Caro amigo e camarada
Vou fazer o que me diz. É uma honra.[1]
Envio outro texto. Pode divulgar, caso entenda que tem merecimento para tal.
Um abraço reconhecido.
António Inácio Correia Nogueira
TESTEMUNHOS
A Força das Músicas e Palavras Que Inspiraram O Meu Ser D´Abril
Um Disco meu, com 56 anos, que contém a balada Vampiros
A interpretação sobre o 25 de Abril continua a gerar muitas opiniões diferentes. Ainda bem. Por isso, possuo a minha. A propensão que se observa é para descortinar e ter novos olhares sobre esse momento histórico. Os actores do processo serão sempre os militares e os movimentos sociais, culturais e políticos. Na minha juventude pude observar a importância destes três últimos e a forma como tiveram influência na minha formação política antes e depois do 25 de Abril. Os escritores, os poetas e os músicos, desempenharam um papel fundamental de esclarecimento junto da população e, particularmente, na mobilização dos jovens estudantes e seus movimentos associativos para a luta reivindicativa contra as medidas do Estado Novo. E, sem dúvida, no esclarecimento dos Capitães de Abril.
Hoje aqui deixo os livros e canções que mais concorreram para acender, dentro de mim, então jovem-adulto, a convicção indiscutível da luta contra o Estado Novo.
Começarei pelos que foram os meus livros de eleição:
1. O Canto e as Armas de Manuel Alegre (1967), livro que esgotou em poucos dias, como já havia acontecido com A Praça da Canção, do mesmo autor, em 1965. Ambos foram proibidos e os exemplares encontrados apreendidos pela PIDE. Circulavam milhares de cópias manuscritas e dactilografadas, de tal modo que O Canto e as Armas, nunca deixou de existir. Foram livros incentivadores e mobilizadores dos grandes movimentos estudantis como o de 1969 em Coimbra e armas secretas de conscientização política de muitos portugueses.
2. As Novas Cartas Portuguesas de Maria Isabel Barreno, Maria Teresa Horta e Maria Velho da Costa publicadas em 1972, desafiaram o poder instituído e tornaram-se num símbolo maior da literatura feminista em Portugal. Foi imediatamente proibido pela censura. Teve um papel central na queda da ditadura e levantou o véu sobre a emancipação e direitos da mulher e igualdade de género. Neste campo, recordo o poema Calçada de Carriche (1967) de António Gedeão, um poema que põe a nu a exploração de que eram vítimas as mulheres no Estado Novo. Na minha biblioteca, ainda hoje se pode ver, numa das paredes, um poster com essa poesia de indignação.
3. Portugal e o Futuro de António de Spínola, livro que João Céu e Silva, considera um golpe de estado em 248 páginas, publicado dois meses antes do 25 de Abril, foi uma arma, um rastilho, que pôs em movimento muitos capitães indecisos. Milhares de leitores, diz-se que foram 230 mil portugueses, ocorreram às livrarias para conseguir um exemplar. No seu miolo, seis palavras ficam para a história do 25 de Abril: a vitória exclusivamente militar é inviável. O país percebia que a derrocada estava perto. Talvez tenha sido um dos livros de maior sucesso dos últimos 50 anos, vindo a igualar, segundo dizem, A Selva, de Ferreira de Castro.
Atente-se, agora, nas músicas e baladas que me ajudaram a ser activista político contra o Estado Novo
1. Vampiros, canção de José Afonso, é originariamente gravada em 1963. Foi um dos temas fundadores do canto político em Portugal, em tempo de censura e um símbolo da resistência contra o fascismo. A capa do disco acima reproduzido, é de minha pertença e foi ouvido com intensa exaltação num comício organizado pela Comissão Democrática de Vila Real (em 23 de Outubro de 1969) a quando das eleições para deputados.
Encontrava-me nesta terra a desempenhar funções docentes, enquanto aguardava o chamamento para o serviço militar obrigatório na Escola Prática de Infantaria de Mafra.
2. Trova do Vento que Passa é uma balada da autoria de Manuel Alegre e António Portugal, cantada em 1963 por Adriano Correia de Oliveira. Tornou-se, rapidamente, numa das principais armas de denúncia da situação do país, já mergulhado na Guerra Colonial. Nas paredes do meu quartel em Sanga Planície, Cabinda, estava em placar, a letra desta canção que muitos soldados cantarolavam.
3. Grândola Vila Morena é a canção emblema do 25 de Abril, senha principal para saída das tropas para o golpe de estado.
Foi escrita e gravada em 1971 em França, com arranjos e direcção musical de José Mário Branco. José Afonso estreou a canção em Santiago de Compostela em 10 de Março de 1972.
Em 1973 foi publicada pela editora Orfeu. Continua a ser um marco nacional entoada nas marchas anuais do 25 de Abril e noutras manifestações onde se promove a liberdade e a democracia.
4. Pedra Filosofal é um poema admirável de António Gedeão a que Manuel Freire deu voz, pela primeira vez, em 1970. É uma balada nobre, à espera de dias melhores. Um desabrochar, uma esperança, um mito.
Eles não sabem nem sonham / Que o sonho comanda a vida / E que sempre que o homem sonha / O mundo pula e avança / Como bola colorida / Entre as mãos de uma criança
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Notas do editor:
[1] - O nosso camarada António Inácio Nogueira foi convidado pelos editores a integrar a tertúlia
Último post da série de 8 DE MAIO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25495: Os 50 anos do 25 de Abril (19): Convite para a apresentação do livro "A Caminho do 25 de Abril - Uma Organização Clandestina de Oficiais da Armada", dia 14 de Maio de 2024, pelas 18h00, no ISCTE - Edifício 2, Auditório B1.03 - Lisboa
1 comentário:
António, em todos os quartéis do mato se cantava, tocava e bebia pela noite dentro... Cantava-se em noite de copos, de insónias e de raiva, pela noite dentro, suficientemente alto para os "gajos" do comando de batalhão nos ouvirem... (no caso de se estar "a(r)dido" a um batalhão, como o o caso da CCAÇ 12, companhia de "nharros" ao serviço dos "senhores da guerra" da BCAÇ 2852, e depois o BART 2917)...
Uma das nossas canções favoritas preferidas, cantanda até à exaustão no bar da messe de sargentos de Bambadinca, em 1969/71, era justamente a 'Pedra Filosofal', do António Gedeão (letra) e Manuel Freire (música)...
Recordo que o poema do António Gedeão foi publicado no livro 'Movimento Perpétuo', em 1956, portanto muito antes da guerra colonial. Dada a sua excelente ritmo, riqueza imagética, força poética e musicalidade e, apesar a sua extensão, o Manuel Freire pegou nele e fez da 'Pedra Filosofal' um verdadeiro de hino de resistência contra (e contestação de) a situação política da época (a ditadura, a guerra colonial, as esperanças frustradas da abertura política com a 'primavera marcelista', etc.).
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