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quinta-feira, 28 de março de 2024

Guiné 61/74 - P25312: A 23ª hora: Memórias do consulado do Gen Bettencourt Rodrigues, Governador e Com-Chefe do CTIG (21 de setembro de 1973-26 de abril de 1974) - Parte XIII: Cerca de 95% do total dos médicos e 75% dos professores em serviço no território eram militares...

Guiné > Zona Leste >  Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) >  Bambadinca, 1970/72 > Reordenamento de Nhabijões > c. 1970 > O saudoso  alf mil médico, Joaquim Vidal Saraiva  (1936-2015) (Guileje, Bambadinca e Bissau, 1969/71) prestando cuidados de saúde

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. No seu depoimento sobre a Guiné, no livro  escrito a quatro mãos, “África: a vitória traída” (Braga, Intervenção, 1977, pp. 103-142), o gen Bettencourt Rodrigues, o último Com-Chefe do CTIG, tem alguns dados “interessantes” sobre a “situação político-económico-social” do território, reportada aos princípios de 1974:

(i) nos primeiros três meses de 1974 (o último ano da guerra), destaca-se como grande acontecimento “político-social” o V Congresso do Povo (de 21 de fevereiro a 10 de abril);  mobilizou “alguns milhares de representantes das populações” (sic), tendo dado lugar a  “24 sessões de 4 reuniões cada, em 19 localidades da Guiné, além de Bissau”, espalhadas por todo o território, e sem qualquer interferência do PAIGC (pp. 107/108);

(ii) de 15 a 20 de janeiro desse ano, a Guiné recebeu a visita do Ministro do Ultramar que se deslocou a “Teixeira Pinto, Cacheu, Pelundo e Farim, no Norte, a Nova Lamego e Bafatá (viajando de automóvel entre estas duas localidades), no Leste, e a Catió e Caboxanque, no Sul” (pág. 108);

(iii) o orçamento da província nesse ano era de 380 mil contos (cerca de 20% mais do que o do ano anterior) (a preços de hoje, seriam 72,5 milhões de euros) (acrescente-se que o aumento de 1973 para 1974, não tem significado, era neutralizado pela inflação);

(iv) dava-se início ao Plano de Empreendimentos (no âmbito do IV Plano de Fomento), dotado de 155 mil contos (com incidência sobretudo nas áreas da Educação, Saúde, Vias de Comunicação, Agricultura e Melhoramentos Urbanos e Rurais (155 mil contos era um valor equivalente, a preços de hoje,  a c. 29,5 milhões de euros) (pág. 109);

(v) a população escolar era estimada em 61 mil alunos (com 2200 professores), dos quais 91,8%  no ensino primário; no ciclo preparatório e no ensino secundário, havia apenas 6,2% e 2%, respetivamente;

(vi) dos professores no ensino primário (1050, no total), 220 eram militares (c. 21%);

(vii) o território dispunha de 1 Hospital Central, 3 Hospitais Regionais, 6 Hospitais Rurais, 50 Postos Sanitários (24 com médico e enfermeiro) e 12 Maternidades (pág. 109);

(viii) os recursos humanos da saúde eram os seguintes:

  • 82 médicos (sendo 4 civis, e os restantes militares);
  • 2 farmacêuticos e 1 farmacêutico-analista;
  • 360 enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
  • 2 assistentes sociais e 1 auxiliar social; e
  • 76 parteiras e auxiliares de parteira.

(ix) em 1972, o número total de consultas (dadas a doentes civis) foi de 676 mil, mas apenas 1 em cada 4 foi prestada pelos Serviços Provinciais de Saúde, sendo as restantes (74,3%) da responsabilidade das Forças Armadas (pág. 110);

(x) no setor privado empresarial, era de assinalar a entrada em laboração de uma “fábrica de cerveja e refrigerantes” e de um “parque de armazenagem e envasilhamento de gases de petróleo liquefeito"; em fase adiantada de construção, havia uma "nova unidade hoteleira em Bissau";

(xi) a participação das Forças Armadas nas tarefas de desenvolvimento económico-social pode ser ilustrada pelos seguintes dados relativos a recursos humanos:

  • 270 militares (37 oficiais, 50 sargentos e 182 praças) estavam destacados em funções exclusivamente civis;
  • em acumulação (também com funções civis), havia 137 militares (110 oficiais, 21 sargentos e 6 praças);
  • dos 82 médicos em serviço na Guiné, 76 pertenciam às Forças Armadas (e 2 dois eram seus familiares):
  • cerca de 75% dos professores eram militares ou seus familiares.

(xii) 160 mil contos (c. 38,5 milhões de euros, a preços atuais) foi a verba dispendida em 1973 pelas Forças Armadas, no âmbito do desenvolvimento socioeconómico, sob a forma de “comparticipação direta” (na saúde, educação e desenvolvimento rural) (c. 40 mil contos), e de “comparticipação indireta” (transportes e vencimentos pagos a civis, e) (c. 120 mil contos) (pág. 112).

(xiii) no Plano de Empreendimentos para 1974, cabia às Forças Armadas a construção de 1500 casas  em 44 reordenamentos, 11 postos sanitários e 30 edifícios escolares, a par da continuação da construção da estrada Aldeia Formosa-Buba (que já estava em fase adiantada);

(xiv) até ao final de 1973, as Forças Armadas tinham construído 15.700 casas, 167 escolas, 50 postos sanitários, 56 fontenários e 3 mesquitas, e aberto 144 furos para abastecimento de água. (pág. 115)

Acrescente-se que toda esta dinâmica  vinha já da conceção e execução da política spinolista "Por uma Guiné Melhor"... 

O novo Governador limitou-se a apanhar o comboio em andamento, sem tempo, nos 7 meses do seu "consulado", para reformular as políticas e os projetos em curso, da autotia do seu antecessor.

Pora outro lado, é conveniente lembrar que havia escasser de recursos humanos na saúde (bem como na educação): por exemplo, em 3 décadas, de 1960 a 19i0, o número de médicos em Portugal quase que triplica, passando de 7,1 mil (em 1960) para 19,3 (em 1980), mas com  crescimento menor entre 60 e 70, de apenas 1,2 mil, situação  explicável pelas crises académicas,  menor acesso à universidade,  existência de apenas 3 faculdades de medicina, inexistência de carreiras médicas, serviço militar obrigatório, guerra colonial,  menor cobertura da população por  esquemas de saúde públicos e  privados, etc.

E também havia falta de enfermeiros, que passaram de 9,5 mil (em 1960) para 22,1 mil (em 1980).

