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quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Guiné 61/74 - P26415: Efemérides (448): o ataque a Tite, em 23 de janeiro de 1963, há 62 anos, na versão do Arafan Mané (1945-2004), um "cabra-macho" de 17 anos que, com outros ainda mais novos (Malan Sanhá, 1947-1978), deu o primeiro tiro simbólico de um guerra estúpida e inútil (Luís Graça / José Teixeira)


Arafan Mané  (1945-2004), com uma "costureirinha", s/d.
Morreu num hospital em Madrid.
Foto do Arquivo Amílcar Cabral / Casa Counm.
Com a devida vénia......



Malan Sanhá (1945-c.1978), s/d. Com uma Kalash.
Terá sido executado no tempo do Luís Cabral.
Foto do Arquivo  Amílcar Canral
/ Casa Comum

Com a devida vénia...

 


1. É sabido que a guerra na Guiné não começou nesta data, 23 de janeiro de 1963...Mas o Amílcar Cabral e sua máquina de propaganda aproveitaram a boleia, tal como já tinham "capturado", indevidamente, outra data "histórica", o 3 de agost0 de 1959 (o "massacre do Pidjiguiti").  

Não sei o que os "hagiógrafos" de Amílcar Cabral (cujo centenário passou em 2024) dizem sobre usto:  de qualquer modo, à revelia dos órgãos do "poder político" do PAIGC (e portanto do próprio Amílcar Cabral), dois "putos", biafadas, Arafan Mané, de 17 anos,  e Malan Sanhá, de 15 anos,  lançaram um ataque aventureiro e suicida ao quartel de Tite... 

Nesta ação, em que arrastaram também elementos civis das imediações (estamos em pleno "chão biafada", pelo que eles jogavam em casa...), terão morrido 8 dos atacantes e 1 militar das NT.  

Acrescente-se que foi um precedente gravíssimo num partido que sempre fez questão, durante a "guerra de libertação",   de dizer aos quatro ventos, nos areópagos internacionais,  que  subordinava o "poder militar" ao "poder político"... Mas uma coisa é a teoria (e a propaganda), outra a "praxis" (e a dura realidade dos factos)...

A partir daqui estavam lançados os dados: Amílcar Cabral  acabou, infelizmente para ele,  e para os nossos dois povos, o  português e o guineense,  por escolher o caminho das armas (logo da violência e do terror, "revolucionários") e traçar o seu próprio  trágico destino... Ele justificava-se, argumentado que Salazar não lhe deixou outra alternativa.


2. Já aqui falámos, "ad nauseam", desta data. Inclusive há as versões de um lado (o PAIGC) (*) e do outro (as NT) (**), sobre os acontecimentos em Tite, em 23 de janeiro de 1963.

É justo lembrar hoje e aqui o magnífico trabalho que teve, há 8 anos atrás,  o nosso amigo e camarada José Teixeira (foto à direita), cofundador e régul0 da Tabanca de Matosinhos (e testemunha do absurdo da guerra na região de Forrerá, em 1968/70...), ao disponibilizar em quatro postes, publicados em finais de 2016,  um documento raro, que na altura estava "on line" (e que infelizmente já não está), contendo a "entrevista histórica", de 2001,  do homem (aliás, um miúdo de 17 anos) que deu  "o primeiro tiro" na guerra...justamente em 23 de janeiro de 1963, às 01h45 (*). 

Tiro simbólico... Já se tinham dado outros, que não ficam na História... E uns meses antes, em meados de 1962, o Amílcar Cabral iria perder o primeiro dos seus comandantes, formados na China, o Vitorino Costa, cuja cabeça será levada como troféu e instrumento de terror para Tite, pelo cap inf José  Curto, cmdt da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63).

Vale a pena reproduzir um excerto do preâmbulo que o Zé Teixeira escreveu na altura (Poste P16794), sobre "o texto e o contexto" desta entrevista de 2001, dada ao jornal "O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau", e reproduzida em 2015 no sítio das "FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo", por iniciativa do major Ussumane Conaté, diretor da publicação.
 
(...) Neste caso concreto, estamos a tomar conhecimento de um testemunho de alguém que vivenciou o ataque a Tite. Foi o seu comandante, mas do outro lado da barricada, logo, o relato dos acontecimentos que viveu e a visão global do ataque são à partida diferentes (e tão "respeitáveis", como os nossos relatos). São estes conjuntos de pontos de vista, diferentes entre si, e muitas vezes contraditórios, dos acontecimentos que vão permitir escrever a História.

É comum afirmar-se que a guerra colonial na ex-província da Guiné teve o seu início com um ataque a Tite na célebre noite de 22 para 23 de janeiro de 1963, Aliás, o próprio Amílcar Cabral afirmou-o uns dias depois.

Na realidade, este ataque, pela sua dimensão e resultados, com mortos e feridos de ambas as partes em contenda, assinala simbolicamente a abertura das hostilidades.

E, no entanto, foi um acontecimento fortuito, desorganizado, sem comando definido e sobretudo à revelia dos órgãos do PAICG. Assim o afirmou, em 2001, o coordenador do ataque, o então coronel Arafan Mané.

Segundo ele, a guerrilha, à data, já era um facto no Norte, no Centro Sul e Sul desde 1961. Tite já terá sido atacada em 1962. As regiões do Tombali e Quínara estavam a fervilhar numa luta surda entre as forças portuguesas e o PAIGC, com muitas mortes (assassínios) na população, da responsabilidade de ambos os intervenientes. 

Esses primeiros tempos foram de terror e contraterror, subversão e contraversão... Uma época muito mal conhecida (e pior estudada)... 

Revivo com saudade o meu amigo Samba, de Mampatá Foreá, infelizmente já falecido há muitos anos. Sargento da milícia, imã da comunidade muçulmana local (Fula). Homem culto, excelente cozinheiro, que deixou Bissau para regressar à sua terra, o Regulado Foreá, e defender o seu povo. Muitos serões passámos em amena conversa, onde a religião e o drama da Guiné eram assunto.

Recordo, apesar da poeira do tempo, uma conversa sobre a forma como o inimigo procurava conquistar aderentes à força, no início da luta. 

Eles, dizia-me, o PAIGCV, entravam, armados, pelas tabancas dentro, e tentavam convencer o chefe da tabanca a entregar os jovens para as forças da guerrilha. Se não o fizesse, era morto ali mesmo, e os homens válidos eram convidados a segui-los ou em caso de resistência eram forçados, com muitas mortes pelo meio.

Não foi por acaso que o Amílcar Cabral convocou o Congresso em Cassacá, em 1964. Um dos objetivos deste Congresso, foi acabar com as barbaridades, as arbitrariedades e os abusos de poder, praticadas por alguns chefes de guerrilha, sem qualquer preparação política, de modo a que o povo voltasse a ganhar a confiança no Partido, nos seus dirigentes e no destino da luta de libertação nacional.

Muitos anos mais tarde, em 2008 no Simpósio Internacional de Guileje, tive oportunidade de conhecer e conversar com um ex-combatente das FARP da Guiné-Bissau que me tinha atacado várias vezes em Mampatá e na estrada de Gandembel, em 1968. É dele esta frase, que recordo com emoção:

“Guerra é guerra, meu 'ermon', quando passa não deixa saudades, mas, muitas amizades, neste mundo perdido. Os antigos inimigos se procuram, para saldar as contas com um abraço sentido.” 

Dizia-me ele: "Desculpa. Eu fui apanhado na minha tabanca, tinha quinze anos."

Mas não pensemos que as autoridades portuguesas ofereciam mel e pão aos guineenses para os conquistar para a sua causa. Os factos narrados nesse Simpósip, por vítimas guineenses, que fugiram para o mato, creio que por medo (alguns) e posteriormente integraram a guerrilha, são de fazer arrepiar o mais “durão”.

Era o tempo do “chapa ou fogo” na versão mais agressiva do temido e odiado capitão José Curto por parte dos guineenses afetos ao PAIGC (*).

E, nas minhas idas à Guiné-Bissau, tenho conversado com ex-combatentes do PAIGC, onde relembram os tempos de terror imposto pelos "tugas" nas tabancas do interior, que os levou a fugirem para o mato e entrarem na luta.

