1. Mais um belíssimo texto do nosso camarada Vítor Junqueira, a propósito da sua participação no 8º. Encontro da Tabanca do Centro em Monte Real, no passado dia 26 de Janeiro.
Qualquer pretexto serve para uma escrita simples, direta, agradável e percetível, com a marca VJ.
2. Mensagem de Vítor Junqueira (ex-alferes miliciano da CCAÇ 2753 - Os Barões (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 28 de Janeiro de 2011:
Caros amigos,
Tive o privilégio de ser convidado a participar no 8º encontro da
Tabanca do Centro que decorreu no passado dia 26/01.
A propósito, envio este texto que gostaria de ver publicado se e quando assim o entenderem.
Desde já, o meu agradecimento acompanhado de forte abraço do
VJ
Pose descontraída de Vítor Junqueira (à esquerda da foto) durante o III Encontro da Tabanca Grande em Ortigosa, no ano de 2008. À direita, outro notável da nossa Tertúlia, o camarada Jorge Cabral e o seu inseparável cachimbo.
Foto de José Armando F. Almeida
A Poda
O mail chegou atempadamente. Numa escrita bonita, perfumada de amizade, intimava-me o nosso amigo Joaquim Mexia a comparecer na simpática localidade de Monte Real no dia 26/01 a fim de participar no oitavo encontro dos Tabanqueiros do Centro. Imprimi para não esquecer e, como o Benjamim do Sérgio Godinho, respondi dobrando o canto do sim.
De Pombal, onde tenho o meu tugúrio, até Monte Real, vai o salto de uma pulga. Avancei pela Bajouca até Monte Redondo onde tomei a 109 no sentido de Leiria e, em menos de nada, apreciava a modernidade das novas rotundas e variante que permitem o acesso fácil e rápido à vila termalista. Assim pensava eu! Ao contornar a segunda daquelas obras de engenharia urbana, deparo com um sinal a proibir o trânsito através da principal via de acesso ao centro do burgo. Num posto de abastecimento ali à mão, indaguei das razões do desaforo. Fiquei a saber que, por determinação da senhora Câmara, ninguém passava, pois estava em curso a poda das árvores que ladeiam aquela via. Que grande poda, pensei! Mal podia imaginar que me estava reservada uma poda idêntica ao deixar a localidade. Não fosse o aconselhamento paciente de alguns indígenas, e por lá teria pernoitado. Segui então o caminho alternativo que me indicaram e dei comigo a pastar numa série de vielas, becos e quelhas até “dar com eles”. Na verdade, não foi difícil. Qual logotipo de ultra sexagenários que somos, avistei um grupo de senhores envergando o fatinho domingueiro, grande prevalência de cãs pontuadas aqui e além por algumas carolas completamente desabitadas. Frente ao café Central, conversavam em pequenos grupos congregados pela intimidade de um conhecimento mais antigo.
Apertei mãos, dei e recebi palmadas de simpatia nas costas até chegar ao maior (na estatura e na função!), que me recebeu com um caloroso abraço. A partir desse momento passei a jogar em casa dado que, às primeiras impressões, o terreno me parecia estranho visto muitos dos presentes serem camaradas com os quais ainda não havia privado e daí, um certo acanhamento da minha parte.
Julgava eu, mal, que iria encontrar no máximo para aí uma dúzia de pessoas, atendendo ao qualificativo da Tabanca que é do “Centro”. Afinal, deviam estar para cima de três dezenas, incluindo muitas que vieram do norte e da região de Lisboa. Como seria de esperar o Mexia estava como peixe na água e não seria de esperar outra coisa já que esta é, definitivamente, a sua praia. Uma organização irrepreensível não tardou a convidar-nos a abancar no restaurante da Preciosa, praticamente do outro lado da rua. Com garbo (e garfo!), atacámos o seu afamado cozido à portuguesa onde impera a couve lombarda cozida no caldo das carnes e uma morcela de arroz, cuja confecção só pode ter sido conseguida através da usurpação de receita da minha terra, porque a legítima, de arroz, é nossa. Para que conste, só em Pombal e suas freguesias!
O almoço decorreu em clima muito animado, de tal modo animado que, o anfitrião teve de mandar dois berros à militar para se fazer ouvir quando quis comunicar aos presentes, a oferta de um mapa da Guiné primorosamente emoldurado que depois de assinado por todos passou a fazer parte do espólio da galeria de obras pendentes nas paredes do Preciosa’s. Curiosamente, na minha “mesa” não se falou de guerras, fossem elas passadas ou destas mais literárias! Nem sequer houve qualquer comentário acerca do sucesso do Algarvio ou da vã expectativa do Homem de Argel. Falou-se de passeios, das recentes promoções a avô de alguns camaradas e da saúde que já vai claudicando.