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sábado, 9 de maio de 2020

Guiné 61/74 - P20955: (In)citações (149): Homenagem ao ex-alf mil capelão, Arsénio Puim, CCS / BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), no seu 84º aniversário - Parte V: lembranças do capelão do BART 2917 (Beja Santos)


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Setor L1 > Bambinca > CCS/ BART 2917 (1970/72) > O Mário Beja Santos, cmdt do Pel Caç Nat 52, em fim de comissão, junto ao edifício de comando, messe  e instalações de oficiais. Era aqui o quarto do médico e do capelão... (Do lado esquerdo, eram as instalações dos sargentos; o edifício em U fora construído pela Engenharia Militar, BENG 447, ao tempo do BART 1904 (, que será substituído pelo BCAÇ 2852, 1968/70)... O Beja Santos, que esteve em Missirá, conheceu estes 3 batalhões).

Arquivo do Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné


1. Lembranças do capelão do BART 2919

por Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, Comandante do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70)

Arsénio Puim. Foto do cmdt da CCS / BART 2917,
Cap Art Gualberto Magno Passos Marques,
Convivi com três batalhões, dependi sempre das respetivas CCS, tudo que tinha a ver com cimento e arame farpado, tratamentos de enfermaria, visitas do médico ao Cuor, ou doentes do Cuor à consulta médica, manutenção de viaturas, pagamentos à tropa (caçadores nativos e milícias), munições, caixas com bacalhau e barricas de pé de porco, tinha que ser tratado com o respetivo comandante ou seu substituto. 

Comecei com o BART 1904, até setembro de 1968, com o BCAÇ 2852, até maio de 1970, e até fins de julho com o BART 2919. 

Tivemos vários capelães de passagem, dormiam no quarto com o médico, a recordação mais bizarra que conservo eram as discussões fora de horas entre o Dr. Vidal Saraiva e o capelão, tudo aos gritos, dizia o médico que Deus não existia, pois se existisse não consentiria naquela carnificina. Gritavam um com o outro, o Vidal Saraiva atirava violentamente com a porta e vinha queixar-se para outros quartos, amainava com um copo de uísque e retirava-se com uns livros do Tio Patinhas.

Isto tudo para explicar que tenho fugazes lembranças do Arsénio Puim, era muito comedido nas suas homilias, muito reservado na messe, nós tínhamos um tema em comum que eram os Açores, originário da Ilha de Santa Maria, devo tê-lo aborrecido a contar as peripécias com um pelotão de marienses que apareceu nos Arrifes, não puderam ir passar o Natal de 1967 com as famílias, procurou-se colmatar o desgosto organizando uma festa em que houve imensa participação de gente amiga, assim se amainou a saudade daqueles jovens que passavam o primeiro Natal longe de entes-queridos. 

Guardo as melhores lembranças do batalhão recém-chegado. Ciente de que estava a atingir 24 meses de comissão, e já num estado físico pouco lisonjeiro, o tenente-coronel Domingos Magalhães Filipe deu-me como prato de substância o apoio aos trabalhos do alcatroamento da estrada do Xime, entre Amedalai e Ponta Coli, um non-stop das cinco da manhã às cinco da tarde e as noites horríficas na ponte do rio Undunduma, a título excecional aquele trabalho árduo que era a organização das colunas de Bambadinca ao Xitole, onde íamos com a CCAÇ 12.

Nos 84 anos do Arsénio Puim, posso dizer que lhe desejo uma longa vida plena de alegrias, que lhe estou grato pelo conforto espiritual que me ofereceu, tanto não o esqueço que tenho procurado enviar-lhes correio eletrónico e que bom seria que ele viesse à liça, que nos deixasse as suas memórias, pois só dispomos de testemunhos raros e de um modo geral fragmentados, ponto curioso é que muitos de nós não os esquecemos, há testemunhos tocantes de capelães que suavizaram a vida de quem penava nos confins do mato e carecia de arrimo religioso. 

Será muito bem-vindo tudo quanto o Arsénio Puim escrever das suas lembranças em Bambadinca e arredores. E, Arsénio, receba um abraço muito afetuoso do Mário Beja Santos
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Nota do editor:

sábado, 8 de outubro de 2016

Guiné 63/74 - P16576: O cruzeiro das nossas vidas (24): Ainda o regresso a casa, no inesquecível paquete Uíge, da Companhia Colonial de Navegação, em março de 1971 (Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE José Maria Barata, CCS/BCAÇ 2893, Nova Lamego, 1969/71)



N/M Uige > Viagem Bissau-Lisboa > Março de 1971 >  O ten SGE José Maria Barata  mais a esposa dona Floripes da Palma Teixeira Barata... A família (que incluía os 3 filhos menores, Rui, de 8 anos e as gémeas Sofia e Adelaide, de 7) viajou em 1ª classe. O ten Barata regressou mais cedo, nesta data, pro razões de saúde.


 Viagem Bissau-Lisboa >  Novembro de 1969 > O ten SGE José Maria Barata, do lado direito ao centro,  num grupo de alferes milicianos da CCS/BCAÇ 2893 (Nova Lamego, 1969/71). O BCAÇ 2893 partiu de Lisboa, moblizaqdo pelo BCAÇ 10, em 25/11/1969 e regressaria à metrópole, depois de cumprida sua missão, em 25/9/1971.

Esteve sempre em Nova Lamego.´Foi seu comandante o ten cor inf Fernando Carneiro de Magalhães. Companhias de quadrícula: CCAÇ 26167, 2618 e 2619..

O nosso camarada Constantino Neves, identificou os oficiais desta foto; ao lado do ten Barata, junto à janela de oculos escuros está o alferes mec auto José dos Santos Rosado de Oliveira (1), à frente deste (1), também de óculos, está o alferes de transmissões, caboverdiano, Antónop Augusto Gonçalves (2); de frente ao ten Barata, está o alferes João dos Santos Serra Lavadinho (3). Dos outros dois ele não se recorda dos nomes mas diz que eram do Batalhão ("basta ver o emblema do batalhão num deles").


Ver  a lista dos passageiros da 1ª classe embarcados em Bissau e com destino a Lisboa (, abaixo reproduzida): eram 46, entre militares (35) e civis (11), na maioria familiares (mulheres e crianças). Há 3 famílias a bordo, com crianças: as famílias Barata, Vidal Saraiva e Brandão. Estas duas últimas eram de médicos milicianos, em serviço seguramente no HM 241.  O alf mil médico Vidal Saraiva  (1936-2105) esteve com alguns de nós em Bambadinca, em 1970, ao tempo do BART 2917,  e já foi aqui homenageado no nosso blogue.

A única família que "vinha do mato" (Nova Lamego), era a família Barata, um caso raro, excecional. (Os Barata tiveram todos o "batismo de fogo", em 15/11/1970, em Nova Lamego; é possível que o ten José Maria Barata tenha decidido antecipar o regresso da família, face ao agravamento da situação militar no leste da Guiné, e em particular na região do Gabu).