Mas voltemos ao ataque a Tite para rever os acontecimentos através de relatos insuspeitos de terceiros e presenciais:

"...Em Janeiro de 1963, foi a sede do Batalhão atacada com armas automáticas e de repetição e granadas de mão. Deste ataque resultou 1 morto e 1 ferido das NT e 8 mortos confirmados e vários feridos graves IN. Depois deste ataque foram intensificados os patrulhamentos de que resultou a morte do Papa Leite, elemento IN que actuava na área e que facultou a recolha de valiosíssimos elementos da Ordem de Batalha IN..."

In, Carta de 7-07-1981 do ten cor Manuel José Morgado, enviada ao director do Arquivo Histórico Militar, em resposta ao assunto " História das Unidades ".

Resumo da Actividade do BCac nº 237/BCaç nº 599 - Maio de 1963 a Maio de 1965, Caixa nº 123 - 2ª Div/4ª Sec., do AHM


O historiador José de Matos fala em quinze a vinte elementos do PAIGC, que mantêm o quartel sob fogo intenso, durante cerca de meia hora, provocando um morto e dois feridos às nossas tropas e deixando três mortos no terreno.(vd. poste P15795).

O nosso investigador de serviço ao blogue, o incansável José Martins, convidado pelo Luís Graça a investigar o ataque a Tite, concluiu:

“Arafan Mané (nome de guerra, 'Ndjamba'), militante do PAIGC, destacado Combatente da Liberdade da Pátria, é considerado o 'responsável' pelo inicio das hostilidades na Guiné, ao ter disparado a primeira rajada de metralhadora e comandado a ofensiva. Teria menos de 20 anos. Veio a falecer em 2004, em Espanha, de doença". (P10990)

Estranhamente pouco ou nada se escreveu oficialmente sobre este acontecimento tão marcante (seria?) para o desenvolvimento da guerra na Guiné.

Há o testemunho do Gabriel Moura, (vide P3294; P3298 e P3308 de 11/11/2008; 12/10/2008 e 13/10/2008 respetivamente) (**).

Foi este soldado português de Gondomar que estava de sentinela ao quartel de Tite, naquela fatídica noite, que entrou no Blogue pela mão do Carlos Silva, (seu conterrâneo e amigo) já depois do seu falecimento para contar a história que vivenciou.

 Foi o primeiro militar português, quando se encontrava de guarda ao aquartelamento, a responder ao fogo da força que atacou as instalações de Tite.

Na reação ao fogo de que foi alvo, consumiu todas as munições de que dispunha, provavelmente três carregadores, assim como utilizou as duas granadas que lhe estavam distribuídas para o serviço. Faleceu em 2004, dois anos após ter editado as suas impressões sobre o acontecimento, e por coincidência no mesmo ano da morte de Arafan Mané.

Temos agora a oportunidade de tomar conhecimento do testemunho do Arafan Mané, ou seja, a versão de quem comandava o outro lado da barricada, numa entrevista publicada em 2001 no jornal O Defensor – Orgão de Informação Geral do Estado Maior das Forças Armadas da Guiné-Bissau. Reproduzida em 2015 no sítio das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo, por iniciativa do major Ussumane Conaté, diretor da publicação. (...)

(Revisão / fixação de texto: LG)
_______________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

3 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16794: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte I (José Teixeira)

8 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16812: O inicio da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte II (José Teixeira)

11 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16823: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) - Parte III (José Teixeira)

19 de dezembro de 2016 > Guiné 63/74 - P16851: O início da guerra colonial no CTIG, contada pelo outro lado: entrevista, de 2001, com o homem que liderou o ataque a Tite, Arafam 'N’djamba' Mané (1945-2004) – Parte Final (José Teixeira): os frutos (amargos) da aventura...

(**) Vd. postes de;


(***) Últiimo poste da série > 14 de janeiro de 2025 > Guiné 61/74 - P26389: Efemérides (448): Homenagem aos Combatentes da Guerra do Ultramar da União de Freguesias de Freigil e Miomães do Concelho de Resende (Fátima's)


terça-feira, 25 de julho de 2023

Guiné 61/74 - P24503: Facebook...ando (32): Vítimas de "fogo amigo", quando, à noite, em emboscadas das NT saíam do grupo para "satisfazer as necessidades sem avisar ninguém"

1. Quantos camaradas nossos não terão morrido, "vítimas de fogo amigo", no TO da Guiné  ? E, nomeadamente à noite, quando saíam do seu grupo de combate, emboscado no mato, para "satifazer as necessidades", e sem avisar ninguém ?!... 

Recordemos alguns casos... Felizmente não terão sido muitos, mas aconteceram... Não há registos, públicos e notórios.. Estes casos eram classificados como "acidentes com arma de fogo", tais como os homicídios, os suicídios, as automutilações, e os acidentes propriamente ditos, por "falha técnica" ou "erro humano",,, 

Parafraseando o nosso camarada, hoje ten gen pilav ref, António Martins de Matos, infelizmente à noite todos os gatos são pardos...

"Blue on blue" é uma expressão eufemística, inglesa,  para descrever um caso de "fogo amigo",   quando um militar, no teatro de operações,  é acidentamente alvejado,  e morto ou ferido, pelos seus camaradas (*).


(i) Luís Graça:

(...) O Neves ainda voltou a um um outro convívio da companhia, já no virar do milénio... E num deles reencontrou o capitão, então já coronel, na situação de reforma. Ter-se-á emocionado, o antigo capitão, quando evocou as trágicas circunstàncias em que foi morto o primeiro homem da Companhia, logo nos dois primeiros meses de Guiné... 

Estavam emboscados, de noite, quando há um militar que sai da sua secção para ir "arriar o calhau" (sic), sem dizer nada a ninguém e quebrando a rigorosa disciplina imposta... No regresso, ao ouvir restolhar o capim, o capitão instintivamente disparou uma rajada... Teve uma agonia horrorosa, o pobre soldado, durante quase uma hora, sem possibilidades de ser helievacuado...(...) (**)

(ii) José Gouveia / Tabanca Grande Luís Graça, 23 de julho de 2023, 13;01

(...) Será que ninguém o viu sair? Esquisito.


(iii) Tabanca Grande Luís Graça

(...) Infelizmente, não terá sido caso único. Aconteceu, por exemplo, com a CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), quando era comandada pelo então cap inf José Curto... (Segunda a versão de um dos seus graduados, nada disto vem na história das unidades.) (...)


(iv) Tabanca Grande Luís Graça

Um outro caso, vítima de "fogo amigo", foi passado com a 1ª CCmds Africanos, em meados de 1970, no subsetor de Bajocunda, conforme relatado pelo nosso saudoso Amadu Djaló (1940-2015) 
(***):

(...) "Numa das primeiras saídas, entre 25 e 26 de junho de 1970, numa emboscada em Sare Aliu, junto à linha da fronteira na área de Bajocunda, o soldado Nicolau (...) foi satisfazer as necessidades e não avisou ninguém. Era uma noite escura e quando regressava para junto do grupo perdeu a orientação e entrou pelo outro lado da emboscada. Ninguém o reconheceu, nem deu tempo para fazer perguntas." (...)  (****)
________________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de 3 de fevereiro de 2015 > Guiné 63/74 - P14215: Gloriosos Malucos das Máquinas Voadoras (30): "Blue on Blue" - Querem ver que acertei nos nossos? (António Marins de Matos, TGen Pilav Ref)

segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

Guiné 61/74 - P23988: Casos: a verdade sobre... (33): Vitorino Costa, o primeiro comandante da guerrilha, formado em Pequim em 1961, a ser morto pelas NT em meados de 1962

 

Grupo de quadros do PAIGC recebidos por Mao Tse-Tung na República Popular da China, em 1961 |

Instituição: Fundação Mário Soares | Pasta: 05360.000.084 | Assunto: Grupo de quadros do PAIGC recebidos por Mao Tse-Tung na República Popular da China, para iniciarem treino militar na Academia Militar de Nanquim: João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes. | Data: 1961 | Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral | Tipo Documental: Fotografias


(1961), "Grupo de quadros do PAIGC recebidos por Mao Tse-Tung na República Popular da China", Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43247 (2023-1-16)



(Detalhe: Reproduzido com a devida vénia... Legenda segundo o nosso colaborador permanente Cherno Baldé: "Na foto do grupo de Nanquim (China, 1961) estão presentes, a contar da esquerda, na fila da frente: Nino Vieira, um diplomata que não identifico, uma mulher que deve ser a companheira do diplomata (ou a tradutora, acrescentamos nós), o Presidente Mao Tse-Tung, Francisco Mendes (Tchico Té), Domingos Ramos, Osvaldo Vieira, Rui Djassi. Na segunda fila: Pedro Ramos, um diplomata Chinés, Vitorino Costa, Hilário Gomes, Constantino Teixeira (Tchutcho) e o Manuel Saturnino Costa".


