Queridos amigos,
Não houvera circunstância, no texto anterior, de incluir o tratado de paz celebrado em Buba entre Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, trabalho a que já se acometera o Governador Pedro Ignácio de Gouveia, e tinha agora o seu remate feliz. O que mais impressiona neste ano de 1886, e já estou em julho, é não haver uma só palavra quanto à perda do Casamansa, nem uma só menção à Convenção Luso-Francesa de 12 de maio de 1886, paradoxo maior não conheço, até porque posterior à data desta convenção ainda o administrador de Cacheu dá informações sobre o estado de saúde em Ziguinchor... O que verdadeiramente me impressiona é o relatório elaborado pelo facultativo Damasceno Isaac da Costa, não é a primeira vez que este nome vem à baila, na coleção de reservados da Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa há trabalhos por ele assinados; mas este relatório irá ser publicado às pinguinhas desde 27 de março, em quatro números de abril, em dois boletins de maio, um de junho e outro de julho impressionam pelo acervo informativo, mesmo com a inclusão de alguns dislates e imprecisões, que o leitor facilmente deterá. Dada a extensão do relatório, dar-lhe-emos sequência no próximo texto.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1886 (8)
Mário Beja Santos
Antes de se passar diretamente para 1886, importa fazer uma referência ao Boletim Official n.º 50, de 12 de dezembro de 1885, abarca um conjunto de documentos relativos ao tratado de paz celebrado em Buba entre os Fulas e Biafadas, por intervenção do Governo da Província, é um conjunto de três atas. Na primeira, referem-se as presenças, entre outras do Governador e do comandante do Batalhão de Caçadores n.º 1, dá-se notícia das intimações ao chefe dos Fula-Forros Bacar Quidaly: entrará na praça de Buba sem representação de força nem grandeza; apear-se-á fora da paliçada, bem como a sua comitiva, e aí deporão as armas e mais símbolos de guerra; esperará que um oficial lhe comunique a permissão de entrar na praça, onde só tem ingresso Bacar Quidaly e o seu Estado-maior, todo o resto da sua gente ficará fora da paliçada; o Governador deseja ter explicações muito sérias com Bacar Quidaly, pois que o seu procedimento não tem sido dos mais corretos com o Governo, mas só será recebido nas condições acima apontadas, e em caso de recusa da sua parte o Governo tomará tal facto como um ato de desobediência às suas ordens.
Na segunda ata, referente a acontecimento ocorridos no dia seguinte (25 de novembro de 1885), Bacar Quidaly pedia permissão para ter ingresso na praça, mas para que a conferência tivesse lugar na casa que serve de quartel, para se ver próximo da sua gente, o régulo precisa de manter a autoridade sobre o seu povo, satisfez-se o pedido do régulo; a terceira ata contém a essência da reunião, quem nela participou, esteve por parte do régulo Mamadu e mais chefes Fulas e seus conselheiros, um conjunto de chefes Biafadas, tanto do Cubisseco como de Boduco. Declararam ambas as partes quererem e aceitarem a paz que o Governo lhes propõe, esquecem agravos e ressentimentos que os tornaram inimigos, procurará cada um dos povos por sua parte animar o comércio nas feitorias e estabelecimentos que existem já nos seus territórios, tomam o Governo como fiador e garantia desta paz. O Governador trazia também as suas reivindicações, estabelecia-se os limites do território do Forreá. O documento iria ser assinado por todas as partes envolvidas. Vai ganhar realce ao longo de um conjunto de boletins a publicação do relatório do serviço da delegação da Junta de Saúde da vila de Bissau, referente ao ano de 1884, pelo facultativo de 2.ª classe do quadro de saúde da Guiné, Damasceno Isaac da Costa, é um documento que transcende pela riqueza de informações tudo o que até agora nos foi dado de ler em relatórios de idêntica circunstância, é tal o acervo de informações que vale a pena aqui reproduzi-las, no seu cotejo essencial.