Nota curiosa... nesta viagem do N/M Uíge, que partiu de Bissau em 2/3/1971,  vieram também, de regresso a casa, pelo menos dois camaradas nossos,  o César Dias (em classe turística) (ex-fur mil sapador da CCS/BCAÇ 2885, Mansoa, 1969/71) e o Manuel [Carline] Resende [Ferreira]  (em 1ª classe) (ex-alf mil da CCaç 2585 / BCaç 2884, Jolmete, Pelundo e Teixeira Pinto, 1969/71).

Como alguém disse, o Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande!


Fotos: © Adelaide Barata Carrêlo (2016) Todos os direitos reservados. [Edição e  legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Adelaide Barata, aos 7 anos
1. A nossa amiga Adelaide Barata Carrêlo mandou-nos, a 19 de setembro último, mais umas recordações do tempo em que esteve, aos 7 anos,  na Guiné, mais exatamente em Nova Lamego, com o pai, a mãe e os irmãos, tendo regressado no N/M Uíge,  em 2 de  março de 1971.

 Amigo Luís,

Mais uma recordação do nosso regresso da Guiné.  

Na ida para o leste da Guiné, em 1970, sei que apanhámos um avião, bastante barulhento, de Bissau para Nova Lamego, e o regresso foi da mesma forma [, talvez um Dakota]. 

Quando regressámos a Lisboa foi naquele paquete inesquecível UIGE- Companhia Colonial de Navegação" (*)

Beijinhos
Adelaide











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segunda-feira, 19 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16504: O cruzeiro das nossas vidas (23): Depois da "comissão de serviço" em Nova Lamego", a família Barata regressou a casa, no T/T Uíge, em março de 1971 (Adelaide Barata Carrêlo, filha do ten SGE José Maria Barata, CCS/BCAÇ 2893, 1969/71)




















Fotos: © Adelaide Barata Carrêlo (2016) Todos os direitos reservados.
[Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O T/T Uíge, o paquete da Companhia Colonial de Navegação (CCN), onde a pequena Adelaide de Jesus Barata, de 7 anos, regressou a Lisboa, em março de 1971, com o pai, tenente José Maria Barta, a mãe, a irmã gémea Sofia e o irmão Rui...

Na lista dos passageiros de 1ª classe vamos também encontrar o nosso conhecido alf mil médico Joaquim Manuel Pinheiro Vidal Sariava  (1936-2015) e a esposa (mais dois filhos menores, a Isabel Cristina e o Luís Miguel).

O T/T Uíge (onde também eu viajaria para a metrópole quinze dias depois, em 17/3/1971, mais os meus camaradas metropolitanos da CCAÇ 12!...) levava desta vez 1281 passageiros, distribuidos por 3 classses:  58, na 1ª; 128, na 2ª;  e 1095 na 3ª.

O "programas das festas" chegou-nos à mão, em formato pdf, através da nossa grã-tabanqueira Adelaide Barata Carrelo, com a seguinte nota, e com a data de hoje:

Amigo Luís, mais uma recordação do nosso regresso da Guiné. Viemos no UIGE, como podes ver. Beijinhos, Adelaide.

"Delícias da Húngria" (sic) [, Hungria, palavra grave ou paroxítona, mas nome de um país do bloco soviético que era hostil ao Portugal de então]  foram servidas à sobremesa no jantar de despedida. A orquesta tocou, também para despedida, a "Tristesse" [Tristeza], do polaco Frederico Chopin (Estudo Opus 10, nº. 3 em mi maior, composto em 1832),...  Seguramente que os  acordes românticos do piano do salãio de festas da 1ª classe  do  T/T Uíge não devem ter chegado aos porões da 3ª classe onde vinham os heróis da Pátria... LG
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Nota do editor

Último poste da série > 13 de junho de 2015 >  Guiné 63/74 - P14740: O cruzeiro das nossas vidas (22): A viagem no Alenquer, a chegada, o desembarque e o rumo ao destino (José Martins)

sábado, 2 de julho de 2016

Guiné 63/74 - P16259: Manuscritos(s) (Luís Graça) (86): O Relim Não é um Poema (à memoria do médico Joaquim Vidal Saraiva 1936-2015)


À memória de Joaquim Vidal Saraiva  (1936-2015), ex-alf mil médico (Guileje, Bambadinca e Bissau, 1969/71)


Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Extractos de: História da Unidade: BCAÇ 2852 (Bambadinca, 1968/70). Bambadinca: Batalhão de Caçadores 2852. 1970. Cap. II. 145-146.

Op Tigre Vadio

Iniciada em 30 [de Março de 1970], às 7h00, com a duração de 2 dias, para fazer um patrulhamento conjugado com emboscadas e batida na região do Cuor/Madina. Tomaram parte na operação os seguintes destacamentos: (i) Dest A: CCAÇ 2636 a 2 Gr Comb, reforçada pelo Pel Caç Nat 52; (ii) Dest B: CCAÇ 12 a 3 Gr Comb; (iii) Dest C: Pel Caç Nat 54 + 1 Esq Mort 81 / Pel Mort 2106.

Relim:

Op Tigre Vadio terminou 1 [de Abril], 13h00. Regresso quartéis terminado 1, 16h30. Aproximação dificultada partir 31, 8h00 queimada linear feita IN. 31, 14h00, detectado acampamento região Belel (Mambonco 7I4-97) oito moranças com colmo sete adobo.

IN reagiu PPSH e RGPG-2 cerca de 2 minutos, sofrendo 15 (quinze) mortos confirmados, vestígios sangue 10 (dez) feridos graves. Verificado após incêndio acampamento 6 PPSH queimadas.

Destruídos meios vida. NT sofreram 2 feridos ligeiros. Batida Mort 81 mata (Mambonco 8H5- 17) ouvidos muitos gritos de dor. Fuga IN direcção (Mambonco 8G6 -32).

31 [de Março], 17h00 encontrada cadeira vigia e 2 granadas RPG-2 (Bambadinca 1A8-95). Gr[upo] IN estimado 6/8 elementos emboscou NT 2 LGFog, RPG-2 e PPSH cerca de 5 minutos.

IN fugiu reacção NT impossibilitadas perseguição virtude forte ataque abelhas causou diminuição física bastantes elementos. NT tiveram 1 ferido ligeiro e 1 ferido grave, 1 doente grave esgotamento.


Transcrição MSG 1404/C Com-Chefe (Oper): 

COMCHEFE MANIFESTA SEU AGRADO REALIZAÇÃO RESULTADOS OBTIDOS OP TIGRE VADIO.



2. O Relim não é um poema



por Luís Graça



[à memória do médico 
Joaquim António Vidal Saraiva, 1936-2015]




Participaste nesta operação,
a Operação Tigre Vadio,
que era pressuposto durar dois dias.