1. Já aqui falámos de Vitorino Costa, Tem meia dúzia de referências no nosso blogue. De seu nome completo, Vitorino Domingos Costa, irmão de Manuel Saturnino da Costa (futuro primeiro ministro da República da Guiné-Bissau), foi morto, em 1962, antes do início oficial da guerra, por um grupo da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto, na região de Quínara (nas proximidades de Darsalame ou perto de São João, não sabemos ao certo).

Sobre esta época, de 1962, em que o PAIGC começou a fazer trabalho de formação político-militar e a recrutar gente nas tabancas,  sobretudo nas regiões de Quínara e de Tombali, continuamos ainda a saber muito pouco. Faltam os testemunhos, orais e escritos, de um lado e do outro. Faltam os relatórios. Faltam as fotos.  

Mas sabe-se que  o ano de 1962 não começou bem para o PAIGC que viu, por exemplo, em Bissau (a "zona zero")  ser descoberto e preso o seu presidente (do Comité Central, nomeado já na prisão, pelo Partido), que vivia na clandestinidade, o Rafael Barbosa, de etnia papel, e com ele centenas de militantes e simpatizantes (100 dos quais serão depois deportados para o Campo de Chão-Bom, Tarrafal, ilha de Santiago, Cabo Verde)

De resto, era ainda escassa a presença do exército português no território. E a PIDE tinha acabado de se instalar. Por tudo isso, é um período que se presta a muita especulação. O filme do George/Jorge Freire ainda mostra uma Guiné relativamente idílica, calma, tranquila, onde se pode viver e viajar, em segurança, nomeadamente no leste, no chão fula. Mas por quanto tempo ? Quando deixa Nova Lamego, no leste,  e é colocado em Bedanda, no sul, em novembro de 1962, com a sua 4ª CCAÇ, o cap Jorge Freire ainda leva consigo a esposa. Mas em dezembro ela é obrigada a regressar a Portugal, por razões de segurança. 

2. Tudo indica que o 'comandante' Vitorino Costa terá morrido  na sequência de uma "ação punitiva" do nosso exército, depois de um conhecido comerciante de Empada ter sido assassinado barbaramente na estrada, no regresso de Darsalame para Empada. Mas não sabemos, ao certo, se há uma relação entre os dois acontecimentos.

Vitorino Costa e Manuel Saturnino Costa, além de irmãos,   eram dois dos históricos militantes enviados para a China para receber treino político-militar,  tendo sido inclusive  recebidos pelo então "grande timoneiro", Mao Zedong, em 1961 (Vd. foto acima). Eis a lista completa, por ordem alfabética,  do grupo dos "primeiros comandantes da guerrilha", formados na Academia Militar de Pequim (nenhum deles hoje vivo, o último a morrer foi o Saturnino Costa, em 2021):
  • Constantino Teixeira
  • Domingos Ramos
  • Francisco Mendes
  • Hilário Gomes,
  • João Bernardo Vieira (Nino)
  • Manuel Saturnino da Costa
  • Osvaldo Vieira
  • Pedro Ramos
  • Rui Djassi
  • Vitorino Costa

Sabemos que Vitorino Costa era um homem próximo de Amílcar Cabral (e de Luís Cabral) e que a sua morte foi sentida como um sério revés para a guerrilha, em preparação. Também Bobo Keita (ou Queita)  se refere ao seu nome, na sua biografia "De campo em campo", escrita por Norberto Tavares de Carvalho (ed. autor, 2011).  É um dos  vinte guerrilheiros do PAIGC  que morreram de morte violenta, e que ele evoca, no final do seu livro (p. 237):

(...) "Vitorino [o autor escreve Victorino ] Costa era responsável pela mobilização da zona de Quínara, Fulacunda, Tite, S. João [ correspondente então à Zona 8 do PAIGC - Bolama - Tite - Fulacunda - Buba - Empada - Darsalame.] .  

(...) "Em plena campanha de recrutamento, foi pernoitar numa tabanca cujo chefe colaborava com os portugueses. Vitorino Costa foi denunciado.  Era no tempo daquele  que era conhecido como 'capitão Curto', um militar português muito temido pela população. O seu ultimato era conhecido: 'Fogo ou chapa'. O fogo significava um tiro na cabeça  e chapa referia-se ao emblema do Partido.  Quem era suspeito de pertencer ou de colaborar com o PAIGC, ou entregava o emblema ou era morto. 

"O capitão Curto, uma vez alertado  da presença de militantes do Partido na região, invadiu a tabanca com os seus homens.  Vitorino Costa viu-se  cercado e tentou defender-se com a única pistola que possuía. Naquele tempo , no princípio da luta, o Partido não dispunha ainda de armas. O combate era desigual. Depois de ter sido morto a tiro, foi decapitado e a sua cabeça enfiada num grosso ramo com o qual os portugueses exibiram a cabeça do nosso camarada, fazendo-a circular por toda a tabanca, ameaçando e intimidando a população a não colaborar com os 'turras' (...). Esta cena ocorreu antes do início da guerra. Foi em 1962". (...)

3. Luís Cabral, na suas memórias ( "Crónica da Libertação", Lisboa, O Jornal, 1984), tem uma versão ligeiramente diferente deste episódio (pp. 127/128);

(...) "No Centro-Sul, na região de Quínara, a situação também se tornava difícil. Depois da sua saída precipitada do Gabu  [onde foi cercado em Canquelifá, escapando por pouco às autoridades alertadas pelo chefe da tabanca, vd. pp. 115/117 ], Vitorino Costa tinha sido enviado a esta região para reforçar a equipa que já lá se encontrava . Instalou-se na área de Tite (...). 

"Vitorino era um jovem com muito orgulho e estava entre os quadros do Partido que tinham mais habilitações literárias. (...) Apercebia-se facilmente nele o desejo de fazer tudo para cumprir o melhor possível a sua missão em Quínara.

"Vitorino dormia com os seus homens na tabanca de S. Joana , na área de S. João  [gralha ?  seria Santa Maria ? não localizámos este topónimo, S. Joana,  na carta de São João, 1955, escala 1/50 mil], quando a casa foi cercada pelas tropas coloniais. O inimigo tinha conhecimento das nossas fracas possibilidades de defesa (...).

"No seu grupo, só o Vitorino tinha uma pistola e foi com ela  que conseguiu chamar a atenção das forças inimigas, às quais ainda resistiu corajosamente o tempo necessário para a retirada dos  seus companheiros.

"Gravemente ferido, (...) morria pouco depois,  O seu corpo, transportado num veículo,  foi levado pelas tropas coloniais a várias tabancas de Quínara. Ao seu companheiro  Seni Sambu,  cortaram-lhe a cabeça, que  foi exposta em Fulacunda, sua terra natal, em presença da sua própria mãe (...).


4. Não encontrámos uma única foto individual de Vitorino Costa no Arquivo Amilcar Cabral que, em boa hora, passou a estar disponível, para consulta, a partir de 20 de janeiro de 2013.  Na foto em grupo, tirada em Pequim, em 1961, e acima reproduzida, não temos a certeza de quem é o Vitorino Costa (nem a maior parte dos outros elementos do PAIGC).

De qualquer modo, sabemos que o capitão Curto e a sua CCAÇ 153 foram inimigos mortais do PAIGC. O Vitorino Costa (e mais alguns dos seus homens) terá sido  morto em meados de 1962 (talvez julho ou junho). 

A versão que sabíamos é que a tabanca onde foi abatido o Vitorino Costa seria em Darsalame, e a sua "cabeça" terá sido trazida para Tite, sede do BCAÇ 237.  Tratava-se de um "grande ronco" para as autoridades portuguesas em luta contra "o início da subversão", e foi seguramente um grande revés para o PAIGC (*) que, oficialmente, só vai começar a luta armada em 23/1/1963, com o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite.

Falámos ao telefone, em tempos, em 2010,  com dois camaradas contemporâneos dos acontecimentos: o fur mil Octávio do Couto Sousa, da CCAÇ 153, de Ponta Delgada, e o José Pinto Ferreira, ex-1.º cabo radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, 1961/63), do Marco de Canaveses.   

