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segunda-feira, 18 de julho de 2022

Guiné 61/74 - P23439: O nosso livro de visitas (216): Areolino Cruz (Bafatá, 1944 - Cubucaré, 1965) foi meu colega de carteira no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, nos anos de 1957/58. Guardo dele uma terna recordação (Francisco A. Monteiro e Souza, natural de Cabo Verde, a viver nos Açores, ex-membro da FAP e da TAP)



Colégio Nun'Álvares, de Tomar, Externato e Internato, Masculino e Feminino - Cursos: Curso Primário Elementar; Cursos de Admissão aos Liceus e Escolas Técnicas; Curso completo dos Liceus (do 1º ao 7º ano): Curso completo Comercial (ciclo Preparatório e Curso Geral de Comércio);  Admissão às Universidades e Institutos médios e superiores.

Anúncio publicitário inseridno,  na pág. 93, na revista Seara Nova, nº 1385-86. março-abril de 1961. Fonte: RIC - Revistas de Ideias e Culura | SLHI - Seminário Livre de História das Ideias, CHAM | FCSH | Universidade NOVA de Lisboa. (Com a devida vénia...)



A notícia da morte de Areolino Cruz foi divulgada no Boletim mensal «Libertação», Órgão de informação oficial do PAIGC, edição n.º 62, Janeiro de 1966, classificado de "número especial". O texto que abaixo citamos foi retirado da página 11.




Citação: (1966), "Libertação", n.º 62, Ano 1966, Janeiro de 1966 | Fundação Mário Soares / DAC - Documentos Amílcar Cabral - Vasco Cabral  (com a devida vénia).

Infografia: Jorge Araújo / Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).



1. Mensagem recebida no Formulário de Contacto do Blogger  (*): 

Data - quinta, 14/07/2022, 17:17

Fui colega de carteira do Areolino 
[Cruz], no Colégio Nuno Álvares, em Tomar, nos anos 57/58. 

Embora mais novo que ele, guardo do mesmo uma terna recordação. Sai do colégio em 1958 e desde então perdi o contacto com o mesmo. 

Soube mais tarde,através do Daniel Ramos Benoliel, guineense, que comigo serviu na Força Aérea Portuguesa e mais tarde foi meu colega na TAP, que o Areolino tinha ido para a URSS estudar e que, por qualquer motivo, foi recambiado para a Guine, onde viria a morrer.
Paz à sua alma.

Francisco Souza (natural de Cabo Verde).

Cumprimentos,
Francisco A. Monteiro e Souza


2. Resposta do editor Luís Graça:

Data - sexta, 15/07/2022, 10:29

Francisco, obrigado pelo contacto. Sobre o Areolino Cruz (Bafatá, 1944 - Cubucaré, 1965) temos pelo menos 3 referências.(**)

Se não vir inconveniente, gostávamos de poder publicar a sua mensagem. É sempre escassa a informação sobre os homens (guineenses, cabo-verdianos, portugueses, cubanos...) que estiveram "do outro lado" nesta guerra, afinal de contas fratricida... 

O nosso blogue é uma plataforma para a partilha de memórias de todos nós que, ao fim e ao cabo, continuamos a ter a Guiné e a sua gente (e, claro, Cabo Verde) no coração.

Mantenhas. Luis Graça

3. Resposta de Francisco A. Monteiro e Sousa:

Data - 16 jul 2022 14h59

Caro Luís Graça,

Muito obrigado pela sua mensagem. Não vejo qualquer inconveniente em publicar a minha mensagem. 

Mais informo que durante a minha estadia no colégio Nuno Álvares,em Tomar, fui colega de vários outros Guineenses, entre eles o João Domingos Gomes,o Eslávio Gomes Correia e os irmãos Inácio e Júlio Semedo   [o Inácio Semedo tem 1o referências no nosso blogue], todos eles mais velhos que eu,  mas com os quais mantive boas relações. Não sei se ainda estão vivos, mas se ainda o forem,  daqui (Açores, onde vivo desde 1979) lhes envio um fraterno abraço.

Termino enviando-lhe um cordial abraço.

Francisco A.Monteiro e Souza.
_____________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 26 de abril de 2022 > Guiné 61/74 - P23203: O nosso livro de visitas (215): Martin Evison, inglês, em nome da ONGD Action Guinea BIssau, uma "charity" do Reino Unido, criada em 2020, que atua em Catió e Cufar

(**) Sobre o Areolino da Cruz, vd. postes de:

24 de fevereiro de 2021 > Guiné 61/74 - P21943: (D)o outro lado do combate (65): a morte de Areolino Cruz (Bafatá, 1944-Cubucaré, 1965), professor do ensino básico no Cantanhez (Jorge Araújo)

(...) Areolino Cruz, de nome completo: Areolino Lopes da Cruz Júnior, filho de Augusto Lopes da Cruz e de Domingas da Rocha Cruz, nasceu em 14 de Janeiro de 1944 (6.ª feira), em Bafatá. Morreu, como se infere da nossa investigação, em Cubucaré, na Região de Tombali (Cantanhez), entre 17 e 20 de Dezembro de 1965, de acordo com as circunstâncias relatadas no ponto 3 deste texto. (...)

23 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P21000: PAIGC - Quem foi quem (13): Areolino Cruz, professor do ensino primário, que alegadamente terá perdido a vida ao tentar salvar os seus alunos durante um bombardeamento, em Cubucaré, em 17 de fevereiro de 1964 (Cherno Baldé / Jorge Araújo)

20 de maio de 2020 > Guiné 61/74 - P20994: (D)o outro lado do combate (60): O ataque a Pirada em 15 de julho de 1963 (Jorge Araújo)

terça-feira, 9 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22699: (De)Caras (182): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - II (e última) Parte


Guiné-Bissau > Região de Bafatá > Bambadinca > Bairro Joli > Novembro de 2010 > "
A casa no Bairro Joli, perto de Santa Helena, onde estou a viver. Foi erguida por Inácio Semedo, que pertenceu ao PAIGC,  e que por isso foi obrigado a viver em Angola durante 7 anos. Um dos seus filhos, o Eng.º Fernando Semedo, procura pôr de pé o sonho do seu pai, dar vida ao projecto agro-industrial." (*)

Fotos (e legenda): © Mário Beja Santos  (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa da Ponta Nova, junto ao Bairro Joli e a Santa Helena, e  Ponta Brandão,  entre Bambadinca e Fá Mandinga. 

