitura (1772): Philip J. Havik, um devotado historiador da Guiné: Uma mulher singularíssima, Bibiana Vaz, século XVII (1) (Mário Beja Santos)

Guiné 61/74 - P26503: Historiografia da presença portuguesa em África (465): "Campanhas de pacificação": contra os papéis e os grumetes, Bissau, 1915 - Parte I ("Ilustração Portuguesa", 2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448)

 

Foto nº 5 > Guiné > s/l (Nhacra,  donde partiu a coluna que entrou em Bissau a 3 de junho ou) > 1915 > Ao centro, o Abdul [Injai], "chefe de guerra" (1); e à esquerda, "o capitão [médico], sr. Francisco Regala", de chapéu  e bigode (2)... Em primeiro plano, quatro músicos, três dos quais tocadores de cora (cujo papel deveria ser o de galvanizar os combatentes, irregulares, sob a chefia do Abdul Injai). (A numeração dos combatentes é da responsabilidade da revista, "Ilustração Portuguesa").


Foto nº 4A  > Guiné > s/l (Nhacra, donde partiu a coluna para atacar Bissau) > 1915 > Partida para a guerra contra os papéis e grumetes da ilha de  Bissau: os oficiais da coluna; o capitão de infantaria Teixeira Pinto, à esquerda (1); o capitão médico Francisco Regala, ao centro (2); e à direita, o segundo tenente de marinha, José Francisco  Monteiro (3).


Foto nº 4 ...Faltam aqui mais dois oficiais: segundo tenente da marinha Queimado de Sousa e ten inf Henrique de Sousa Guerra. De se



Foto nº 6 > Guiné > s/l  (Nhacra) > 1915 > Aparelhando os cavalos para a partida da coluna.


Foto nº 7 > Guiné > s/l (Nhacra) > 1915 > Partida de um grupo de irregulares que vão juntar-se às restantes forças.


Foto nº 1 > Guiné > s/l> 1915 > O veleiro Luso, transportando as forças irregulares que vieram combater os 'papéis'.

Foto nº  2 >  Guiné > s/l (Nhacra) > A coluna preparando-se para partir para a guerra.  


1. A propósito das "campanhas de pacificação" (um eufemismo...) (*),  reproduzimos aqui um pequeno texto e fotos das operações  de 1915 (13 de maio / 17 de agosto), contra os papéis e os grumetes da ilha de Bissau (apoiados direta ou indiretamente pelos franceses que nunca viram com bons olhos aquele "enclave" português na grande África ocidental francesa), operações em que participaram, entre outros, o cap inf Teixeira Pinto, o cap médico Francisco Regala, o tenente da marinha José  Francisco Monteiro, e o cap inf Sousa Guerra,  e o chefe das tropas auxiliares,  Abdul Injai (, de etnia Uolofe, nascido em Casamansa, hpoje Senegal.


"Para as as tropas portuguesas que operam na Guiné tem sido assaz trabalhosa a sua campanha contra o gentio que estrangeiros e portugueses desnaturados e antipatriotas têm açulado contra a nossa soberania.

Mas,apesar das rudes marchas por terrenos empestados, não afrouxou o ardor dos nossos soldados que parece animarem-se ainda mais quanto maiores forem os perigos a que se expõem.

A insubmissa ordem dos 'papéis' tem sentido os resultados da sua rebeldia  no castigo eficacíssimo que as nossas tropas lhes têm aplicado, obrigando-os a uma pacificação tão desejada para aquela nossa colónia que, apesar de insalubre, possui uma agricultura invejável pela sua enorme riqueza.

A campanha continua ainda muito acesa em vários pontos, mas espera-se, pelos reforços que para lá têm sido enviados, que dentro em breve as tropas portuguesas dominem a região, o que decerto constituirá mais  uma brilhante  vitória para o prestígio nacional".

Fonte: "Ilustração Portuguesa".   2.ª série, n.º 502, 4 de Outubro de 1915, pp. 447/448.  Diretor: J. J. da Silva Graça; Propriedade: J.J. da Silva Graça, Lda; Ed lit. José Joubert Chaves. 

(Cortesia de Hemeroteca Municipal / Càmara Municipal de Lisboa; é de reconhecer publicamente o extraordinário trabalho dã Hemeroteca Municipal de Lisboa, em termos de arquivo, tratamento, digitalização e divulgação destes periódicos centenários, cujo conteúdo merece ser conhecido pelos nossos leitores, antigos combatentes na Guiné, 1961/74).
 
 (Seleção, revisão / fixação de texto, edição e legendagem das fotos: LG)


2. A notícia é dada em outubro de 1915, já a campanha tinha terminado, em 17 de  agosto, com a vitória inequívoca do hábil e destemido cap inf Teixeira Pinto (a quem os guineenses hoje devem possivelmente o facto de terem um país que não foi engolido pelo colonialismo francês; hoje seria parte integrante do Senegal e/ou da Guiné-Conacri).

A "Ilustração Portuguesa" (fundada em 1903, com uma II série a partir de 1906) era uma edição semanal do jornal "O Século", republicano. Custava 10 centavos o número avulso  A assinatura anual era de 4$80 centavos (Portugal, colónias portuguesas e Espanha). 

Recorde-se que, com a proclamação da República (em 5 de outubro de 1910), o escudo (=1000 réis) passou a ser a nova moeda. Estava dividido em 100 centavos. 10 centavos eram portanto 100 réis. O escudo irá sofrer uma grande desvalorização com I Grande Guerra.

Foi a primeira publicação a fazer grande uso da fotografia, recorrendo não só a fotógrafos profissionais (como o Joshua Benoliel, o primeiro grande fotojornalista português), como amadores: muitas das fotos da I Grande Guerra e da guerra em África são dos próprios participantes no conflito (no caso destas fotos de Bissau, 1915, desconhece-se o seu autor).

Entretanto, e a propósito dos oficiais portugueses acima retratados, recorde-se o nome do cap médico Francisco Regala, já aqui referido no nosso blogue, por um seu bisneto (**), e nosso leitor:  Francisco Augusto Monteiro Regalla "combateu em 1915 na coluna de operações em Bissau" e fez parte, durante algum tempo, da guarnição da Fortaleza da Amura...  

Francisco Regala nasceu em Aveiro, em 1871, e morreu em 1937, com o posto de coronel médico. Foi autarca no Mindelo, São Vicente, onde está sepultado. Era uma figura muito querida dos mindelenses

Enfim, apontamentos sobre a  historiografia da presença portuguesa (nem sempre "pacífica"...) em África (***)...
  
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Notas do editor: