sexta-feira, 10 de maio de 2024

Guiné 61/74 - P25505: Consultório Militar do José Martins (83): Revolta de 16 de Março de 1974 passou pelo Concelho de Loures


1. Transcrição de um trabalho do nosso camarada José Martins, publicado em "Loures História Local, Abril/Newsletter n.º 45/2024", sobre o 16 de Março em Loures:


O 16 de Março na Área de Loures

Às 04H00 do dia 16 de Março de 1974 uma coluna auto transportada, de cerca de 200 militares comandada pelo Capitão Piedade Faria, sai do quartel das Caldas da Rainha, a caminho de Lisboa, com a missão de ocupar o aeroporto[1].
A Região Militar de Lisboa, avisada do facto, entra em estado de prevenção reforçada.

Esta situação não apanha de surpresa, quer o Governo quer as autoridades militares. Desde o dia 9 de Março, iniciam-se nos quartéis, por ordem do Comando-Chefe das Forças Armadas, o estado de Prevenção Rigorosa. Esta situação não se verificava desde 1961, há treze anos, portanto. Essa ordem foi dirigida aos Serviços de Informação dos 3 Ramos das Forças Armadas, assim como à 1.ª e 2.ª Repartições e à Secretaria-Geral da Defesa Nacional.

Foi uma semana em que houve vários acontecimentos: prisão de capitães do Movimento dos Oficiais das Forças Armadas (MOFA), e seu internamento no Forte da Trafaria; aprovada a politica colonial do governo, pela Assembleia Nacional; manifestação dos Oficiais-Generais, em apoio ao Presidente do Conselho e da sua politica; a demissão de Costa Gomes e António de Spínola, dos altos cargos que ocupavam; reuniões de elementos do MOFA, face às reacções de solidariedade de Capitães e outros oficiais subalternos, que manifestam as suas posições junto dos respectivos comandantes; e tudo isto acompanhado por variação de “estados de Alerta” com “estados de Prevenção Rigorosa”, situação reflectida no relatório do Comandante do Regimento de Infantaria n.º 7 (Leiria), em que refere, na análise crítica: «Dos extractos da “Fita do Tempo” pode concluir-se ter havido um certo «à-vontade» da minha parte, pois poderia ter mandado armar, equipar e municiar a Companhia de Caçadores logo após a ordem de prevenção rigorosa. Não o fiz, como já disse, por razões que julguei convenientes na altura: a semana anterior tinha sido fértil em altas e baixas nos estados de emergência».

As notícias, a principio vagas, mas depois tornam-se mais alarmantes, apesar de especulativas. Mencionavam o movimento de várias unidades, do Norte, em direcção à capital, o que não se verificava. Como as Regiões Militares dispunham, à época, em cada Regimento e/ou Instituição da sua competência, de subunidades às suas ordens, normalmente uma companhia de caçadores (infantaria), baterias de bocas de fogo (artilharia) ou esquadrões de carros de combate e reconhecimento (cavalaria); e nas unidades de serviços e nas escolas práticas de companhias de caçadores, o Quartel-General da Região, a Região Militar de Lisboa, manda deslocar as seguintes forças, sob comando do Chefe do Estado-Maior do Exército, General João Paiva Brandão.

A Escola Prática de Infantaria (EPI), em Mafra, tendo parte do pessoal empenhado na semana de campo, do Curso de Oficiais Milicianos, com o pessoal e as viaturas disponíveis, inicia o patrulhamento da Zona Oeste, onde se encontra aquartelado. Para suster qualquer força não detectada, envia a Escola Prática de Administração Militar (EPAM), do Lumiar, para a Ponte de Frielas. Para a Zona Norte, às portas da cidade, onde terminava o troço da A1 (outras fontes indicam que foi na Rotunda da Encarnação), foram chamados o Regimento de Lanceiros n.º 2/Policia Militar (RL 2/PM) e o Regimento de Cavalaria n.º 7 (RC 7), da Ajuda: o Batalhão de Caçadores n.º 5 (BC 5), de Campolide; o Regimento de Infantaria n.º 1 (RI 1), da Amadora; o Regimento de Artilharia Ligeira n.º 1 (RAL 1), de Moscavide; e a Escola Prática do Serviço de Material (EPSM), de Sacavém. Para o mesmo local foram enviadas forças da Polícia de Segurança Pública e Guarda Nacional Republicana (Infantaria e Esquadrão de Reconhecimento), além de elementos, à civil, da Direcção Geral de Segurança e da Legião Portuguesa.