 Eram as duas pontas com destilaria de aguardente de cana  que  restavam ao tempo do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72).

Mas, antes da guerra,  havia outras pontas e outras destilarias, em Bambadinca. Explorando a carta de Bambadinca de 1955, encontramos mais pontas para além da Ponta Brandão e da Ponta Nova: por exemplo, Ponta Barbosa, a sudoeste de Fá Mandinga, Ponta Cabarande e Ponta Amaro (acima de Bissaque), mais a norte, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Mas também Ponta Gregório Mendonça, a nordeste de Bambadincazinho, e Ponta Mamadu, a sul...Havia ainda a Ponta Romão, a sul do campo de aviação de Bambadinca... Havia outra Ponta, sem nome, do outro lado do rio, a oeste da Ponta Amaro... Enfim, "manga de pontas", que havia à volta de Bambadinca antes do início da guerra... Quem seriam estes "ponteiros" ? O que lhes aconteceu ? 

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2021).


1. Diz a  história do BART 2917 (Bambadinca, 1970/72), que em Bambadinca restavam só duas destilarias de aguardente de cana (**).  

Uma delas era a da Ponta Brandão (***), sabemos nós de ciência certa. A outra pertencia a outro ponteiro, Inácio Semedo Sénior: foi o próprio filho Inácio Semedo Júnior que mo disse, em 2008. Mas só ontem localizámos na carta de Bambadinca a Ponta Nova, ao reler as crónicas do Mário Beja Santos, que revisitou Bambadinca e os seus arredores em novembro de 2010, crónicas a que deu nome "Operação Tangomau"(*).

A Ponta Nova e a sua destilaria pertenciam à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento, 
numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca,  no início dos anos 50, segundo informação do historiador e nosso saudoso amigo Leopoldo Amado (1960-2021).

Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal caiu nas malhas da PIDE. Condenado a dois anos de prisão, acabou por sair da Guiné e ir para Angola, onde viveu 7 anos (, segundo imformação do Beja Santos). 

O velho Semedo era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências. Conheci-o em Lisboa, em 2008, estando afastado da vida política.  Disse-lhe que era uma pena se não escrevesse as suas memórias. Foi embaixador do seu país em Portugal e na Suécia. (****)

Falando, ao telefone, em 15 de outubro de 2008,   com ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, e ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura, ele estava com 65 anos de idade, devendo  ter nascido, portanto, por volta de 1943;

(ii) era natural de Bambadinca;

(iii) era filho de Inácio Semedo Sénior, um histórico do PAIGC;

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo o costume de comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente oriundos de Samba Silate, Nhabijões, Mero, Bairro Joli,  Santa Helena...);

(v) trocava-se, naquele tempo, aguardente por arroz, sendo o arroz do sul, o celeiro da Guiné, o melhor;

(vi) a Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia antes da guerra;

(vii) disse-me ainda que estava então, em 2008, a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca...

2. Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota (que em 2013 era x-embaixador de Portugal nas Coreias, ASEAN e Indonésia, docente da Universidade de S. José, Macau; passou três anos na Guiné-Bissau). (*****)

O Carlos Frota foi visitar o velho Semedo, à sua ponta, no Bairro Joli, nas imediações de Bambadinca, já depois da independênca. Ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC, e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

" (...) Revisitando a 'minha' Guiné, lembro com saudade muitas pessoas, algumas já desaparecidas,como José Baptista, jovem diplomata do Protocolo do MNE guineense, e passados poucos anos embaixador em Lisboa. (...)

Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida."

Reunimo-nos à mesa, cheia de acepipes mais coloridos e bem cheirosos uns do que outros, com a família alargada, incluindo naturalmente o Júlio, ministro dos Negócios Estrangeiros, e o Inácio Junior, embaixador em Washington. E isto, entre as brincadeiras da criançada e ordens da dona da casa directamente para a cozinha.

Foi uma reunião de família, a qual fomos associados com a informalidade que só os africanos e poucos outros (nos portugueses incluídos) sabem ter.

E falou-se de tudo entre família, desaparecendo, logo à entrada da porta, o meu estatuto de diplomata português, para dar lugar, simplesmente e para meu grande prazer, ao do amigo. Meus filhos foram imediatamente “adoptados” também como os netos mais recentes.

E durante a conversa, ininterrupta, houve referências, naturalmente, à luta do PAIGC pela independência. Mas, dos casos relatados, não transparecia nenhum ódio, nem mesmo animosidade, para com o antigo inimigo.

Havia resignação sofredora, uma como que fatalidade pelo que acontecera, mas transposto “isso” (um “isso” que implicou, infelizmente, milhares de mortos, de ambos os lados) ressurgiram os afectos entre muitos, para além das barreiras da cor da pele e do estatuto social.

Tive aliás o ensejo de testemunhar essa estranha camaradagem entre velhos inimigos quando, como Encarregado de Negócios, fui anfitrião da primeira delegação militar portuguesa que se deslocou à Guiné depois de 1975-76.

Para minha estupefacção, e durante todo um jantar que ofereci a militares portugueses e seus interlocutores guineenses, eles trocaram entre si anedotas de “tugas” e “turras”, acabando tudo em risadas e abraços! Magnífico efeito da paz!

Nós éramos vizinhos do ministro Júlio Semedo. Estivemos na festa de baptizado da sua filha, como vizinhos normais que éramos. A única anormalidade foi que, durante um bailarico improvisado, dançámos numa sala onde havia um militar armado até aos dentes em cada canto, “apenas” porque entre nós estava também…o camarada presidente Nino Vieira…E entre bom vinho português, garrafas de cerveja Cicer (muito gostosa, de fabrico local) e galinha de churrasco, nas várias mesas dispersas pela sala e abundantemente providas, lá via de repente o olho de uma Kalashnikov apontada…a ninguém!

Estranha confraternização, realmente! (...)".


3. A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria o Brandão Mané, de que já aqui falámos em tempo ? (******)

A família Brandão de Bambadinca  seria também aparentada com os Semedo,  se bem percebi na minha conversa ao telefone com o Inácio Semedo Júnior em 15 de outubro de 2008.

Disse-me ainda que, aos 16/17 anos [por volta de 1959/60,] veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC  e/ou saído de Portugal nessa época.  

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr, na guerrilha, no sul, sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa, irmão do Vitorino Costa, morto pela CCAÇ 153, do cap u«inf José Curto, em meados de 1962. 

