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sábado, 19 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P27033: Os nossos seres, saberes e lazeres (690): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (213): Uma deriva no Atlântico, a flamejante, trepidante, contemporaneidade na Arte (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio 2025:

Queridos amigos,
Trata-se de uma exposição permanente a ver no Centro Cultural de Belém, mas apresentada como exposição permanente em permanente transformação, fala-se no Atlântico, sobretudo a partir dos meados do século XX, verdadeiramente um espaço de trânsitos e exílios. Um dos aspetos marcantes da exposição é pôr o confronto entre os artistas portugueses e os demais, gera no visitante uma tremenda inquietação, parece que foi deliberado dar saltos cronológicos, obrigar o visitante a ir atrás , à procura de amarras nesta deriva que mete pintura, escultura, desenho, instalação e artes gráficas, é um percurso em ciclorama, para não nos esquecermos que na arte estão plasmadas as transformações sociais, artísticas e tecnológicas. Exposição a não perder, prometo que não haverá deceções com a altíssima qualidade da apresentação destas belíssimas obras de arte.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (213):
Uma deriva no Atlântico, a flamejante, trepidante, contemporaneidade na Arte


Mário Beja Santos

Mais do que um espetáculo para os sentidos e um desfrute estético, a exposição Uma Deriva Atlântica. As artes do século XX a partir da Coleção Berardo, tendo como curadora Núria Enguita, diretora artística do Museu da Arte Contemporânea e Centro de Arquitetura do Centro Cultural de Belém implicam o visitante a procurar permanentemente as ligações num tremendo caleidoscópico de obras de arte, apercebendo-se rapidamente que a cronologia dos movimentos artísticos de toda esta plástica é coisa inexistente. Aliás, como se pode ler na abertura da exposição, temos aqui um arco temporal de 1909 a 1977, há como que uma provocação ou um desafio, a exposição tende a desarrumar ideias feitas, pois dissocia as referências e as formas artísticas: “Segue uma cronologia inconstante, mostrando ligações e confrontos entre as margens europeia e americana para indicar possíveis relações e derivas por vezes esquecidas ou ausentes da história de arte. Enquanto remontagem da coleção permanente, Uma deriva atlântica apresenta uma seleção de artistas portugueses e internacionais, entre pintura, escultura, desenho, instalação e artes gráficas, assim se exprime a arte na história do mundo e se mostra a modernidade enquanto eclosão múltipla de importantes transformações sociais, artísticas e tecnológicas".

Há momentos em que nos sentimos numa sala de espelhos, entre Picasso e Amadeo de Souza-Cardoso, Lourdes Castro e Marcel Duchamp, Lucio Fontana e Ana Hatherly. Num total de 170 artistas, é um percurso que começa antes da Primeira Guerra Mundial e se estende até à descolonização da década de 1970. A exposição só foi possível com o concurso de várias coleções em depósito e com obras emprestadas. É, no mínimo, uma apreciação original entre o que de mais incendiário se produziu na Europa e na América do Norte, ficamos perplexos com esta viagem das ideias estéticas, os trânsitos e os exílios, as novas afinidades geopolíticas, tudo como tendo berçário aquela Paris de cubistas, expressionistas, futuristas. Importa não esquecer que Amadeo de Souza-Cardoso, antes da guerra, expôs em Chicago, conjuntamente com alguns dos nomes mais sonantes das artes plásticas do seu tempo. Sugiro ao leitor que não perca esta exposição.

