1. Mensagem de Vítor Junqueira, ex-Alf Mil Inf, CCAÇ 2753 - Os Barões, (Madina Fula, Bironque, Saliquinhedim/K3, Mansabá , 1970/72), com data de 4 de Julho de 2009:
Carlos, olha o que deu uma noite de insónia!
Agora vou dormir.
Até logo.
VJ
Estimado Carlos Vinhal,
Para ti, aquele abraço que não pude dar-te em Monte Real.
Vai fazendo tempo que me mantenho sossegadito no meu cantinho. Têm aparecido tantos camaradas, com tanto para contar, que as minhas cantigas para além de não adormecerem ninguém, ficam a milhas da profundidade e até da beleza de algumas reflexões expendidas ultimamente no Blog, que continuo a seguir com toda a atenção.
Além disso, o Luís Graça ao nomear-me “Senador”, criou-me uma tremenda responsabilidade. Por um lado, retirou-me a prerrogativa de dizer calinadas, para o que sinto uma natural propensão. Mas por outro, se quis apontar-me como modelo de pessoa assisada, então mostrou que não é assim tão bom psicólogo! Porém, meu caro Vinhal, contigo sinto-me a jogar em casa.
As nossas Companhias eram irmãs. Respirámos o mesmo ar, calcorreamos os mesmos trilhos, descansámos à mesma sombra. Porventura até bebemos água da mesma bolanha. Falar-te dos meus estados de alma, nem necessita de cogitação prévia, porque eu sei que tu sabes aquilo que eu sei.
Hoje, porém, sinto-me um homem novo, liberto. Depois de, já lá vão uns tempos, ter visto na televisão um deputado a mandar outro pr’ó caralho em plena AR, ao mesmo tempo que prometia ir-lhe aos cornos “lá fora”, ontem, numa espécie de remake de baixo custo, vi um ministro a fazer uns cornitos mefistofélicos a um senhor deputado. Isto depois de uma conversa em que se ilustraram as baixezas de uns e de outros, sendo também consensual entre os tribunos que pelo menos alguns eram mentirosos.
Assim sendo, como sou humano e tenho emoções, dos usos e os costumes deste Blog alegremente abusarei e, desde já, requeiro o direito de me arrepender como fez o tal ministro.
Por falar em Blog, o nosso está um must. Pelo número de visitas e de páginas consultadas, podemos aferir da sua popularidade. Aqui bebem mestrandos, Doutorandos, autodidactas, jornalistas e simples internautas. Ainda que o core se centre na guerra da Guiné, a vastidão dos temas vai do segredo do tempero do cabrito que serviu de repasto no convívio dos camaradas da CCaç tal (e preço, porque o carcanhol está curto!) até às elucubrações de cariz sociológico acerca do posicionamento das populações nativas sob o domínio colonial e sua adesão às teses da libertação.
Navegando, ficamos a conhecer tão bem a táctica, a estratégia e os meios do IN, como se nas reuniões do seu Estado-Maior tivéssemos participado. Sim, porque o IN parece que tinha uma táctica, uma estratégia e uma determinação que, segundo alguns, mingavam nas hostes portuguesas. E com esses requisitos obteve brilhantes vitórias sobre as forças de ocupação, exaustivamente explanadas em dezenas e dezenas de páginas deste Blog que, muito justamente glorificam a superior inteligência e bravura dos soldados do IN e seus chefes. Propaganda, dirão alguns.
Mas o Blog também fala de nós. Apresenta por exemplo listas imensas (e inúteis) com nome, número mecanográfico e posto de paletes maralhal que passou pelo CTI da Guiné, fala dos feridos, dos mortos e dos burakos (?) onde vivos viveram enterrados, da alimentação para porcos, dos levantamentos de rancho, da falta de lençóis, da incompetência dos comandantes, de actos de insubordinação dos comandados, da revolta, da angústia e do medo dos soldados portugueses, mobilizados para uma guerra injusta e que não compreendiam, do desespero das famílias e do arrojo daqueles que, em vésperas de embarque, davam ao slaide.
Ficamos a conhecer camaradas que juraram a si próprios nunca disparar um tiro e, galhardamente, se aventuravam pelo mato adentro deixando a canhota pendurada no ferro do beliche, enquanto outros mataram porque sim. Mais recentemente, (post 4634) ouvimos falar do estoicismo do pessoal escalado para operações que nunca passaram do papel, de pessoal desmotivado e psicologicamente destroçado (não confundir com bandos!) que nunca ou raramente saiu dos abrigos, de SITREP’s falsos em que se reportavam acções de patrulhamento e combate que nunca existiram, da suprema humilhação infligida por um reles inimigo que tem o desplante de vir cagar junto ao nosso arame farpado, da mortificação do ego quando palavras como retirar, recuar, abandonar, entram na rotina.