Garantiu-me que nunca andou na guerrilha, na sua terra natal, Bambadinca, na zona leste. A orientação do PAIGC era, compreensivelmente, pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido, e tinham família, vizinhos e amigos.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou então o curso de engenharia e  doutorou-se. 

A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado.

Inácio Semedo Jr. vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC. Prometemo-nos voltar a contactar (, o que nunca mais voltou a acontecer, imfelizmente), quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Pergnto-me: o que será feito dele ?
 ___________

Notas do editor:

(*) Vd. postes de:

10 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7417: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (4): 20 de Novembro, de Bambadinca para o Bairro Joli

(...) Tangomau tem paciência. Já cumprimentou meio mundo, como não tem o caderno à mão não fixou nomes que se irão tornar tão comuns como Braima, Madjo, Aliu, Fatu ou Nhalim. Calilo no que resta de uma Renault Express leva-o até ao Bairro Joli, é em casa da família Semedo que se vai aboletar. É melhor ficar por aqui. É que muito há a dizer sobre o Bairro Joli e esta quinta que Inácio Semedo ergueu com tanto amor, muito antes da guerra. O importante é saber que a bola de fogo paira sobre os palmares de Finete quando ele é acolhido no Bairro Joli. E por hoje, ponto final. (...) 


15 de dezembro de 2010 > Guiné 63/74 - P7440: Operação Tangomau (Mário Beja Santos) (5): Do Bambadincazinho para Ponta Varela

(...) A partir de Bambadinca, chega-se num ápice ao Bairro Joli, contíguo de Santa Helena. Por aqui andei no passado longínquo em missões pacíficas e em nomadizações hostis. Durante a guerra, comprava-se aqui gado, muito útil para os problemas de intendência de Missirá, os dois cabritos que Jobo Baldé ali assou no Natal de 1968, daqui vieram, seguiram pela bolanha de Finete num Unimog 411 e finaram-se na véspera de Natal, para gáudio de quem combatia e vivia naquele ponto do Cuor. Estes caminhos do Bairro Joli eram espiolhados devido à incontestável conivência de alguma população com os inimigos de Madina/Belel. Era o drama das relações de sangue de quem tinha optado pela luta ou ficado à sombra da bandeira portuguesa.

Em Santa Helena, Fá Balanta e Mero viviam comunidades balantas onde se acoitavam, à sorrelfa, civis e militares do mato, que procuravam informações, compravam tabaco ou sal, abasteciam-se de gado, traziam esteiras e produtos das suas hortas. Atravessavam o Geba estreito entre as bolanhas de Finete e Ponta Nova. Aparecíamos ao amanhecer em missões pouco conciliatórias e às vezes com inquirições duras. A verdade é que a comunicação, mesmo com mortes e feridos de permeio, nunca se interrompeu completamente. Ora é acima de Ponta Nova que eu vou habitar. Aqui se devotou Inácio Semedo a construir casa, destilaria e horta. A casa, basta ver a fotografia, é bem semelhante àquelas que se podiam ver em Malandim, Saliquinhé ou São Belchior, até mesmo no Enxalé, ao tempo. (..)



(****) Vd. postes de:


26 de outubro de  2008  > Guiné 63/74 - P3359: Em busca de ... (46): Inácio Semedo, agricultor de Bambadinca, um histórico do nacionalismo guineense (Pepito)

(...) Luís: Conheço muito bem o Inácio Semedo Jr.. É um bom amigo meu e pessoa por quem tenho muita consideração. Combatente da Libertação da Guiné-Bissau, sempre foi um Homem de Estado, com uma postura digna. (...)

Nada de estranho quando se é filho do já falecido Inácio Semedo, agricultor que, com o meu pai[ Artur Augusto Silva,] (...), fez parte de um grupo que nos idos de 50 pugnou pelo desenvolvimento do associativismo rural na então Guiné Portuguesa.

Quase 40 anos depois, tive a honra de o convidar a presidir às primeiras jornadas sobre o Associativismo Agricola na Guiné-Bissau. Fui a casa dele em Bambadinca para o efeito. Não estava lá, mas antes na sua propriedade agrícola onde o fui encontrar, já muito velhote, numa cadeira de rodas, a orientar os trabalhos. Uma verdadeira lição que nunca esquecerei.

Quando contactares o filho, ficarás rendido à sua simplicidade e maneira de ser. (...)

segunda-feira, 8 de novembro de 2021

Guiné 61/74 - P22696: (De)Caras (181): os dois "ponteiros" de Bambadinca, o velho Brandão (da Ponta Brandão) e o histórico Inácio Semedo, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento - Parte I



Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1 > Ponta Brandão, fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2.º cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70, de alcunha, o "major elétrico") na  ação psicossocial. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... Repare-se que a morança tem uma placa, no meio da parede, com "número de polícia": GU 23 (ou 27). A população parece ser balanta.


Guiné > Região de Bafatá > Bambadinca (Sector L1) > Ponta Brandão, uma "ponta" (exploração agrícola, com destilaria de cana de açúcar) que ficava nas imediações de Bambadinca, a caminho de Bafatá, na margem esquerda do Rio Geba Estreito... Na foto, o alf mil cav Jaime Machado (*).

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Zona Leste > Sector L1 > Bambadinca > Ponta Brandão > 1970 > Dois velhos balantas,  um deles vestido apenas de um rudimentar tapa-sexo. Arquivo pessoal de Humberto Reis (ex-furriel miliciano de operações especiais, CCAÇ 12, Bambadinca, 1969/71).

Foto: © Humberto Reis (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero, Santa Helena, Fá Balanta e Ponta Brandão, núcleos populacionais consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlada pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos: milícias e/ou Pel Caç Nat (52, 63)... Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar... O "ponteiro" era o velho Brandão.

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).


1. A Ponta Brandão veio,  de novo, à baila com a republicação  recente de mais uma das deliciosas  "estórias cabralianas" (**)... Oficial e cavalheiro, o "alfero Cabral", comandante do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) conta-nos, com a sua inimitável e inefável  brejeirice, as peripécias da 
inesperada visita ao destacamento de Fá Mandinga de "tres alferes de Bambadinca, acompanhados de duas raparigas", uma, a "filha do Senhor Brandão [, da ponta Brandão]" e a outra,  "uma amiga de Bissau, cabo-verdiana".

