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sexta-feira, 5 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24288: Notas de leitura (1579): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 25 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Continuamos à volta de uma narrativa de largo espectro investigacional, elaborada com uma comunicação acessível, bem estruturada, em que o recurso à diacronia permite ir conhecendo a agenda tumultuosa dos últimos meses do Estado Novo. É interessante verificar que ainda há gente saudosista que é capaz de se procurar convencer de que aquela guerra possuía sustentabilidade, o que contraria toda a documentação produzida ao nível das instâncias militares, os recursos humanos estavam por um fio, procurava-se desesperadamente comprar armas e aviões para manter o conflito em África, o ministro das Finanças estava encostado à parede, o aparecimento do livro de Spínola endureceu duas fações dentro do regime; os autores vão elencando os acontecimentos, logo o agravamento em Moçambique, a franqueza com que Bettencourt Rodrigues vai informando o poder político da gravíssima situação militar que vive. Caetano tenta uma porta de saída, pede uma moção favorável sobre a sua política ultramarina à Assembleia Nacional, convoca depois generais e almirantes (a Brigada do Reumático), para anuir à sua política ultramarina, o MFA entretanto organiza-se, há uma precipitação em 16 de março, a revolta das Caldas. Otelo Saraiva de Carvalho aprende com os erros. A operação seguinte será um êxito estrondoso, o Estado Novo cai aparatosamente, já não há ninguém que o defenda.

Um abraço do
Mário



Os últimos meses do Estado Novo, como a guerra colonial fez baquear um regime (2)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", Guerra e Paz, Editores, 2023, por José Matos e Zélia Oliveira, o primeiro investigador em História Militar, a segunda, jornalista e com uma tese de mestrado sobre a crise final do marcelismo. Estão aqui registados numa narrativa que prende o leitor do princípio ao fim os três últimos meses que antecederam o 25 de Abril. Basta ver a bibliografia para perceber que os autores consultaram centenas de documentos de arquivos nacionais e estrangeiros, temos aqui um olhar sobre aquele que terá sido o período mais tumultuoso do marcelismo, aqui se registam os principais ingredientes que conduziram ao seu colapso.

Estamos já em fevereiro de 1974, Costa Gomes regressara de Moçambique, elabora um relatório sobre a situação da província, a guerra agravara-se com a tentativa de expensão da guerrilha para sul, em Cabo Delgado a FRELIMO procurava aliciar as populações Macuas, e no Niassa registava-se também atividade da guerrilha. O potencial relativo de combate passara a ser menos favorável às forças portuguesas, era urgente a revisão das estruturas de comandos, organização das tropas e planos de operações para ganhar eficiência no combate à guerrilha. A cooperação com os regimes brancos da Rodésia e da África do Sul intensificara-se, entretanto, a FRELIMO irá receber o míssil terra-ar Strela, a Força Aérea em Moçambique já estava preparada para a chega do míssil e nenhum avião foi perdido na colónia. Em suma, a situação agravara-se.

E os autores debruçam-se sobre o problema da Guiné onde o míssil terra-ar Strela fez a sua aparição em março de 1973. Perante o abate de aviões e os acontecimentos de Guidage, Guileje e Gadamael, Spínola clama pelo reforço dos meios de intervenção e de armamento. O Chefe de Gabinete de Costa Gomes, o Coronel Ramires de Oliveira, pronuncia-se sobre o documento enviado por Spínola, e é bem claro: “O exame da situação estratégica leva-nos a concluir que se torna necessário rever as finalidades políticas a atingir, sabendo que o nosso potencial militar, com os meios que dispõe, não pode cumprir a missão que até agora lhe foi cometida.” Costa Gomes vai à Guiné, em 8 de junho haverá uma reunião de alto nível, o documento dessa reunião está hoje amplamente divulgado, cabe a Spínola a iniciativa de propor a saída das zonas de fronteira para posições mais recuadas. “Obviamente que este recuo teria consequências na segurança das populações, que ficariam entregues à sua sorte, mas isso era um problema que teria de ser visto no quadro particular de cada etnia e que podia ser resolvido com o recurso às milícias. Costa Gomes deu o seu aval à estratégia delineada, era a forma de economizar forças e evitar o aniquilamento das guarnições de fronteira. É interessante notar que, pouco tempo depois desta reunião, Spínola acabaria por mudar de ideias, quando, a 9 de junho, escreveu ao ministro do Ultramar, Silva Cunha, discordando do abandono das zonas de fronteira e das respetivas populações, que ficariam sem proteção militar. O retraimento do dispositivo entrava em contradição com os compromissos que teria assumido perante aquelas populações, não lhe restando outra hipótese senão abandonar as funções que desempenhava na Guiné e regressar à metrópole.”

Marcello Caetano reúne com vários ministros e Costa Gomes e pergunta a este se a Guiné era ou não defensável, “ao que o general terá respondido que, se o inimigo não aparecesse na guerra com aviação própria, a Guiné era defensável. Nessa altura, existiam informações do lado português de que o PAIGC tinha um grupo de pilotos a receber instrução na União Soviética, e de que a guerrilha podia vir a dispor de aviões de origem soviética num futuro próximo.” O General Bettencourt Rodrigues é nomeado novo governador e comandante-chefe, duas companhias que iam para Angola (CCAÇ 4641 e CCAV 8452) foram reforçar as tropas na Guiné.

Os milhões de contos que a África do Sul prometia emprestar para cobrir grande parte das necessidades em armamento já estavam a ser discutidas. Os autores dão depois nota dos acontecimentos da declaração unilateral da independência, do reacendimento de ataques fronteiriços e do bom-sucesso da Operação Neve Gelada, realizada pelo batalhão de comandos africanos. Não obstante, os bombardeamentos a Canquelifá com morteiros 120 irão continuar, Bethencourt Rodrigues chegou a equacionar o abandono desta posição, tal como Buruntuma. Numa nota enviada em 20 de abril, “Bettencourt Rodrigues expressa profunda preocupação pelas informações que tem do uso de viaturas blindadas num ataque noturno a Bedanda e das consequências que a evolução do potencial de combate do PAIGC podia ter junto das guarnições de fronteira. A utilização de viaturas blindadas pelo PAIGC preocupava as forças portuguesas há vários meses, havendo informações de que estas viaturas tinham sido desembarcadas no porto de Conacri em princípios de 1974. Costa Gomes efetuava diligências junto do Chefe-de-Estado-Maior do Exército espanhol para o fornecimento de minas anticarro.”

A documentação de Bettencourt Rodrigues não ilude que o inimigo dispunha de iniciativa tática, melhor equipamento militar e um grande apoio logístico, isto enquanto Silva Cunha tentava, com o recurso do dinheiro sul-africano, dar seguimento às negociações com os franceses para a compra do sistema de mísseis Crotale, além da compra dos caças Mirage, e havia também a intenção de adquirir radares que permitissem uma boa cobertura do território guineense, para além da aquisição de morteiros de 120 mm. O Secretário-de-Estado da Aeronáutica pedia novos meios aéreos, todos contavam com o dinheiro sul-africano. A narrativa prossegue com o nascimento do MFA, o programa político começará a ser definido por uma reunião em Cascais, a 5 de março; um quadro de subversão alastra em várias unidades militares, mas também nas universidades.

Caetano entende que se deve dirigir à Assembleia Nacional, pretende que se vote uma moção que não deixei quaisquer dúvidas acerca da política ultramarina que ele prossegue. Em diferentes níveis, cresce a ebulição, no próprio regime constituem-se blocos, nas Forças Armadas procura-se avaliar o impacto do livro de Spínola, o MFA clarifica posições, escolhe para chefe do movimento Costa Gomes, internamente constituem-se comissões, na militar, sobressaem os nomes de Garcia dos Santos, Otelo Saraiva de Carvalho e Manuel Monge, na política Melo Antunes, Vítor Alves e Vasco Lourenço. A imprensa internacional, devido aos seus correspondentes em Lisboa, não deixa escapar as movimentações que aparentemente estão todas ligadas ao aparecimento de um livro chamado Portugal e o Futuro. A vigilância sobe as movimentações militares leva a que o ministro do Exército mande proceder a transferências compulsivas.