Não há que enganar, é um mobile de Alexander Calder, conheci esta obra de arte quando a Coleção Berardo assentou arraiais no antigo Casino de Sintra, a partir daí não o perdi de vista.
Sem título (Ponte), de Amadeo Souza-Cardoso, c. 1914. Observo a José-Augusto França que o melhor do génio do pinto de Manhufe se situa entre 1916 e 1917, mas olhando esta ponte persente-se o gérmen cubista, que ele soube tratar de uma forma muito singular.
Obras de Lyubov Popova.
No panorama artístico russo do começo do século XX, Lyobov Popova destaca-se pela procura de um vocabulário artístico que respondesse aos princípios do construtivismo a partir da pintura. Para Popova, a construção pictórica, entendida como “composição” de planos, era precursora da verdadeira construção tridimensional. Nas suas pinturas e colagens, mas também no trabalho em design têxtil, abordou a forma geométrica através do dinamismo e contraste que é criado pelas inter-relações entre formas semelhantes ou diferentes.
Tête de femme, por Pablo Picasso, 1909.
Tête de femme é um exemplo claro dos estudos que Pablo Picasso fez na procura da representação de tridimensionalidade por meios pictóricos, dando a ver diferentes perspetivas ao mesmo tempo. Aqui é possível observar múltiplas facetas que definem a cabeça da figura feminina, bem como um uso da cor e do traço que vinca e fragmenta superfícies. As zonas distintas que compõem o rosto e a definição dos seios compõem formas geométricas nítidas, constituindo uma espécie de grelha que se permite ao artista concentrar a sua atenção na estruturação formal do espaço, construída a partir da sobreposição de vários planos.
La petite, de Eduardo Viana, 1916.
É uma das personalidades mais apaixonantes do modernismo português, simultaneamente atraído por formas novas, tratando na sua pintura quer temas populares, mostrando em retratos a verdade do retratado, os seus nus opulentos foram um ponto de partida para essa longa viagem da desconstrução da figura.
Autorretrato, de Sonia Delaunay, 1916.
Apaixonou-se por Portugal, tal como o marido, Robert Delaunay, ele é sempre tratado como artista mais inovador do que ela, mas estes discos encantatórios, esta vibração da cor, são lhe muito próprios, vê-se e prontamente se diz: é da Sonia, não pode ser de outra pessoa.
Composição (amarelo, preto, azul, vermelho e cinzento), por Piet Mondrian, 1923. Temos poucos quadros deste gigante da pintura mundial, quando procuro deliciar-me com a trajetória de Picasso, Matisse e Mondrian, o meu coração balança, é fascinante tudo o que este holandês produziu, cedo remexeu nas formas e abandonou o figurativismo, viveu entusiasmado com a associação entre a arte e a arquitetura e nos últimos anos da sua vida injetou na telas estes quadrados de código labiríntico.
O abismo prateado, por René Magritte, 1926. Não há surrealista como ele, ponto final.
Hospital de bonecas, por Fernando Lemos, 1949-1952. Lemos ficará na história da arte portuguesa como um fotógrafo surrealista ímpar.
Conchas flores, por Max Ernst, 1929. Sim, é um dos génios do surrealismo, mas pôde gabar-se de tudo ter procurado experimentar, desde a fulgência das cores até ao imprevisto das formas, obriga-nos a interrogar onde está a concha ou se esta não passa de um botão de flor naquele enigmático fundo de horizonte.
O poeta diverte-se, ou o poeta e a sua musa, por Mário Botas, 1978. Ainda bem que os organizadores da exposição se lembraram desta figura invulgar do surrealismo português, olho para estas figuras e só vejo tormento, Botas era médico e não tinha ilusões da doença devastadora que o liquidou. Para esta inolvidável exposição escolhi o Botas e esta sua forma de olhar a vida e do destino que lhe coube.
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Nota do editor

Último post da série de 13 de julho de 2025 > Guiné 61/74 - P27013: Os nossos seres, saberes e lazeres (689): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (212): Um dia na rota da cereja, Fundão e Castelo Novo (Mário Beja Santos)

sábado, 5 de julho de 2025

Guiné 61/74 - P26986: Os nossos seres, saberes e lazeres (688): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (211): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 17 de Abril 2025:

Queridos amigos,
Cônscio de que há para aqui um certo percurso errático, entendi que devia vir um pouco atrás, ao século XIX, onde efetivamente começa o acervo permanente do museu e daí mostrar aquela bela parede onde se expõe o retrato, manifestação capital do século XIX para o século XX; sem perda de demora passei por dois modernismos para preparar o cenário que irá conduzir às alterações das décadas de 1960 a 1980. Vejo-me aflito quando chego às últimas salas do acervo permanente, desentendo-me com câmaras escuras e coisas parecidas, a minha fronteira é aquele João Tabarra, por ironia a fotografia foi vista, durante gerações, pelos estetas como uma arte bonitinha mas que devia ocupar um espaço à parte, os Eduardo Gageiro, Victor Palla ou Gérard Castello-Lopes que fiquem no arquivo fotográfico, não tem direito a competir com as artes plásticas, abre-se uma exceção para o Jorge Molder, escusam de me perguntar porquê. Tudo somado, é indispensável vir até este acervo permanente, tem uma leitura, um discurso pedagógico, que nos faz entender a palpitante viagem que começou em 1910. Portanto, uma visita obrigatória.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (211):
Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 2


Mário Beja Santos

Recapitulando, era diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea Emília Ferreira e procedeu-se à reformulação do chamado acervo permanente, que isto dizer que o visitante do museu tem sempre em exposição um histórico do seu património, independentemente de exposições que estejam a acontecer. Entra-se no museu e a partir da Sala dos Fornos tem-se uma mostra do que melhor do século XIX o museu conserva, não faltam os românticos, os naturalistas, e assim caminhamos para a transição que será trazida pelos chamados modernistas.

Quem concebeu a exposição teve a feliz ideia de pôr de alto a baixo a parede de mudança de piso o chamado encontro de gerações, ali pontifica o retrato. Como escreve uma das responsáveis pela exposição, Maria de Aires Silveira temos ali mestres académicos, registos de elegância mundana, a densidade do retrato camoniano, assim se chega a Columbano, ali podemos ver o retrato de Teixeira de Pascoais, também está presente mestre Malhoa. E refere esta conservadora que por 1910 o autor portuense António Carneiro introduz a modernidade através da pintura Noturno, que aqui mostrámos no texto anterior. É igualmente nesta época que irrompem as ruturas com o academismo no século XIX. Percorremos essa sequência histórica de autores que vão desde a primeira geração modernista até ao neorrealismo e surrealismo, não esquecendo, porém, que em plena década de 1940 Fernando Lanhas abre caminho ao abstracionismo. É dentro desta recapitulação que pretendo repescar artistas de mérito até à transição que vai ocorrer a partir dos anos 1960. Veja-se Júlio dos Reis Pereira que usou de um traço e de um contexto grotesco, deliberadamente ingénuo, e numa atmosfera estética singular, isto numa época em que as artes plásticas se modernizavam mas dentro de um figurativismo que mantinha as regras do equilíbrio do traço.

O pescador de sereias, por Júlio dos Reis Pereira, 1929
Sabat – Dança de roda, António Pedro, 1936

António Pedro trilhou o surrealismo, figura polifacetada, homem de teatro, escritor de relevo. Fez objetos, escultura, cerâmica, galerista. Num tempo em que Leal da Câmara fora grande desenhador de humor em Paris e Amadeo Souza-Cardoso ganhara notoriedade internacional, em 1935, em Paris, Pedro assinou um manifesto ao lado de alguns dos nomes mais sonantes do tempo como Marcel Duchamp, Delaunay, Kandinsky, Miró, Picabia, Arp e Calder. No tempo da Exposição do Mundo Português, de 1940, era inaugurada no Chiado uma exposição por ele organizada, exposição surrealizante, ele, António Dacosta e a escultora inglesa Pamela Boden. Temos aqui neste Sabat - Dança de roda quatro corpos ou troncos, cruzam-se num espaço, envolvendo braços e seios e as quatro cabeças calvas fixam-nos em espanto. Quadro de uma grande violência carnal, como observará José-Augusto França.
Cais 44, Fernando Lanhas, 1943-1944