Infelizmente nenhum deles integra,  ainda hoje,  a nossa Tabanca Grande, apesar do nosso convite, e de já  termos publicado postes com o seu nome (**). Dada a delicadeza do assunto, o Octávio do Couto Sousa não nos autorizou, na altura, a publicação do seu depoimento; ele integrava o grupo do cap Curto que cercou, "em Darsalame" (sic),  o Vitorino Costa (menos de 30 homens).

Seria importante o testemunho de mais camaradas sobre estes acontecimentos do início (mal conhecido e malcontado) da guerra. De qualquer modo, tanto o Octávio do Couto Sousa como o José Pinto Ferreira  reforçaram a ideia de que o  capitão Curto, pese embora a lenda a que está associada o seu nome na Guiné (mesmo ao fim de mais de meio século!), foi um militar destemido, corajoso e competente. (Temos 13 referências sobre este oficial, que infelizmente já faleceu em  18/11/2018, com o posto de ten gen ref.) 

No livro da CECA, não encontrámos qualquer referência a este episódio (Vd. Portugal. Estado-Maior do Exército. Comissão para o Estudo das Campanhas de África, 1961-1974 [CECA] - Resenha Histórico-Militar das Campanhas de África (1961-1974). 6.º volume:  Aspectos da actividade operacional. Tomo II: Guiné. Livro 1. Lisboa: 2014,  538 pp).

De qualquer modo, nunca é demais recordar que ao nosso blogue interessa apenas a verdade dos factos. E, como é nossa norma, não fazemos juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão). (***)

 Sobre a CCAÇ 153, escreveu o nosso camarada Octávio do Couto Sousa [Mafra, 1959, Tavira em 1959/60; furriel miliciano em 1960/61; sargento miliciano em 1962/63], em comentário ao blogue Rumo a Fulacunda, em 2/10/2008:

    (...) A Companhia 153 proveio do RI 13, de Vila Real, com cabos e praças daquelas redondezas, alguns com nomes das suas terras, o Vila Amiens, o Chaves, etc. Como disse no primeiro escrito, foi uma pena termo-nos separado em Vila Real, terminada a comissão, desejosos todos de partir para as nossas famílias, sem o cuidado de trocar endereços que nestes anos seriam preciosos para nos reencontrarmos. A maioria dos oficiais e sargentos foram mobilizados de outras zonas. No nosso caso e do João M. C. Baptista, estávamos já na disponibilidade e a viver nos Açores.

    O nosso Comandante de Companhia foi o Capitão, hoje General, José dos Santos Carreto Curto.

    Fomos a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Tivemos depois um pelotão em Cacine. Estivemos também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, assim como em Catió, até que tudo se agudizou em termos operacionais. Para Buba chegou uma companhia, a 154, outra para Cacine e por muitas outras localidades foram chegando mais unidades consoante a guerra se intensificava.

    As fotos mostram o quartel de Tite onde se instalou o primeiro Batalhão, o BCAÇ 237, ao qual passámos a pertencer como tropa operacional e por questões de organização.

    Acompanhámos o primeiro ataque a Tite [em 23 de Janeiro de 1963], de Fulacunda saíram reforços nos quais estivemos integrados, visto que o Batalhão, como sede, não estava ainda operacional.

    A nossa companhia, a CCAÇ 153, acabou por ficar toda junta e em várias missões percorremos todo Sul na busca e destruição das casas de mato que o PAIGC proliferava por tudo quanto eram zonas mais ou menos isoladas. (...)


    5. Há uns largos anos atrás (mais de doze!), recebemos uma mensagem de um leitor nosso, guineense, que nunca chegámos a publicar... (Na altura, trabalhava localmente para as Nações Unidas.) Achamos oportuno fazê-lo agora, até na esperança de haver mais elementos informativos sobre este caso.

    De: Augusto Domingos  Costa <costa4@un.org>

    Data - quarta, 8/06/2011, 16:48

    Assunto -  Em busca de informações

    Caro Luís Graça!

    Saudações de uma longa vida a juntar e reconstruir memórias de um período agridoce e extremamente rico em termos de relacionamento humano entre nossos dois povos.

    Sou um cidadão guineense que vai lendo, sempre que possa, memórias plasmadas no vosso blogue. Mas interesso-me, neste momento, da história da CCAÇ 153, do lendário Cap Curto, Fulacunda, 1961/63. Já li o depoimento de José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, acerca do Cap Curto não ter mandado cortar a cabeça do Victorino Domingos da Costa, e ter sido injustamente diabolizado com esse cunho. 

    Interesso-me também em saber a verdade, sem rancores nem mágoas, por esse Senhor que foi decapitado ser o primogénito da nossa família. Aguardo com serenidade o depoimento do ex-Fur Mil Octávio do Couto Sousa porque temos o objecto de encontrar as ossadas e trazê-las para Bissau.

    Um abraço,
    Augusto A. Domingos da Costa
    _______

    Notas do editor:


    (...)  Carta do futuro diplomata do PAIGC e da República da Guiné-Bissau, Gil Fernandes, a estudar em Boston, EUA, datada de 1/12/1962, dirigida a Amílcar Cabral. Começa nestes termos:

    "Caro Amílcar: Foi com grande consternação que recebi a sua última carta relatando a morte de Vitorino Costa. Eu e ele fomos grandes amigos e fui por algum tempo seu explicador. A sensação de choque  que se recebe perante acontecimentos desta natureza é absolutamente  indescritível, este é mais um crime que mais tarde os portugueses terão que dar conta. Imagino em que estado é que o Amílcar se deve encontrar, mas confio inteiramente na sua perseverança, agora é que é preciso mais coragem"  (...)"


    (...) "Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:

    (...) "O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. Actos repelentes, sem confirmação, não devem ser credibilizados." (...)

    Vd. também poste de 5 de dezembro de 2018 > Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)

    (***) Último poste da série > 5 de dezembro de 2022 > Guiné 61/74 - P23847: Casos: a verdade sobre... (32): o pós-25 de Abril no CTIG, as relações das NT com o PAIGC, a retração do dispositivo militar e a descolonização

    quarta-feira, 26 de dezembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19335: (D)outro lado do combate (41): Carta de Aristides Pereira a 'Nino' Vieira, escrita em Cassacá, em 22 de janeiro de 1964 (Jorge Araújo)


    Cassacá em 2018. Foto do camarada Patrício Ribeiro, com a devida vénia [P18697].


    Mapa de Cacine, Sector de Quitafine (Frente Sul). Cassacá, local onde foi manuscrita a carta de Aristides Pereira, em 22 de janeiro, e, também, o da realização do I Congresso do PAIGC, organizado entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964, estava situada a quinze quilómetros a sul de Cacine e a trinta da fronteira com a Guiné-Conacri.



    Jorge Alves Araújo, ex-Furriel Mil. Op. Esp./RANGER, CART 3494 
    (Xime-Mansambo, 1972/1974): coeditor do nosso blogue


    GUINÉ: (D)O OUTRO LADO DO COMBATE  

    CARTA DE ARISTIDES PEREIRA A 'NINO' VIEIRA, ESCRITA EM CASSACÁ EM 22 DE JANEIRO DE 1964, UM ANO DEPOIS DO ATAQUE A TITE
      
    - AS ORIGENS DO PRIMEIRO CORPO DO EXÉRCITO DO PAIGC - 

    Os relatos publicados nos P19254 e P19259 suscitaram-me particular interesse, do ponto de vista histórico, por recuperarem mais alguns dos episódios do período que antecedeu o início do conflito armado no CTIG, nomeadamente durante o ano de 1962, por permitirem identificar os principais actores de cada um deles. 

    Estes e muitos outros que, na fita do tempo, se foram sucedendo acabariam por influenciar, para o bem ou para o mal, os comportamentos sociopolíticos em cada um dos lados em confronto, que culminaram com o ataque ao aquartelamento de Tite, localizado na região de Quinara, facto ocorrido em 23 de Janeiro de 1963.

    No primeiro caso [P19259], o depoimento do ancião autóctone que surge no vídeo a falar da sua experiência e das suas memórias, e que se considera ser um dos primeiros sete ex-combatentes que tomaram a decisão de aceitar fazer parte do universo da guerrilha nacionalista, dá conta que uma das primeiras "barracas" [acampamentos] criada no Cantanhez, região de Tombali, foi em Caboxanque.

    No segundo caso [P19254], é relevante o facto de ser reduzido o número de efectivos militares na Guiné, uma vez que a CCAÇ 153, comandada pelo, então, capitão e infantaria José dos Santos Carreto Curto, era a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Mais tarde fez deslocar um Gr Comb para Cacine. Estiveram também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, bem como em Catió, até que a situação se agravou em termos operacionais [Vd. P19264 e P19291; notas de leitura do camarada Beja Santos].

