Caros amigos,
Este testemunho de um guerrilheiro que participou na batalha de Como ajuda-nos a compreender um pouco como as coisas se passaram, visto do outro lado, mesmo se ainda continua coberto com uma pequena áurea da mitologia de glorificação das suas acções com que o PAIGC quis cobrir estes acontecimentos do início da guerra na Guiné que foi, de facto, nada mais nada menos que uma das maiores operações militares da chamada guerra do Ultramar português.
De certa forma está pequena crónica simboliza uma justa e sentida homenagem ao enorme sacrifício consentido pelo povo Balanta (Brassa) que, de forma insensata foi quase que empurrada para os braços do PAIGC pelo comportamento pouco prudente das chefias militares portuguesas presentes no terreno nos primeiros anos da guerra aqui contados pelo veterano CMD Amadú Bailo Djaló no seu livro aquando da sua passagem por Bedanda que não souberam gerir da melhor forma os dilemas e as relutâncias em que viviam estas comunidades, apanhadas entre dois fogos.
No mesmo período, no Norte e Nordeste, também acontecia a mesma coisa, com a diferença de que, também os guerrilheiros, perante a recusa de adesão da população à sua causa, sobretudo do povo Fula, estando posicionados maioritariamente do lado português, eram vítimas de actos semelhantes, quando não era a tropa a roubar e matar o gado encontrado no mato.
Quanto ao termo "Brassa" como os Balantas se auto-denominam, na verdade, trata-se da denominação histórica de uma grande área geográfica que correspondia à província mandinga de Braço, B'raço ou Brassu. Ao império mandinga de Kaabu ou Gabú correspondiam duas províncias ou Farinados governados por um Farim (donde vem a designação da cidade de mesmo nome no rio Cacheu): A de Gabú (Farin-Kabu) e a de (Farin-B'rassu). Dito isso, não é de estranhar que hajam outros povos que viviam na mesma área geográfica também se considerarem como sendo de "B'rassu" ou, como dizem os nossos irmãos Balanta "Brassa". Assim, durante muito tempo, no império mandinga de Gabú, os residentes da província de Gabú eram os chamados "Kaabunkês" e da outra província de "B'rassunkês", termo que assim designava não um grupo étnico em si, mas todos os grupos ali residentes sem excepção, de tal maneira que dentro dos grandes grupos étnicos existiam estas divisões consagradas inclusive numa certa forma de falar (sotaque) que se distinguia claramente da outra província (línguas regionais). No caso do grupo Fula essa distinção ainda hoje é vivida em forma gracejos. Portanto, para dizer aos nossos irmãos Balanta, também nós somos "B'rassa" no sentido geográfico e étno-linguistico.
E eu, toda a nossa família assim como o regulado de Sancorla que constitui a herança de muitas gerações dos nossos antepassados que conviveram e trabalharam sob a dominação imperial dos Farinados mandingas do histórico Braço ou B'rassu, território que se estendia desde o rio Cacheu até às margens do rio Gâmbia, são B'rassunkês ou se quiserem "Brassas".
O nome do meu pai é Tambá que ele herdou do passado e que hoje, na Guiné-Bissau, é reconhecido como um nome tipicamente Balanta, mas que, na verdade, é de raízes mais profundas ou seja do grupo Banhum (em francês Baynunk) que, antes dos mandingas, dominava toda esta área geográfica e grande parte do espaço territorial entre a actual GBissau, a região de Casamansa no Senegal e a Gâmbia.
Tudo isso para dizer que na África Ocidental, a mestiçagem era uma prática corrente e tudo girava a volta do poder e de quem a controlava em benefício de todas as comunidades. No grande Braço ou B'rassu conviviam diferentes comunidades. A par dos mandingas que, na altura, detinham o poder, viviam Banhuns, Padjadincas, Kocolis, Balantas, Biafadas, Fulas, entre outros que, necessariamente, interagiam em diferentes domínios, inclusive no das relações matrimoniais e de consanguinidade.
Convinha a eles e a todos nós guineenses, que pesquisássemos mais ao fundo e assim trazer ao de cima os aspectos que nos uniam no passado e desta forma melhorarmos a nossa convivência actual a fim de construirmos um país onde todos possam viver e trabalhar em paz em vez de criarmos guetos tribais que perpetuam as nossas diferenças e as nossas querelas nos períodos mais recentes.
A este propósito e nesta mesma senda, propunha a mudança da designação do Blogue "Intelectuais Balantas na diáspora..." Para Blogue dos "Intelectuais Guineenses na diáspora..." que, no fundo, é a mesma coisa, mas seria mais abrangente, podendo incluir outras visões e ideários sobre o mesmo país e outras verdades que, também, não deixam de o ser.
Bem hajam
Cherno Baldé
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ORIGEM E SIGNIFICADO DO NOME SANCORLA
"(...) Tudo leva a pensar que o nome Sancorla (da grafia portuguesa) vem da palavra Soncoya ou Sonkoya que significa terra dos Sonco ou Sonko. Segundo Djibril Tamsir Niane (Guiné-Concri), investigador e especialista do império mandinga de Gabu, na origem, Sancorla podia ser Sonkolla, quer dizer, terra ou território pertencente à dinastia dos “Sonco/Sonko”, príncipes de origem diversa mas assimilados à cultura mandinga que governavam esta Província mestiça de Birassu/ B’rassu (para mandingas e fulas), Brassá/Brazza (para os balantas) no período áureo do império de Gabú ou Káabu. Ainda, segundo Djibril Tamsir Niane a Provincia de Sonkolla era o domínio do clã Sonko, originários de uma miscigenação de autóctones Banhuns mandiguizados com grupos de fulas pastores vindos de Mali (Macina) e de Boundu (Senegal) que, em ligação com as províncias mandingas iniciais de Gabu - (províncias Nanthiôs de Pathiana/Propana, Djimara e Sama/Manna), formaram as províncias designadas pelo termo mandinga de Kôring (ou seja de origem não mandinga) de Birassu/Brassu (Farin-Ba) de que a região de Sonkolla seria parte integrante, se não mesmo o seu centro. Ainda segundo Tamsir Niane (citando Sekéné Mody Cissoko), o nome de “Farinsangul” na historiografia portuguesa (reinado de D. Joao I), seria a deformação de Farin-Sonkolla, em referência ao poderoso governador de Soncolla em Berécolon.
No séc. XV, os chefes (Farins) de Sonkolla, província habitada por uma população mista e belicosa, se extenderam a Oeste e fundaram muitas aldeias entre as quais Salikénie (situado na fronteira entre o Sénégal e a Guiné-Bissau perto de Cambaju) , Solikoo (em português Solucocum, também na linha da fronteira entre Cambaju e Sitatô), Bantadjam (Bantandjan) e Kagnamina (Canhámina, actual capital do Régulado de Sancorla).**
A capital da província, Bérécolong (Berecolón), situada a norte da actual vila de Fajonquito, onde residiam os chefes da província (Farim) e que desempenhavam um papel preponderante nas relações entre o poder central do império de Mali e o reino de Portugal em meados dos séc. XIV/XV, é uma localidade tão antiga como a velha Kansala, capital do império mandinga de Kaabu, diz-nos Tamsir Niane."
Com um braço amigo,
Cherno Baldé
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(*) - Vd poste de 25 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23736: Casos: a verdade sobre... (31): Pansau Na Isna, o "herói do Como" (1938 - 1970), entre o mito e a realidade - Parte II: Visto do lado de lá
Último poste da série de 25 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23738: (Ex)citações (418): Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos" (Victor Costa, ex-Fur Mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)