Na segunda semana de março de 1974, Caetano parece muito confiante com a sua política ultramarina, seguem-se reuniões com o Presidente da República, este insiste na demissão de Costa Gomes e Spínola, Caetano pede para não continuar na chefia do governo, escreve carta a Thomaz, este recebe-o ainda nesse mesmo dia, dir-lhe-á “já é tarde para qualquer deles abandonar o seu cargo, temos de ir até ao fim". E é nesse contexto que Caetano forja uma audiência a oficiais de todas as Forças Armadas a que só se recusarão estar presentes Costa Gomes, Spínola e Tierrno Bagulho, evento que ficará para a História com o nome de Brigada do Reumático. Forja-se uma remodelação do governo. E é neste ambiente que vai ter lugar a revolta das Caldas.


José Matos
Zélia Oliveira
Avião C-130
Avião P-3-Orion (Imagem Wikipédia)
Marcello Caetano recebe a Brigada do Reumático
Uma imagem esclarecedora do fim do regime

(continua)
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Notas do editor:

Poste anterior de 1 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24274: Notas de leitura (1577): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (1) (Mário Beja Santos)

Último poste da série de 2 DE MAIO DE 2023 > Guiné 61/74 - P24276: Notas de leitura (1578). Lançamento do livro do ten gen ref Garcia Leandro, "O Balanço de Uma Geração" (Lisboa, Gradiva, 2023, 360 pp.)...Vídeo com a recensão crítica do Presidente da República

segunda-feira, 1 de maio de 2023

Guiné 61/74 - P24274: Notas de leitura (1577): "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", por José Matos e Zélia Oliveira; Guerra e Paz, Editores, 2023 (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 20 de Abril de 2023:

Queridos amigos,
Trata-se de uma narrativa muitíssimo bem urdida, estribada na solidez da documentação, e se dúvidas subsistissem quanto à hierarquia dos problemas cruciais que levaram ao desmoronamento do Estado Novo, o rigor e a probidade deste estudo, a consulta de arquivos nacionais e estrangeiros, falam por si: como o livro de Spínola teve o poder de espoletar a discussão pública e no interior de regime quanto às soluções possíveis depois do prolongamento de uma guerra que conhecia, após 1973, um acirramento asfixiante. 

Naqueles últimos meses que precedem ao baqueamento do regime procurava-se desesperadamente comprar armas para manter a guerra, isto graças ao financiamento sul-africano. E acompanhamos a evolução do que podia parecer exclusivamente uma querela corporativa transformar-se numa vaga estuante, o MFA; e, mais facilmente se torna compreensível como praticamente ninguém tenha vindo defender o regime, que caiu num só dia, e com escasso derramamento de sangue. Mas ainda estamos no princípio, segue-se um corropio de peripécias até ao momento em que a PIDE/DGS capitula, na António Maria Cardoso.

Um abraço do
Mário



Os últimos meses do Estado Novo, como a guerra colonial fez baquear um regime (1)

Mário Beja Santos

A obra intitula-se "Rumo à Revolução, Os Meses Finais do Estado Novo", Guerra e Paz, Editores, 2023, por José Matos e Zélia Oliveira, o primeiro investigador em História Militar, a segunda, jornalista e com uma tese de mestrado sobre a crise final do marcelismo. Estão aqui registados numa narrativa que prende o leitor do princípio ao fim os três últimos meses que antecederam o 25 de Abril. Basta ver a bibliografia para perceber que os autores consultaram centenas de documentos de arquivos nacionais e estrangeiros, temos aqui um olhar sobre aquele que terá sido o período mais tumultuoso do marcelismo, aqui se registam os principais ingredientes que conduziram ao seu colapso.

15 de fevereiro de 1974, Marcello Caetano preside à última reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional. 

“Costa Gomes informa os presentes de que tinha sido assinado um contrato para a aquisição de uma bateria de mísseis antiaéreos, para defender Bissau, e que o governo procurava rapidamente adquirir armas anticarro, para enfrentar as viaturas blindadas que se dizia estarem na posse do PAIGC na fronteira sul da Guiné. As baixas causadas pela guerrilha às forças portuguesas na Guiné, em 1973, tinham sido de 347 mortos e 1007 feridos, o que representava um quantitativo muito elevado. Neste ponto da reunião, Marcello Caetano intervém para referir que o governo sentia grandes dificuldades em comprar armas nos mercados internacionais, dando, como exemplo, o caso dos mísseis antiaéreos franceses Crotale. O governo francês tinha concordado em vender os mísseis por 75 milhões de francos, na perspetiva de que eram armas de defesa e que não seriam usadas no combate às guerrilhas.” 

Costa Gomes passará em revista os teatros de operações de Moçambique e Angola, interveio o secretário de Estado da Aeronáutica, Tello Polleri, sublinhando a importância de prosseguir o programa de reequipamento da Força Aérea, havia que comprar caças Mirage.

Três dias depois desta reunião, Caetano recebeu um exemplar do livro "Portugal e o Futuro", lerá o livro na noite de 20, escreverá mais tarde que tinha compreendido que o golpe de Estado militar era agora inevitável. Os autores debruçam-se sobre as razões de fundo das razões de Spínola que levaram a escrever a obra, as peripécias um tanto tortuosas sobre quem autorizou a publicação, foi uma corrida ao livro que se esgotou no mesmo dia, os leitores aperceberam-se da bomba: a vitória exclusivamente militar era inviável. 

“Pretender ganhar uma guerra subversiva através de uma solução militar é aceitar, diante mão, a derrota, a menos que se possuam ilimitadas capacidades para prolongar indefinidamente a guerra, fazendo dela uma instituição. Será esse o nosso caso?” 

Costa Gomes e Spínola são convocados a 22 de fevereiro, Caetano sente-se desautorizado e sugere aos dois generais que deviam assumir as suas responsabilidades, que serão enjeitadas por estes.

Por essa altura, a 25 de fevereiro, a Comissão Coordenadora Executiva do MFA reúne-se em casa de Otelo Saraiva de Carvalho, é elaborado um texto, agenda-se um mini plenário para 5 de março. Os autores dão-nos conta do que desencadeara esta movimentação, uma legislação publicada no verão de 1973 que essencialmente procurava atrair oficiais milicianos à profissão militar, de acordo com a primeira legislação promulgada os oficiais milicianos mediante cursos rápidos passariam ao quadro permanente, a antiguidade dos oficiais deste quadro parecia posta em causa. 

“Os oficiais oriundos de milicianos iriam ultrapassar na carreira os oriundos de cadetes do quadro permanente, situação que se considerava ser uma injustiça.” 

Caetano encontra-se com o Presidente da República em 28 de fevereiro, pede a Thomaz que aceite a exoneração do executivo, Thomaz responde que esta não fazia sentido.

A situação internacional era manifestamente intolerável para a vida do regime, o ataque da Síria e do Egito a Israel a 6 outubro de 1973, teve consequências gravíssimas para a economia portuguesa, os grandes produtores árabes bloquearam o fornecimento dos hidrocarbonetos a Portugal, o abastecimento passou a ser feito no mercado livre, a um preço gravoso. Kissinger escreveu mesmo uma carta a Caetano em tom de Ultimatum, precisava da base das Lajes imediatamente, senão… Isto numa altura em que Portugal precisava de obter desesperadamente mísseis terra-ar portáteis, do tipo Redeye para proteger as tropas portuguesas na Guiné. 

Costa Gomes fizera uma análise na reunião de 19 de outubro no Conselho Superior de Defesa Nacional, chamara a atenção para uma possível escalada da guerra da Guiné, “uma vez que aquele país dispunha de caças MiG-15 e MiG-17 e havia informações de pilotos do PAIGC a serem treinados na União Soviética, que se podiam juntar aos da própria Força Aérea da República da Guiné. Costa Gomes refere ainda que a situação militar na colónia se tinha agravado devido às novas capacidades militares da guerrilha e à alteração do conceito de manobra que levou o PAIGC a fazer grandes concentrações à volta de três quartéis das tropas portuguesas, em zonas de fronteira, que isolou e bombardeou com elevado poder de fogo.” O general falou dos números decorrentes destas operações e do agravamento da guerrilha: “As nossas forças tiveram 125 mortos e 586 feridos até ao fim do período em análise, o que são números muito elevados (correspondem à perda de um batalhão), dos quais 96 mortos e 500 feridos só nos mês de maio.”