Mas só agora, porque alguém neste Blog ousou abrir-nos os olhos e os ouvidos é que ficámos a saber que situações destas existiram, porque enquanto lá estivemos nunca tal ouvíramos dizer, não é verdade!?
Também tivemos oportunidade de conhecer uma extensa, desapaixonada e ideologicamente isenta filmografia que veio esclarecer aquilo que para os não iniciados parece um quebra cabeças, ou seja, como conseguiu o IN, que pelos melhores números nunca terá ultrapassado os três mil operacionais, pôr em cheque – para não dizer que derrotou militarmente –, uma força armada com o triplo dos seus efectivos, implantada no terreno, com uma capacidade logística incomparavelmente superior já que dominava as principais vias de comunicação incluindo as fluviais, dispondo ainda de meios pesados como artilharia, auto-metralhadoras, aviação e força naval.
Tenho ainda que fazer uma breve referência a alguma bibliografia reproduzida ou publicitada no Blog: Vasta, profunda e sem quaisquer objectivos comerciais, evidentemente. Acho que já só falto eu a dar ao manifesto a minha produção literária. Não tenho palheta para tanto e como tenho dúvidas sobre a firmeza do meu carácter, correria o risco de me transformar a mim próprio em mais um herói ou relatar factos de acordo com alguma inconfessa conveniência. Nessa não caio eu! Porque se a História é sempre escrita pelos vencedores, também é certo que a verdade é como o azeite, mais tarde ou mais cedo, acaba por vir ao cimo.
Ah, quantas saudades do Blog dos primeiros tempos! Tudo se contava na primeira pessoa. Era tão simples, directo e autêntico.
Camaradas, desculpem lá qualquer coisinha.
Para toda a tertúlia, caso o bitate mereça publicação, segue um forte abraço deste que já não tem muito para dar.
Vitor Junqueira
Fotografia do aquartelamento do K3. Por aqui permaneceu a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira durante boa parte da sua comissão.
Foto: © Carlos Silva (2008). Direitos reservados.
Mansabá, local e quartel onde a CCAÇ 2753 do Alf Mil Vítor Junqueira substituiu a CART 2732 do Fur Mil Carlos Vinhal.
Foto: © Carlos Vinhal (2008). Direitos reservados.
2. Comentário de CV:
Caro Vítor, que bom ouvir-te de novo.
Tínha-me passado ao lado, desculpa a ignorância, a tua promoção a Senador. Se o Luís assim o entendeu, e sabemos como ele sabe avaliar as pessoas, estou inteiramente de acordo.
Dizes que a tua prosa, cantigas como chamas, não adormece ninguém. Pois não, como se pode ficar indiferente à qualidade da tua escrita? Pena que de vez em quando entres em hibernação e deixes de aparecer. Sabes que tens os teus fãs, entre os quais me incluo eu.
Voltando ao título de Senador, não há dúvida que exerces o cargo com alta competência, ou não vinhas junto de nós expôr as tuas oportunas críticas, daquelas que gostamos de ler, porque não ofendem, sendo antes o pensar de alguém com honestidade intelectual, como reconhecemos em ti.
Na verdade calcorreámos as mesmas picadas, refugiámo-nos atrás das mesmas árvores, emboscámos nos mesmos locais e sofremos igualmente pelas desventuras de cada uma das nossas Companhias e dos nossos camaradas. O que de mau acontecia numa Companhia era motivo de preocupação para a outra. Não eram ambas compostas, na sua maioria, por valentes ilhéus? Fomos vizinhos, primeiro, e locatários do mesmo aquartelamento, no fim. Não nos conhecemos então, mas temos a certeza de que faríamos, um pelo outro, na hora, o impossível.
Não comento os teus comentários, mas deixo-os aqui à consideração de quem nos lê.
Esperando que não nos voltes a privar de ti, tanto tempo como fizeste desta vez, deixo-te um abraço em nome dos editores em particular e da tertúlia, em geral.