    Em função do vasto território em que se movimentou, particularmente nas Regiões de Tombali e Quínara, o capitão Carreto Curto, que no passado dia 30 de Novembro nos deixou, e a sua CCAÇ 153, viveu/viveram momentos difíceis e dramáticos, pois ficaram associados ao começo [oficial] da guerra no CTIG.


    Entretanto, em 26 de dezembro de 1962, como reconhecimento da sua acção/ intervenção psicossocial, o capitão Carreto Curto foi agraciado com a Medalha de Prata de Serviços Distintos com palma [imagem ao lado], devido ao facto de "como comandante de companhia no Comando Territorial Independente da Guiné, desde Junho de 1961, ali vem exercendo, por meio de acções de reconhecimento e de objectivo psicossocial, uma actividade altamente meritória de que tem beneficiado todo o sector do batalhão [BCaç 237], revelando, a par de notáveis qualidades de organização e disciplina, excepcionais dotes de comando, de iniciativa e de audácia, transmitindo a todos os subordinados uma confiança ilimitada, o que permitiu criar e desenvolver na sua unidade [CCAÇ 153] um espírito de corpo tal, que a mesma pode ser apontada como exemplo de disciplina, de eficiência e de sacrifício no cumprimento do dever. Os serviços prestados por este oficial ao Exército e à Nação, na presente conjuntura da Guiné, devem ser considerados relevantes e distintos".

    Quanto ao ataque ao aquartelamento de Tite acima referenciado, o nosso blogue tem um vasto espólio de narrativas que pode (e deve) ser consultado. Em cada leitura que se faça, descobre-se, por vezes, novos detalhes que suscitam outros pontos de interesse e investigação, que merecem ser aprofundados. É isso que vamos tentar fazer numa próxima oportunidade, triangulando conteúdos e adicionando-lhe novas informações contraditórias.

    Recupero, a esse propósito, entre outras, a entrevista dada em 2001 por Arafam ["N'djamba" Mané; Bissau, 1945.09.29 / Madrid, 2004.09.04] ao jornal "O Defensor", órgão de Informação das FARP – Forças Armadas Revolucionárias do Povo da Guiné-Bissau e reproduzida em 2015 no sítio das FARP, por iniciativa do major Ussumane Conaté. Esta entrevista foi/está dividida em quatro partes, por diligência do camarada José Teixeira, 1.º cabo aux enf CCAÇ 2381, "Os Maiorais", Buba, Quebo, Mampatá e Empada; 1968/1970 – P16794; P16812; P16823 e P16851.

    O testemunho do camarada Gabriel Moura [falecido em 2006], do Pel Mort 19, escrito em «Tite (1961/1962/1963) Paz e Guerra», pp 83/88, é outra leitura obrigatória, uma vez que ele foi o primeiro militar português a responder ao fogo da força que atacou o aquartelamento de Tite, pois encontrava-se de guarda naquela ocasião [P17649].

    Com o objectivo de fazer a ponte ligando duas peças da historiografia da guerra: o ataque a Tite (23Jan1963) e o I Congresso do PAIGC (Cassacá; 13/17Fev1964), enquanto processo na organização e desenvolvimento da luta armada durante o ano de 1963, tomei a iniciativa de partilhar convosco uma carta manuscrita por Aristides Pereira, em Cassacá, e enviada a 'Nino' Vieira, a 22 de janeiro de 1964, ou seja, um ano após o primeiro evento.

    A elaboração deste escrito do dirigente Aristides Pereira [Boavista, Cabo Verde; 1923.11.17 / Coimbra; 2011.09.22] dirigido ao principal Cmdt da guerrilha 'Nino' Vieira [Bissau; 1939.04.27 / Bissau; 2009.03.02 (assassinado)] surge na sequência de alguns acontecimentos que estão na génese da reunião magna [congresso]. 

    Recorda-se, pela sua pertinência, por um lado, a visita de Luís Cabral [Bissau; 1931.04.11 / Torres Vedras; 2009.05.30] à zona de Quitafine e tabanca de Cassacá em finais de 1963, por outro, as informações recolhidas em todos os contactos estabelecidos com os combatentes e aquelas que lhe chegavam das frentes. 

    Estes factos levaram a que o irmão [Amílcar Cabral (Bafatá; 1924.09.12 / Conacri; 1973.01.20, assassinado dez anos depois de Tite)] aceitasse, como necessária, a realização de uma reunião geral dos responsáveis pelo PAIGC, no sentido de se poder discutir e aprofundar estas questões, de maneira a tirar delas todas as lições para o futuro, numa altura que estava concluído o primeiro ano da luta armada.


    Citação: (1965), "Desfile de combatentes do Exército Popular comandados por Nino Vieira", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_43728 (2018-12-9)

    A operacionalização de cada uma das diferentes acções projectadas para antes, durante e depois do I Congresso podem (devem) ser consultadas no livro de memórias de Luís Cabral: «Crónica da Libertação», (1984), Lisboa, Edições 'O Jornal', Publicações Projornal [Vd. trabalho de recensão realizado pelo camarada Beja Santos – P7216; P7223; P7232; P7241 e P7259].

    Como dimensão histórica, cito uma passagem [P7232] onde é referido o seguinte:

     "Em finais de 1963, Luís Cabral faz a sua primeira visita ao Quitafine, a partir de Sangonhá, depois partiram para a base de Cassacá, onde foi recebido por Manuel Saturnino [da Costa; n-1942-]. Em Cacine estava instalado o primeiro quartel das tropas portuguesas [CART 496], a que se seguiu Gadamael [CART 640]. Segundo Luís Cabral, as tropas portuguesas estavam confinadas a Cacine".

    Para um melhor conhecimento da evolução do contexto operacional desenvolvido pelas NT - unidades militares -, sedeadas naquela região, sugere-se a leitura do importante trabalho de investigação historiográfica elaborado pelo nosso camarada Manuel Vaz, ex-Alf. Mil da CCAÇ 798, iniciado no P19261, que saudamos.


    2. A CARTA DE ARISTIDES PEREIRA A 'NINO' VIEIRA, ESCRITA EM CASSACÁ, EM 22 DE JANEIRO DE 1964

    Neste segundo ponto apresentamos, de acordo com o acima exposto, a transcrição da carta, de quatro folhas, manuscrita em Cassacá, por Aristides Pereira, e enviada a 'Nino' Vieira, em 22 de janeiro de 1964.

    Eis o seu conteúdo:

    "Cassacá, 22 de Janeiro de 1964

    "Meu caro Nino,

    "É com imenso prazer que te saúdo, bem como a todos os camaradas, daqui deste ponto livre da nossa terra.

    "Como sabes, devia encontrar-me contigo e com o Arafam ["N'djamba"] Mané, a 20 [Fev'1964], aqui na Zona. Com efeito, no dia 20 estava no interior, mas não foi possível fazer a reunião, dadas as novas condições que se apresentaram na tua [zona], grandemente atacada pelo inimigo [NT], e também porque o Arafam certamente se atrasou na missão.

    "Entretanto, nós, em Conacri, em especial o Amílcar [Cabral], temos tudo preparado e desejamos que o encontro da missão do Arafam se faça o mais breve possível, não sendo possível neste mês, nos primeiros dias do mês de Fevereiro [1964].

    "Seria bom se o encontro se pudesse realizar na tua barraca [acampamento], mas as condições não o permitem. Temos, pois, que nos contentar com um local mais próximo da fronteira [Sul], onde as condições de segurança dos presentes são maiores. Sugiro-te Cassacá, que já conheço. Entretanto, espero a tua resposta. Devo dizer-te que consideramos este encontro dos acontecimentos mais importantes na história da nossa luta e ele vai marcar uma nova etapa do nosso combate."


    [Este encontro… é (foi) o I Congresso do PAIGC realizado em Cassacá, entre 13 e 17 de Fevereiro de 1964].


    Citação: (1964), "I Congresso do PAIGC em Cassacá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_85098 (2018-12-9)

    Fonte: CasaComum; Fundação Mário Soares. Pasta: 07223.002.046. Título: I Congresso do PAIGC em Cassacá. Assunto: Amílcar Cabral e grupo de (dezanove) milicianos em Cassacá [região libertada do sul da Guiné-Bissau], por ocasião do I Congresso do PAIGC. Data: Fevereiro de 1964. Opaco/Transparente: Opaco Negativo/Positivo: Positivo. PB/Cor: Preto e Branco. Fundo: Arquivo Mário Pinto de Andrade. Tipo Documental: Fotografias.