Um passeio a Madina/Belel, 
a sudeste de Sara / Sarauol,
um patrulhamento ofensivo,
a travessia de um rio,
uma excursão a um santuário da guerrilha,
uma visita de cortesia,
aos homens do mato,
ali tão perto,
para retribuição de outras visitas de cortesia
que eles nos faziam,
aos destacamentos de Missirá e de Finete,

Porto Gole e Enxalé,
e à navegação no Geba Estreito,

no Mato Cão.
Em boa verdade,
só te faltou o autocarro autopulman,
com ar condicionado 
e bar aberto.

Éramos só tropa-macaca,
como convinha,
sempre era mais seguro e barato:
pretos de primeira da tua CCAÇ 12
e dos Pel Caç Nat 52 e 54,
mais alguns brancos de segunda,
os açorianos
da CCAÇ Vinte e Seis Trinta e Seis

e um esquadrão de morteiro 81.
Levámos dois cantis de água por cabeça.

O que é um gajo pensa,

aos vinte três anos,
de Missirá a Salá 
e daqui até Sancorlá,
em bicha de pirilau,
escuro como breu,
a alma tensa,
o corpo lasso,
o capim mais alto
que as searas de trigo da tua terra,

lá na cabeça do império, 
a fustigar-te as trombas ?
Bendita chuva, ou chuvinha,
a primeira do ano,
que é um refrigério;
maldita a trovada,
ligada ao automático,
a disparar de rajada,
que te desperta os terrores mais antigos
da tua espécie.


Um gajo não pensa nada,

enquanto caminha toda a noite,
não tem tesão
para pensar,
apenas para sobreviver
a mais uma operação,

no final do tempo seco...
Era março, marçagão,
mas na tua terra não,
que em abril, sim, 
é que as águas são mil.


Era pressuposto haver um reabastecimento
no dia seguinte,
como manda o mais elementar bom senso
e a experiência operacional do passado
(ver Operação Lança Afiada
em que um em cada seis fora evacuado).


Caminhaste, caminhámos, 
penosamente,
toda noite,
Era pressuposto a guerra parar
às dez horas da manhã,
às dez em ponto,
para fazer o piquenique.
Porque o clima é quem mais ordena,
e não o relógio do comandante.

Cortaram-nos as voltas,
os gajos do PAIGC
(não te apetece dizer IN),
cercaram-nos pelo fogo.
E, quanto a Deus, Alá e os irãs,
mais as abelhas selvagens da Guiné,
a gente nunca sabia exatamente
de que lado é que estavam.

Temerariamente,
decidimos brincar ao gato e ao rato.
às catorze horas da tarde, 

no píncaro do dia,
com uma temperatura brutal
e os cantis vazios...


Havia ali uma dúzia de casas
de colmo e de adobe,
mesmo a jeito ou por azar,
para a gente despejar
as nossas granadas de bazuca
e de morteiro oitenta e um.

Pois que saia, e  forte,
a bazucada, a morteirada,
com o código da morte!

Nós, quem ?

O patrão da Dornier, do PCV,
da tropa-macaca,
a quem as moranças estragavam a vista
nos seus passeios matinais
pelo corredor do Oio,
com ciclovia e tudo,
uma autêntica autoestrada
para as "bikes" dos homens do mato,
oferta da Suécia com amor.
Ainda não havia os Strelas,
a temível arma dos arsenais
do inimigo,
que haveriam de pôr o tuga
em sentido, em terra,
ou a pau, quando voava...


Alguém puxou dos galões dourados
e decidiu fazer um golpe de mão,
ou melhor: mandar fazer,
que tu nunca viste nenhum cão grande,
de capitão para cima,
andar cá em baixo,
com a tropa-macaca,
com a puta da canhota nas mãos.

A escassas semanas de acabar a comissão,
p'ra ficar bem no álbum de fotografia do

batalhão,
e impressionar o Caco Baldé,
o homem grande de Bissau...


Um senhor da guerra qualquer,
do batalhão de Bambadinca,

que gostava de andar de Dornier, 
de cu tremido,
e que queria chegar a tenente-coronel,
e a coronel
e a general,
o que era perfeitamente normal
para quem escolhera a carreira das armas.

Quem ?
Quem é que manda nesta merda,
ó oinca,
que lavras a tua bolanha,
e que talhas com a tua catana
a piroga onde te afogas ?
Quem é que comanda esta tropa-macaca,
ó mandinga,
ó beafada
ó fula,
ó minha gente ?
É uma imensa cobra
que se desloca nas terras do Infali Soncó,
espantando os bichos e os irãs,
qual rolo compressor
destruindo tudo à sua passagem.
Não se lhe vê nem o rabo
nem a cabeça.


Entretanto, já alguém,
o nosso "tigre de Missirá",
tinha ido buscar, de heli,
o reabastecimento de água
a Bambadinca.
Alguém dos nossos (preto ou açoriano) terá,
intencional ou inadvertidamente,
disparado uma rajada que atingiu o heli
e estilhaçou um dos vidros laterais.
O heli foi para Bissau, para a oficina,
e o "tigre", que é vadio mas não voa,

ficou retido no Xime.


A verdade é esta, camaradas:
o PCV falhou, 

o plano de operações,
o heli falhou,
a cadeia de comando quebrou-se,
ou porventura alguém quis matar
o "tigre de Missirá",
afinal o elo mais fraco da cadeia.
O ataque de abelhas fez o resto,
enquanto o senhor comandante do PCV
foi dormir nessa noite na sua cama em Bambadinca.



No regresso ao Enxalé,
depois de uma segunda noite no mato,
sofremos brutalmente,
tu sofreste,
que a dor não dá
para partilhar,
sofreste brutalmente a desidratação,
o esgotamento físico.
a insolação,
as miragens,
o absurdo,
a desumanidade.

Tiveste miragens,
como no deserto do Sará,
bebeste o teu próprio mijo,
esgotado o soro,
mastigaste as ervas do orvalho,
esgotada a água,
desesperaste,
perdida a esperança,
bebeste sofregamente a água choca dos charcos,
amparaste os mais desgraçados do que tu,
transportaste os feridos.
consolaste os mais sofridos,
fizeste as tuas obras de misericórdia,
segundo o Evangelho de São Mateus

que aprendeste quando eras cristão e crente 
e temente a Deus 
e tinhas amor à Pátria.

Não deste nenhum tiro de misericórdia, 
mesmo cristãmente, 
aos moribundos que não chegaram a haver,
felizmente,
mas odiaste o PCV,
Bambadinca,
as fardas, 

os galões,
a tropa, 

a guerra,
Herr Spnínola,
a Guiné,

o Amílcar Cabral,
os senhores da guerra
e os seus títeres.
Odiaste até... 
o dia em que nasceste.

Um homem,
mesmo o cristão que tu és,
tem que odiar, saber odiar,
para sobreviver,

em qualquer guerra,
tem que odiar o inimigo
e tem que odiar o seu general.

