quarta-feira, 22 de julho de 2020

Guiné 61/74 - P21191: Historiografia da presença portuguesa em África (223): Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (3) (Mário Beja Santos)



1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 12 de Dezembro de 2019:

Queridos amigos,
Esta viagem à Guiné do Capitão-de-Fragata Cunha Oliveira merecia reedição, é uma narrativa de viagens de muitíssima qualidade, com pormenores raros, vão primeiro à região de Cacine, sobem até ao Corubal e depois ao Casamansa. É uma missão histórica, é a tomada de soberania da península de Cacine e a entrega a França de todo o estuário do Casamansa. Julga-se oportuno, neste contexto, de voltar a documentos extraordinários constituídos pelos boletins da Sociedade de Geografia da época e descrever como se tomou posse do Forreá, graças ao espírito indómito do governador Pedro Inácio de Gouveia, alguém também possuidor de excelentes qualidades literárias, será ele que enviará para o Ministro da Marinha e do Ultramar aquele portentoso relato da viagem do Alferes Marques Geraldes até ao Casamansa, onde foi resgatar, atravessando todos os perigos de florestas e populações desconhecidas, mulheres raptadas em S. Belchior, junto do rio Geba.
Que bem escreviam estes homens e como é doloroso ver esta documentação a empoeirar-se nas bibliotecas!

Um abraço do
Mário


Viagem à Guiné, para definir as fronteiras, 1888 (3)

Beja Santos

O Boletim da Sociedade de Geografia, 8.ª Série, N.º 11 e 12, 1888-1889, traz um importantíssimo trabalho do Capitão-de-Fragata Eduardo João da Costa Oliveira, sócio da Sociedade de Geografia e que fora o comissário português encarregue de estudar a demarcação das fronteiras à luz da Convenção Luso-Francesa. É um documento precioso, na minha modesta opinião, um dos mais valiosos sobre a época em referência. Como se poderá ver neste e textos subsequentes. Costa Oliveira fora nomeado para dar execução ao tratado assinado por Portugal e a França, parte com o adjunto, um antigo Secretário-Geral da Guiné, o Sr. Augusto César de Moura Cabral.

Como a comissão portuguesa e o próprio Capitão-de-Fragata Costa Oliveira irão passar pelo Forreá, talvez seja útil fazer-se aqui uma referência a uma comunicação à Sociedade de Geografia de Lisboa, oriunda de Bolama, e com data de 1 de novembro de 1882 e que tem a ver com a posse do Forreá. Este território fora entregue à Coroa Portuguesa no dia 27 de outubro e os autores da notícia escrevem impantes:
“É de tão grande alcance económico e político para a nação portuguesa este facto, que aos sócios da Sociedade de Geografia não lhes cabe no seu ânimo deixar de transmiti-lo à Sociedade, de que são aqui representantes.
Raiou agora nova época de felicidade para a Guiné Portuguesa com a entrega do território do Forreá, entrega devida ao muito zelo e incansável desvelo que o nosso consórcio e actual Governador, Pedro Ignacio de Gouveia, tem manifestado na sua ilustrada administração, sempre cheia de abrolhos, os quais contudo com tenacidade e muita energia tem sabido vencer.
É sabido que os Fulas-Pretos e Fulas-Forros são raças irreconciliáveis, sendo aqueles em tempo escravos destes; a sua emancipação foi meditada e o governo português em tempo, mais por humanidade e menos por política, protegeu os Fulas-Pretos, sendo assunto debatido em território, onde a Coroa Portuguesa não tinha jurisdição efectiva.
Daqui nasceu uma hostilidade mais ou menos constante do lado dos Fulas-Forros contra a bandeira portuguesa, levando um dos chefes a dizer que ainda havia de servir-se do pau da bandeira portuguesa para com ele cozinhar.
Ao pau da bandeira vinham agarrar-se os Fulas-Pretos que esperavam emancipar-se. Daqui nasceu a paralisação do comércio, sendo preciso mais tarde fazer-se um tratado entre o governo português e os chefes Fulas-Pretos, Forros e Futa-Fulas.
Este tratado foi celebrado em Bolama, em Julho de 1881, vindo apenas representantes dos régulos.
O gentio cumpre, quando cumpre; as conveniências aconselhavam-no a tratar efectivo o tratado, porém, o governo português não se lhes tinha manifestado de uma maneira enérgica e temida, para que oferecesse sérias garantias, e de uma vez para sempre.
Passado tempo, o tratado estava esquecido e os Fulas-Forros atacavam as feitorias portuguesas e sem nenhum respeito nem medo de serem castigados.