O teu camarada e amigo desde as terras do Óio
Carlos Vinhal
__________
Notas de CV:
(*) vd. postes de:
18 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1083: Histórias de Vitor Junqueira (1): Os Barões da açoriana CCAÇ 2753 (Madina Fula, Bironque, K3, 1970/72)
e
Guiné 63/74 - P1084: Histórias de Vitor Junqueira (2): O guerrilheiro desconhecido que foi 'capturado' no K3 por um básico da CCAÇ 2753
23 de Setembro de 2006 > Guiné 63/74 - P1110: Histórias de Vitor Junqueira (3): Do Bironque ao K3 ou as andanças da açoriana CCAÇ 2753 pela região de Farim
27 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74: P1215: Histórias de Vitor Junqueira (4): Irmãos de sangue, suor e lágrimas
31 de Outubro de 2006 > Guiné 63/74 - P1224: Histórias de Vitor Junqueira (5): Não ao politicamente correcto
5 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1403: Histórias de Vitor Junqueira (6): A açoriana CCAÇ 2753: uma família, uma unidade feita à medida
31 de Janeiro de 2007 > Guiné 63/74 - P1475: Histórias de Vitor Junqueira (7): A chacun, sa putain... Ou Fanta Baldé, a minha puta de estimação
6 de Março de 2007 > Guiné 63/74 - P1567: Histórias de Vitor Junqueira (8): Operação Larga Agora, na região do Tancroal, com a CCAÇ 2753
11 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3438: Histórias de Vitor Junqueira: (9): O Líbio e o alferes gazeteiro
17 de Novembro de 2008 > Guiné 63/74 - P3464: Histórias de Vitor Junqueira (10): Santa Paz
Vd. último poste da série de 2 de Julho de 2009 > Guiné 63/74 - P4624: Blogoterapia (112): Saudades de outra idade (Juvenal Amado)
Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
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7 comentários:
CARO VITOR JUNQUEIRA,
SOU DE UMA "FORNADA" RECENTE,POR ISSO NÃO CONHEÇO OS TEUS ESCRITOS,
MAS IREI DE IMEDIATO COLMATAR ESSA LACUNA.
FACE À AMOSTRA,CONSTATA-SE A EVIDÊNCIA DE QUE DEVERIA TER REMEXIDO NO "BAÚ" DO BLOG.
ÉS CONCERTEZA DOS DE LEITURA OBRIGATÓRIA.
PARAFRASEANDO O CARLOS VINHAL,NÃO NOS VOLTES A PRIVAR DE TI.
UM ABRAÇO.
MANUEL MAIA
Caro Vitor Junqueira,
Estou plenamente de acordo com Manuel Maia e Carlos Vinhal, mas é caso para dizer que devemos "Tomar conta do Blogue que toma conta de Nós".
Filomena
Que bom "ouvir-te".
Ainda hoje vindo de uma jornada autocaravanista de fim de semana para, como os meus filhos e neto,"viver" o PINHAL DAS ARTES em S. Pedro de Moel comentei:
O Vitor nunca mais disse nada.
Afinal era mentira !!!
Um Abraço "E ESTOU CONTIGO".
Até......
CMSantos 2339 - Mansambo 68/ 69
Finalmente acabou-se a hibernação ou foi apenas o abrir de um olho para saber se ainda era noite ou já reaparecia o sol?
Até julguei que tinhas metido férias hospitalares e reembarcado num qualquer navio estrangeiro (porque nacionais só quase já há os dos rios) para completares mais umas horas e milhas náuticas.
Continua a fazer estas tuas boas análises, pois essa também é uma das funções dos senadores. Penso eu de que...como diz o PAPA do POERTO...
Abraços
Jorge Picado
PS. Espero que não tenhas decidido seguir as pisadas do teu ex-Cmdt... que até já desisti de contactar com ele.
Um belo texto para nos fazer pensar o que escrever, quando, como e porquê.
Já ouvi falar em Provedor para o blogue, mas o termo Senador não só é mais delicado como pode conferir-lhe as mesmas funções.
Tive já o prazer de ler anteriores intervenções, fico agora a aguardar novas que espero estejam para sair.
Um abraço
BSardinha
Que bom ler de novo um post teu, demorou mas, valeu o tempo de espera. Fazes falta para completar aquela meia duzia!..
Um alfa bravo do amigo.
ASantos
SPM 2558
Meu caro Vitor:
Essa do senador não é, não era, para te sacanear, lixar, tramar, pôr-te na prateleira (mesmo que dourada), calar-te o bico (mesmo que de procelana), encerrar-te na torre (mesmo que seja ou fosse a de marfim), algemar-te (mesmo que as algemas sejam ou fossem de aço revestido a pedras preciosas)...
Nada disso, é apenas uma ternura nossa, um mimo, um gesto de apreço, consideração, amizade, reconhecimento, camaradagem... Senador significa que não tens a obrigação de vir cá todos os dias picar o ponto... Basta dar-nos o privilégio da tua presença, de tempos a tempos...
Fico feliz por voltar a (re)ler-te, a ver os teus postes publicados no nosso blogue...
Não comento, obviamenet, os teus comentários, mas sou capaz de estar de acordo contigo em relação ao blogue do "teu tempo", em que éramos menos os membros da nossa Tabanca Grande (ou tertúlia, como preferires) e publicávamos, aparentemente, mais histórias / estórias em primeira mão, na primeira pessoa do singular ou do plural... Algumas, de antologia, são da tua lavra...
Mas, é justo reconhecê-lo, não é todos os dias que aparece gente com o talento de um Vitor Junqueira, andarilho dos sete caminhos, marinheiro dos sete mares, português dos sete costados...
Um XiCoração para ti e para as tuas meninas. Luís
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