Aproximava-se o término do nosso encontro. Eu sou como o Zezito, não gosto de finais de festa e as despedidas são sempre penosas. O fim de tarde de um dia esplendoroso parecia-me toldado por uma nuvenzita de angústia. Como o sol de Inverno, não tenho calor, diz a Simone. Acompanho-a. Tomado pela melancolia, apertei algumas mãos e, com um genérico “até à próxima, camaradas”, remeti-me à minha individualidade algo solitária, de regresso a casa. Enquanto conduzia, não pude evitar certa reflexão.
Para trás acabava de deixar amigos, alguns que nunca tinha visto, mas que agora já eram “família”. Como é possível ligarmo-nos assim a pessoas que mal conhecemos? Será este mais um sortilégio do nosso passado comum? E como se compreende que vivências que partilhámos na juventude possam cimentar amizades de hoje, mesmo as mais recentes? Porque nos juntamos e o que é que verdadeiramente buscamos nestes convívios que não almejamos noutras tertúlias? Porque nos despedimos sempre com um certo “amargo de boca” e na mente, aquela dúvida existencial: Até quando? Tudo quanto posso alvitrar é que continua bem vivo dentro de cada um de nós o básico instinto de grupo decorado com umas pinceladas de civilização, que nos leva, em momentos de grande stress, a reconhecer, amar e proteger “os nossos”.
Desde pixote, venho assistindo (pela televisão) àquela cerimónia em que uns velhinhos depositam flores nas campas de distintos republicanos. A coisa deve ser importante e digna de celebração porque se mantém, passados tantos anos. Para mim, que já nasci republicano, diz-me niente e, não fosse o cinco de Outubro ser feriado, bem podia passar-me de todo ao lado.
Também tenho presente a homenagem que sempre se prestou em locais públicos como na Batalha, aos caídos nas pelejas de 1914/1918. Daqueles heróis altamente medalhados, não resta um, e tenho dúvidas se os seus netos e bisnetos sabem que tiveram um avô ex-combatente ou se a esse facto atribuem algum valor.
E nós? Que pensarão as novas gerações, nascidas em paz e democracia, destes velhotes que se encontram de vez em quando para, julgam eles, nada mais do que uma almoçarada? Quais as memórias e valores que conseguimos deixar-lhes? Parece que os ouço dizer: Ora, não há pachorra! Oxalá possam dizê-lo sempre ao longo das suas vidas, e que a dura realidade não lhes mostre da forma mais cruel, porque é que em certos momentos, não existe alternativa às armas nem ao derramamento de sangue. Que me perdoem os mais pacifistas.
Tal como as árvores da rua principal de Monte Real, a minha geração está a sofrer a poda que a lei da vida a todos impõe. Começou a acelerar o passo, e a que ritmo! Mas ainda somos muitos. Recusamos mordomias, exigimos reconhecimento e respeito. E num momento muito complicado para milhares dos nossos concidadãos, queremos com o nosso exemplo e dignidade mostrar-lhes que antes deles, outros suplantaram tempos muito difíceis em que estava em causa, não o salário ao fim do mês, mas a vida ao fim do dia.
Fazendo um apanhado muito sumário deste encontro de “camarigos” (esta é para polir um pouco o ego do Mexia já que foi ele quem inventou o termo, se não estou em erro!), tenho a dizer o seguinte:
- Quanto aos costumes: É para manter.
- Quanto ao local: O “Centro” do país, como todos sabem é Pombal.
- Quanto aos participantes: E venham mais cinco.
- Quanto à ementa: Não está mal, mas nada tenho contra os regionalismos. Não me incomoda trocar o patriótico cozido à portuguesa pelo leitão à Bairrada, por exemplo.
- Quanto às libações: Sugiro que sejam consumidos apenas dois tipos de bebidas, nacionais e importadas.
- Relativamente à frequência, apenas duas vezes ao dia, às refeições e nos intervalos.
E com estas ressalvas que venha o nono e o décimo e todos quantos a estaleca nos for permitindo.
A todos os presentes, quero deixar o meu muito obrigado pelos agradabilíssimos momentos de convívio e camaradagem que neste dia pudemos compartilhar.
VJ
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Notas de CV:
(*) Vd. poste de 30 de Dezembro de 2010 >
Guiné 63/74 - P7526: O Mural do Pai Natal da Nossa Tabanca Grande (27): Votos de Feliz Ano Novo... e mais umas coisitas (Vítor Junqueira)
Vd. último poste da série de 8 de Janeiro de 2011 >
Guiné 63/74 - P7572: Convívios (204): 8º Encontro da Tabanca do Centro - Encontro de Ano Novo (Joaquim Mexia Alves)