Ainda não sabia, mas era uma revolução silenciosa, nada de figuras, linhas geometrizantes, mas, para desconforto do espírito académico e mesmo dos modernistas havia nesta conjugação de cores uma luminescência que era impossível refutar não se tratar de uma grande arte.
Sombra projetada de René Bertholo, Lourdes Castro, 1964

Estamos a entrar numa nova era, o neorrealismo deu sinais de esgotamento, o próprio surrealismo segue um caminho autónomo e algo de profundo iria acontecer com as bolsas da Fundação Calouste Gulbenkian, ir-se-ão impondo novos nomes, caso de Lourdes Castro, Helena Almeida, Bartolomeu Cid, Sá Nogueira, uns motivados pelos temas da sociedade de consumo, outros experimentando o uso da sua própria figura como modelo dentro da obra, será o caso de Helena Almeida como mais tarde Jorge Molder. O fundamental a reter é que a partir de agora a abertura a outras estéticas não será tão demorada como no princípio do século, isso ver-se-á nos trabalhos de Paula Rego ou de Menez. O museu pode orgulhar-se de ter obras de grande significado destas gerações, como abaixo se exemplifica.
A Noiva, por Paula Rego, 1972
Sem título, Menez, 1985
Sem título, João Vieira, 1972
Da série TV, Jorge Molder, 1995
This is not a drill (No Pain No Gain), João Tabarra, 1999

As artes plásticas, como é óbvio, não estavam nem ficaram insensíveis seja à erupção de novos meios de comunicação e ao aproveitamento de novas tecnologias. A fotografia voltou a ganhar estatuto de nobreza, as instalações, as performances entraram na ordem do dia, de algum modo já tinha sido assim com o Op, a arte cinética, mas a dimensão tecnológica foi tão avassaladora que trouxe uma alteração profunda aos conceitos estéticos. Isto para já não falar nos aparatos espetaculares como o uso de detritos humanos, materiais da construção civil, etc.
Não sei para onde caminhamos, a minha fronteira do gosto acaba aqui.

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Nota do editor

Último post da série de 28 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26966: Os nossos seres, saberes e lazeres (687): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 28 de junho de 2025

Guiné 61/74 - P26966: Os nossos seres, saberes e lazeres (687): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210): Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Março 2025:

Queridos amigos,
Era então diretora do Museu Nacional de Arte Contemporânea a Emília Ferreira e deu-se um refrescamento do acervo permanente, diga-se de passagem que é riquíssimo, não há um outro referencial como este. Sendo vasto o acervo, fui primeiro cumprimentar mestre Columbano, ele está, de algum modo, no encerramento de uma época, mesmo dando alguns indícios que se predispunha a colaborar na rutura. O seu retrato de Antero de Quental é arrepiante, é um fim da Pátria. Entramos depois nos sinais de alvorada, nos percursos da modernidade, Almada e Amadeo, Viana e Eloy são nomes irrecusáveis, mas temos Canto da Maya na escultura e vai abrir-se espaço para dois movimentos, o neorrealismo e o surrealismo, mestre Pomar tem o ícone neorrealista no Gadanheiro e vão-se impôr vários nomes no surrealismo, curioso este fenómeno das artes plásticas que se prolonga até ao nosso tempo. Ainda recentemente anunciaram o último surrealista, um senhor desconhecido que vive lá para as Américas, isto quando verdadeiramente está vivo e a trabalhar Raúl Perez, de quem ninguém fala e é um grande artista. Caprichos ou tiranias dos críticos de arte...

Um abraço do
Mário


Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (210):
Visita ao novo acervo permanente no Museu Nacional de Arte Contemporânea – 1

Mário Beja Santos

O Museu Nacional de Arte Contemporânea alterou recentemente o seu acervo permanente. Digamos que o visitante tem tudo a ganhar com a compreensão dos objetos da rutura. O modernismo anuncia-se no início da década de 1910, digamos que tardiamente se pensarmos que o cubismo já está em movimento, sob a égide de Picasso e Braque. Chegaram artistas de Paris, como Francis Smith ou Emmerico Nunes, já estão a revolucionar o naturalismo, mas os nomes prestigiados da pintura dão pelo nome de Columbano, Malhoa, Carlos Reis ou Marques de Oliveira. Ainda ninguém conhece Amadeo em Portugal. De acordo com os historiadores de arte, a rutura põe-se em movimento com a Exposição Livre de 1911 e I Exposição dos Humoristas de 1912. Há nomes que começam a ganhar prestígio, Almada, Jorge Barradas, Leal da Câmara, um desenhador de humor consagrado em Paris.