Começa por dizer que o concelho de Bissau compreende a vila de S. José, o presídio de Geba, Fá e S. Belchior e todos os demais pontos ocupados e a ocupar nas margens dos rios de Bissau, Corubal e Geba. Localiza a ilha de Bissau, dirá que está dividida em dez tribos com as seguintes denominações: Antula, Antim ou Intim, Cumuré, Prábis, Safim, Torre, Biombo, Bigemeta e Quitexe. O régulo de Antim tem a presunção de descender de alta prosápia, isto é, dos antigos reis da lha; o de Bandim alimenta a mesma presunção nobiliárquica. Refere o trabalho desenvolvido pela companhia de Grão-Pará e Maranhão e a construção da fortaleza, não faltaram atos de selvajaria dos gentios à volta dela. Para pôr cobro a tais hostilidades, o rei D. Pedro II ordenou ao 1.º capitão-mor de Bissau, José Pinheiro, que construísse uma fortaleza com 40 praças, um capitão-mor e um feitor da fazenda. A povoação assim amparada possuía 200 cubatas e 5 casas cobertas de telha, habitadas pelos negociantes portugueses, comissários das casas comerciais inglesas de Gâmbia e francesas de Goreia e pelos Grumetes, uma igreja dedicada a Nossa Senhora da Conceição e um hospício para os missionários. A fortaleza durou apenas 66 anos, houve que a demolir.
Depois de um largo conjunto de citações, alude aos ziguezagues fluviais no rio Geba. Dirá que os Biafadas que outrora ocupavam as margens do rio Geba fechavam a navegação quando queriam, especialmente em ocasiões de guerras que travavam com os Fulas, exigindo avultadas indemnizações às embarcações que com grandes dispêndios e grandes carregamentos transitavam no rio. Em 1847, o Governador da Província de Cabo Verde ordenou que se suprimisse a verba vexatória que a título de presentes era abonada a esses piratas que desde aquela época poucas vezes se repetiram casos de semelhante natureza. Para levar em efeito esses atos de pirataria, os Biafadas amarravam uma corda na árvore de uma margem, que passando pela superfície de água, ia terminar igualmente noutra árvore da margem oposta. Os extremos da corda traziam duas campainhas para anunciar a chegada de qualquer embarcação que tocasse a corda. Em tempos que não vão longe, esses piratas foram acossados pelos Fulas-Pretos e desde essa época cessou aquele sistema de saque às embarcações. Os Balantas, para a execução do tão mencionado plano seguem-se de troncos de árvores que espetam no rio.
O rio Corubal é bastante extenso e importante pela grande quantidade de âmbar que roja às praias. É quatro vezes mais largo do que p rio Geba até a uma maré de distância, onde se estreita para tornar a alargar. Esta estreiteza constitui a baliza dos territórios ocupados pelos Biafadas e Fulas. É junto a este lugar que está situada uma feitoria francesa denominada Granja. Raso em toda a sua extensão, o rio Corubal é somente navegável junto à margem esquerda. Da estreiteza acima mencionada, transporta-se facilmente e em menos de 24 horas para a praça de Buba, atravessando as tabancas do régulo Fula-Forro Mamadi Paté, derrotado pela nossa força militar em 28 de setembro de 1882. Segundo afirmam pessoas de todo o crédito, o rio Corubal tem a sua origem no território do Futa-Djalon e vem desaguar no oceano próximo da ilha de Bissau. Nas margens do rio Corubal, divisam-se extensas e graciosas colinas e vales, notando-se no fundo destas águas que brotando de diversas rochas e lugares correm com sussurro para desaguar no rio.
Em todos estes rios e canais habita o crocodilo, o hipopótamo, o tubarão e uma infinidade de variados peixes. Nas espessas e copadas matas que revestem as margens dos mencionados rios e no feracíssimo solo de Bissau, Geba, Corubal e outros pontos das suas dependências, encontram-se o elefante, onça, pantera, leopardo, hiena, lobo, gazela, porco-espinho e diversos outros animais, muitos dos quais são bastante interessantes.
Nas margens do rio Geba encontram-se diferentes feitorias e o facultativo refere os seus nomes dizendo que há muitas outras que estão agora abandonadas em consequência das opressões dos Fulas que habitam as margens do rio Geba. E prepara-se agora para falar da vida em Bissau.
(continua)
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Nota do editor
Último post da série de 23 de outubro de 2024 > Guiné 61/74 - P26071: Historiografia da presença portuguesa em África (448): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Official do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1885 (7) (Mário Beja Santos)