Não sabemos a razão de ser da visita: por motivos de segurança, só se podia viajar, sem escolta,  à volta de Bambadinca. Fá Mandinga ficava ali à mão, a cerca de 5 km. Ia-se (e vinha-se),;de jipe, nas calmas. Por outro lado, em Fá Mandinga tinha sido uma antiga estação agronómica por onde se dizia ter passado, nos anos 50, o Engº Agrónomo Amílcar Cabral, licenciado pelo ISA- Instituto Superior de Agronomia, de Lisboa... O que parece não corresponder à verdade, mas, provavelmente, as "duas raparigas" eram simpatisantes do PAIGC e queriam ver, com os seus olhos,  o que restava dessas instalações onde o "pai da Pátria" alegadamente trabalhara vinte anos antes ...Ou então os três jovens e galantes alferes de Bambadinca (quem teriam sido eles? ) devem-lhes vendido essa patranha...

Havia uma outra ponta, em Bambadinca (diz a história do BART 2917) (***), mas eu nunca soube onde ficava exatamente . Presumo que essa pertencesse ao outra "ponteiro", Inácio Semedo, de que falaremos num próximo poste. Antes da guerra, teria havido outras mais pontas. 

Os balantas adoravam aguardente de cana. Por outro lado, os comerciamtes também trocavam aguardente de cana por arroz aos balantas, que eram grande orizicultores. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, nomeadamente em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. A aguardente de cana era o uísque dos pobres. E sem álcool  ou droga ninguém faz guerras.

O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos  quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana, dos leitoes, da fruta tropical e de .... uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).
 
2. Recorde-se que na Guiné o vocábulo "ponta" quer dizer propriedade agrícola, exploração agrícola, horta, em geral junto a um curso de água, na margem de um rio, e o nome estava muitas vezes associado ao seu proprietário, cabo-verdiano ou "tuga": por exemplo, Ponta do Inglês, Ponta João da Silva, Ponta Luís Dias, Ponta Nova, no Rio Corubal.. Mas havia muito mais pontas pelo interior da Guiné: por exemplo, pela Carta de Farim, verifica-se que havia diversas pontas ao longo do curso do Rio Farim:

Ponta Caeiro
Ponta Fernandes
Ponta Paulo Cumba
Ponta Camilo
Ponta Pinto
Ponta Manuel Rodrigues
Ponta Boa Esperança
Ponta Cabral
Ponta Francisco Monteiro
Ponta Simão, etc.

Com o início da guerra, grande parte destas explorações agrícolas foram abandonadas...

Está, de resto, por fazer a história das pontas na Guiné (****)... Na carta de Cacheu / São Domingos, fui encontrar o topónimo, Ponta Salvador Barreto... Em Bambadinca, havia a Ponta Brandão... Fui lá algumas vezes... No Xime, a Ponta Coli, a Ponta Varela...

Há muitas histórias, ligadas às Pontas, que estão por contar... Mas a nossa curiosidade ficará, em muitos casos, por satisfazer: afinal, quem era o Varela ? E o Inglês ? E o Salvador Barreto ?

Mesmo em relação a Ponta Brandão... Q
uem era o velho Brandão?  A sua origem, a sua historia?... Seria também um desterrado? ... Não temos nenhuma foto dele, só do sítio (e de parte da sua destilaria). Mas na Ponta Brandão haveria mais população, e nomeadamente balanta, gente que no passado trabalhava a mando dele, na ponta e na destilaria...
Enfim, do velho  Brandão, sabemos pouco, embora a malta de Bambadinca, do meu tempo (1969/71), lá fosse com alguma frequência... Afinal, era um vizinho.

Eis aqui alguns testemunhos, já em tempos aqui publicados (*****):

(i) Torcato Mendonça (1943-2021) (o nosso saudaso amigo e camarada passou por Fá Mandinga, antes da da sua CART 2339, 1968/69, ter sido colocada em Mansambo):

(...)  Não sei se a Ponta Brandão de que falas, se refere a uma quinta, algures entre Fá e Bambadinca, e pertencente a um português há muito radicado na Guiné. Creio que por razões de ordem politica.

Tenho disso uma recordação muito fraca. O vagomestre parece que ia lá comprar vegetais. Passei lá uma ou duas vezes. O velhote tinha quatro ou cinco filhos, já homens e mulheres, mais velhos que nós. Falei com, pelo menos, um dos filhos. Contou-me que, antes da guerra certamente, caçavam no Geba jacarés e outro tipo de caça naquela zona, etc.

O velhote tinha uma destilaria. Estando a fazer aguardente de cana,quando por lá passei, agarrou num copo em bambú, encheu e bebeu a aguardente de um trago. Como quem bebe água fresca. Depois, noutro copo, deitou aguardente e deu-me a beber. Foi o liquido mais forte que bebi... deslizava e queimava... e ele olhava... respirei fundo e soprei forte. Fiquei desinfectado. O fulano sorrindo disse ter-me portado bem. 

A minha memória dessa destilaria é fraquissima. Há outro pormenor mas é com a "inteligência" de Bambadinca. O Jorge Cabral e outros militares que passaram por Fá, certamente lembram-se desta família. Será Brandão? Não sei.


(ii) Luís Graça:


(...) Também lá fui uma ou outra vez. Ponta quer dizer quinta. Logo havia lá criação (leitões, por exemplo), horta e fruta (abecaxis, por exemplo). Julgo ter lá ido algumas vezes quando algum de nós estava de sargento de dia à messe (ou sargento de mês, mais exactamente)... 

O Jaime  (Soares Santos), o nosso vaguemestre (da CCAÇ 12), batia região à cata de matéria-prima para satisfazer o apetite voraz da messe de Bambadinca (as meses de sargentos e de oficiais eram separadas, mas a cozinha era a mesma)...

O Jorge Cabral também conhecia a Ponta Brandão, que de resto ficava perto de Fá... Mas tudo aquilo, a começar pela casa, tinha um ar decadente...

Já não posso jurar se a família era de origem metropolitana, ou cabo-verdiana... Sei que a família Brandão de Bambadinca era aparentada com os Brandão de Catió... Uns e outros tinham fama de ter gente no PAIGC. Já os Semedos tinham fortes ligações ao PAIGC (...)

(iii) António Rosinha:

Quando se fala nestas figuras de comerciantes ou agricultores, neste caso com o nome de Brandão, que na Guiné é um dos nomes de colonos históricos, noutras ex-colónias há outros nomes também com história, estamos a falar dos verdadeiros colonizadores "à lá portuguesa".  

