A nossa Geração nasceu no período compreendido entre o início da II Guerra Mundial e poucos anos após o fim da mesma, ou seja, entre 1941 e 1953. Olhamos à distância de 70 ou 80 anos e sentimos um amor incomensurável pelos nossos pais, que nasceram no período compreendido entre o fim da Monarquia e os princípios da I República.
Enquanto miúdos, víamos o enorme sacrifício que faziam para nos subtrair a um estilo de vida de grande dificuldade que lhes era imposto pelo Estado Novo. Nessa época quase metade da população portuguesa era analfabeta, principalmente nas aldeias, sendo que – analfabeto – significava apenas não saber ler e escrever com desenvoltura, porque da vida e do trabalho os nossos pais eram mestres: aos dez anos iniciavam uma profissão, aos vinte sabiam quase tudo sobre a mesma e aos trinta eram mestres na arte que escolheram para ofício.
Para um país retrógrado como era o nosso, tal capacidade e empenho significava uma enorme riqueza, não aproveitada por um regime que mantinha pobre o seu povo e fazia da emigração, ou antes, dos dinheiros enviados pelos emigrantes, o seu pote de ouro. Porém, beneficiaram os países que acolheram a emigração, aproveitando a mão-de-obra barata depois do descalabro da II Guerra Mundial.
Por cá, o esforço e empenho dos nossos pais, também não foram aproveitados por quem tinha o dever de melhorar o nível social do país e acompanhar o desenvolvimento social da Europa do pós-guerra mundial. Aproveitamos nós - seus filhos - cada um por si e todos criamos condições para melhorar a vida de nossas famílias.
E assim aconteceu: perante cada encruzilhada que nos foi surgindo após o Serviço Militar, não tivemos grandes dúvidas em escolher um caminho, sempre com os olhos postos no exemplo de nossos pais: os que continuaram a estudar após a 4ª classe (o ensino básico era obrigatório até aos 14 anos para quem reprovava) fizeram-no com o intuito de arranjar o melhor emprego possível e os que foram trabalhar legalmente após os 14 anos de idade, fizeram-no com o mesmo propósito.
Todos melhoramos substancialmente as nossas vidas, criamos as bases para erradicar o analfabetismo e os nossos filhos têm hoje um razoável nível de vida. Parte significativa é licenciada e alguns já exibem um doutoramento.
Porém, os seus filhos – nossos netos – estão nos antípodas das gerações de seus avós e pouco sabem sobre a nossa missão enquanto Combatentes na Guerra Colonial em África. Tudo é diferente nesta Nova Geração. Aparentemente, os miúdos do Séc. XXI – aos quais designo por Geração de Cristal – têm tudo ao seu alcance, mas na realidade, perante uma encruzilhada que lhes surja pela frente, já não têm tanta certeza, como a tiveram os seus pais e avós.
É claro, que não é por culpa própria, mas sim pelas decisões políticas erradas tomadas pelas elites governantes, que a pretexto de salvar a “economia” criam dificuldades inultrapassáveis para a maioria das pessoas.
Esta nova forma de “olhar o mundo“ e geri-lo sob um conceito estritamente económico, - o mesmo que dizer, proteger interesses dos mais ricos - está a transformar a vida dos jovens em uma “caixa de Pandora”. No ensino, parte dos cursos académicos estão desajustados às necessidades do tempo actual e de pouco servem aos licenciados, que se veem obrigados a aceitar um emprego para o qual não estudaram, precários e mal remunerados.
Além da frustração que tal opção acarreta, os jovens tornam-se permeáveis aos problemas de foro psíquico e o recurso aos antidepressivos é cada vez mais frequente. Portugal é um dos países da Europa com maior prevalência do número de doenças psiquiátricas.
No primeiro semestre de 2022 os portugueses compraram perto de 10,9 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos e antidepressivos, o que representou um encargo para o Serviço Nacional de Saúde (SNS) de cerca de 32,5 milhões de euros. Em média, venderam-se mais de 59.732 embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressivos por dia, totalizando 10.871.282 nos primeiros seis meses do ano, o que representa um aumento de 4,1% face ao mesmo período de 2021 (10.439.500), segundo dados do Infarmed.