E os autores continuam: “A situação podia piorar ainda mais no caso de um ataque de aviação que, na opinião de Costa Gomes, poderia conduzir ao colapso militar das forças portuguesas naquele teatro de operações. Sendo assim, defendia que a nova ameaça exigia a existência de meios de defesa antiaérea apropriados para a cidade de Bissau, o que teria de incluir mísseis terra-ar e, complementarmente, aviões de caça modernos que podiam ser usados para retaliar sobre o país vizinho. A defesa de Bissau era prioritária, mas qualquer quartel na Guiné podia ser atacado, o que exigia também mísseis terra-ar portáteis para defender as tropas portuguesas. Sá Viana Rebelo, o ministro da Defesa, deu conta das negociações com a Africa do Sul de fornecimento de material de guerra, nessa altura considerava-se a possibilidade de um empréstimo avultado em dinheiro para reequipar as forças portuguesas que precisavam urgentemente de ser modernizadas.” 

E nesta reunião, Cota Dias, ministro das Finanças, informou não estar em condições de assegurar despesas suplementares.

É num capítulo intitulado “Uma questão de vida ou de morte” que os autores escrevem as conversações luso-norte-americanas para a aquisição de mísseis, veículos, aeronaves, equipamentos. Quando Kissinger vem a Lisboa em 17 de dezembro de 1973 recebe um memorando onde claramente se põem números para mísseis terra-ar, veículos modernos com sistema antitanques e aviões de transporte C-130, o secretário de Estado lembrou que o Congresso dos EUA iriam levantar inúmeros obstáculos, impunha-se encontrar soluções em intermediários, segue-se um período em que Washington andou a empatar até um dia o embaixador português ter recebido uma resposta de que os EUA iriam ofertar uma central nuclear.

No início de 1974 dá-se o agravamento da situação em Moçambique, uma família de agricultores brancos é atacada por guerrilheiros da FRELIMO, a mulher é morta, segue-se uma greve geral, apedreja-se a messe de oficiais do exército na Beira, Costa Gomes vai a Moçambique, é no decurso dessas reuniões que o general confirma as dificuldades decorrentes da dependência portuguesa, crescera o número de países que impediam a venda de armamento, acresce a falta de oficiais do exército para comandar a polícia. 

“As tropas no Ultramar e em instrução na metrópole tinham aproximadamente 200 mil homens, e em função desse número deviam existir 18 mil oficiais. Mas na verdade, no terreno, existiam pouco mais de 4 mil. Um estudo do Secretariado-Geral da Defesa Nacional, datado de março de 1973, já chamava a atenção para o problema referindo que era uma questão inadiável e que os oficiais em funções de combate estavam a atingir o limite da exaustão. No estudo podia-se ver que o número de oficiais que o Exército devia ter na metrópole, no Ultramar e de reserva para as forças de segurança estava muito abaixo do necessário. Em teoria, deviam ser 5650 oficiais na globalidade, mas em janeiro de 1972 existiam apenas 2872. Além disso, as carências eram mais graves ao nível de capitães e oficiais subalternos. Nas conclusões, o estudo alertava para a situação gravíssima e potencialmente perigosa que se vivia no Exército, e para a urgência de medidas de fundo a tomar rapidamente para não se correr o risco do Exército se desmoronar.”

José Matos
Zélia Oliveira
Notícias sobre o levantamento das Caldas, em 16 de março de 1974
Imagem de Guidage ao tempo em que o coronel Moura Calheiros e a sua equipa fora exumar os paraquedistas falecidos durante as operações de libertação do cerco, que ocorreram maio de 1973
Outra imagem de Guidage, da autoria de Albano Costa, publicada no blogue Dos Combatentes da Guerra do Ultramar, com a devida vénia

(continua)
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Nota do editor

Último poste da série de 28 DE ABRIL DE 2023 > Guiné 61/74 - P24263: Notas de leitura (1576): Atitudes e comportamentos raciais no Império Colonial Português (2): "Relações Raciais no Império Colonial Português", por Charles Ralph Boxer, Tempo Brasileiro, 1967 (Mário Beja Santos)

terça-feira, 25 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23738: (Ex)citações (418): Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos" (Victor Costa, ex-Fur Mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 23 de Outubro de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné
Nem sempre a minha actividade me dá o tempo necessário para escrever sobre os diversos temas aqui abordados. Esta mensagem está relacionada com o meu comentário de 10 de Julho de 2022, sobre as Directivas do Gen. Bettencourt Rodrigues e o MFA, espero que o debate sobre este tema não esteja fechado.

Guardo na memória uma das minhas primeiras patrulhas de reconhecimento feita num local do rio Mansoa próximo da travessia de João Landim durante a noite com o objectivo de verificar se havia movimento do IN.



Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos"

Partimos ao anoitecer no fim de Março de 1974, a fim de realizar uma patrulha de reconhecimento e verificar se havia movimento nas proximidades da travessia do rio. As nossas armas eram apenas as G3 e carregadores. O condutor do Unimog levou-nos até ao fim duma picada e aí nos deixou.

Ele voltou para o Quartel e nós iniciámos a patrulha pela mata até chegar a uma bolanha, conheço bem este tipo de terrenos, cresci junto e exerço a actividade de Aquacultura Marinha no Estuário do Rio Mondego.

Sirvo-me da proteção duma maracha coberta de vegetação meio-seca, (pequenos muros de terra), que corriam na direção do Rio, estávamos na época seca e o terreno encontra-se seco e duro, eu ia à frente da secção a visibilidade era boa e a progressão decorria sem dificuldade, mandei aumentar a distância entre nós e paramos algumas vezes durante o percurso para escutar sons que viessem do rio.

Ao chegar ao aluvião brilhante constatei que tinha chegado à praia (sapal) na zona de influência das marés, estava baixa-mar e era bem visível a água turva do rio e a praia, não avancei mais. O nosso peso podia dificultar muito os nossos movimentos se o aluvião não fosse compacto, por isso continuamos a nossa progressão pelo terreno seco ao longo da margem, até ao nosso objectivo.

Procurei um local seguro e ali ficamos umas horas protegidos e envoltos pela vegetação, a vigiar a praia e as águas do rio procurando não fazer movimentos. Era uma noite de luar e a visibilidade era boa. Tinham já passado umas horas e não vimos quaisquer movimentações de pessoas, decidi iniciar o regresso, para ir ao encontro do Unimog.

Depois de sairmos da bolanha voltamos a entrar na mata, vi um mangueiro e uma pequena clareira e reconheci que já tínhamos passado ali no início da missão, estávamos perto do ponto de reunião. O mangueiro pareceu-me um bom local, mandei o pessoal aproximar-se do tronco da árvore e aguardar.

O Soldado Silva tinha à data mais de 26 anos e era o mais velho da Secção, era um militar experiente, chamou-me à parte e perguntou-me se iríamos continuar naquele local e como eu confirmei, comentou: - Olhe que não me parece um sítio bom, se aparece um turra com um RPG e faz pontaria ao mangueiro, pode lixar-nos! - E com o dedo indicador apontou para a malta junto ao grosso tronco do mangueiro e continuou, olhe que nós estamos no fim da Comissão, o nosso último morto foi no dia 7 de Janeiro deste ano e eu quero regressar a casa.

Bati na real, estava a receber uma lição dum soldado e ainda mais, nunca tinha ouvido falar nem conhecia o RPG, não pensei duas vezes, o mais sensato era ouvir o que o "velho" dizia e seguir o seu conselho, ia arriscar para quê? Assim foi, continuamos dentro da mata, fizemos o reconhecimento do local fomos aguardar próximo do ponto de reunião, para escutar o som da chegada do Unimog, que chegou quase ao romper do dia.

Como era possível nunca ter ouvido falar de RPG nem me ter passado pela cabeça aquela forma de utilização. Aquilo para os "velhos" era rotina, uma coisa simples e banal, para mim foi aprender e começar a pedir a sua opinião. Assim se formou um grupo coeso, tudo o que eles precisavam eu procurava resolver e tudo o que eu pedia era feito, minha integração foi tão simples, que passado umas seis semanas a CCaç 4541/72 elegeu-me para a delegação do MFA.