Camarada
que fizeste comigo a Op Tigre Vadio,
depois de tantos anos,
releio o relim
e há qualquer coisa que mexe em mim:

o relim não é um poema,
um poema épico ou dramático,
é sim, tão apenas,
um esquema telegráfico
da guerra
para os senhores que estão em terra.


O relim faz economia
dos quilos de merda
que destilaste,
que destilámos,
das miríades de abelhas kamikazes
que arrancaste do cachaço,
que arrancámos do couro cabeludo,
dos gritos de dor
que ecoaram pelas matas de Madina/Belel,
dos teus gritos
e dos gritos dos desgraçados dos elementos pop
que morreram à hora da sua sesta,
carbonizados,
o relim faz economia de tudo que é acessório,
das paredes do estômago
coladas uma à outra pela fome,
a sede,
a lassidão do corpo,
a tensão da alma,
sem um colchão
para te estirares,
sem um ombro amigo
para chorares, de raiva.

Não, nunca mais iremos esquecer Madina/Belel.
tu, eu e mais 250 homens, combatentes
(oito grupos de combate),
fora um número indeterminado de civis, nativos,
contratados ou arrebanhados
como carregadores
(para transporte à cabeça,
como no tempo do Teixeira Pinto,
o "capitão diabo"
de granadas de morteiro,
de bazuca,
de jericãs de água).
E que largaram tudo,
ao primeiro ataque
do exército das abelhas do Cuor,
quiçá treinadas na China ou em Cuba.

Ah, esqueci-me de mencionar o médico
do batalhão,
o nosso médico,
Vidal Saraiva (tinha esquecido o teu nome,
valente alferes miliciano médico),
que o "tigre de Missirá"
deve ter conseguido aliciar
à última hora,
face aos casos graves de desidratação,
insolação,
intoxicação
e ferimentos em combate...

Pobre doutor
(ninguém tratava ninguém por doutor
lá no cu do mundo,
longe do Vietname)
ficaste em terra
(nunca te tratámos por tu, a não ser hoje),
perdeste a boleia do heli
e conheceste o inferno do Cuor,
com os teus trinta e três anos feitos.

Agora, que morreste,
lá no Olimpo,
ao lado do velho Hipócrates, teu mestre,
deves estar a sorrir,
com um sorriso bonacheirão,
benevolente,
ou com uma gargalhada desbragada,
destas peripécias cá na terra...

Meus senhores,
o Relim não é um poema,
é um exercício de economia,
um tratado
de estética,
um compêndio de gramática,
um fait-divers com que se brinca,
um escarro na cara do Zé Soldado,
entre duas partidas de bridge ou de king
na messe dos oficiais de Bambadinca.

Que nos valha, ao menos, o RDM,
o Regulamento de Disciplina Militar,
é mais grosso,
tem mais papel,
vê lá tu,
é coisa que se apalpa, outrossim,
e que em último caso serve,
bem melhor do que o capim,
para enxugar a pele,
para limpar... o cu.

Luís Graça

Bambadinca, abril de 1970 / Alfragide, junho de 2016
 _____________

Nota do editor:

Último poste da série > 4 de junho de 2016 > Guiné 63/74 - P16165: Manuscrito(s) (Luís Graça (85): Peço desculpa...

quinta-feira, 30 de junho de 2016

Guiné 63/74 - P16253: In Memoriam (261): Joaquim Vidal Saraiva (1936-2015), um adeus, emocionado, do "Tigre de Missirá"



Foto nº 116 A


Foto nº 116 B



Foto nº 117 A



Fotyo nº 118 A


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > 1970 > Destacamento de Nhabijões > 
O alf mil médico Joaquim Vidal Saraiva, de 33 anos,  prestando assistência médica à população do reordenamento de Nhabijões, maioritariamente de etnia balanta (e com "parentes no mato", tanto a norte do Cuor como ao longo da margem direita do Rio Corubal, nos subsetores do Xime e do Xitole). À sua  vesquerda  tinha um intérprete. Na foto nº 117 A, vê-se. sentado, por detrás do médico, o major op inf Herberto Alfredo do Amaral Sampaio,  responsável pelo grande reordenamento de Nhabijões, talvez o maior ou um dos maiores da Guiné, na época, com c. de 3 centenas de moranças e diversos equipamentos (escola,  posto sanitário, etc.).
De seu nome completo, Joaquim António Pinheiro Vidal Saraiva, (i) nasceu em 26 de Junho de 1936; (ii) .fez a licenciatura em medicina e cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto para a qual entrou no ano escolar  de 1957/58;  (iii) foi alf mil med na Guiné (1969/71), tendo passado por Guileje, Bambadinca e Bissau (HM 241); (iv) era especialista em cirurgia geral; (v).trabalhou. no Hospital de São João, no Porto e no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE; (vi) residia em São Félix da Marinha, V. N. Gaia; (vi) foi a um único encintro do pessoal de Bambadinmca, em 2004,em Ferreira do Zézere; (vii) soubemos agora da triste notícia da sua morte, ocorrida há um ano, em 21/6/2015; (viii) está sepultado em Valadares, V.N. Gaia. 

Fotos: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição: complementar: LG]



1. Comentário de Mário Beja Santas, "Tigre de Missirá",  ao poste P16251 (*)

[Foto à esquerda: Bambadinca, 1970: Mério Beja Santos, ex-alf mil inf, Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70, junto ao edifício do comando e instalações de oficiais, ao tempo da CCS/BCAÇ 2852; foto do arquivo do blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