O ajuntamento destas forças, por volta das 06H00 de um sábado que à época era dia normal de trabalho, fez juntar os populares que se deslocavam para o seu trabalho, em Lisboa, e cujo trajecto obrigava a passar por aquele local, transformando-se em “mirones”. Todo aquele aparato prometia conversa, não só para aquela altura, mas também para o Domingo, e sabe-se se não se prolongaria pela semana fora, quando se aguardasse a hora do jantar.

Se por qualquer circunstância, mesmo que não tivesse havido troca de tiros, como não houve, bastava um disparo inopinado, para poder gerar confusão na fuga de civis, procurando abrigar-se, para poder ter havido um certo número de feridos, entre estes.

Apesar de, na prática, esta insurreição ter acontecido no Regimento de Infantaria n.º 5, onde era ministrado o primeiro ciclo do CSM - Curso de Sargentos Milicianos, não ter originado no país qualquer alteração, na realidade, teve implicação em duas localidades: Caldas da Rainha, o palco principal dos acontecimentos, e Loures, nomeadamente Sacavém, onde se instalaram as forças leais ao governo. Noutras localidades do percurso utilizado, houve maior ou menor impacto devido à movimentação das forças militares e paramilitares, mas todo o país seguiu os acontecimentos desse dia, pelo menos através das notícias que iam sendo divulgadas.

Loures, pela sua localização geográfica seria, necessariamente, um ponto de passagem, quer utilizando a EN 1, ou a EN 8 mais a Oeste, para se dirigiram ao Aeroporto da Portela, seu objectivo. Da A1, na altura, só existia o troço Sacavém - Vila Franca de Xira e, a autoestrada A8, ainda nem sequer fora pensada.

Não consegui obter os relatórios que, necessariamente, foram elaborados pelas unidades envolvidas na zona da Grande Lisboa, pelo que irei seguir o que relataram os documentos elaborados pelo Comando-Geral e pelo Batalhão n.º 2 da Guarda Nacional Republicana:
Cerca das 06H50, a coluna que tinha saído das Caldas da Rainha pelas 04H00, estava parada, na A1, a 3 km da Portagem de Sacavém. No relatório, do Comando-Geral da GNR, consta que à mesma hora, 06H50, é avistada uma viatura militar no sentido Cacém - Sintra, de que se desconhece a missão. O mesmo relatório relata que, às 08H05, a viatura MG-63-23 da Região Militar de Lisboa, com pessoal armado, é localizada em Tercena deslocando-se de Sintra para Cacém.

Pelas 07h15, na A1 por cima do rio Trancão, os Majores Luís Casanova Ferreira e Manuel Soares Monge que saíram de Lisboa, encontram-se com a coluna e avisam de que deve regressar a Caldas da Rainha, por ser a única unidade que se tinha sublevado, estando um dispositivo militar preparado para a defrontar, à entrada da cidade. Do relatório do Batalhão n.º 2 da GNR consta que, pelas 07H15, dois jeep saíram da EPI e seguiram pala estrada Paz - Torres Vedras, onde à 07H40 passaram nesta localidade. Num dos jeeps mencionados seguia o Comandante, Coronel Freitas, dirigindo-se para os lados da localidade de Ramalhal.

Sem apoio de outras forças, resolvem regressar ao quartel e, utilizando uma abertura no separador central da auto-estrada, mudam de faixa e iniciam o regresso. São interpelados à saída de Vila Franca de Xira, cerca das 08H30, por um efectivo de 10 elementos, comandados por um tenente. Das últimas viaturas ouviu-se um tiro inopinado. O problema foi sanado e a coluna segue sem mais incidentes.