As bolanhas podem ser cultivadas e nós devíamos conhecer e ter presente que a guerra obrigou algumas populações ao abandono das culturas de muitos destes terrenos, em alguns locais desenvolveu-se um sentimento hostil, a maioria das NT nem ligava a isto e por isso uma simples travessia podia pôr-nos numa posição de desvantagem perante o IN.

Existe uma fotografia demonstrativa, no Blogue, do que parece ser um pelotão de homens com água pela cintura a atravessar uma bolanha rodeados de plantas aquáticas, que me parece no mínimo insensato, mas é também um desafio ao heroísmo (tangente à loucura) que se enquadra no livro "homens, espadas e colhões", que Rainer Daehnhardt descreveu sobre a coragem dos nossos antepassados.

A instrução de tiro instintivo é muito importante desde que os instruendos tenham aptidão para isso. Dominar uma arma e o tiro instintivo torna-nos mais confiantes e seguros, mas não o conseguimos sem treinar bastante e gastar muitas munições, o tiro instintivo na guerra não é o suficiente mas ajuda muito, eu dominava essa técnica.

Eu não conhecia as Directivas do Com-Chefe Bettencourt Rodrigues e por isso ver escrito preto no branco "Um cartucho por homem serve para detectar um mau atirador", conhecer a realidade dos factos e não ver uma única palavra escrita sobre a má alimentação, os seiscentos escudos por mês que as praças recebiam, a insuficiente preparação militar das NT, desde praças, sargentos e oficiais milicianos, o livro do combatente - patrulhas - o desconhecimento sobre o terreno da Guiné e a sua ideia que a carne para canhão continuava disponível para tudo, incluindo resistir até à exaustão e deixar cair a Guiné, mas nunca negociar com o PAIGC, foi uma desilusão ler estas Directivas e a sua visão da Guerra.

Não podemos no entanto esquecer que este problema era do conhecimento dos militares que compunham o estado embrionário do MFA, também nunca foi uma prioridade para o MFA. A seguir ao 25 de Abril, havia uma vontade da tropa regressar e quanto mais depressa melhor, o TCoronel Almeida Bruno deslocou-se a Bissau em representação do MFA no dia 7 de Maio de 1974 para promover a reestruturação e apelar à preservação da disciplina e da hierarquia das FA como consta da 1.ª pág. do BI do MFA n.º 1 na Guiné.

Essas decisões foram reforçadas pela Circular n.º 1703 da 2.ª Rep do EME e do Com-Chefe das FA da Guiné de 28 de Maio de 1974, também publicada aqui no Blogue, com as negociações de paz a decorrerem, a disciplina e a hierarquia eram mais importantes do que nunca, só um exército forte e coeso pode fazer uma boa negociação.

Sabendo disto alguns oficiais do MFA preferiram fazer política, Otelo Saraiva de Carvalho admitiu as fragilidades do seu pensamento político ao declarar em (os dias loucos do PREC, pág. 324 José P. Castanheira) "Faltou-me estrutura política que me podia ter possibilitado, desde o início ser o líder da Revolução, se tivesse cultura livresca, podia ser o Fidel Castro da Europa" e quantos membros do MFA quiseram ser os líderes da revolução? Não sabemos, o que sabemos é que foram todos para a Academia para seguir uma carreira militar, mas alguns mudaram de opinião, quiseram ser também revolucionários e nunca tiveram a coragem de assumir que estiveram perto lançar o povo numa guerra civil. Ainda bem que não estive sob as suas ordens, porque tinha que sujeitar-me a ver mais um livro publicado cheio de boas intenções e com a sua opinião sobre a sua verdade dos factos.

Tinha apenas 22 anos, mas percebi perfeitamente o que se passava em Bissau. Apenas um pequeno número de elementos do MFA tomava as decisões, mesmo assim sujeitas à direção do "comité central" de Lisboa, a maioria eram figurantes como eu , o que aconteceu às NT africanas, não devia ter acontecido e o MFA é o único responsável por não saber estar à altura da situação.

Eu nunca precisei do RDM para ser respeitado e exercer a disciplina, mas devo dizer àqueles que à data estavam a 4.000 km de distância que gostavam de ler o RDM e tresler uns Boletins e sabiam de tudo, que a única vez que obriguei um Superior a cumprir com aquilo a que ele estava obrigado, foi precisamente por causa de documentos do MFA e apenas precisei de levantar o braço, acenar um papel com a mão direita e o aviso e, passadas 48 horas, os documentos estavam na minha mão e o problema resolvido.

Em anexo:
Duas fotografias do Rio Mansoa e arredores de João Landim.
Cópia da capa e contracapa do livro de Instrução do Combatente-Patrulhas.
Cópia da capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Ad. Gomes e José P. Castanheira.
Cópia da capa e contra capa do livro de Rainer Daehnhardt.
Cópia do papel que exibi na mão direita a um superior.
Cultura de amendoim
Travessia em João Landim
Capa e contra-capa do livro de Instrução do Combatente
Capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Adelino Gomes e José Pedro Castanheira
Capa e contra-capa do livro de Rainer Daehnhardt
Papel que exibi na mão direita a um superior

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf

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Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23732: (Ex)citações (417): A propósito de Amadu Bailo Djaló (1940-2015): mestiçagem, mercenariato, fanado, hospitalidade africana, viagem a Boké... (Cherno Baldé)

domingo, 1 de maio de 2022

Guiné 61/74 - P23217: 18º aniversário do nosso blogue (9): Carvalhido da Ponte, Rádio Alto Minho, 29/7/2021: em louvor de Otelo, e em memória do Manuel Bento, ex-fur mil, CART 3494, Xime e Mansambo, 1971/74 (Ponte Sor, 1950 - Xime, 1972)


José Luís Carvalhido da Ponte. 

Foto: Rádio AltoMinho (com a devida vénia...)


1. Por mão do Sousa de Castro (historicamente o membro nº 2 da Tabanca Grande,  editor do blogue CART 3494 & Camaradas da Guiné) chegou-nos este texto, da autoria do José Luís Carvalhido da Ponte,  ex-fur mil enf, CART 3494 (Xime e Mansambo,  1971/74)-

O Carvalhido da Ponte é também membro da nossa Tabanca Grande desde a primeira hora.  E tem colaborado na Rádio Alto Minho,  de Viana do Castelo,  com crónicas ou artigos de opinião como ele, que abaixo se reproduz com a devida vénia. Incluído na série "18º aniversário do nosso blogue", é também uma homenagem ao 25 de Abril de 1974 e aos homens que arriscaram a vida e a liberdade para nos devolver a democracia.

Opinião: Por Otelo!



"Em dada altura simpatizaste com a violência dos que não se compaginavam com as ameaças de regresso do 24 de abril, é verdade. E não o devias ter feito. Mas, sabes, um dia, Cristo 'passou-se dos carretos' e chicoteou todos os vendilhões do seu templo."

Recordar é, etimologicamente, o ato (-ar) de voltar a trazer (re-) ao coração (-cord-). Recordar é, pois, um exercício de memória. Mas este como que regurgitar emotivo é uma mentira. Na verdade, o coração atraiçoa-nos a memória. Se o que recordamos nos foi, no ato do desenlace, agradável, revivê-lo-emos com uma prazerosa e, não raro, aumentada nostalgia. Se, pelo contrário, nos magoou, remastigá-lo será sempre um momento de agigantado masoquismo. A mesma praia será morada dos deuses para quem nela pela primeira vez amou, e amaldiçoado inferno para quem no seu mar perdeu um ente amado.

Vem isto a propósito das reações contrárias que a morte de Otelo provocou em todos nós. Uns recordam, tão só, o estratega de Abril; outros aplaudem a justiça, ainda que tardia, de Cronos, que tornou possível a nossa liberdade, reconhecendo-lhe, muito embora, os momentos menos felizes, que até acabou por pagar à sociedade, na prisão.

Faço parte desta plêiade. Reconheço que Otelo foi um homem de excessos. Polémico, pois. Mas pagou, com a prisão, e foi amnistiado pelo estado português em 2004. Mas, mesmo que assim não fosse, foi o Atlas da nossa liberdade. Arriscou. Planeou. Convenceu. Liderou. Conseguiu. E fomos livres, e somos livres e tão livres que todos nós podemos, publicamente, expressar-nos e até podemos opinar sobre o comportamento do Governo e do atual Presidente da República, na gestão deste processo.