Queridos camaradas, 
Não sei por onde começar, acresce que tenho que me manter muito contido, não abrir a porta às emoções. 
O Joaquim Vidal Saraiva desembarcou em Bissalanca e não chegou a entrar em Bissau, uma avioneta levou-o diretamente para Guileje. Aí permaneceu alguns meses, pedia encarecidamente que nunca o questionássemos sobre o que viu, ouviu e o que tratou, mas vinha bem marcado. 
Era um camarada sempre a transparecer vivacidade, pronto para os acepipes e sempre capaz de entrar nos quartos a desoras exigindo-nos livros do tio Patinhas, a pressão era tão forte que o Abel Rodrigues, o Magalhães Moreira e eu, os três locatários daquele habitáculo, nos combinámos em comprar em Bafatá vários livros para o sossegar naquelas noites de turvação, em que lhe faltava o lenitivo literário. 
Ficará na minha vida como alguém que me tratou fisicamente e que deu suporte, sempre com a sua solicitude maravilhosa, à minha tropa. Recordo particularmente o estúpido acidente de 1 de Janeiro de 1970 em que Quebá Sissé disparou sobre o Uam Sambu e este caiu no colo dizendo: alfero, mim muri! 
O Vidal Saraiva, na enfermaria de Bambadinca, tudo fez para lhe estancar as golfadas de sangue, chegou morto a Bissau, o Vidal andou dias deprimido e gemia: "Anda aqui um gajo a dar o coirão sem conseguir safar estes desgraçados, que merda de profissão a minha!". 
O Vidal Saraiva é autor de uma frase única, uma exclamação que ainda não consta no dicionário da Academia das Ciências, algo sinónimo a caramba, "é o caralho feito vaca!". Jogava à lerpa com comentários desbragados, que o digam o Zé Luís Vacas de Carvalho, o Ismael Augusto, o Fernando Calado. 
Tinha as suas extravagâncias, quando lhe comunquei que ia casar a Bissau foi prontamente falar com o comandante, Jovelino Sá Moniz Pampolona Corte-Real: "O meu comandante fica a saber que vou a Bissau tratar de trazer equipamento médico e aproveito para assisitir ao casamento do Tigre".
O mínimo dos mínimos que me ocorre dizer, e continuo a procurar estar contido, é que perdi, e muitos de nós perdemos, um meteoro que nos aliviava a alma, um compincha das nossas pequenas estúrdias, um zelador da saúde dos nossos homens. 
Durante anos ainda liguei para o Hospital da Gaia e marcávamos encontros imaginários. Escrevo com um mágoa sem limites, há momentos em que parece que caminho num campo de batalha do tipo da I Guerra Mundial em que vejo petardos a fazer desaparecer a malta da minha trincheira, é um desnorte terrível, sentimos que o trilho se estreita e que, irremediavelmente, nunca mais exprimiremos face a face a gratidão profunda por aqueles gestos que praticámos há quase 50 anos, e que restam grudados na retina e no coração. 
Curvo-me respeitosamente diante de si, meu caro Vidal Saraiva, é mesmo tudo tão extraordinário que posso escrever pela sua bocaé mesmo o caralho feito vaca, lá nas nuvens receba um abraço do Tigre.
______________ 

Guiné 63/74 - P16251: In Memoriam (260): Joaquim [António Pinheiro] Vidal Saraiva (1936-2015), especialista em Cirurgia Geral, ex-alf mil med CCS/BCAÇ 2852 (Bambadinca, nov 1969/jun 1970) e HM 241 (Bissau, 1970)... Está sepultado em Valadares, V. N. Gaia. Passa a ser o nosso grã-tabanqueiro nº 720, a título póstumo.


Guiné > Zona Leste > Sector L1 (Bambadinca) > CCS/ BCAÇ 2852 (1968/70) > 1970 > Destacamento de Nhabijões > Assistência médica à população do reordenamento de Nhabijões, maioritariamente de etnia balanta (e com "parentes no mato", tanto a norte do Cuor como ao longo da margem direita do Rio Corubal, nos subsetores do Xime e do Xitole). Como se vê, a consulta médica era muito pouco privada... Além disso, o médico tinha que utilizar os serviços de um intérprete (, que está de pé, ao lado do paciente, que veio diretamente do trabalho, na bolanha). Ao canto superior esquerdo, há um tabuleta em madeira onde se lê: "Por favor não deitar lixo para o chão".

Foto: © Arlindo T. Roda (2010). Todos os direitos reservados . [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Na foto, vemos quatro oficiais, só um dos quais é do Quadro Permanente (o major op inf Herberto Alfredo do Amaral Sampaio); os restantes oficiais são milicianos:

(i) o alf mil cav J. L. Vacas de Carvalho (de calções, sentado), comandante do Pel Rec Daimler 2206 (que tinha chegado ao Sector L1  em jan/fev de 1970, e que é membro do nosso blogue);

(ii) o alf mil médico Joaquim Vidal Saraiva (, chefado à CCS, em novembro de 1969, vindo de Guileje);

e (iii) ainda um outro alf mil, de pé, de camuflado, que era um adjunto do major: foi ele próprio, em comentário, de 19 de junho de 2010, ao poste P6596, quem se apresentou aos nossos leitores:

"Sou eu, João António Leitão Simões Santos, natural do Cartaxo, nascido a 19/07/1948, residente no Cartaxo. Era alf mil na CCS do BCAÇ 2852 e tinha a especialidade de Reconhecimento e Informação. Fui eu que fiz o levantamento topográfico e acompanhei parte da construção dos Nhabijões. Quando da vinda do BCAÇ 2852, para a Metrópole [em 8 junho de 1970], fiquei no BENG 447, na Secção de Reordenamentos, fazendo serviço no BENG 447 e no QG, na Amura, coordenando o envio de materiais de construção para os reordenamentos".


2. O alf mil méd Joaquim Vidal Saraiva foi identificado, nesta foto do Arlindo T. Roda,  por dois camaradas nossos,  o ex-1º cabo cripto Gabriel Gonçalves, da CCAÇ 12 (1969/71) e o ex-alf mil cav, José Luís Vacas de Carvalho, comandante do Pel Rec Daimler 2206 (1970/71). O Zé Luis gostava de acompanhar os médicos da CCS porque "queria ir para medicina"... O Zé Luís também identificou o major Sampaio.

O Vidal Saraiva, lembro-me bem dele, eu e o Fernando Sousa, o nosso 1º cabo aux enf:  ficou retido um dia no mato, connosco, CCAÇ 12,  Pel Caç Nat 52 e outros, na Op Tigre Vadio, em março de 1970.

De seu nome completo, Joaquim [António Pinheiro] Vidal Saraiva, nascido em 26 de Junho de 1936, trabalhou. no Centro Hospitalar Vila Nova de Gaia / Espinho, EPE. Terá também trabalhado antes do Hospital de São João, no Porto, segundo o Fernando Sousa, que vive na Trofa e que um dia o viu lá. Fez a licenciatura em medicina e cirurgia na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, para a qual entrou no ano letivo de 1957/58.

Estava inscrito na Ordem dos Médicos, Secção Regional do Norte,  como especialista em Cirurgia Geral.  Residia em S. Félix da Marinha, Vila Nova de Gaia... Deve-se ter reformado antes dos  70 anos.


Capa do Anuário da Universidade do Porto, ano escolar de 1957/58, donde consta o nome de Joaquim Manuel Pinheiro Vidal Saraiva, como aluno  do 1º ano da licenciatuira de medicina e cirurgia. (Imagem reproduzido com a devida vénia...).

O Fernando Andrade Sousa, da Trofa, deu-me a triste, há umas semanas atrás: o dr. Vidal Saraiva, o nosso médico de Bambadinca,  havia já morrido, no ano passado, em 21/6/2015, fez agora um ano. Está sepultado em Valadares, Vila Nova de Gaia. O Fernando leu a notícia necrológica no JN - Jornal de Notícias,e  guardou o recorte, com a fotografia dele. A última vez que o viu, "já bastante acabado", foi num encontro do pessoal de  Bambadinca, em 2004, em Ferreira do Zêzere.

O nosso camarada não chegou, portanto,  a completar os 80 anos (que faria a 26 de junho de 2016). Com ele morreu também algo de nós que convivemos com ele, seis ous ete meses em Bambadinca...