    "Esperamos fazer vir para assistir no último dia da reunião [I Congresso; 17Fev1964], alguns jornalistas estrangeiros, aos quais seria distribuído um documento sobre os problemas tratados na reunião. Queremos ainda que no fim dos trabalhos e diante dos jornalistas, o Secretário-Geral do Partido faça o "baptismo" do primeiro destacamento do nosso Exército. Esse corpo teria cerca de 150 homens cujas fardas viriam ainda de Conacri.

    "Estou certo que compreendes bem o interesse que esta reunião tem para a fase nova da luta que estamos vivendo, no plano interior, e no plano exterior, o que isso pode representar como reforço da nossa posição no plano internacional e sobretudo, junto dos países vizinhos, em especial o Senegal.

    Tinha muito interesse em ver-te também para discutirmos o problema do material que te falta. Autorizei que fosse tirado do material do Norte, 10 carabinas e 10 cxs de balas 7,62 mm PM para te mandar. Não compreendo com o que se teria passado com as balas 7,62 mm. No barco em que vieste estavam 30 cxs para a Zona 11. Houve engano com certeza. Estão no barco 2 morteiros para a tua Zona, assim como algumas minas antitanque e antipessoal.

    Continuo aqui na barraca do Manuel [Saturnino da Costa?], aguardando a tua resposta amanhã, para poder regressar depois de amanhã. O Embaná vai comigo para trazer as coisas [será que se trata do Fiere Embaná, que desertou do PAIGC e se apresentou no quartel de Tite, em Maio'1971, ao tempo do BART 2924 (P18746)?].


    "O Zé traz uma grande barraca e 3 macas para doentes.

    "Devo dizer-te que o Comité dos 9 soube reconhecer e avaliar os trabalhos do nosso Partido. Esperamos, no entanto, ainda, qualquer coisa de mais concreto.

    "O segundo assunto importante que queria tratar contigo é o da vinda dos dois amigos que deviam vir ver e filmar coisas no interior. Eles chegam a Conacri a 29 [Jan de 1964] e devem vir, como combinámos, a 1 ou 2 de Fevereiro. Dá-me a tua opinião sobre o caminho que devem seguir. 

    "Entretanto, sugiro que estejas em Sangonhá, que visitem Bricama para ver gente do povo no mato, sem casa. Vêm depois a Cassacá, onde fariam o resto do filme (combatentes, casas destruídas, etc.). Seria decerto mais interessante se lhes fosse possível ver a base central, mas não creio que isso seja possível. Diz o que pensas sobre o assunto. Eles regressariam de barco à República da Guiné."







    Reprodução do original da carta de Aristides Pereira

    Citação: (1964), Sem Título, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/ 11002/fms_dc_39103 (2018-12-9).

    Fonte: CasaComum; Fundação Mário Soares. Pasta: 07062.034.025. Assunto: Constituição do primeiro destacamento do Exército [Popular]. Visita do Comité dos 9 [OUA]. Vinda de "dois amigos" para filmar no interior. Remetente: [Aristides Pereira]. Destinatário: Nino Vieira. Data: 22 de Janeiro de 1964. Observações: Doc incluído no dossier intitulado Manuscritos de Amílcar Cabral. Fundo: DAC – Documentos Amílcar Cabral. Tipo Documental: Correspondência.

    Termino, agradecendo a atenção dispensada.

    Com um forte abraço de amizade e votos de BOAS FESTAS.

    Jorge Araújo.

    15DEZ2018.
    ______________

    quarta-feira, 5 de dezembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19259: (D)o outro lado do combate (39): Vídeo de 2/3/2008 com entrevista a antigo guerrilheiro do PAIGC, contemporâneo do cerco a Darsalame, em julho de 1962, pelo grupo de combate da CCAÇ 153, comandado pelo cap inf José Curto (Luís Graça)



    Guiné-Bissau > Seminário Internacional de Guiledje, 1-7 de março de 2008 > Visita, no dia 2, ao Cantanhez, na região de Tombali. Reconstituição do antigo acampamento ("barraca") Osvaldo Vieira. O nosso saudoso Pepito (1949-2014) fala com um antigo guerrilheiro do PAIGC, sentado à sua esquerda,  sobre o início da luta aramada em 1962.

    Vídeo Guné. Cantanhez. Acampamento Osvaldo Vieira5. Alojado no You Tube > Nhabijoes (*)

    Vídeo (4' 52 ''): © Luís Graça (2008). Todos os direitos reservados.  [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guné]


    1. Guiné-Bissau, Região de Tombali,  Mata do Cantanhez, Acampamento Osvaldo Vieira, nas proximidades de Madina do Cantanhez, na picada entre Iemberém e Cabedu... Visita no âmbito do Simpósio Internacional de Guiledje, domingo, de manhã, 2 de março de 2008... Visita guiada e animada por antigos guerrilheiros e população local, à Baraca  (acampamento) Osvaldo Vieira, outro dos momentos surpreendentes da nossa viagem à pátria de Amílcar Cabral.

    Neste vídeo (**), um dos homens grandes da região conta como foram os primórdios da luta aramda... Trata-se de um excerto, há informação que perdi...  Infelizmente não consegui fixar o nome do entrevistado. Creio que é nalu. 

    "Entrou no mato", como ele diz, em 1962. Ou seja: passou à clandestinidade, depois de aderir a (ou ser aliciado por) o PAIGC, ainda antes do início das hostilidades... Recorde-se que, para o PAICC e para a historiografia portuguesa, a guerra começa oficialmente com o ataque  Tite a 23 de janeiro de 1963.

    A designação deste acampamento corresponde à verdade fática, histórica, não é  apenas uma homenagem, póstuma, a um dos heróis (, de resto, controversos...) do PAIGC, o Osvaldo Vieira  (cujos restos mortais repousam na Amura, a antiga fortaleza colonial de Bissau transformada em panteão nacional)... Ao que parece, o Osvaldo Vieira não actuou só na região do Óio (Frente Norte), também terá andado pelo Cantanhez (Frente Sul).

    "Quando começou a mobilização, quando entre no mato, foi em 1962. Éramos só sete nessa altura. O comandante do grupo era o José Condição. Ficámos no mato de Caboxanque, aqui perto. Numa barraca, parecida com esta"...

    O entrevistado fala num crioulo difícil. O Pepito vai traduzindo. Vê-se que nem sempre percebe o que diz ou quer dizer o entrevistado...

    E a narrativa continua: 

    "Até que chegou à região de Tombali o Capitão Curto".  (Aqui o  Pepito acaba por baralhar a audiência, maioritariamente estrangeira, ao falar em dois capitães Curto,  um dos quais teria andado a espelhar o terror no chão manjaco; ora, o capitão a que o antigo guerrilheiro se referia era o cap inf José Curto, comandante da CCAÇ 153, com sede em Fulacunda, e reportando ao BCAÇ 236, que estava em Tite.)

    Na mesma altura apareceu o Nino. O tal Cap Curto cercou Darsalame, entrou aos tiros na tabanca, mandou toda a gente pôr as mãos na cabeça, ninguém podia dar um passo… Das cinco da tarde às cinco da manhã, a aldeia esteve cercada e as pessoas foram interrogadas… Alguns mais novos conseguiram-se escapar e pedir socorro ao grupo do Nino, que estava na "barraca".

    O Nino ficou muito preocupado e quis saber o que se passava. Reuniu os camaradas, entre eles o Mão de Ferro, com a missão de ir a Darsalame saber o que se estava a passar e tentar ajudar o povo. Não deixou ir o José Condição. "Tu não vais. Vão lá saber o que se passa com a populaçãi"...

    Quando os camaradas lá chegaram, o cap Curto já não estava lá. Foram informar o Nino. Foi também nessa altura que o grupo, que tinha aumentado, já não cabia em Caboxanque. “Este mato é pequeno. Não vamos ficar aqui, disse eu… E foi então que fomos para o mato de Cantomboi” (um dos catorze actuais matos do Cantanhez)…

    2. O vídeo, ou pelo menos este excerto, é omisso sobre a data em que acorreu o cerco de Darsalame, e suas consequências em termos de baixas (mortos, feridos ou prisioneiros). Mas tudo indica que tenha sido em julho de 1962 e que foi na mesma ocasião em que, às tantas da madrugada, houve mortos entre um grupo de alegados simpatizantes e militantes do PAIGC, entre eles o 'comandante' Victorino Costa (1937-1962). (Já cadáver,  terá sido reconhecido por um cipaio ou guia que acompanhava o grupo de combate do cap Curto.)