É durante a guerra que se dá uma animação nas Letras e nas Artes Plásticas, basta pensar no Orpheu, em Pessoa e Sá Carneiro, Santa Rita, Eduardo Viana. Amadeo expõe no Porto e em Lisboa, não é verdadeiramente apreciado; o futurismo é o movimento efémero. A década de 1920 dá um salto com modernistas que não rejeitam as artes gráficas, caso de Viana, Almada, Bernardo Marques, António Soares, Stuart, mais tarde Carlos Botelho, António Ferro irá pedir-lhes a sua colaboração para a chamada política do espírito, que dominará a paisagem das artes até ao fim da Segunda Guerra. Eduardo Viana é um desses pintores marcantes da época, como Mário Eloy, que criou personagens grotescas e inquietantes, cores que fogem à realidade, tudo com elevado sentido expressionista.

A escultura parecia desaparecida depois de Machado de Castro, surge Canto da Maya. E assim chegamos aos movimentos dos anos 1940. No mesmo ano em que abre a Exposição do Mundo Português, António Pedro promove uma exposição onde apresentava pintura surrealista. Vai emergir o abstracionismo, caso da pintura de Fernando Lanhas, ainda durante a Segunda Guerra. E imediatamente depois vão entrar num quase confronto dois movimentos de alto significado, o neorrealismo e o surrealismo. E Almada Negreiros deixa os seus trípticos nas gares marítimas, vai buscar temas míticos e populares, varinas e a nau Catrineta, cenas de circo e as despedidas dos emigrantes, um governante do Estado Novo dirá apoplético que era preciso retirar dali aqueles mamarrachos, o que diriam os estrangeiros daquela rusticidade e provincianismo? Mas antes de entrarmos em ruturas, mostre-se duas obras-primas do naturalismo, de mestre Columbano, depois sim, virá a rutura. Iremos fazer a viagem até ao surrealismo, mais adiante prosseguiremos.

