Guiné > Zona leste > Sector L1 (Bambadinca) > Mapa da antiga província portuguesa da Guiné > 1961 > Escala 1/500 mil > Localização da mata do Fiofioli, zona de floresta galeria, sita na margem direita do Rio Corubal, entre Mangai e Concodea Beafada, e onde no princípio de 1969 se suspeitava que o PAIGC tivesse um hospital, com médicos cubanos... Nos anos em que eu estive na Guiné (entre 1969 e 1961), só me lembro de se ter ido ao Fiofioli na Op Lança Afiada (em que o José Ferraz também participou e foi ferido) (*).
1. Texto do José Ferraz [, português a viver há mais de 40 anos nos EUA, em Austin, Texas; ex-Fur Mil, Op Esp, CART 1746, Xime, 1969]
Companheiro e camarada Luís
(i) Da conversa que tive com o Hugo Spadafora (**), nessa tarde tão interessante, houve de princípio certa reserva da minha parte devido à multitude de emoções que sentia nesse momento. Passado isso, fomo-nos abrindo pouco a pouco e aqui está o que me lembro:
Não falámos de nenhuma situação política da época, falámos sim, e exclusivamente, dos nossos tempos da Guiné. Curiosamente não como inimigos mas como dois seres humanos trocando impressões de experiências da vida que, ainda que em polos opostos, tanto tinham em comum.
O que me lembro é que o Hugo parecia-me um idealista, porém de certa forma arrogante e talvez com inveja do Che [Guevara] com quem me disse se identificava ideologicamente.
Disse-me também que tinha estado na zona leste, no Fiofioli, e que as forças do PAIGC tinham receio de certos encontros connosco. Não especificou nenhuma unidade, mas sim que procuravam evitar qualquer contacto e moverem-se antes que isso acontecesse.
Acrescentou que tinham excelentes serviços de inteligência [informações] e praticamente sabiam com antecedência todos os nossos movimentos. Por isso, disse-me ele, os ataques e emboscadas tinham mais o propósito de acção psicológica do que realmente causar baixas. Contudo eles tinham pleno conhecimento de que as perdas das suas forças nesses contactos eram muito mais elevadas do lado deles do que do nosso e, como tal, evitavam contacto com os nossas forças quando sabiam por experiência que essa tropa lhes tinha causado problemas.
Para mim e tal como eu fomos dois D. Quixotes.
(ii) A propósito desta lembrança... Lembro-me que numa operação [, Lança Afiada ?,] cuja ordem dizia "destruir [todos] os meios de vida", chegámos a uma tabanca, não me lembro do nome, em que fiquei realmente espantado com a organização urbanística deste povoado, o que me obrigou a rever o propósito desta guerra. Interroguei-me então:
- Porra, estas populações estão muito melhor organizadas que nós, os livros que encontrei na escola eram em português e não em crioulo; as ruas ainda que de terra batida estavam orientadas a noventa graus e limitavam perfeitos quadrados... Pelo nosso lado as tabancas eram um ver se te avias...
Nunca me esqueci dessa devastadora descoberta. Não quero discutir política mas esta experiência comprovou-me intelectualmente que o PAIGC deveria fazer esforços enormes em procurar desenvolver uma consciência nacional sem a qual a independência nunca seria possível... E exactamente isto é o que continua a ser o problema de todos os países africanos. O pior inimigo dum africano é outro africano de outra tribo (factor primário de socialização). (**)
José Ferraz
______________
Notas do editor:
(*) Vd. postes da I Série do blogue:
15 de Outubro de 2005 > Guiné 63/74 - CCXLIII: Op Lança Afiada (1969): (i) À procura do hospital dos cubanos na mata do Fiofioli
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXI: Op Lança Afiada (1969) : (ii) Pior do que o IN, só a sede e as abelhas
9 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIII: Op Lança Afiada (1969): (iii) O 'tigre de papel' da mata do Fiofioli
(...) Dia D + 7 (15 de Março de 1969)
Em face da informação dada pelas 2 mulheres capturadas em Cancodea Beafada, os Dest A, B e C atacaram Queroane à tarde, tendo destruído a tabanca e sido flagelados por um grupo IN que sofreu baixas confirmadas.
Cerca das 2H30, os Dest F, G, H e I iniciaram a sua marcha sobre a mata do Fiofioli. Só havia uma guia mais ou menos seguro, o Brima Dico [, mais provável, Braima Seco,] capturado pelos paraquedistas em Mina em Dezembro de 1968. O outro guia, de Mansambo, apenas conhecia região mas não os trilhos. Decidiu-se por isso seguir com os Dest em bicha, a fim de deixar um ou mais emboscados em bifurcações que aparecessem.
O Dest H, antes do alvorecer, penetrava na mata. Às 16H00 houve uma flagelação ao Dest H, tendo o IN sofrido baixas confirmadas. O Hospital antigo surgiu pouco depois com as suas enfermarias separadas para homens e mulheres, quarto dos médicos cubanos, banco, etc. O guia esclareceu tudo mas o hospital devia ter sido abandonada cerca de 2 meses antes. Todos os novos trilhos que apareciam eram cuidadosamente batidos. Descobriu-se um outro Hospital recentemente abandonado. O primeiro estava em (Xime ID5-56 ) o segundo (encontrado ás 8H00) estava em Xime 1D6-52). Ambos foram queimados e o PCV deu a sua localização.
Batida a mata, desceu-se à tabanca de Fiofioli, recém abandonada, dispondo de bons edifícios e 2 escolas com imensos livros e cadernos. Próximo estava uma pequena arrecadação onde se capturou material de guerra IN. Novamente foram apanhadas centenas de animais domésticos. A destruição da tabanca foi apenas começada pois no dia seguinte seria completada. Encontraram-se documentos comprovativos da presença IN na área.
Voltou-se a penetrar na mata para bater a zona Oeste e acabou-se por ir ter à bolanha a Oeste eram cerca das 12H00. Contactou-se o Dest E que às 6H10 fizera fogo sobre elementos IN fugidos da mata de Fiofioli (onde deveriam ter sido os autores da flagelação ao Dest H), tendo-lhes causado baixas.
A mata foi batida durante cerca de 10 horas em todos os sentidos. Previa-se no entanto voltar a batê-la no dia seguinte na direcção Oeste-Leste. Mas o mito do Fiofioli desaparecera na mentalidade dos nossos soldados. A mata do Fiofioli fora um tigre de papel. (...)
14 de Novembro de 2005 > Guiné 63/74 - CCLXXXIX: Op Lança Afiada (IV): O soldado Spínola na margem direita do Rio Corubal
(**) Último poste da série > 21 de Novembro de 2011 >Guiné 63/74 - P9070: Se bem me lembro... O baú de memórias do Zé Ferraz (2): Hugo Spadafora (1940-1985), que combateu como médico e guerrilheiro nas fileiras do PAIGC (entre 1965 e 1967), e que encontrei na década de 1980 no Panamá...