    Enfim, não tive, no Cantanhez, e em Bissau, em 2008, oportunidade de confirmar esta história  dos "anos de chumbo", em que se cometerem muitas arbitrariedades e ações de terror de um lado e do outro... Também não achei apropriado o momento, que era de festa e de reconciliação, entre homens que tinham combatido de um lado e do outro, para aprofundar a história (macabra) da cabeça do Vitorino Costa que terá sido levada para Tite.

    Por outro lado, tanto o Nuno Rubim como o José Martins me confirmaram, na altura, em 2008, que no TO da Guiné, em 1961/63,  só havia um oficial com o apelido Curto....

    Escreveu-me então o Nuno Rubim:

     "Só há dois [ com esse apelido,] que poderão ter comandado companhias: (i) José dos Santos Carreto Curto, oriundo de Infantaria, mais tarde com o curso de EM [Estado Maior,], promovido a Major em Jul 1966; e (ii) Luís Manuel Curto, Cap de Artilharia, promovido a este posto em Ago 1969. (...) 

    Quanto à "companhia manjaca do Bachile", o José Martins esclareceu o seguinte:

    (...) "A unidade que esteve em Bachile foi a CCAÇ 16, criada em 04Fev70 com elementos Manjacos enquadrados por graduados e praças especialistas metropolitanas. Em Bachile colocou 2 pelotões em substituição da CCAÇ 2658 em 04Mar70. Em 30Abr70 assumiu e responsabilidade do subsector, então criado. Em 26Ago74 entregou o quartel de Bachile ao PAIGC recolhendo a Teixeira Pinto, sendo extinta a 31 desse mês. Não consta nenhum Capitão de nome Curto, no seu historial." (...).

    Sobre o cap Curto, falecido há dias (com o posto de ten gen reformado), escreveu  ainda o seu camarada George Freire (radicado na América há 5 décadas e meia, e membro da nossa Tabanca Grande desde 29/12/2008):

    (...)  Formei-me na Academia Militar, (nesses tempos com o nome Escola do Exército), no ano de 1955. Servi na Guiné de 26 de maio de 1961 a 26 de maio de 1963 (...) A companhia de que originalmente fiz parte quando partimos para a Guiné, no dia 26 de maio de 1961, foi criada em Vila Real de Trás-os-Montes, onde eu ainda tenente, segundo comandante, e o capitão Curto, comandante, (do curso um ano mais velho do que o meu), passámos semanas a organizar a companhia.

    (…) Comecei em Fulacunda como Tenente na Companhia 164 [, deve ser  153, e não 164], comandada pelo capitão Curto. Passados dois meses, fui promovido a capitão e segui para Bissau como comandante de uma Companhia de nativos. Daí passei para Nova Lamego (Gabu), como comandante de uma Companhia mista de nativos e tropas brancas. Nos últimos 6 meses estive em Bedanda como comandante da 4ª CCaç  [, Indígena, mais tarde, CCAÇ 6].  Foi nessa altura que as coisas começaram a aquecer de verdade" (...)
    _____________


    (...) De acordo com as coordenadas do GPS do Nuno Rubim (...), tiradas no centro da clareira onde decorreu a cerimónia, este sítio fica a 11º 12' 46" N - 15º 03' 10" W, ou seja, à esquerda da picada que vai de Iemberém para Cadique (a oeste) e Cabedu (a sudoeste), nas proximidades de Madina do Cantanhez, entre Iemberém e Cachamba Sosso... Uma das linhas de fuga do acampamento, que ficava numa pequena elevação, ia dar directamente ao Rio Bomane, afluente do Rio Chaquebante, este por sua vez afluente do Rio Cacine, desaguando justamente frente a Cacine, perto de Cananime (onde iremos almoçar nesse domingo).(...)


    (***) Vd. postes de:

    11 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3724: História de Vida (13): 2ª Parte do Diário do Cmdt da 4ª CCaç (Fulacunda, N. Lamego, Bedanda): Abril de 1963 (George Freire)

    10 de janeiro de 2009 > Guiné 63/74 - P3717: História de Vida (12): Completamento de dados (George Freire)

    29 de dezembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3681: Tabanca Grande (106): George Freire, ex-Comandante da 4ª CCaç (Fulacunda, Bissau, N. Lamego, Bedanda). Maio 1961/Maio 1963)

    12 de janeiro de  2009 > Guiné 63/74 - P3726: Em busca de... (61): O Capitão Curto, que esteve no cerco de Darsalame, em 1962

    segunda-feira, 3 de dezembro de 2018

    Guiné 61/74 - P19254: Recortes de imprensa (99) O capitão José Manuel Carreto Curto, dado como morto pela propaganda do PAIGC, em entrevista à ANI, Bissau, 20 de março de 1963 (Diário de Lisboa, edição de 20/3/1963, pp. 1 e 9)




    Diário de Lisboa, 20 de março de 1963.

    Citação:

    (1963), "Diário de Lisboa", nº 14462, Ano 42, Quarta, 20 de Março de 1963, CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_15229 (2018-12-2)

    Fonte: Portal Casa Comum > Fundação Mário Soares > Pasta: 06548.086.18229 > Título: Diário de Lisboa. Número: 14462 > Ano: 42 > Data: Quarta, 20 de Março de 1963 > Directores: Director: Norberto Lopes; Director Adjunto: Mário Neves > Edição: 1ª edição > Fundo: DRR - Documentos Ruella RamosTipo Documental: IMPRENSA > Direitos: A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora. > Diário de Lisboa/Ruella Ramos > 1963. (Reproduzido com a devida vénia...)


    O ten gen inf J. S. Carreto Curto,
    natural de Castelo Branco, morreu
    em 30/11/2018.
    Foi cmdt da CCÇ 153
    (Fulacunda, 1961/63) (*)
    1. Reproduz-se acima uma peça da ANI - Agência de Notícias e Informações, a agência noticiosa do Estado Novo, criada em 1947 (e extinta em 24 de setembro de 1975),  dando conta das peripécias em que andou envolvido o nome do capitão [José dos Santos  ] Carreto Curto (*), seguramente o nome do oficial do exército português que ficou, até hoje, melhor gravado  na memória das gentes da Guiné, associado ao começo da guerra colonial, nomeadamente na regiões de Quínara e de Tombali. 

    O capitão Curto a sua CCAÇ 153 foram inimigos mortais do PAIGC. O comandante Vitorino Costa foi morto em meados de 1962 (talvez julho ou junho) pelos homens do Capitão Curto, em Darsalame, e a sua cabeça terá sido trazida para Tite, sede do BCAÇ 237.  Tratava-se de um "grande ronco" para as autoridades portuguesas em luta contra "o início da subversão", e foi seguramente um grande revés para o PAIGC (**) que, oficialmente, só vai começar a luta armada em 23/1/1963, com o primeiro ataque ao aquartelamento de Tite.

    Falámos ao telefone, em tempos, em 2010,  com dois camaradas contemporâneos dos acontecimentos: o fur mil Octávio do Couto Sousa, da CCAÇ 153, e o José Pinto Ferreira, ex-1.º cabo radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, 1961/63).  Infelizmente nenhum deles integra ainda a nossa Tabanca Grande, apesar do nosso convite, e de já  termos publicados postes com o seu nome (***).

    Seria importante o seu testemunho mais detalhado sobre estes acontecimentos do início (mal conhecido) da guerra. Um e outro reforçaram a ideia de que o  Capitão Curto, pese embora a lenda a que está associada o seu nome na Guiné, foi um militar destemido, corajoso e competente. Não conhecemos outros detalhes biográficos. Sabemos que nasceu em Castelo  Branco, frequentou o respetivo liceu no início dos anos 50. E em 1989 deixou o cargo de comandante da 1.ª Brigada Mista Independente (Decreto nº 40/89 publicado no D.R. nº 140 - I Série de 1989). Era então Brigadeiro. Entre outras condecorações, recebeu a Grã-Cruz da Medalha de Mérito Militar (21 de julho de 1993), atribuída pelo então presidente da República Mário Soares. (****)

    Sobre a CCAÇ 153, escreveu o nosso camarada Octávio do Couto Sousa [Mafra, 1959, Tavira em 1959/60; Furriel Miliciano em 1960/61; Sargento Miliciano em 1962/63], em comentário ao blogue Rumo a Fulacunda, em 2/10/2008:

    (...) A Companhia 153 proveio do RI 13, de Vila Real, com cabos e praças daquelas redondezas, alguns com nomes das suas terras, o Vila Amiens, o Chaves, etc. Como disse no primeiro escrito, foi uma pena termo-nos separado em Vila Real, terminada a comissão, desejosos todos de partir para as nossas famílias, sem o cuidado de trocar endereços que nestes anos seriam preciosos para nos reencontrarmos. A maioria dos oficiais e sargentos foram mobilizados de outras zonas. No nosso caso e do João M. C. Baptista, estávamos já na disponibilidade e a viver nos Açores.