Estes homens, sem disso terem consciência, chegaram e abriram caminho e serviram de intérpretes, a missionários católicos e outros, a chefes de posto e administradores e militares.

Estes comerciantes raramente foram alvo de um estudo, que analizasse as suas grandezas e misérias. Mas todos os governantes, desde o Diogo Cão até ao Gen Spínola, secundarizaram estas pessoas, quando devia ter sido o contrário.

Os africanos (indígenas) davam mais importância a um comerciante do que a um governador geral ou a um missionário ou chefe de posto.

Em relação à guerra, tiveram um papel tão importante, para o bem ou para o mal, que podemos dizer que os milhares de Brandões na África portuguesa, foram os pais e os avós da maioria dos teóricos fundadores, do MPLA, PAIGC e FRELIMO, movimentos que secaram outros em volta, e com isso, talvez ainda sobre alguma coisa no fim de isto tudo.

Estes comerciantes, a maioria analfabetos, ou quase, chegavam a falar um dialeto ou mais que um, continuarão a ser olhados de soslaio por qualquer militar que, ao fim de 24 meses, não chegava a comprender aquela africanização, para não dizer outros nomes.

Estes portugueses de Áfricas e Brasis foram a história mais importante da diáspora portuguesa. Em geral viajaram com passagem paga por eles. Muitos netos dessa gente veio para o meio de nós em pontes aéreas. (*****)

(iv) Jorge Cabral:

Confirmo. Fui visita assídua do senhor Brandão, principalmente durante as férias da filha que trabalhava em Bissau. Era natural de Viana do Castelo ou da Póvoa de Varzim, já não me recordo bem. Teria na altura quase 80 anos, mais de 40 de Guiné e muitos filhos. (******)

A aguardente de cana era fogo... mas matava qualquer bicho, mesmo os imaginários...

(Continua)
___________



(***) Vd. poste de 16 de junho de 2010 > Guiné 63/74 - P6601: Elementos para a caracterização sociodemográfica e político-militar do Sector L1 (6): Povoações sob controlo IN; Recursos; Clima e meteorologia; Dispositivo e actuação da guerrilha (Benjamim Durães / J. Armando F. Almeida / Luís Graça)

terça-feira, 31 de outubro de 2017

Guiné 61/74 - P17920: (D)o outro lado do combate (14): a odisseia do português, da Murtosa, Rodrigo Rendeiro: uma viagem atribulada, de cerca de mil km, de 3 a 26 de setembro de 1963, de Porto Gole, onde tínha um estabelecimento comercial e era casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, Auá Seidi, e tinha cinco filhos,até ao Senegal (Samine, Ziguinchor e Dacar), unindo ocasionalmente o seu detino ao do PAIGC... Relatório, assinado por ele, mas de autenticidade duvidosa...



Guiné > Região de Bafatá > Sector L1 > Bambadinca > CCS / BART 2917 (1970/72 > Vista (parcial) da tabanca de Bambadinca, com o  Rio Geba ao fundo, e a saída para leste (no sentido de Bafatá)... Em primeiro plano, lado nordese do quartel e um dos abrigos, sobranceiros à tabanca, e a morança do comerciante português Rodrigo Rendeiro, do outro lado do arame farpado... Ficava do lado direito, quando se subia, vundo de Bafaté e do rio Geba,  a famosa rampa de acesso ao quartel e posto administrativo de Bambadinca.

Foto: © Benjamim Durães (2010). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Portal Casa Comum > Instituição:Fundação Mário Soares

Pasta: 07075.147.042 [Clicar aqui para ampliar]

Título: Relatório sobre o ingresso de Rodrigo Rendeiro no PAIGC

Assunto: Relatório assinado por Rodrigo Rendeiro, remetido ao Secretário Geral do PAIGC, sobre a sua saída de Porto Gole até ao ingresso no PAIGC.

Data: Quinta, 26 de Setembro de 1963

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Relatórios XI 1961-1964.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

Direitos:
A publicação, total ou parcial, deste documento exige prévia autorização da entidade detentora.

Arquivo Amílcar Cabral > 04. PAI/PAIGC > Relatórios/Directivas


Citação:
(1963), "Relatório sobre o ingresso de Rodrigo Rendeiro no PAIGC", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_41411 (2017-10-30)


Transcrição:

Dacar, 26 de setembro de 1963

Relatório ao Exmo. Sr. Secretário do PAIGC sobre a minha saída de Porto Gole, até ao ingresso nas fileiras nacionalistas (PAIGC)

No dia 3 de setembro de 1963, cerca das 7 horas da tarde, chegou a Porto Gole para libertação desta pequena vila da Guiné, dita Portuguesa, uma força nacionalista comandada pelo camarada Caetano Semedo,  e que não encontrou resistência por parte da população civil, visto esta comungar da mesma ânsia de liberdade do jugo colonialista português comandado por Salazar.

Quando o camarada Semedo chegou à minha casa comercial, convidou-me para abrir a porta da residência, com palavras e gestos corteses, o que logo me cativou e mais ainda fez luz no meu espírito[:] que os nacionalistas combatem por, e com, um ideal elevado, ou seja, a independência da sua terra do jugo capitalista e opressão salazarista, e não são indivíduos de baixos instintos, como diz a propaganda imperialista.

O camarada Semedo sabia perfeitamente que eu tinha conhecimento da sua base em [Baradoulo e não Barradul, vd. mapa de Mamboncó], povoação biafada, a 10 km de Porto Gole, e que da minha loja partia[m] os abastecimentos para os seus camaradas de luta. O meu empregado José Duarte Pinto era o responsável dos civis militantes em Porto Gole, [e] a quem eu dizia sempre que estivesse tranquilo, que da minha parte jamais haveria traição alguma, não só por viver na Guiné, dita Portuguesa, onde labutava [h]á vinte anos, mas também por encontrar nessa Guiné a mulher, de raça mandinga, e os nossos  cinco filhos, que são a minha principal família.

O camarada entendeu, como eu estava colaborando com eles, e para não sofrer [represálias](*) da parte das autoridades portuguesas, levar-me para a base de[ Baradoulo, e não Barradul] e depois para lugar seguro. Assim começou a minha viagem até à fronteira do  Senegal, passando pelas bases de Mansodé [, a sudoeste de Mansabá] e Morés, onde estive 14 dias, sendo tratado com todos os pergaminhos (sic) de delicadesa por parte do camarada Osvaldo Máximo Vieira e de seus camaradas de luta.