Foto (e legenda): © Jorge Araújo (2012). Todos os direitos reservados.
 [Edição:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Mas eu tenho inúmeras outras razões. Hoje partilho uma.

Era o dia 22 de abril de 1972. Eu não tinha ainda 22 anos e estava na Guiné-Bissau, como enfermeiro, desde o início de janeiro desse ano, integrado na Companhia de Artilharia 3494 (CART 3494).

Manhã cedo, o 4º Grupo de Combate partiu para a mata de Ponta Coli, para garantir a segurança à estrada Xime­-Bambadinca. Aguardava-os uma emboscada dos guerrilheiros do PAIGC.

Alguns de nós, que ainda dormíamos, acordamos com os estrondos das rebentações e, logo-logo o Capitão Vítor Manuel da Ponte da Silva Marques, que nada me era, mandou avançar reforços em, salvo erro, duas unimog’s militares. E que o enfermeiro também teria de ir. Naturalmente.

Chegamos à ponta Coli. Que desolação. Tantos feridos! Mas grave mesmo era o Furriel Manuel Bento, meu companheiro de abrigo, natural de Ponte de Sor, onde deixara uma jovem esposa e uma bébé que nunca mais veria. Ainda gemia, sabia lá eu porquê, de tão desfeito que estava. A cabeça esventrada. Juntei-lhe os bocados e aconcheguei-os no que restava da caixa craniana. Para que nada se perdesse e regressasse ao húmus, o mais inteiro possível. 

Éramos grandes amigos e falava-me da esposa e da filha, que terá hoje 50 anos, e da esperança de as rever, logo que pudesse gozar algum tempo de férias. Não chorei. Só à tardinha, no silêncio ocasional da barraca, que ambos partilháramos, sob uma imensa mangueira. Só à tardinha, ou às vezes, nestes 50 anos, quando o coração me prega a partida e permite a memória.

Abençoado sejas,  Otelo! A tua coragem livrou da morte muitos outros jovens e deu-nos a capacidade de sonharmos para além dos impossíveis. Em dada altura simpatizaste com a violência dos que não se compaginavam com as ameaças de regresso do 24 de abril, é verdade. E não o devias ter feito. Mas, sabes, um dia, Cristo “passou-se dos carretos” e chicoteou todos os vendilhões do seu templo. Ele, que falava de paz e mandava que nos amássemos uns aos outros, não quis pactuar com os que prostituíam os seus espaços sagrados. Disse que um dia voltaria para nos resgatar. Espero que demore um pouco mais a vir, não vão os doutores da lei da nossa modernidade mandar que o prendam, porque um dia foi violento.

Como me magoou a fraqueza titubeante dos nossos governantes que não souberam dar-te as honras devidas, no momento da tua última aventura.


Meadela, 28 de julho de 2021
José Luís Carvalhido da Ponte

Rádio Alto Minho (com a devida vénia)

[Fixação / revisão de texto / negritos e realce a amarelo: LG]

 
2. Nota biográfica, da autoria do Sousa de Castro, sobre o José Luís Carvalhido da Ponte:

(i) ex-fur mil enf, Cart 3494/BART 3873, sediada no Xime e mais tarde em Mansambo (Guiné, dezembro 1971 a abril 1974);

(ii) foi professor e diretor da Escola Secundária de Monserrate, Viana do Castelo;

(iii) tem vários trabalhos literários publicados:


 (iv) membro da Associação de Cooperação com a Guiné-Bissau e contando com o apoio do Rotary Clube de Viana do Castelo, é responsável pelo trabalho desenvolvido no Cacheu, cidade geminada com Viana do Castelo: muito dedicado à causa humanitária na Guiné-Bissau, para onde se desloca regularmente, tem procurado contribuir para o bem-estar daquele povo, nomeadamente na área da saúde.
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Nota do editor:

segunda-feira, 2 de agosto de 2021

Guiné 61/74 - P22426: Tabanca Grande (523): O cap art Otelo Saraiva de Carvalho, com quem trabalhei na Rep ACAP, QG/CCFAF, em 1971, ao tempo do major inf Ramalho Eanes e do ten cor inf Mário Lemos Pires (Ernestino Caniço)... Em sua memória,.é reserado o lugar nº 846, à sombra do nosso poilão


Foto 1 > Guiné > Bissau > Amura > QG / CC FAG > Rep ACAP (Assuntos Civis e Acção Piscológica) > 1971 > Uma foto histórica: o  Major Ramalho Eanes (Diretor da Secção de Radiodifusão e Imprensa). à ponta esquerda; o ten cor Lemos Pires (chefe da repartição), na ponta direita;  o alf m,il Ernestino Caniço está ao centro, na segunda fila.



Foto 1A > Guiné > Bissau > Amura > QG / CC FAG > Rep ACAP (Assuntos Civis e Acção Piscológica) > 1971 > Uma foto histórica: o  Major Ramalho Eanes, de óculos de sol  (Diretor da Secção de Radiodifusão e Imprensa). à ponta esquerda; o ten cor Lemos Pires (chefe da repartição), na ponta direita;  o alf mil Ernestino Caniço está ao centro, na segunda fila.



Foto 1B > Guiné > Bissau > Amura > QG / CC FAG > Rep ACAP (Assuntos Civis e Acção Piscológica) > 1971 > Uma foto histórica:   na segunda fila, o  então capitão de artilharia Otelo Saraiva de Carvalho, na ponta esquerda, na segunda fila; ao centro, o terceiro a contar da direita deve ser o então já ten cor Luz Almeida (, será comandante da Polícia Militar em 1973).


Foto 2 > Guiné > Bissau > Fortaleza da Amura > QG/CCFAG > 1971 > Rep ACAP (Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica)  > Departamento de Fotocine > Ao centro, o Cap Art Otelo Saraiva de Carvalho e à sua esquerda o Alf Mil Cav Ernestino Caniço, seu colaborador.


Fotos (e legendas): © Ernestino Caniço (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné] 
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1. Mensagem do nosso camarada Ernestino Caniço (ex-Alf Mil Cav, Comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/DEZ 1971, hoje médico, e que aos  77 anos teima em continuar ao serviço dos outros de acordo com o seu juramento hipocrático; vive em Tomar, estando reformado do SNS):


Date: sexta, 30/07/2021 à(s) 17:59
Subject: Otelo

Amigo Luís Graça:

Perante o teu convite para umas referências à Rep ACAP, a propósito do Coronel Otelo Saraiva de Carvalho, pela sua empatia, munificência e humanismo, vou espichar algumas linhas, tentando que, após meio século, não seja atraiçoado pela memória.

Como já tinha referido,  fiz parte da Rep ACAP, no QG/CCFAG, na Fortaleza da Amura -Bissau no ano de 1971. À data era chefe da repartição o Major Lemos Pires (posteriormente promovido a Tenente Coronel).

Faziam parte, com funções de relevo, o Major Ramalho Eanes, o Major Luz Almeida, o Capitão Otelo Saraiva de Carvalho, o Alferes Arlindo Carvalho e o 1º Cabo João Paulo Dinis.

O Major Ramalho Eanes era o Diretor da Secção de Radiodifusão e Imprensa do Comando-Chefe. Com ele partilhei a responsabilidade da biblioteca, além de outros contactos nas nossas funções.

Na manobra psicológica em curso no T.O.  o Capitão Otelo era Relações Públicas por mim coadjuvado e dentro da missão da Rep ACAP, com enfoque nos contactos internacionais, acompanhando figuras proeminentes, nomeadamente jornalistas, atores, senadores, etc., instalando-os e preparando programas, que o Tenente Coronel Lemos Pires apresentava ao General Spínola.

O louvor que me foi atribuído pelo Agrupamento de Bissau, foi redigido pelo Capitão Otelo por indicação do Tenente Coronel Lemos Pires.

Para a entrada na ACAP (após a desativação do meu pelotão Daimler) tinha-me sido destinado a Secção de Assuntos Civis. À minha chegada e pelos contactos anteriores, entendeu o Major Lemos Pires que eu tinha perfil para a Ação Psicológica, pelo que me colocou na Secção de Operações Psicológicas, dirigida pelo Major Luz Almeida

Competia-me então (entre outros) dar apoio logístico ao General Spínola, Governador e Comandante Chefe,  nas suas intervenções nas populações, bem como a feitura de ofícios para as entidades civis e militares por determinação do chefe da repartição. 