    O nosso Comandante de Companhia foi o Capitão, hoje General, José dos Santos Carreto Curto.

    Fomos a única companhia em todo o Sul da Guiné em 1961, com um pelotão em Buba e uma secção em Aldeia Formosa. Tivemos depois um pelotão em Cacine. Estivemos também aquartelados em Cufar numa fábrica de arroz, assim como em Catió, até que tudo se agudizou em termos operacionais. Para Buba chegou uma companhia, a 154, outra para Cacine e por muitas outras localidades foram chegando mais unidades consoante a guerra se intensificava.

    As fotos mostram o quartel de Tite onde se instalou o primeiro Batalhão, o 237, ao qual passámos a pertencer como tropa operacional e por questões de organização.

    Acompanhámos o primeiro ataque a Tite [, em 23 de Janeiro de 1963,], de Fulacunda saíram reforços nos quais estivemos integrados, visto que o Batalhão, como sede, não estava ainda operacional.

    A nossa companhia, a 153, acabou por ficar toda junta e em várias missões percorremos todo Sul na busca e destruição das casas de mato que o PAIGC proliferava por tudo quanto eram zonas mais ou menos isoladas. (...)

    ______________

    Notas do editor:

    (*) Vd. poste de 30 de novembr0 de 2018 > Guiné 61/74 - P19247: In Memoriam (331): O Tenente-General de Infantaria José dos Santos Carreto Curto, ex-Comandante da CCAÇ 153 (Fulacunda, 1961/63), faleceu hoje, 30 de Novembro de 2018, no Hospital das Forças Armadas de Lisboa

    (**) Vd. poste de 25 de janeiro de  2013 > Guiné 63/74 - P11005: Efemérides (119): A morte do comandante Vitorino Costa, um revés para o partido de Amílcar Cabral, em 1962, ainda antes do início oficial da guerra

    (***) Vd. postes de:

    18 de agosto de 2010 > Guiné 63/74 - P6866: O Nosso Livro de Visitas (97): José Pinto Ferreira, ex-1º Cabo Radiotelegrafista, CCS/BCAÇ 237 (Tite, Julho de 1961 / Outubro de 1963): Evocando o lendário Cap Curto (CCAÇ 153, Fulacunda, 1961/63)

    (...) Fui militar, classe de 1959. Pertenci à Arma de Engenharia, Batalhão de Transmissões , tendo sido telegrafista no RE 2,e posteriormente no Centro de Transmissões do Quartel General da 1.ª RM, nos anos 60/61. Neste Centro de Transmissões fui escravo da especialidade que tinha, trabalhando de noite e dia, com prevenções sucessivas como quando do assalto ao Santa Maria.
    Em Julho de 61 fui para a Guiné integrado no Comando do BCAÇ 237, aquartelado em Tite até Outubro de 63.
    Depois do que acima fica dito, quero dizer-lhes que a Guerra da Guiné merece ser contada sem paixões nem vaidades. Quase diariamente corro a persiana e espreito a janela do Vosso Blogue, o que me permite dizer ter a opinião de alguma crítica ao que é dito nos Postes referenciados.
    Fui telegrafista muito activo ao serviço do Comando do BCAÇ 237, o que me permitiu assimilar algumas verdades nunca desmentidas. Dito isto, peço que aceitem e reflictam no que se diz nos Postes acima referidos:
    (i) O Comandante da CCAÇ 153 foi o Capitão José dos Santos Carreto Curto, aquartelado em Fulacunda. Era um oficial corajoso, visto como inimigo fidalgal pela Rádio Conakry. Nunca terá cortado cabeças a ninguém, mas tão só sido acusado injustamente de um acto menos digno que terá sido praticado por um seu subordinado no IN, morto quando fugia para o Rio. Actos repelentes, sem confirmação,  não devem ser credibilizados. (...)
    (...) Comentário de L.G.:

    Já em tempos, mais exactamente em 23 de Abril deste ano, fui contactado, por telefone, pelo José Pinto Ferreira, natural de (e residente em) Marco de Canaveses, concelho com o qual de resto tenho afinidades, pelo casamento e pela amizade. No essencial, o José Pinto quis dar-me alguns esclarecimentos sobre o Cap Inf José Curto, Comandante da CCAÇ 153/BCAÇ 237, subunidade que estava sediada em Fulacunda, aquando do ataque a Tite em 23 de janeiro de 1963, data tradicionalmente tida como a do início da guerra na Guiné.

    Sobre a lenda do então Cap Inf José Curto (de que eu próprio me dei conta na visita que fiz ao Cantanhez, no início de março de 2008, aquando realização do Simpósio Internacional de Guiledje, Bissau, 1-7 de março de 2008), o ex-1.º cabo radiotelegrafista contou-me o que sabia, nestes termos: houve um guerrilheiro que foi morto, já lá para as bandas do Cantanhez, num ataque de surpresa a uma das barracas do PAIGC. Ao que parece, era um tipo importante da guerrilha, que estava no início da sua organização, e que foi reconhecido pelo guia ou por um cipaio. Estávamos no início da guerra, com todo o sul já polvorosa. Um militar da companhia terá, à revelia, do seu comandante, decepado o cadáver, para trazer, para Fulacunda, uma prova da sua eliminação física.

    Este terá sido o princípio da lenda... O Capitão passou a ser o diabo, o terror do sul da Guiné, segundo a Rádio Conacry. Para o José Pinto, o Capitão José Curto era um militar corajoso que foi apanhado pelo eclodir da guerra de guerrilha no sul (Regiões de Quínara e Tombali), e para a qual as NT estavam muito pouco ou nada preparadas, em termos humanos, psicológicos e militares... O raio de acção da sua companhia ia de Fulacunda a Cacine (onde tinha um Grupo de Combate!).

    Atenção: ele, José Pinto, não presenciou este acto, "ouviu contar" à malta da companhia (que pertencia ao mesmo batalhão, o BCAÇ 237)... Fiquei de voltar a falar com ele, desta vez pessoalmente, em Ariz, o que até agora ainda não se proporcionou... Recebo agora este mail em que ele volta a reabilitar a memória do Cap José Curto (hoje General reformado, ao que ele me diz).

    (...) Ao nosso blogue interessa apenas a verdade dos factos. Como é nossa norma, não fazemos juízos de valor sobre o comportamento, individual, de nenhum combatente da guerra colonial na Guiné, muito menos dos nossos camaradas operacionais (de soldado a capitão).

    Sobre o episódio acima narrado, tenho uma outra versão, mais consistente e válida, de um graduado da própria CCAÇ 153, e que estava com o seu comandante, o Cap Inf José Curto, nesse dia e local, e que portanto é uma testemunha privilegiada. Sei que, depois do regresso à metrópole, em meados de 1963, o pessoal da CCAÇ 153 nunca conseguiu reunir-se e muito menos com o seu Comandante, sobre o qual de resto esse graduado confirma a opinião do José Pinto de ser um "oficial corajoso".

    (...) Este camarada poderá (...) vir a integrar a nossa Tabanca Grande, no caso de aceitar o meu convite. Até à data só tínhamos notícia do João Baptista, fur mil da CCAÇ 153, e açoriano, autor do blogue Fulacunda, mas infelizmente já falecido há um ou dois anos. (...)


    10 de setembro de  2010 > Guiné 63/74 - P6965: In Memoriam (50): João Baptista (1938-2010), um camarada, um amigo, um irmão (Octávio do Couto Sousa)

    (****) Último poste da série > 2 de novembro de 2018 >Guiné 61/74 - P19160: Recortes de imprensa (98): In Memoriam - Professor Doutor Carlos Cordeiro - Homenagem no Jornal Correio dos Açores (3) - Biografia por Carlos E. Pacheco Amaral