O Grupo do Leão, pintura de Columbano Bordalo Pinheiro. Obra capital da pintura portuguesa do século XIX, por analogia é uma mostra de um coletivo de artistas, jornalistas e escritores que nos remete para uma atmosfera de ilustração social que oferecem Os Painéis de S. Vicente, atribuídos a Nuno Gonçalves. Naquele período da monarquia constitucional em que alguns intelectuais procuram explicar razões para a decadência do país, temos aqui um grupo folgazão, nada parecido com Os Vencidos da Vida, estão nele representados, entre outros, Cristino da Silva, Columbano, Silva Porto, António Ramalho e Rafael Bordalo Pinheiro. O quadro data de 1885, D. Carlos é o rei, já houve o Ultimatum, esta galeria de retratos já não cabe no romantismo, obedece às regras do academismo, mas é percetível o anúncio de uma rotura nas correntes estéticas vigentes.
Antero de Quental, pintado por Columbano, 1889. Os historiadores de arte reconhecem nesta tela uma alteração substancial na técnica de Columbano, mas o fundamental, para mim, é a mensagem que transparece naquele rosto em desânimo, é como se anunciasse uma Pátria em afundamento, e o poeta-pensador-ativista político não sabe qual a melhor saída.
A visita que me traz a este museu é para apreciar o novo olhar sobre a rutura moderna, como, ainda no interior do academismo – naturalismo, vão brotar os sinais do modernismo, no desenho e na pintura, em gente que foi a Paris, como Amadeo ou Eduardo Viana, aqui em Portugal, Almada ou Jorge Barrada. Há quem lhe chame a 1.ª geração do modernismo; seguir-se-á outra, onde irão confluir contestações, lembranças do expressionismo, e depois o neorrealismo e o surrealismo. O que fundamentalmente pretendo aqui deixar ilustrado é ver o que se passou entre 1911 e os anos 1950. A quem estiver interessado, peço a leitura desta síntese apresentada pela conservadora Maria de Aires Silveira.
Nocturno, por António Carneiro, 1910, porventura o primeiro sinal da modernidade. Como se lê na legenda: “Esta paisagem silenciosa, onde apenas se pressente a presença humana pela pontuação de manchas de luz, cria conversas sentimentais com o quadro Interior, de Aurélia de Sousa. É igualmente nesta década que irrompem as ruturas com o academismo do século XIX.”
Janela, Amadeo de Souza-Cardoso, 1916. Há vários Amadeo dentro de Amadeo, ele regressa a Portugal por razões da guerra, trabalha incessantemente em Manhufe, dá-se uma evolução, todo o seu cromatismo se vai depurando e simplificando, ainda há sinais da sua ligação ao cubo-expressionismo, mas o que se sente em obras tão simples como esta é que ele era um vanguardista original, o seu nome e a sua obra aparecerão ligados a exposições que deram brado antes da guerra.
Paisagem tropical – S. Tomé, por Jorge Barradas, 1931
Adão e Eva, pelo escultor Ernesto Canto da Maya, 1929-39
João Hogan, Carlos Botelho e muito, muito Almada Negreiros. Transição da década de 1930 para 1940, estão aqui alguns dos elementos de uma das obras fundamentais de Almada, os frescos das gares marítimas de Alcântara e da Rocha do Conde de Óbitos, meados da década de 1940.
Quadros de Mário Eloy, incluindo dois autorretratos
Gadanheiro, por Júlio Pomar, 1945
A chegada do surrealismo, dois quadros de Marcelino Vespeira
Aurora hiante, por Cândido da Costa Pinto, 1942
La voie sauvage des songes, por Mário Cesariny, 1947

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 21 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26944: Os nossos seres, saberes e lazeres (686): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (209): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 9 (Mário Beja Santos)

quinta-feira, 8 de julho de 2021

Guiné 61/74 - P22351: Agenda Cultural (774): A segunda decoração d’A Brasileira: Lembranças de José-Augusto França e de bela azulejaria no Corpo Santo, ao Cais do Sodré (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 6 de Julho de 2021:

Queridos amigos,
A minha colaboração no jornal "O Templário" centra-se, obviamente, em personalidades e factos familiares ou tomarenses. Acontece que ao longo do século XX Tomar foi terra natal de duas personalidades de grande prestígio nacional e internacional: o compositor Fernando Lopes-Graça e o historiador de arte José-Augusto França, este a caminho dos 99 anos de idade. Bastante arredio a homenagens post-mortem, tenho procurado divulgar a obra do historiador, impressionante pela qualidade e quantidade, vai desde a Lisboa Pombalina até à análise das Artes Plásticas no fim do século XX. José-Augusto França é seguramente o historiador que mais estudou a primeira e a segunda decoração de A Brasileira, a primeira encetada em 1926 e a segunda em 1971. O Museu Nacional de Arte Contemporânea resolveu homenagear com uma evocação a propósito do cinquentenário da segunda decoração, está patente uma exposição documental com inéditos referentes à primeira decoração, perdeu-se o rasto a um conjunto de obras, mas a evocação mostra duas obras icónicas de Almada Negreiros e uma obra de António Soares. E o visitante tem oportunidade de ver imagens daquele dia em que A Brasileira mudou de pele, em 1971. À saída, e estando uma tarde aprazível, desci a Rua do Ferragial até ao Corpo Santo, gosto muito de cirandar dali, se possível beber uma cerveja de gengibre no British Bar e percorrer a Ribeira das Naus. Mas não resisti a registar a bela azulejaria de uma velha casa de ferragens, felizmente que ainda temos algum acervo representativo de Arte Nova e Arte Deco de estabelecimentos comerciais. Espero que apreciem.