3. O Zé Luís Vacas de Carvalho, que foi comandante, em Bambadinca, do Pelotão Daimler 2206,  lembra-se bem do Vidal Saraiva:

"Estivémos com ele em 2004, em Ferreira do Zêzere.  Era médico  em Gaia. Lembro-me uma vez que o Piça [, 2º sargento da CCAÇ 12,] entornou um jipe cheio de gaiatos e, como eu queria ir para medicina, estive a ajudá-lo a fazer curativos" (...).

Esta cena, com o Piça, pensava eu que se teria passado em janeiro ou fevereiro de 1971, já no final da nossa comissão, quando já esperávamos os "periquitos"... E andávamos completamente "apanhados pelo clima"... Mas. não, deve ter isdo antes... Felizmente, não morreu nenhum puto, E o Vidal Saraiva foi, mais uma vez, inexcedível, juntamente  com o nosso fur mil enf,  o João Carreiro Martins, da CCAÇ 12. Sim, deve ter sido um ano antes, quando o Vidal Saraiva ainda estava em Bambadinca.

 Não, não podia ter sido em janeiro ou fevereiro de 1971.  O Benjamin Durães não o cita como um dos quatro  médicos do seu tempo, ou seja,  do tempo da CCS/ BART 2917...Lembro-me bem do alf mil médico. Mário Gonçalves Ferreira, que esteve na sede do Batalhão em Bambadinca, de 27 de maio de 1970 a 25 de janeiro de 1971, data em que foi transferido para o HM 241, em Bissau.

Segundo informação do Beja Santos, o Vidal Saraiva terá vindo de Guileje, por volta de outubro ou novembro de 1969, vindo substituir o David Payne, na CCS/BCAÇ 2852. O David Payne Rodrigues Pereira, que já morreu, fez mais tarde a especialidade de  psiquiatra (ou já era especialista em 1968/70, não sei exatamente). Nessa altura quem estava em, Guileje era a CART 2410, " Os Dráculas" (junho 1969/março 1970). A CART 2410, além de Guileje, também esteve em Gadamael e Ganturé,

Pelo menos dois membros da nossa Tabanca Grande pertencerama  esta companhia e é possível que se lembrem do Vidal Saraiva: (i) o fur  mil Luís Guerreiro [da CART 2410, e do Pel Caç Nat 65 (Piche, Buruntuma e Bajocunda], e que vive em Monterreal, Canadá; e (ii) o alf mil  José Barros Rocha, de Penafiel.

Tenho ideia  de que os nossos médicos passavam uns escassos meses nas CCS dos batalhões, sendo solicitados para aqui e para acolá (e nomeadamente para o HM 241, em Bissau), sobretudo os cirurgiões, de que havia muita falta. Foi o caso do Vidal Saraiva que acabou o resto da comissão no HM 241, na  cirurgia, de acordo com o testemunho do seu colega (e  nosso camarada) José  Pardete Ferreira (que esteve no CAOP1, Teixeira Pinto, e no HM 241, Bissau, 1969/71). O J. Pardete Ferreiat esteve no HM 241 com o J. Vidal Saraiva. Não sabemos quando este terminou a sua comissão: talvez já em 1971...

Mas o Vidal Saraiva nem sequer vem na lista dos oficiais médicos que constam da História do BCAÇ 2852...  Deve ter ido para Bissau em meados de 1970,  talvez no início de junho, altura em que o BART 2917 (1970/72) tomou conta do Sector L1, rendendo o BCAÇ 2852 (1968/70). Foi nessa altura que chegou o Mário Gonçalves Ferreira.

Na Op Tigre Vadio (*), a uma das bases do PAIGC na região de Madina / Belel, a norte do Rio Geba, no limite do Sector L1, em março de 1970, o Saraiva veio no helicóptero de reabastecimento com o Beja Santos, depois do ataque às instalações do IN, para prestar assistência médica aos casos mais graves de intoxicação (devido ao ataque de abelhas), de desidratação e de ferimentos por fogo do IN...

Acabou por ficar em terra uma vez o que o helicóptero, danificado (por "fogo amigo", ao que parece, na versão do Beja Santos), já não voltou... Deixou o Beja Santos no Xime e zarpou para Bissau...

O dr. Vidal Saraiva acabou por aguentar, de pé firme, o resto do dia e toda a noite e toda a manhã, acompanhando-nos e socorrendo os mais combalidos, sempre auxiliado pelo valente Fernando Sousa (que estava em todas, um herói da CCAÇ 12!),  na nossa extremamente penosa,  dramática e inesquecível viagem de regresso, até ao aquartelamento do Enxalé.

Um pesadelo, camaradas!... É daquelas situações de guerra que nos fica gravadas, na memória, toda a vida, para sempre!

O nosso camarada Gabriel Gonçalves, ex-1º cabo cripto da CCAÇ 12, tem também uma grata recordação deste oficial médico:

"O dr. Saraiva, safou-me quando estive muito doente. Por isso é que me lembro bem dele. É um excelente ser humano. Não sei se te lembras, de um filme rodado na enfermaria, de uma operação ao 'corte do freio', efectuada com todos os requisitos! O nosso furriel enfermeiro, o "Bolha-d'água", assistiu o dr. Saraiva nessa operação! Já não me lembro quem era o paciente, mas que foi um sucesso, lá isso foi".

O Jaime Machado e o Beja conheceram-no muito bem ... e os dois têm ainda bem presentes,  na memória,  o desastre que vitimou o Uam Sambu, no dia de ano novo de 1970. Apesar dos primeiros socorros prestados em Bambadinca pelo Vidal Saraivba e a sua equipa. o pobre do  Sambu não sobreviveu (**).



Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > CCS/BCAÇ 2852 (1968/70) > 1 de janeiro de 1970 >  Porrmenor dos primeiros socorros que foram prestados ao Uam Sambu antes de ser evacuado. Era médico do batalhão o Vidal Saraiva que se vê na foto,  de óculos escuros, assinalado a amarelo. O Beja Santos está de costas, com o camuflado encharcado de sangue, tendo transportado o Sambu
as costas até ao quartel. À esquerda do Beja Santos, sob a asa da DO 27, com a mão direita à cintura, em pose expectante, está o fur mil enf da CCAÇ 12, o meu amigo João Carreiro Martins, de quem não tenho notícias há uns anos. E do lado direito, em calções e sem camisa estou eu.  Ainda não conseguimos identificar a enfermeira paraquedista, em fernte do dr. Vidal Saraiva. Recorde-se que na manhã de 1/1/1970, à saída da Missão do Sono, em Bambadincazinho, o Uam Sambu, do Pelç Caç Nat 52,  foi vitíma de um grave acidente com arma de fogo que lhe custou a vida. Morreu, na DO 27. a caminho do HM 241.