Parti do Morés no dia 17 do corrente, pelas 4 horas da tarde, para a fronteira do Senegal, jantando na povoção de [Fajonquito, a sul do Olossato] (**), comandada pelo camarada Mamadu Indjai, pessoa de trato afável que me dispensou todas as atenções. Depois de jantar nesta base, partimos para a povoação de Lete [, ou melhor, Leto, a sudoeste do Tancroal], onde cheguei aproximadamente às 3 horas da madrugada do dia 18. Descansámos nesta povoação até cerca das 4 horas da tarde. Donde partimos para a travessia [do rio Cacheu e não do rio Farim...] que já se fez de noite, devido à vigilância duma vedeta colonialista. 

Cerca das duas horas da manhã [, do dia 19,] chegámos à povoação fronteiriça de Jiribã [e não Giribam], já [no] Senegal, onde descansámos até  às 7 horas da manhã. De seguida partimos para [Ierã, em português, e não Eran], onde o guia nos antecedeu, partindo para Samine [, a leste de Ziguinchor, capital de Casamansa, e não Zinguichor]. Devido a má interpretação deste guia, as autoridades senegalesas tomaram-nos {por] prisioneiros de guerra, pelo que fomos detidos e algemados. 

À nossa chegada, o camarada Lourenço [Gomes], responsável do Partido em Samine, protestou junto das autoridades senegalesas, fazendo-as ver que não éramos prisioneiros mas sim refugiados que vínhamos pedir asilo no seio do PAIGC. Então fomos desalgemados e conduzidos ao lar dos camaradas,  onde almoçámos. Após o almoço seguimos para Ziguinchor, ainda detidos,  onde o camarada Lourenço [Gomes] nos antecedeu para tratar da nossa [libertação](***). 

Mas em Ziguinchor,  ainda durante [os] 4 dias [em]  que lá estivemos, continuámos detidos,  devido a [má] comunicação, com a gendarmaria, de Samine [e de] Ziguinchor, como prisioneiros. Após estes 4 dias, saímos de Ziguinchor para Dacar no dia 23, onde chegámos somente por volta das 8 horas da noite do [dia] 25, devido a uma avaria na viatura que nos transportava.

Como os nossos camaradas de Dacar, que têm como responsável o camarada [Pedro] Pires, não soubessem da nossa chegada, tivemos que dormir na prisão até  ao dia seguinte.  Depois de termos contacto como o camarada [Pedro] Pires, este dirigiu-se ao ministério do Interior, tratou dos nossos interesses e fomos postos em liberdade. Dirigi-me para o lar dos camaradas, onde me encontro desde o dia 25 do corrente.

Com o vivo protesto de saudações para o nosso partido, e que a nossa luta contra os colonialistas portugueses alcance em breve o seu fim.

[Assinatura, legível] Rodrigo Rendeiro,


 Revisão, fixação de texto e notas: Luís Graça

*No original, repressões; **  No original, Feijão Quito; *** No original, liberdade.


Parte final do relatório, datilografado, de 2 páginas, com a assinatura do comerciante português Rodrigo Rendeiro, datado de Dacar, 26 de setembro de 1963... 


1. Das vezes (duas ou três, pouco mais) que estive na sua casa, em Bambadinca, convidado para os seus famosos almoços de frango de chabéu, em geral aos domingos ou feriados, entre julho de 1969 e março de 1971, ele nunca me falou desta "odisseia" nem muito menos do seu passado de eventual militante ou simpatizante do PAIGC. 

Nem poderia falar, obviamente,  estando na presença de militares portugueses, alferes e furriéis milicianos aquartelados em Bambadinca (CCAÇ 12, CCS/BCAÇ 2852, CCS/BART 2917...), com quem gostava de conversar, aproveitando para matar saudades de Portugual e da sua terra, Murtosa,  e, eventualmente, saber coisas da tropa e da guerra...

Só muito mais tarde, depois do 25 de Abril, é que alguns de nós viemos a saber que o Rendeiro tinha sido  "informador" da PIDE/DGS (*), e que inclusive teria tido problemas na terra da sua amada esposa, Auá Seidi, mandinga, de linhagem nobre, e dos seus queridos filhos. (Sou testemunha do amor que ele tinha aos filhos, embora ele nunca os tenha apresentado  a n+os, tal como nunca nos mostrou a esposa).

Dando como certo o relato destes acontecimentos, mas pondo em causa a "sinceridade" do Rendeiro que, de um dia para o outro, se vê "apanhado" pela teia do PAIGC, os dados biográficos a seu respeito batem certo com o que  dele conhecíamos:

(i) o seu nome completo era Rodrigo [José[ Fernandes Rendeiro, natural da Murtosa, onde de resto iria falecer, tendo o seu funeral ocorrido em 10/9/2011, conforme relato do nosso camarada Leopoldo Correia, de quem era amigo desde os tempos da Guiné (##);

(ii) em Bambadinca, tratávamo-lo simplesmente pelo apelido, Rendeiro; era um homem discreto, polido, magro de cara, moreno, que pouco falava de si; e eu da sua terra, só conhecia a ria de Aveiro e o ensopada de enguias, tinha lá ido de comboio em 1963, com 16 anos numas férias grandes;

(iii) em Banmbadinca era nosso vizinho e, de certo modo, nosso "protegido"; além disso, tinha negócios com a tropa (aluguer de viaturas para transporte de material);

(iv) em 1963, o Rendeiro já estava na Guiné há 20 anos, ou seja desde os seus 17 anos; deve ter emigrado, portanto, em plena II Guerra Mundial (c. 1942/1943), e pelas nossas contas deve ter nascido por volta de 1925/1926, e não em 1920, como eu supunha, teria portanto 44 anos quando eu conheci em Bambadinca;

(v) tal como consta do seu "depoimento" acima transcrito, casou com uma senhora, de etnia mandinga /(, de seu nome Auá Seidi), de que tinham 5 filhos (à data dos acontecimentos);

(vi) nesse ano de 1963 deve ter nascido o seu filho Rodrigo Fernandes que viria a morrer, aos 53 anos de idade,  em 24 de abril de 2016 (, conforme notícia necrológica que encontrámos na Net); residia em Pardelhas, Murtosa, e era "irmão de Maria Libânia, Joaquim Carlos, Joana Maria, Álvaro Henrique, João Herculano, Maria Paula e Hilário, todos com os apelidos Fernandes Rendeiro,  e de Ana Maria Fernandes Rendeiro Bernard, já falecida" [, licenciada em direito, procuradora da República, em Lisboa];

(vii) o comandante Caetano Semedo, aqui citado, devia ser da família de  Inácio Semedo (,conhecido agricultor de Bambadinca, velho nacionalista, de quem Amílcar Cabral foi padrinho de casamento,  e foi um dos históricos do PAIGC); é uma história a aprofundar, com mais tempo e vagar...

