1. Mensagem de José Marques Ferreira, ex-Soldado Apontador de Armas Pesadas da CCAÇ 462, Guiné 1963/65, com data de 4 de Julho último:
GUINÉ – A PONTE DE S. VICENTE
(Ponte Euro-Africana, designação oficial)
Penso que qualquer cidadão europeu devia viver em África, pelo menos 6 meses, para poder dar valor ao que tem disponível no seu país, coisas que para qualquer europeu são banais, tais como, o direito à saúde, educação, o poder dispor de electricidade, água potável, etc., etc. Aqui nada existe, a não ser a tentativa de sobrevivência do dia-a-dia.
Dói a ausência de futuro nos olhos das crianças, dói o nulo investimento na formação, na educação, dói o tipo de vida resignada, dói que a única solução seja emigrar, ainda que precariamente. Dói que o eldorado esteja sempre do lado de lá. Dói pensar nas desilusões de quem passa para o lado de lá e encontra o que não esperava.
Dói a ausência de futuro e de estratégias de desenvolvimento. Dói que se morra de “coisas da Guiné”, espécie de doença generalista que agrupa tudo o que mata e se desconhece.
(Eng. Pedro Moço, empresa Soares da Costa, técnico da área de geologia que dirigiu a construção, na Guiné, da ponte de S. Vicente, no blogue psvicente.blospot.com)
Este post abre com as palavras de Pedro Moço, um técnico que pertence, na área acima indicada, ao grupo Soares da Costa.
Com ele tive o privilégio de trocar uns e-mails, nos quais ele me ajudou a identificar uma fotografia da Guiné, que tenho em meu poder e que me parecia uma ponte do Rio Mansoa, perto desta localidade.
Ponte de Mansoa - Rio Corubal (que não é a mesma coisa)
A minha companhia (CCaç 462) esteve nesta localidade, escassos meses, ou semanas, antes do seu regresso.
Por força das funções que tinha por apêndice e que já aqui esclareci, não fui para Mansoa, ficando a trabalhar em Bissau.
Mas alguém me fez chegar aquela fotografia. E sempre me ficou a ideia de ser uma ponte sobre o Rio Mansoa. Mas não…
Acabamos por concluir que esta ponte ou outra muito parecida (o que seria um tanto inacreditável) está no Rio Corubal (de que tenho por aqui, agora, algumas) e a sua concepção foi da autoria do Engº Edgar Cardoso, que também assinou, entre outras, a construção da ponte da Arrábida, no Rio Douro - ali próximo da terra do nosso camarada Vinhal.
Esclarecida esta situação, a história agora é outra…
Uma foto de ponte de S. Vicente - Janeiro 2009
Trata-se da ponte sobre o Rio Cacheu, ali mesmo em São Vicente!
O Engenheiro Geólogo Pedro Moço (não gosta que o tratem assim, mas estamos a falar em contextos profissionais!), esteve durante dezoito meses na Guiné, em anos recentíssimos, e deixou-nos o seu testemunho, que pode ser apreciado em http://psvicente.blogspot.com./ (blogue que criou exclusivamente, para historiar a evolução da construção da dita ponte).
A foto da ponte de S. Vicente (Soares da Costa)
Não faço comentários, porque as suas palavras, sentidas e honestas, deixam antever tudo o que lhe foi na alma nesse tempo e lhe vai actualmente, relativamente à situação caótica que se vive naquele território, às necessidades daquelas gentes e às suas tão tristes e pobres vidas.
E dizia-se, naquele tempo, que na Guiné era impossível a construção de pontes, por causa do tipo de terreno. Pois é, se calhar ainda não havia tecnologia de ponta como hoje, que permite colocar as estacas onde assentam os pilares de suporte, a muitas dezenas de metros de profundidade, mais ou menos a 35 metros (não confirmei), mas também não é isso o mais importante para esta narração…
Falo nisto a propósito, porque uma grande parte de nós esteve no meio do rio Cacheu, fez guarda à jangada que permitia a sua travessia, de margem para margem, noite e dia, portanto 24 horas/dia.
Atravessamos aquele local dezenas de vezes e, durante o tempo de guarda e vigia, também passamos muito bons momentos, quando nos deliciávamos com os petiscos, que íamos cozinhando ao fim da tarde, nomeadamente, os belíssimos, saborosos e enormes caranguejos, que ali apanhávamos da maneira mais simples; um arco de pipo, um bocado de rede e umas taliscas de bacalhau presas à rede, que tínhamos de “subtrair” no depósito de géneros.
O Vagomestre - Fur Mil Ernesto Milton Patrício -, que era natural de uma vila de Trás-os-Montes (um dia destes lembrarei o nome), consentia pacificamente nestes nossos “desvios”.
A ponte tem 730 metros de comprimento, foi concluída em 3 de Abril do corrente ano e inaugurada em 19 de Junho.
Quanta falta nos fez esta e outras pontes nos tempos em que por lá permanecemos? Sei que isto é um bocado de poesia, mas…
As fotos que acompanham esta história são recentes, como é evidente, e retratam a ponte já pronta (a utilização da foto foi autorizada pelo Engº Pedro Moço).
Há uma terceira que terá sido obtida por um missionário italiano, que está no blogue http://didinho.org/uma_viagem_especial.htm, onde consta a descrição de uma viagem que este homem fez do Senegal para a Guiné.
Curiosamente, a citada viagem teve o seguinte percurso; estando em Zinguinchor, o italiano rodou para nascente ao longo da fronteira e entrou na Guiné a norte de Bigene (segundo um mapa desenhado pelo próprio).
A foto do missionário italiano (muito idêntica à do Engº Pedro Moço – Soares da Costa)
Passado todo este tempo eu diria, divagando, que estando em Zinguinchor (uma cidade a norte de S. Domingos, onde já se ia em 1963, 1964, etc., no blogue há relatos de deslocações dessas), aquele homem podia vir a esta localidade fronteiriça da Guiné (mais directo) e depois por ali abaixo, ou por ali acima (porque na Guiné é difícil dizer o sentido correcto), vinha a Sedengal e a Ingoré.
Isto porque a descrição da sua aventura é datada de Maio de 2009, e nela está mencionada a fotografia da ponte que agora é objecto deste poste.
Fotos: © Autores mencionados (2009). Direitos reservados.
Um abraço,
José Marques Ferreira
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Notas de M.R.:
(*) Vd. último poste da série em:
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