1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 18 de Dezembro de 2018:
Queridos amigos,
A cooperação da Fundação Calouste Gulbenkian com a Guiné vem desde o Estado Novo, assenta em dois eixos principais: educação e saúde. A Gulbenkian ajuda a capacitar bibliotecários arquivistas, profissionais de comunicação social, dá bolsas a professores e na saúde promove um vasto leque de programas que vão desde o hospital ao ambulatório. Rui Vilar convidou a jornalistas Maria João Avillez a fazer o périplo das antigas colónias portuguesas de África, é uma reportagem onde se dá conta de que a Gulbenkian aposta numa cooperação que visa preparação de gente autónoma, também na prevenção da doença e na promoção da saúde. A guerra civil de 1998-1999 destruiu equipamentos e infraestruturas que a Gulbenkian contribuiu para reabilitar, caso do INEP, e ajuda a melhorar as instalações de um dos mais lindos projetos, o da Cumura, com o objetivo de tratar quem sofre da lepra.
Um abraço do
Mário
"África Dentro", por Maria João Avillez (1)
Beja Santos
África Dentro, por Maria João Avillez, Texto Editores, 2010, é uma avaliação em jeito de reportagem da intervenção da Fundação Calouste Gulbenkian nas cinco ex-colónias portuguesas de África. A Gulbenkian pretendia uma reportagem captada pelo olhar de uma jornalista. Foi isso que aconteceu. Vamos falar da Guiné-Bissau, onde a Gulbenkian privilegia dois polos de cooperação, na educação e na saúde.
A jornalista não pisava aquele solo há quarenta anos, solo de desamparos, como escreve, onde há um povo que os deuses parecem ter esquecido e onde tudo parece apontar para que o viandante se sinta desencorajado. Mas há o feitiço florestal, algo de genesíaco a prender-nos, e quem observa todas as dificuldades rende-se à beleza: “É certo que há as mais belas mangueiras de África, agora despontando em exuberantes cachos de flores rosadas, e os cajueiros incessantemente debruando estradas e caminhos, à beira dos braços de mar que molham o solo; há a pedra dos edifícios em estilo ‘colonial’, arruinadas memórias de um tempo que não voltará, mas encontrei aqui quem gostava que ele voltasse. Há uma cidade capital de geometria amável, feita de avenidas longas e de alguns cantos e recantos que conservam um visto de harmonia, há os hibiscos e as acácias que tentam, em vão, redimir Bissau da decadência que a vai afogando. E há ao longe, à beira-mar – desse mar que da cidade estranhamente quase nunca se avista –, o que resta hoje da fortaleza de São José da Amura e seus baluartes, fortificação tantas vezes feita e desfeita ao longo dos tempos”.
A visita começa no INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisa, era ao tempo seu diretor Mamadou Jau. Apresenta o INEP e os seus setores de investigação, biblioteca e arquivos. O INEP ainda não estava recomposto do vandalismo da guerra civil, tinha recebido, no ato fundador, todo o acervo do Centro de Estudos da Guiné Portuguesa e o espólio do Museu da Guiné. Esse acervo foi consumido entre 60 a 70% no conflito militar de 1998-1999. A Gulbenkian deu apoio estratégico, concedeu fundos para aquisição de materiais, ofereceu livros, financiou formação a nível de bibliotecários, arquivistas, secretariado. E passa-se para o projeto da Faculdade de Direito de Bissau, tudo se iniciara na década de 1990, assinara-se um protocolo de cooperação entre Portugal e a República da Guiné-Bissau na área jurídica, assim surgiu a Faculdade de Direito de Bissau. A Fundação Gulbenkian é uma associada, estabeleceu uma parceria de atuação, apoio à realização de ações de formação/especialização para professores guineenses em Portugal, estágios de investigação na Faculdade de Direito de Lisboa. Registou números do corpo docente e discente, constatou o empenho da Faculdade de Direito de Lisboa, tomou nota das publicações, não havia nenhuma edição do Código Civil antes da existência da Faculdade de Direito, a Fundação Gulbenkian ajudou a publicar um conjunto de compilações e ficamos a saber que ao nível de 2010 uma parte muito significativa do Direito que rege a Guiné-Bissau (entre 50 a 60%), continua a ser o Direito português.
Mas há mais, releve-se a importância da Fundação Evangelização e Culturas (FEC) e a Escola António José de Sousa, uma escola com maiúscula. A FEC é uma plataforma informal de entidades de voluntariado missionário, dá apoio à educação e à comunicação social, é um trabalho disseminado por todo o país, a partir de 2001, começou em Mansoa, apareceram depois as escolas solidárias, os centros de desenvolvimento educativo, estes visam o acesso a recursos pedagógicos, literários e de informação e informática para as povoações locais, há mesmo o programa ‘Andorinha’, uma aposta radiofónica do ensino da língua portuguesa através da rádio.
E o roteiro da educação a que se associa a Fundação Gulbenkian na Guiné-Bissau termina numa escola dirigida por franciscanos, tem à sua frente Frei Paulo. No ano letivo de 2007-08 a Escola António José de Sousa estava no top do ranking do Ministério da Educação, é a escola mais conceituada do país, é popularmente conhecida como a escola dos padres. A Gulbenkian ofereceu cadeiras, carteiras, quadros, a jornalista visita a biblioteca, as instalações da escola e comenta: “Ensina-se aqui o ciclo primário, com aulas da 1.ª à 4.ª classes, num universo de quase 500 alunos, rapazes e raparigas, distribuídos por 16 turmas. Dentro das classes, silêncio, ordem, disciplina. Do desenho do giz na lousa vão nascendo algarismos destinados a ilustrar somas e subtrações, seguidas por dezenas de pares de olhos redondos de atenção”. E daqui parte-se para os projetos ligados à saúde, são variados e, sem exagero, emocionantes.
(continua)
Biblioteca Pública do INEP.
Escola António José de Sousa, Bissau.
____________Nota do editor
Último poste da série de 14 DE JANEIRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P22906: Notas de leitura (1409): Diário da Companhia da Loira & Zorba, por Manuel Neves Fonseca; Projecto Foco, 2020 (Mário Beja Santos)
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