Numa outra área intervinha na sensibilização das populações, nomeadamente através de
obras e estruturas efetuadas pelas nossas tropas. A gestão e fruição destas informações estavam a cargo do Alf mil Arlindo Carvalho, de acordo com as normas emanadas superiormente e com a supervisão do Major Ramalho Eanes.

O 1º Cabo João Paulo Diniz animava a rádio das Forças Armadas na Guiné-Bissau, sendo locutor no Pifas (Programa de Informação para as Forças Armadas).

Espero ter correspondido ao solicitado.

Um abraço, Ernestino Caniço

Médico – Chefe Serviço MGF
Gestor Serviços Saúde – Ordem Médicos
Pós Graduação em Direito da Medicina – Faculdade Direito Universidade de Coimbra

2. Comentário do editor L.G.:

Dois camaradas, o José Belo e o Ernestino Caniço, já aqui fizeram o elogio fúnebre do cor art Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021), que fez duas comissões de serviço em Angola e a última na Guiné (1970/73). (*)

Independentemente do seu lugar na nossa História, ele aqui é tratado como qualquer outro "camarada da Guiné", desde que tenha referências no nosso blogue. E o Otelo tem quase duas dezenas

O Ernerstino Caniço, que trabalhou com o Otelo, em 1971, já tinha feito questão de "o ver aqui sentado, à sombra do poilão da Tabanca Grande, embora infelizmente a título póstumo."

E aqui vai o nº que lhe coube, à sombra do nosso poilão, o lugar nº 846 (**). Obrigado ao Ermestino Caniço pela sua resposta à nossa sugestão para escrever alguns linhas sobre a ACAP e o Otelo, bem como pelas preciosas fotos que partilhou connosco.

No seu "site", "Poeta Todos os Dias", outro camarada que  trabalhou com o Otelo (e com o Eanes), o Silvério Dias, o 1º srgt ref, radialista do PIFAS, escreveu os seguintes versinhos sobre o Otelo, na passada quarta-feira, 28 de julho:

O Otelo faleceu

Segundo li no jornal
não haverá luto nacional
para o mentor da Revolução.
Dele ficará, pois, "enfermo".

Este, será, um termo
que indico como senão.
Mas já consta da História,
à margem da reles escória.

O povo não o esqueceu.
À despedida, acorreu.

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Notas do editor:

(*) Vd. postes de:


25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22404: In Memoriam (400): O Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021) que eu conheci... Ou "As armas e as mãos - Carta ao Otelo amigo" (José Belo, cap inf ref, Lapónia, Suécia)

25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22402: In Memoriam (399): Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (1936 - 2021), autor do Plano de Operações do 25 de Abril de 1974 e que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1970 e 1973

(**) Último poste da série > 22 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22394: Tabanca Grande (522): Ildeberto Medeiros ex-1º cabo condutor auto, CCAÇ 2753, "Os Barões" (Brá, Bironque, Madina Fula, Saliquinhedim/K3 e Mansabá, 1970/72): açoriano de Ginetes, Ponta Delgada, a viver em New Bedford, senta-se no lugar nº 845, à sombra do nosso fraterno e sagrado poilão

terça-feira, 27 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22409: In Memoriam (401): Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho (1936-2021), com quem trabalhei lado a jado e fiz amizade, em 1971, na Rep ACAP, no QG/CCFAG, na Fortaleza da Amura (Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, e hoje médico)



Guiné-Bissau - Fortaleza da Amura > QG/CCFAG > Rep ACAP > Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica > Departamento de Fotocine > Ao centro, o Cap Art Otelo Saraiva de Carvalho e à sua esquerda o Alf Mil Cav Ernestino Caniço, seu colarador.

Foto (e legenda): © Ernestino Caniço (2021). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Mensagem de ontem, 26 de Julho de 2021, do nosso camarada Ernestino Caniço, ex-Alf Mil Cav, Comandante do Pel Rec Daimler 2208, Mansabá e Mansoa; Rep ACAP - Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica, Bissau, Fev 1970/DEZ 1971, hoje médico, que teima em continuar ao serviço dos outros de acordo com o seu juramento hipocrático):

Caros amigos:

Como sabeis, faleceu Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho, o principal pilar do 25 de Abril de 1974. (*)

Durante o ano de 1971 fomos camaradas, em funções na ACAP (Repartição de Assuntos Civis e Ação Psicológica), no quartel da Amura, na Guiné Bissau.
Partilhámos a mesma sala com as secretárias lado a lado. Como é natural dialogámos muito.

Face à sua morte, não posso deixar de manifestar o apreço e a amizade que nos uniu, pelo que lamento a sua perda. Foi fácil. A sua empatia, generosidade e humanismo assim o permitiram. O diálogo fluía naturalmente, não descortinando qualquer atitude lapuz.

Que descanse em paz.

Ernestino Caniço
Médico – Chefe Serviço MGF
Gestor Serviços Saúde – Ordem Médicos
Pós Graduação em Direito da Medicina – Faculdade Direito Universidade de Coimbra

PS - Gostava de o ver aqui sentado, à sombra do poilão da Tabanca Grande, embora infelizmente a título póstumo.

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Nota do editor CV:

Último poste da série de 25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22404: In Memoriam (400): O Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021) que eu conheci... Ou "As armas e as mãos - Carta ao Otelo amigo" (José Belo, cap inf ref, Lapónia, Suécia)

domingo, 25 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22404: In Memoriam (400): O Otelo Saraiva de Carvalho (1936-2021) que eu conheci... Ou "As armas e as mãos - Carta ao Otelo amigo" (José Belo, cap inf ref, Lapónia, Suécia)


José Belo,  ex-Alf Mil Inf da CCAÇ 2381 (Ingoré, Buba, Aldeia Formosa, Mampatá e Empada, 1968/70); cap inf, participou na equipa de segurança pessoal do Otelo Saraiva de Carvalho, na campanha para as eleições presidenciais de 7 de junho de 1976; membro da Tabanca Grande  desde 8/3/2009, com mais de 200 referências no blogue; jurista, vive na Suécia há mais de 4 décadas.


1. Mensagem de Joseph Belo, a quem dei hoje de manhã, em primeira mão, a notícia da morte do Otelo Saraiva de Carvalho (*), seu amigo e camarada de armas;

Data - 25 jul 2021 13:44
Assunto - As armas e as mãos… Carta ao Otelo amigo.

Envio-te um texto em parte extraído de artigo meu publicado pelo Diário de Lisboa, de 11 de julho de 1984. Era um de dois dos artigos que este jornal publicou em que eu criticava abertamente as FP-25 de Abril, o pseudo-envolvimento do Otelo nas mesmas, e o não menos abusivo uso do “25 de Abril” na denominação das mesmas. Abraço, J. Belo.


As armas e as mãos… Carta ao Otelo amigo
 
por José Belo

Não encontrei ninguém que conseguisse comunicar tão espontâneos e intensos sentimentos de camaradagem, calor humano, sincera simpatia, não esquecendo também a tão pessoal “ingenuidade” em graus “quase sempre”…desculpáveis.

Por curto, mas importante período, conseguiste não só simbolizar, mas também interpretar, todos os anseios, esperanças, e porque não, o pequeno grão de romantismo anárquico que existe dentro de quase todos os portugueses.

O povo sentiu em ti, então “estrela” atirada para as ribaltas por camaradas que confiavam, alguém que o “ouvia”, e principalmente o apoiava sem condições.

Não é por acaso que a frase “Otelo-Na Presidência um amigo” foi a que melhor simbolizou a tua primeira candidatura num período em que, para muitos, os sonhos ainda se tocavam com as pontas dos dedos.

Não quiseste ser o “Caudilho”.

Quantas oportunidades, quantas situações de força, quantas vagas de fundo populares (assustadoramente expontâneas!) pararão te empurravam?

Numa das tuas “ingenuidades”, talvez a maior, pretendias com o teu cargo, e com os que te apoiavam nas forças armadas, ser o braço que neutralizaria todas as tentativas da forças que procuravam limitar a natural organização de base das massas populares no seu caminhar para uma sociedade socialista.