Foto: © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: LG]


Convívio do pessoal de Bambadinca (1968/71)> Ferreia do Zêzere > 31/5/2003 > O Fernando Sousa em primeiro plano e por detrás o dr. Vidal Saraiva, com 67 anos.

Foto: © Fernando Sousa (2018). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Vidal Saraiba no reordenamento de Nhabijões (1970).
Foto de Arlindo Roda (2010)
4. Tenho ainda,  também, bem presente, uma história envolveu o nosso Vidal Saraiva: 

Estávamos numa "farra", que metia copos e bailação, na extensão de Bambadinca do Bataclã de Bafatá (, bairro da Rocha,) , e que acabou dramaticamente, às tantas da manhã, com a tentativa de reanimar, no posto médico, no quartel, uma criança, filha de uma das nossas amigas coloridas, acometida de um grave (e fatal) problema de insuficiência cardiorrespiratória...Possivelmente, seria um caso de morte súbita durante o sono...

Ainda não tive arranjar tempo (nem muito menos coragem) para reconstituir este trágico episódio... Precisava que os meus camaradas, presentes nessa noite, me ajudassem a refrescar a memória... Há pormenores a rever. O médico de serviço, esse, lembro-me bem dele, também estava presente, tentando divertir-se: era o alf mil med Joaquim Vidal Saraiva, da CCS/BART 2917, mais velho do que nós, furriéis e alferes milicianos, pelo menos uns 10 anos...

Soleimatu, Ana Maria, Helena...Havia também em Bambadinca, na tabanca de Bambadinca, logo a seguir ao quartel, quando se descia rampa, uma morança que era de uma delas (?) ou era de um azeiteiro qualquer, proxeneta (da tropa ou civil ?)... Já não me recordo. Sei que fazíamos lá farras... Era o Sempre em Festa, o Bataclã de Bambadinca...

Um dia, a filha, pequena, de um delas ( talvez da Soleimatu), adoeceu subitamente, a farra acabou na enfermaria de Bambadinca com o médico, o Saraiva, a tentar salvá-la, com os escassos meios que tínhamos... Foi uma noite de pesadelo, de encarniçamento terapêutico, fizemos tudo que sabíamos e podíamos para a salvar.... Também fui um dos que segurei a miúda que devia ter um ano e tal.... Morreu às cinco da manhã...

Fiquei muito impressionado. Fizemos uma coleta para ajudar a mãe, amiga da Helena, a famosa e dengosa Helena de Bafatá... Talvez fosse a Soleimatu (?).... (O sexo em tempo de guerra, a nossa miséria sexual, o drama destas jovens mulheres, algumas já com filhos!)...

Pois é, camaradas.. Apesar de todos os esforços (e sobretudo do nosso Pastilhas, o fur mil enf João Martins, da CCAÇ 12,  e do dr. Vidal Saraiva), a criança morreu nas nossas mãos, já no posto médico de Bambadinca... Ou já vinha morta, da morança onde a malta dançava...Sei que o baile acabou, com grande consternação de todos e todas...   

Quem é que se lembra deste trágico episódio, no "Bataclã" de Bambadinca, uma improvisada "boite" que ficava na tabanca de Bambadinca, fora portanto do perímetro do arame farpado ? Talvez o Tony Levezinho, o Humberto Reis, o Joaquim Fernandes, o Luciano, o Gabriel Gonçalves, o Zé Luís Vacas de Carvalho... Dançava-se (e bebia-se) ao som de música de gira-disco... Já não me lembro quem era o "empresário da noite", seria seguramente alguém que tinha jeito para o negócio...

Sei que isto se passa nos primeiros meses de 1970, ainda antes do Vidal Saraiva partir para o HM 241... Morreu, de morte súbita durante o sono, uma criança, bebé, talves ainda de meses, filha de uma das nossas "amigas de Bafatá"... Tentámos tudo para a reanimar...

Fazer um baile na tabanca de Bambadinca, sem segurança, perguntarão alguns se não seria temerário... A resposta é não. Todos os nossos 100 soldados africanos, fulas, fidelíssimos, dormiam na tabanca... Mais: eram todos desarranchados e tinham mulheres e filhos em Bambadinca, misturados com gente vária (, incluindo simpatisantes do PAIGC)... Havia 2 grandes tabancas em Bambadinca: Bambadincazinho, a oeste do aquartelamento e posto admnistrativo (com escola, correios, igreja...), e Bambadinca p. d. a leste...




JN -Jornal de Notícias, 21/6/2015. Recorte de imprensa gentilmente enviado pelo nosso amigo e camarada Fernando Sousa



O Vidal Saraiva foi um grande médico e um grande camarada. Em vida, tentei em vão contactá-lo pelo o seu nº de telefone, de casa e da clínica. Onde quer que ele esteja, provavelmente no Olimpo da Medicina, ao lado do seu mestre Hipócrates, mando-lhe um abraço tentacular de saudade, camaradagem e homenagem. O que me diria, se fosse vivo, hoje, aos 80 anos ? Repetir-me-ia o famoso aforismo de Hipócrates, traduzindo 25 séculos de sabedoria: "A vida é curta, a arte é longa, a oportunidade é fugaz, a experiência enganosa, o julgamento difícil.” .

Era muito raro um médico ir para o mato. O mesmo acontecendo com os furriéis enfermeiros... Depois da Op Tigre Vadio, o seu prestígio aumentou aos meus olhos, Por tudo isto, ele merece um lugar de destaque, aqui,  à sombra do poilão da nossa Tabanca Grande, por sugestão minha e com o apoio do Fernando Sousa, o ex-1º cabo aux enf da CCAÇ 12, membro recente da nossa Tabanca Grande, e que nos triouxe a funesta notícia, a da morte do dr. Vidal Saraiva... E com o apoaio, também, seguramente dos camaradas que, no TO da Guiné, tiveram o privilégio de o conhecer e de com ele conviver.

Vidal Saraiva, presente!.,..Serás, a título póstumo, o nosso grã-tabanqueiro nº 720. (***)  (LG)
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Notas do editor:

(*) Vd. poste de 8 de junho de 2011 > Guiné 63/74 - P8388: A minha CCAÇ 12 (18): Tugas, poucos, mas loucos...30 de Março-1 de Abril de 1970, a dramática e temerária Op Tigre Vadio (Luís Graça)

(**) Vd. poste de 29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

(***) Último poste da série > 31 de maio de 2016 > Guiné 63/74 - P16150: In Memoriam (259): José Manuel P. Quadrado (1947-2016): mais um bravo do 1º pelotão da CCAÇ 12 (Contuboel e Bambadinca, 1969/71) que nos deixa, 47 anos depois de desembarcarmos em Bissau; vivia na Moita, foi 1º cabo apontador de dilagrama, e comandante de secçcão: vai simbolicamente repousar sob o poilão da Tabanca Grande... Que a terra da tua Pátria te seja leve, camarada!