Às 08H45, refere o mesmo relatório, que o Coronel Freitas passou novamente em Torres Vedras, regressando à EPI. Comunicou ter mandado levantar o "Destacamento de Cadetes COM" instalado numa quinta em Pai-Correia, Ramalhal e que, devido a carência de viaturas, o retorno se processaria por fases e a partir das 10H30. Mais solicitou que, a GNR o informasse de quaisquer outros movimentos de tropas naquela área, que se não relacionassem com o regresso dos cadetes ao quartel.

O Relatório do Comando-Geral da GNR refere que, pelas 09H30, uma coluna de viaturas passou frente ao Posto da GNR da Malveira, dirigindo-se para Loures. O Batalhão n.º 2 da GNR relata que a coluna auto que passou na Malveira, pelas 11H50 se encontrava a 1 quilómetro da Venda do Pinheiro, seguindo na direcção de Bucelas.

Às 10H20 o Comando-Geral da GNR solicita a informação, ao Comandante-Geral da Segurança Interna (CGSI), de quem é a competência de comando das força instaladas entre Sacavém e a Encarnação. O CGSI informa que a competência é do Quartel-General da Região Militar de Lisboa

Com o retrocesso da coluna sublevada, pelas 10H22, o Batalhão de Caçadores n.º 5 recebe instruções para retirar as suas forças. No local mantêm-se as do Regimento de Artilharia Ligeira n.º 1, cujo quartel ficava perto do local. Não há referência às outras unidades do Exército, que foram enviadas para o local e referidas anteriormente.

O Chefe do Estado-Maior da GNR dá instruções, pelas 10H25, para retirar o Pelotão de Reconhecimento/GNR e, às 10H27, a companhia do Batalhão n.º 2/GNR.

No relatório do Batalhão n.º 2 da GNR consta que, às 12H10, o Comandante do posto da Malveira, transmitiu que lhe havia sido comunicado, pelo posto de Bucelas, a apresentação de um Tenente-Coronel avisando do estacionamento de uma força à saída desta localidade, para o lado de Bemposta, que se encontrava em missão de reconhecimento. Entretanto, soube-se que tal força era comandada pelo Capitão Sousa Santos e que recebeu ordens para recolher à EPI.

A coluna do Regimento de Infantaria n.º 5, pelas 10H30, dá entrada no quartel, onde já se encontravam os Majores Monge e Casanova Ferreira, que os tinham abordado quando estavam entre Vila Franca de Xira e Sacavém.

Seriam estes oficiais superiores que negociariam a rendição, dos revoltosos, ao Brigadeiro Pedro Serrano, 2.º comandante da Região Militar de Tomar.

Depois de, cerca de três horas e trinta minutos, as forças rendem-se. São abertos os portões e a unidade é ocupada pelas forças sitiantes.

Pelas 22H00, os oficiais do Quadro Permanente detidos no RI 5, foram transferidos para o Regimento de Artilharia Ligeira 1 (Moscavide), escoltados pela Policia Militar e Policia de Segurança Pública. Uns ficaram na enfermaria do RAL 1, enquanto outros foram transferidos para a Casa de Reclusão Militar de Lisboa, no Forte da Trafaria.

Trinta e cinco Aspirantes a Oficial Miliciano, além de Sargentos, Furriéis e Cabos Milicianos, foram conduzidos, sob detenção, para o Campo Militar de Santa Margarida, às 03h00, acusados de participação nos acontecimentos de 16 de Março, onde seriam depois interrogados pelo Tenente-Coronel Andrade e Sousa.

No dia 17 de Março de 1974 pelas 14H30, por determinação superior, todas as unidades passam à Situação de Alerta e, a partir das 15H00, a Prevenção Simples.