Essa atitude custaria caro, não só a ti, como principalmente aos trabalhadores. Melhor que ninguém, nesses meses em que quase te forçaram a assumir o poder, simbolizaste a feliz frase da tal “vila morena” ...O Povo é quem mais ordena!

Eu, camarada de profissão, familiar e sincero amigo, sem nunca perder o juízo crítico quando olhava o “político”, acompanhei-te em momentos de força, de poder, de comando, mas também em outras de profundas e inexplicáveis contradições frente a multidões enquadradas nos mais díspares partidos políticos.

Os resultados?

Responsável pela equipa da tua segurança pessoal, tive a oportunidade de ouvir as tuas conversas com pescadores algarvios, com as operárias conserveiras, com camponeses alentejanos (dilacerados entre o “coração e o dever!), com as gentes de Peniche, com os operários do Barreiro em expontâneos gritos de “unidade”, com os pequenos agricultores do Norte, com jovens padres de paróquias perdidas nas serranias, com os “humildes” da Madeira.

Os resultados?

Acompanhei-te na incrível recepção do Porto, em Braga, em Matosinhos, na Régua ,nos banhos de multidões na Cova da Piedade, Setúbal e Lisboa, onde o Parque Eduardo VII foi bem pequeno para albergar os manifestantes.

Os resultados?

Também, é certo, assisti à parasitagem que, à sombra da tua popularidade, alguns pequenos grupos políticos de representatividade duvidosa exerciam.

Que ridículos foram alguns deles, neurotizados por o povo não corresponder ao seu “povo das tertúlias“ mas que de imediato se julgavam com oportunidades de o… reeducar!

Terá, mais uma vez ,a tua proverbial “ingenuidade” te empurrado para uma candidatura manipulada por agências imperialistas internacionais?

Terão jogado inteligentemente com a previsível desmobilização e desilusão, que viriam a surgir perante a incapacidade organizativa, e política, de transformar os surpreendentes resultados em algo de operante, activo, concreto?

Terá sido literalmente o “matar dois patos com o mesmo tiro”? Tu próprio, somado ao Octávio Pato, então candidato do PCP

Mas houve momentos em que tu mesmo acreditastete que algo poderia surgir da incrível vaga de fundo que ias conseguindo levantar por esse país fora.

Recordo fim de tarde quente alentejana quando a caravana eleitoral abandonava Castro Verde em apoteose. Tu quase monologavas sentado no banco traseiro do automóvel, entre um José Afonso que dormitava exausto, e eu, sem respostas lógicas para tamanho carinho e expontâneo entusiasmo popular.

Neste eufórico momento de festa falavas de Allende, de um Chile então tão próximo, do golpe militar contra um Presidente eleito.

Porquê, então, esse fatalismo de identificações?

Por consciência das limitações?

Por não acreditares na figura que simbolizavas, que tão bem… representavas?

Por teres consciência que os que te rodeavam,tanto em pseudo “vanguardas” como em militares “progressistas”, te acabariam por “encurralar “ obrigando-te a assumir posições, ou pior, assumindo-as eles próprios, com as quais não te identificavas?

Pairava ainda no horizonte a incrível multidão de trabalhadores que na Évora de antes de Novembro gritara repetidamente ”Força! Força camarada Otelo!"

Ecos de palavras de ordem dedicadas a outro militar político. Não seria então a consciência do “incómodo” que ainda simbolizas? De libertação, de grito popular, de espontaneidade de Abril?

Muitos te temeram no mito do COPCON. Muitos te invejaram na estrela de Abril. Muitos procuraram utilizar-te na sincera estima que o povo te nutre.

Como alguns não te perdoam, ou esquecem, o teu individualismo anárquico assumindo posições suspeitas… por ilógicas!

Com os teus erros profundos, com as tuas traições aos que esperavam de ti ver reflectidas as suas ambições pessoais ou políticas, serás mesmo assim um membro por direito próprio da nossa História a quem o futuro julgará com raciocínios espiados pelos tempos.

Conheci o “Otelo Amigo” que tudo sacrificou por acreditar no Povo. O mesmo Povo que na sua sabedoria expontânea guarda por ele um especial carinho, desculpando-o de... quase tudo!

E, tristemente, alguns dos Camaradas militares que te irão tecer elogios fúnebres, politicamente corretos..., serão os mesmos que te invejavam e atraiçoavam em 74/75.


Laplande/Suécia 25 de Julho 2021
J.Belo


Citação: (1984), "Diário de Lisboa", nº 21504, Ano 64, Quarta, 11 de Julho de 1984, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_1603 (2021-7-25)
___________

Nota do editor:

(*) Último poste da série > 25 de julho de 2021 > Guiné 61/74 - P22402: In Memoriam (399): Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (1936 - 2021), autor do Plano de Operações do 25 de Abril de 1974 e que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1970 e 1973

Guiné 61/74 - P22402: In Memoriam (399): Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (1936 - 2021), autor do Plano de Operações do 25 de Abril de 1974 e que cumpriu uma comissão de serviço na Guiné entre 1970 e 1973

IN MEMORIAM

Coronel Otelo Nuno Romão Saraiva de Carvalho
Lourenço Marques, 31/08/1936 - Lisboa, 25/07/2021


BIOGRAFIA

Militar, político e estratega do 25 de Abril

Otelo Saraiva de Carvalho nasce em Lourenço Marques, a 31 de Agosto de 1936.
Cumpre comissões de serviço em Angola, entre 1961 e 1963, e na Guiné, entre 1970 e 1973.

Esteve presente na génese do Movimento dos Capitães, tendo desempenhado o papel de responsável pelas operações no golpe militar de 25 de Abril desde o posto de comando que se situava na Pontinha, em Lisboa. 

No período revolucionário foi comandante-adjunto do Comando Operacional do Continente (COPCON), passando a ser comandante efectivo em Março de 1975, mas assumindo a responsabilidade desde o início da presidência da República de Costa Gomes. 

Foi também nomeado comandante da Região Militar de Lisboa (RML) a 13 de Julho de 1974. Durante o Processo Revolucionário em Curso (PREC) integrou ainda o Conselho da Revolução, formando, juntamente com Francisco Costa Gomes e Vasco Gonçalves o triunvirato mais célebre de 1975 – o Directório – que mereceu uma capa da revista Time. Foi afastado de todos os cargos após os acontecimentos de 25 de Novembro de 1975, tendo inclusive sido preso.

Candidato às eleições presidenciais de 1976 e de 1980, acabou derrotado em ambas. Nesse mesmo ano criou o partido Força de Unidade Popular (FUP). Em 1985 é acusado de liderar as FP-25, o que lhe valeu cinco anos de prisão, tendo sido amnistiado em 1996. No decorrer do processo das FP-25, foi despromovido de brigadeiro a tenente-coronel.


Com a devida vénia a Memórias da Revolução

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Em 6 de Maio de 2011, na nossa série Notas de Leitura, Mário Beja Santos fazia esta recensão ao livro "Alvorada em Abril", de Otelo Saraiva de Carvalho:

Guiné 63/74 - P8230: Notas de leitura (236): Alvorada em Abril, de Otelo Saraiva de Carvalho (Mário Beja Santos)

Otelo Saraiva de Carvalho e a Guiné


Beja Santos

"Alvorada em Abril" é o título das memórias de uma figura lendária do 25 de Abril em torno da história portuguesa dos anos 50 aos anos 70, culminando com a concepção e execução do derrube do regime chefiado por Tomás e Caetano. Temos nestas memórias o que para ele foi determinante, no seu percurso pessoal e no seu modo de interpretar os acontecimentos contemporâneos, a génese e o triunfo do Movimento dos Capitães e como este desaguou no 25 de Abril ("Alvorada em Abril", Editorial Notícias, 4.ª Edição, 1998). A sua terceira e última comissão foi na Guiné, pelo que tem todo o sentido fazer o registo das suas lembranças e observações.