Um abraço do
Mário


A segunda decoração d’A Brasileira:
Lembranças de José-Augusto França e de bela azulejaria no Corpo Santo, ao Cais do Sodré


Mário Beja Santos

A exposição evoca a segunda decoração d’A Brasileira, está patente no Museu Nacional de Arte Contemporânea, revela documentação em grande parte inédita da decoração anterior e podemos ver fotografias da colocação de pinturas nas paredes, que aconteceu na noite de 26 de junho de 1971, assim foram apeados os que lá estavam desde 1926. O visitante poderá obter informação do trabalho da primeira decoração que coube aos pintores Eduardo Viana e António Soares, e apareceu mesmo a obra deste último que se julgava perdida, como escrevem Maria de Aires Silveira e Raquel Henriques da Silva, a quem coube comissionar esta evocação, mesmo com muitas cumplicidades e apoios e muito estudo, não se encontraram vestígios do espólio documental do antiquário e decorador Joachim Mitnizky, que comprara, em 1970, os quadros envelhecidos da montagem de 1926. E alertam-nos as duas investigadoras, no quadro desta celebração, da importância histórica que teve e que tem A Brasileira, “para a urgência de salvaguardar e estudar os espólios de personalidades que, sendo nossas contemporâneas, estão sujeitas a um processo injusto de esquecimento”.
José-Augusto França no centro de um grupo que acompanhou a segunda decoração, ele é o autor privilegiado dos estudos da primeira e segunda decoração, inclusive romanceou um quadro de Almada e aparece numa obra de Nikias Skapinakis da segunda decoração
Imagem do transporte das obras de arte, em 26 de junho de 1971
Imagens dos quadros já montados na segunda decoração
Duas obras de Almada Negreiros que faziam parte da primeira decoração
Quadro "As Banhistas" em pormenor, permitindo analisar a mestria, a inovação e a revolução das formas que Almada trouxe ao 2.º Modernismo
Não é por acaso que A Brasileira goza da fama de estar entre os mais belos cafés do mundo
Uma imagem alusiva a um quadro de Jorge Barradas que fazia parte da primeira decoração, depois desaparecido
Quadro de António Soares, também presente na primeira decoração
Imagem alusiva a um recanto da icónica A Brasileira

Conhecedor dos trabalhos de José-Augusto França sobre as duas decorações d’A Brasileira, não posso deixar de felicitar quem organizou esta singela homenagem e revelou pormenores inéditos sobre a primeira. Feliz por tudo quanto visitara, desci a Rua do Ferragial, que anda bastante remoçada, até ao Corpo Santo, comecei por olhar para o escritório na esquina da Rua do Arsenal onde Fernando Pessoa escreveu algumas das suas obras memoráveis e virei-me para um estabelecimento que conheço desde pequeno e cuja azulejaria admiro tão profundamente. Felizmente há também quem estude os azulejos semi-industriais de fachada, as cartelas, os letreiros e painéis publicitários, até as estações de caminho-de-ferro, de um modo geral o nosso património de Arte Nova e Arte Deco guarda primores de valor incontestável, pois bem, aqui fiquei regalado frente a estes detalhes, até me apetece partir daqui para a Avenida Almirante Reis ou ir ver a fachada da Fábrica Viúva Lamego, depois deu-me na veneta e daqui vou em excursão sem, porém, vos deixar esta grata lembrança que captei no Corpo Santo. Laus Deo.
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Nota do editor

Último poste da série de 22 DE JUNHO DE 2021 > Guiné 61/74 - P22307: Agenda Cultural (773): Convite para ver a entrevista de Carlos Vale Ferraz a Mário Carneiro, no programa da RTP-África, Mar de Letras, onde o autor fala do seu romance "Angoche - Os fantasmas do Império", uma abordagem ao misterioso caso ocorrido há 50 anos na costa de Moçambique e ainda hoje não resolvido