A pandemia veio acelerar este consumo, sendo que nos jovens se verificou o maior aumento.
Ao prosseguir nesta forma de “olhar o mundo”, ou seja, sob orientação puramente económica, chegaremos a 2030 com uma juventude sem perspectivas quanto ao futuro, com um curriculum académico puramente administrativo que pouco serve, sem emprego ou com emprego mal pago, insuficiente para fazer face à vida.
Chegados aqui, teremos a Geração de Cristal transformada na “Geração dos Nem Nem” ou seja, Nem estudam, Nem trabalham, porque mais vale viver de subsídios. Se isto não for corrigido, a geração dos nossos netos será confrontada com um recuo civilizacional de um século e chegará ao tempo da Monarquia.
2. É muito importante que falemos aos nossos netos. É muito importante que lhes expliquemos, porque motivo existe, desde o 25 de Abril, um esforço da parte dos governantes em ignorar os Combatentes e se possível, fazer deles, cidadãos Proscritos ou seja, banidos da História de Portugal.
3. Este esforço tem sido feito por todos os governos com maior ou menor disfarce e todos comungam do mesmo objectivo: passar em branco as páginas da História da Guerra Colonial e nela, a dos Combatentes.
4. Cabe-nos, não permitir que tal objectivo tenha sucesso. Como fazer isso? Escrever. Escrever muito sobre nós, Combatentes.
5. Porque o tempo não pára e porque estamos confrontados com a verdade inquestionável da idade, deparamos com uma nova e derradeira encruzilhada: escrever sobre nós, utilizar as redes sociais falando sobre nós, porque no ensino escolar ninguém o faz.
6. Os nossos filhos também não, porque ao longo da vida familiar pouco falamos sobre a nossa presença em África, absorvidos que estávamos – tal como os nossos pais – a trabalhar para lhes dar um nível social melhor do que o nosso.
7. Entre nós falamos muito, facto que por vezes causava espanto aos nossos familiares, quando nos acompanhavam aos Encontros Anuais e encontros de ocasião.
8. Mas devemos falar mais, porque o tempo urge. Seremos hoje cerca de 250 mil, número com algum impacto, se unidos, coisa complicada num país que se uniu para derrubar o Estado Novo, mas logo se dividiu nas artimanhas dos políticos.
9. Porque, parte significativa de nós anda entre os 70 e 80 anos – os mais velhos já ultrapassaram este limite – daqui a 10 anos seremos talvez, menos de 50 mil, porque segundo as estatísticas é na idade dos 80 em diante que morre mais gente. Não fugiremos a esta realidade, até porque em cima de nós vieram algumas mazelas que nos causaram desgaste físico e psíquico.
10. De abril de 74 para cá, temos andado divididos entre religião, futebol e política. Tem sido este o desenho bem aproveitado pelos políticos, que sabem que quem não tem potencial para fazer lóbi, fica irremediavelmente para trás. E assim tem acontecido e acontece com os Antigos Combatentes, disfarçado com esmolas que “desarmam” alguns.
11. Se nos achamos injustiçados e entendemos fazer alguma coisa, está na hora de encontrar o caminho, porque o tempo urge e já não teremos outra encruzilhada pela frente. Esta será a última das nossas vidas.
• Quanto à pergunta, PORQUE NOS TORNARAM PROSCRITOS?
A resposta é fácil: depois de manipuladas e arregimentadas as gerações que fizeram a Guerra Colonial e, por consequência, a divisão do grupo de Capitães/Combatentes, que se tinham unido para derrubar o Estado Novo, nenhum dos governantes conheceu a guerra colonial portuguesa em África.
Um abraço a todos Combatentes.
Angelino dos Santos Silva
Combatente na Guerra Colonial Portuguesa na Guiné-Bissau