Ele parte para a Guiné em Setembro de 1970 e logo recorda que se encontrava em Nova Lamego, em 22 de Novembro, quando soube da invasão da Guiné-Conacri. A notícia deixou-o estupefacto, ele que trabalhava em Bissau de nada sabia e acrescenta que posteriormente veio a saber que o assunto já era discutido pelas mulheres dos oficiais nos cabeleireiros da Baixa de Bissau antes de se ter realizado. Nessa noite, enquanto decorria a operação, houvera vigília em Bissau, Spínola aguardava ansioso das notícias da missão rodeado dos seus leais colaboradores, tenente-coronel Robin de Andrade, major Firmino Miguel e major Jorge Pereira da Costa. E adianta: 

"Ainda hoje desconheço quais seriam, exactamente, os objectivos da missão, mas parece não restarem dúvidas de que, entre eles, estariam os assassínios de Amílcar Cabral e de Sékou Touré, o silenciamento da Rádio Conacri, a destruição de sede do PAIGC, a destruição de aviões na base aérea local e a libertação de prisioneiros de guerra portugueses retidos nas prisões da cidade".

Dá-nos em água-forte um retrato de Spínola que culmina com uma apreciação corrosiva:

  "Medularmente vaidoso e autoritário, sempre o reconheci totalmente incapaz de se atribuir o mínimo erro ou de debitar a mais suave autocrítica. Sendo detentor da razão e da verdade absolutas, era com displicência e sem remorso que liquidava o bode expiatório escolhido para arcar com as responsabilidades de qualquer falhanço pessoal... demagogo em extremo nunca entendi com clareza se as qualidades que nele admirava era autênticas e humanas ou se cultivadas com esforço a fim de construir artificialmente uma personagem".

Descreve o seu trabalho no QG e alude mesmo o nome de oficiais milicianos, da extrema-direita, que mais tarde acompanharão Spínola na aventura do MDLP.  Colocado na Subsecção de Operações Psicológicas, assistiu ao exibicionismo propagandístico é à construção de imagem que Spínola quis criar em Portugal e internacionalmente, o que ele procurava era sugerir um extraordinário surto de progresso na Guiné com a sua governação e minimizar os êxitos no combate do PAIGC. 

Narra peripécias com jornalistas internacionais, certames de propaganda, a realização de Congressos do Povo. Refere os efectivos militares, do lado português e os do PAIGC, as argumentações de aliciamento, de um lado e do outro. 

A narrativa não é cronológica, dá saltos, vai até ao futuro repentinamente, conta histórias passadas, de supetão. Está-se a falar da propaganda do PAIGC, seguem-se referência ao seu programa político, destaca-se a figura de Rafael Barbosa como agitador, que foi preso em Março de 1962, tendo permanecido encerrado num cubículo durante quase 8 anos, onde foi espancado e torturado. Em Agosto de 1969, Spínola ordenou que fosse libertado. Tempos mais tarde, Rafael Barbosa manifestará publicamente o seu arrependimento por ter aderido à luta armada. Em 1977, será julgado em Bissau pelo PAIGC pelo crime de traição ao partido e ao povo e ser-lhe-á comutada para 15 anos de prisão a pena de prisão perpétua a que fora inicialmente condenado.

Já em 1973, o autor descreve a chegada dos mísseis terra-ar Strela e depois depõe sobre o controverso "I Congresso dos Combatentes do Ultramar". Para Otelo, os organizadores eram antigos oficiais milicianos com ideologia de extrema-direita que garantiam publicamente ao regime a entrega devotada dos oficiais das Forças Armadas à nobre missão de, através da continuidade da guerra colonial, assegurar a perenidade da Pátria. 

Os oficiais do quadro ter-se-ão apercebido da essência da manobra e reagiram. Almeida Bruno terá sido quem mais actividade desenvolveu, promovendo uma resposta concertada. Para os oficiais na Guiné já não subsistiam dúvidas que o Governo procurava tirar dividendos da "entusiástica adesão dos patrióticos combatentes do Ultramar"

E escreve: 

"Enquanto em Lisboa Ramalho Eanes, Hugo dos Santos, Vasco Lourenço e outros encabeçavam um vasto movimento de protesto, eram recolhidas na Guiné 400 assinaturas de oficiais do QP com a mesma intenção, subscrito em primeiro lugar por oficiais possuidores das mais elevadas condecorações”

O autor inscreve estes acontecimentos num processo mais vasto de descontentamento das Forças Armadas que veio a ser ateado pelo Decreto-Lei n.º 353/73, nova peça da bola de neve que irá conduzir à queda do regime.

Passando para outro campo de considerações, Otelo de Saraiva de Carvalho fala dos acontecimentos de Guileje, em Maio de 1973, quando o major Coutinho e Lima mandou evacuar o aquartelamento, para tal escrevendo: 

"Para o major Coutinho e Lima o motivo era suficientemente forte: incontável número de flagelações da artilharia inimiga tinha destruído quase por completo as instalações aquartelamento e o moral do pessoal. Apesar dos pedidos insistentes e aflitivos, o apoio aéreo não fora concedido, no receio de que a acção fosse um chamariz para o abate de mais alguns aviões. Ao ter notícia da evacuação, Spínola não viu outra alternativa senão ordenar a prisão de Coutinho e Lima e mandar instaurar-lhe um auto de corpo de delito por crime essencialmente militar de cobardia: abandono de praça militar ao inimigo"

É neste contexto que surge Manuel Monge, graduado em major, foi sobre os seus ombros que caiu a responsabilidade de aguentar a tragédia de Gadamael.

Estamos praticamente no final na sua narrativa referente à Guiné. Marcelo Caetano decidira, em 1972, apoiar a nomeação de Américo Tomás para novo mandato. Spínola considerava que gozava de alguns apoios muito influentes do panorama político e financeiro português (Azeredo Perdigão, Jorge de Melo, Manuel Vinhas, António Champalimaud). Em Agosto de 1973, Spínola regressa a Portugal, é promovido a general de 4 estrelas e nomeado vice-chefe do EMGFA. Spínola mudara, observa o autor. Fizera um longo, longo percurso, fora administrador e colaborador do boletim da Legião Portuguesa, no início da carreira; baseado na sua experiência guineense, sentia-se agora apto a defender o federalismo para contornar uma guerra não susceptível de ter solução militar.

Em Setembro de 1973, Otelo Saraiva de Carvalho participa pela última vez numa reunião do Movimento de Capitães, em Bissau. E escreve: 

"Exactamente três meses depois da minha chegada a Bissau seguirei para a metrópole em fim comissão. Recebo a incumbência de, em Lisboa, de me integrar no Movimento e ser o porta-voz das preocupações que assaltam os camaradas no TO da Guiné"

Preocupações que ele desenha num quadro de tintas carregadas: é previsível que o PAIGC irá proclamar a independência do território. Nas reuniões do Movimento dos Capitães em embrião já se debate o que irá mudar com essa independência reconhecida pela ONU. E escreve: 

”O Governo Central não proporcionará às Forças Armadas no TO da Guiné qualquer apoio, provocando a sua derrota calculada para as transformar em bode expiatório da perda da colónia como acontecera antes com o Estado da Índia, e canalizar todo o esforço militar para a defesa de Angola.”

E tece o seu comentário sobre o que se estaria a passar na mente de Marcelo Caetano: 

”Em entrevista concedida por Marcelo Caetano no Brasil, em 1977, a um jornalista português, o antigo Presidente do Conselho confirma que tencionava na verdade provocar a queda da Guiné através de uma derrota militar para, salvando a face do regime, reforçar a todo o custo a defesa de Angola por tempo ilimitado. Não posso acreditar que Spínola não estivesse perfeitamente consciente de todo este drama. Considero, pelo contrário, que essa seria a razão fundamental que o teria levado a não regressar para concluir o sexto ano do seu mandato. Ele não poderia nunca, após mais de cinco anos de intensa actividade desenvolvida na Guiné e que era para si motivo de orgulho e honraria, transformar-se no comandante-chefe de umas Forças Armadas enxovalhadas e derrotadas em consequência da ineficácia do regime.”

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Nota dos editores:

À família, camaradas de armas e amigos do Coronel Otelo Saraiva de Carvalho (que tem cerca de duia e meia de referências no nosso blogue), os editores e a tertúlia deste Blogue, apresentam as suas mais sentidas condolências.
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Nota do editor

Último poste da série de 16 DE JULHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22375: In Memoriam (398): José Martins Rosado Piça (1933-2021), 1º srgt inf ref (CCAÇ 2590 / CCAÇ 12, Contuboel e Bambadinca, 1969/71), nosso grã-tabanqueiro nº 660... Mais do que "o nosso primeiro", um grande amigo e melhor camarada