2. Tenho dúvidas sobre a "vontade sincera e espontânea" do Rendeiro em pedir a adesão ao PAIGC e ficar em Dakar. Ele terá sido "obrigado" pelas circunstâncias a "colaborar" com o o PAIGC... Era comerciante em Porto Gole, em 1963, e vivia das boas relações com a população indígena, mas também não podia dar-se ao luxo de entrar em rota de colisão com as autoridades portuguesas. Afinal, a Guiné era a sua segunda terra e era lá que ele queria criar os seus filhos e dar-lhes um futuro.  

Lendo com atenção o documento que  acima se transcreve, parece-nos que o comteúdo e a forma não poderiam ser da lavra do Rendeiro... Alguém quis (talvez o "camarada Caetano Semedo" pou talvez o Lourenço Gomes, que estava no Senegal) mostrar bom serviço ao secretário-geral do PAIGC. A "conquista" de Porto Gole  e a "adesão" de um comerciante branco à "luta de libertação" eram dois "grandes roncos", em meados de 1963, com seis meses de guerra...

O documento está escrito em bom português, com um erro ou outro de ortografia, que corrigimos, mas é seguramente muito melhor do que o português da maior parte dos comandantes operacionais do PAIGC.

O Rendeiro, casado com uma senhora mandinga, de linhagem nobre, devia ser pessoa considerada pelos militantes e simpatizantes do PAIGC, e pela população indígena em geral. No relatório é citado o famigerado Mamadu Indjai, mandinga, que irá pôr o setor L1 (Bambadinca) a ferro e fogo em meados de 1969... Acredito que, por razões de sobrevivência, o Rendeiro tenha sido obrigado a colaborar no abastecimento da guerrilha da base de Barradul, a 10 km a norte  de Porto Gole.

Só o seu amigo (e nosso camarada) Leopoldo Correia (##), a par dos seus filhos (que devem viver em Portugal, na Murtosa), pode esclarecer este período obscuro e dramático da vida do Rendeiro. Ele regressou a casa, mas não sabemos quando. E provavelmente nessa altura deve-se ter estabelecido em Bambadinca onde eu e outros camaradas o conhecemos em meados de 1969.

Enfim, mais um episódio para a série "(D)o outro lado do combate" (###). Pode ser que o Jorge Araújo, nosso colaborador permanente e conhecedor do Arquivo Amílcar Cabral,  queira e possa acrescentar ainda  novos dados sobre este caso. O Jorge teve ter tido oportunidade de conhecer o Rendeiro, em Bambadinca, nos anos em que esteve no Xime, Enxalé e depois Mansambo (entre 1972 e 1974).

Também a nossa amiga Maria Helena de Carvalho, filha do Pereira do Enxalé, é capaz de saber algo mais sobre esta história. O Rendeiro, em Porto Gole, e o Pereira,no Enxalé, eram amigos e talvez amigos... O Pereira fixou-se em Bissau, com a família, em 1962. O Reneiro ficou. Não haveria muitos mais brancos em redor, no início da década de 1960.


3. Tentando reconstituir (e estimar o tempo de) o percurso feito pelo  Rendeiro (e a sua escolta), calculamos que ele terá feito cerca de mil km, de Porto Gole (partida a 4/9/1963) a Dacar (chegada a 25/9/1963). É uma estimativa grosseira, com base nas estradas de hoje.

O Rendeiro fez pelo menos 160 km a pé, de Porto Gole até à fronteira senegalesa, entre Bigene e Guidaje:

(i) partiu de Porto Gole no dia 4 de setembro, possivelmente logo de manhã, passando pela base de Mansodé e chegando ao Morés possivelmente no dia seguinte;

(ii) aqui ficou 14 dias, partiu no dia 17, pelas 4 horas da tarde, a caminho da fronteira;

(iii) jantou na povoção de Fajonquito, a sul do Olossato;

(iv) depois do jantar, partiu para a povoação de Leto, a sudoeste do Tancroal, aonde chegou aproximadamente às 3 horas da madrugada do dia 18;

(v) descansa nesta povoação até cerca das 4 horas da tarde do dia 18,  partindo de seguido para a travessia do rio  Cacheu, o  que já se fez de noite, para ilkudir vigilância da marinha portuguesa;

(vi) cerca das duas horas da manhã  do dia 19, chegou à povoação fronteiriça de Giribam, já no Senegal; aqui descansou até  às 7 horas da manhã;

(vii) partiu depois, em viatura, para Ierã e Samine onde foi detido pela gendarmaria;

(viii) depois do almoço, seguiu para Ziguinchor, onde ficou mais 4 dias detido;ix)

(ix) esclarecida a sua situação e o seu novo estatuto, seguiu de Ziguinchor para Dacar no dia 23, aonde chegou somente por volta das 8 horas da noite do dia 25, devido a uma avaria na viatura que o transportava (, a ele e à sua escolta).

Em resumo, as forças do PAIGC levariam normalmente entre  4 a 5 dias, do centro da Guiné (Porto Gole, na margem direita do rio Geba) até à fronteira (,corredor de Sambuiá), fazendo uma média de 30/40 km por dia. Um ferido grave, levado para o hospital de Ziguinchor, morreria fatalmente pelo caminho,,,
____________


(...) Infelizmente já não está entre nós, pois foi sepultado na sua terra natal [, Murtosa,] em 10/09/2011, tendo eu assistido ao funeral e tido contacto com toda a " ínclita geração", os filhos de Fernandes Rendeiro / Auá Seide, da qual só tenho a dizer bem. A que estudava em Coimbra, era licenciada em direito e era magistrada: faleceu também há cerca de 5 anos. Era juíza do Ministério Público em Lisboa. (...)