Cerca de quarenta dias depois, sem que o MOFA tenha baixado os braços, mas passando a ser mais discreto, é marcado o “dia D” para 25 de Abril. Das unidades que foram mencionadas no presente texto e que intervieram do lado do governo vigente, qual teria sido a sua actuação nesse dia? Vejamos quais as missões mais importantes, atribuídas a cada uma delas, no intuito de manter os objectivos, na posse dos sublevados, já intitulados “Movimento das Forças Armadas”:

À Escola Prática de Infantaria, foi atribuída a ocupação e defesa, do Aeroporto da Portela, hoje Aeroporto Humberto Delgado.

À Escola Prática de Administração Militar é atribuída a missão de tomar os Estúdios do Lumiar da RTP, e pugnar para que a emissão continuasse no ar.

Do Regimento de Lanceiros n.º 2 – Policia Militar, uma força sob o comando de um Tenente, contacta com as forças que cercam o QG-RML. Depois de uma conversa com o comandante das forças sitiantes, retira em direcção à Praça de Espanha.

O Regimento de Cavalaria n.º 7 não adere ao MFA, vindo a constituir a única unidade que, comandada pelo Brigadeiro 2.º Comandante da Região Militar de Lisboa, tenta enfrentar as forças do Capitão Salgueiro Maia, na Ribeira das Naus e Rua do Arsenal. Muitos militares desta força passam, quase de imediato para o Movimento.

Ao Batalhão de Caçadores n.º 5, foi atribuído cerco e entrada no Quartel-General da Região Militar de Lisboa, mantendo a defesa da área.

Ao Regimento de Infantaria n.º 1, com duas Companhias de Caçadores, deslocaria uma para o Forte de Caxias e, com a outra Companhia, teria a missão de proteger a residência do General Spínola.

No Regimento de Artilharia Ligeira n.º 1 tinha sido colocado, como reforço, um Pelotão de Polícia Militar, que rodava todos os dias, variando os comandantes do mesmo e, contactados não se mostraram receptivos. O Comando não aderiu, pelo que se ficaram pela neutralidade. Com a chegada ao quartel do Agrupamento November, com tropas vindas de Viseu, Aveiro e Figueira da Foz, aderiram ao MFA pelas 18 horas.

Na Escola Prática do Serviço de Material estavam, desde data não mencionada, dois carros de Combate M-47, sob o controlo directo do Ministro do Exército. Os militares da EPSM conseguiram que a neutralidade fosse garantida.

As forças da Policia de Segurança Pública e da Legião Portuguesa, não localizei qualquer actuação, mantendo-se pela “neutralidade”.

A Guarda Nacional Republicana recebeu instruções para actuar em duas situações: primeiro vindo do lado da estação de Santa Apolónia, aguardava ordens para actuar na área do Terreiro do Paço e, mais tarde, tentando cercar as forças que se encontravam no Largo do Carmo, mas retrocederam a quartéis.

A Direcção Geral de Segurança acabou por ser neutralizada pela Força de Fuzileiros do Continente, depois de ter reagido, abrindo fogo, sobre a multidão.

Odivelas, 29 de Março de 2024
José Marcelino Martins

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Nota do editor

[1] - Sobre o levantamento das Caldas em 16 de Março de 1974, vd. posts de José Martins de:


12 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25378: Consultório Militar do José Martins (76): Dia 16 de Março de 1974 - Antes do dia - Parte I

13 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25381: Consultório Militar do José Martins (77): Dia 16 de Março de 1974 - Antes do dia - Parte II

14 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25385: Consultório Militar do José Martins (78): Dia 16 de Março de 1974 - Parte III - O dia

15 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25392: Consultório Militar do José Martins (79): Dia 16 de Março de 1974 - Parte IV - O dia

16 de Abril de 2024 > Guiné 61/74 - P25395: Consultório Militar do José Martins (80): Dia 16 de Março de 1974 - Parte V - O dia

17 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25402: Consultório Militar do José Martins (81): Dia 16 de Março de 1974 - Parte VI - O dia

e
18 DE ABRIL DE 2024 > Guiné 61/74 - P25408: Consultório Militar do José Martins (82): Dia 16 de Março de 1974 - Parte VII (e última) - Os dias depois

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