O actual Governador, vendo que só uma lição severa podia consolidar o nosso poderio e que só pelo receio das nossas armas podia o gentio recear-se e sujeitar-se, enviou uma expedição à tabanca do Mamadu Paté, que em 28 de Setembro a atacou com o melhor êxito, destruindo aquela, classificada invencível, fortaleza gentílica.
Depois de uma tão completa e pronta aniquilação do prestígio do gentio do Forreá, estando tudo a postos para o ataque à tabanca de Ugui, corrido de medo, o seu régulo principal, veio pedir a paz, sujeitando-se a pagar uma indemnização de guerra conducente com as exigências naturais e bem pensadas do governador da província.
O nosso ilustre consórcio, o Governador, foi ainda intransigente quando se lhe pedia que a paz fosse feita ou fora da praça de Buba ou entrando o régulo na praça acompanhado da gente, talvez em número de mil homens armados.
Ao bom nome da bandeira portuguesa, que ele aqui representa, nada disto convinha, e ainda o nosso actual Governador, carácter enérgico e de fina compreensão, não permitiu transigência com aqueles usos, verdadeiros abusos, e o poderoso régulo viu-se obrigado a entrar com apenas vinte homens da guarda de honra, acompanhados dos seus chefes, e não esqueceu a ameaça de que só assim se poderia realizar a paz e inteira sujeição à Coroa Portuguesa.
Um emissário do governo seguiu o Futa acompanhado de um régulo do Forreá, a significar a paz ao chefe Almani, para que as suas caravanas de comércio possam seguir incólumes através deste território, e num curto período veremos chegar à praça de Buba os ricos produtos naturais que outrora tanto enriqueceram aquele mercado”.
E quem assina o documento exalta os incansáveis esforços do Governador Pedro Inácio de Gouveia.

A comissão portuguesa, em março de 1888, bem como a comissão francesa, partiram para Kandiafara, ao alcançar a ribeira Queúel, as abelhas atacaram a caravana, e o autor comenta:
“O burro saltava, corria, deitava-se no chão, espojava-se, parecia doido!”.
Dado ao pormenor, observa:
“As fortificações do gentio na Guiné são extremamente curiosas. As habitações ou cubatas são dispostas circularmente. Em torno delas constroem uma espécie de muralha com altos e grossos troncos de árvores das espécies mais resistentes, pau-carvão, pau-ferro, cibes, etc. E a dois metros pouco mais ou menos de distância, e pela parte de fora, uma segunda estacaria de troncos mais delgados e menos unidos, mas cobertos de ramos de plantas espinhosas. Grossos portões de madeira fecham estas tabancas. Tudo nos leva a supor que estas tabancas, assim construídas e ainda com o fosso interior para abrigo dos defensores, são consideradas inexpugnáveis, e que os gentios só atacam povoações abertas ou mal defendidas”.

É neste contexto que o Capitão-de-Fragata procede a uma minuciosa descrição das guerras no Forreá, mas acrescentando que a extensão das guerras alastrou com o envolvimento dos Beafadas. Em 15 de março, as duas comissões determinaram as posições geográficas do rio Cogon e no dia seguinte rumaram para Kolibá, e o autor esclarece:  
“Corubal, Kolibá, Kokoli e Koli são diferentes nomes do mesmo rio, dados nas diversas zonas onde corre. É sempre um grande rio de duzentos a trezentos metros de largura. Passa por Kadé, e dizem nascer numas altas montanhas do Futa-Djalon; é fundo, navegável muitas milhas pelo sertão dentro e despenha-se de quatro metros de altura próximo de Cussilinta”.

(continua)
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Notas do editor

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Último poste da série de 20 de julho de 2020 > Guiné 61/74 - P21187: Historiografia da presença portuguesa em África (222): Tratados, convenções e autos firmados entre as autoridades portuguesas e os representantes dos povos da Guiné (1828-1918) - Resposta a comentários de Cherno Baldé, Luís Graça e Valdemar Queiroz (Armando Tavares da Silva, historiador)

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