/###) Último poste da série > 25 de outubro de  2017 > Guiné 61/74 - P17905: (D)o outro lado do combate (13): Jovens recrutas do PAIGC... (Jorge Araújo)

quarta-feira, 22 de julho de 2015

Guiné 63/74 - P14914: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VIII: População: da Ponta Brandão a Cansamba




Foto nº 9 > Guiné > Zona leste > Galomaro >  Setembro de  1969) >  Foto tirada na tabanca em autodefesa de Cansamba. A  bajuda estava a bordar. Quando  me preparava para lhe tirar a foto,  pediu-me que esperasse um pouco e foi ao interior da morança. Pensava eu que ia tapar os seio mas não, foi pôr o lenço na cabeça.



Foto nº 1 > Bambadinca, setembro de 1969: as (e)ternas crianças



Foto nº 2 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (1)


Foto nº 3 > Tabanca de Bambadinca, setembro de 1969 (2): a arte de rapar a cabeça



Foto nº 4 > Bambadinca, cais do rio Geba (1): lá como cá, "trabalho do menino é pouco, mas quem não o aproveita é louco", diz o provérbio popular


Foto nº 5 > Bambadinca, cais do rio Geba (2)


Foto nº 6 > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (1)


Foto nº 6 A > Galomaro, setembro de 1969: lavadeiras (2)



Foto nº 7 > Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Subsetor do Xime > Amedalai, setembro de 1969: o pilão e o trabalho infantil



Foto nº 8 > Guiné > Zona leste > Setor L1 > Bambadinca > Ponta Brandão,  fevereiro de 1970: major Cunha Ribeiro (2ª cmdt do BCAÇ 2852, Bambadinca, 1968/70), na psico. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

Fotos (e legendas): © Jaime Machado (2015). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: LG]


1. Continuação da publicação do excelente álbum fotográfico do Jaime Machado, ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046 (Bambadinca, maio de 1968/fevereiro de 1970):

[foto atual à direita; o Jaime Machado reside em Senhora da Hora, Matosinhos; mantém com a Guiné-Bissau uma forte relação afetiva e de solidariedade, através do Lions Clube; voltou à Guine-Bissau em 2010]



II  Atividade operacional do Pel Rec Daimler 2046, agora ao serviço do BCAÇ 2852 

Novembro de 1968

Op Hálito

Iniciada em 11, às 5h00,  com a duração de 2 dias e com a finalidade de detectar elementos IN,  e efectuar uma coluna de reabastecimentos à xompanhia aquartelada no Xitole. Tomaram parte na Operação:

Cmdt – Cmdt BCAÇ 2852 [Bambadinca]

Dest A – CART 1746 a 2 Gr Comb  [Xime] + CART 2339 a 3 Gr Comb [Mansambo]

Dest B – CART 2413 a 2 Gr Comb [Xitole] +

PEL CAÇ NAT 53 [Bambadinca]

1 Gr Comb  Ref CMD AGR 1980 [Bafatá]

3 ESQ PEL REC DAIMLER 2046 [Bambadinca]

1 ESQ PEL MORT 1192 [Bambadinca]

1 SEC MIL

Consistiu esta Operação no Reabastecimento do Xitole  utilizando o itinerário Bambadinca / Mansambo / Xitole, fazendo-se a travessia do Rio Pulom,  utilizando uma jangada e 4 barcos de borracha.

Foi necessário desobstruir o itinerário das abatizes, fazendo-se a transposição dos reabastecimentos das 10h30 às 14h00. A esta hora iniciou-se a retirada sendo as NT emboscadas por duas vezes por um grupo de 40/50 elementos, sendo a primeira com accionamento de mina A/C, causando 1 morto 12 feridos às NT e 1 desaparecido além de uma viatura danificada.

Apesar de ser a primeira vez que os militares deste Pelotão tinham contacto com o IN,  demonstraram mesmo assim uma calma, uma presença de espírito e um controle de fogo dignos de assinalar.

As NT chegaram a Mansanbo pelas 19h00, donde recolheram a Bambadinca.

Ainda no mês de novembro de 1968, efectuou vários patrulhamentos em itinerários do regulado do Cossé [, setor de Galomaro,] onde se tinha manifestado uma violenta acção IN contra a tabanca de Mussa Iero a qual fora incendiada.



Guiné > Zona leste > Setor L1 (Bambadinca) > Carta de Bambadinca (1955) > Escala 1/50 mil > Posição relativa de Nhabijões, Mero e Santa Helena, três tabancas consideradas, desde o início da guerra, como estando "sob duplo controlo", ou seja, com população (maioritariamente balanta) que tinha parentes no "mato" (zona controlad pelo PAIGC)... Em Finete, Missirá e Fá Mandinga havia destacamentos nossos. Entre Bambadinca e Fá Mandinga ficava Ponta Brandão. Havia aqui uma destilaria, de cana de acúcar...

 Havia uma outra, em Bambadinca (diz a história do BART 2917, mas eu nunca soube onde ficava exatamente). Os balantas adoravam aguardente de cana. Era natural que a guerrilha do PAIGC (ou os seus elementos locais, em Nhabijões, Mero e Santa Helena) viessem aqui, a Ponta Brandão, abastecer-se. O Jorge Cabral conhecia, melhor do que eu, a Ponta Brandão (a escassos 5 quilómetros de Bambadinca, à esquerda da estrada para Bafatá, e a meio caminho de Fá Mandinga; ia-se lá por causa da aguardente de cana e de uma certa bajuda, que devia ser filha ou mais provavelmente neta do velho Brandão).

Uma destas duas destilarias pertencia à família do Inácio Semedo, um histórico nacionalista, proprietário, de quem o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento; ao que parece, foi preso, torturado pela PIDE e condenado a dois anos de prisão (,era pai do Inácio Semedo Júnior, que aderiu à guerrilha em 1964, tendo combatido no sul, e mais tarde, a seguir à independência, formou-se em engenharia na Hungria, onde se doutorou em ciências; conheci-o em Lisboa, em 2008, afastado da vida política; é uma pena se não escrever as suas memórias; tem um filho bancário). 

Sobre o Inácio Semedo, sénior, ver aqui a sua evocação pelo embaixador Carlos Frota que o foi visitar, à sua ponta, em Bambadinca, já depois da independênca (Carlos Frota: Guiné: turras e tugas. JTM - Jornal Tribuna de Macau, May 2, 2013), de que se cita o seguinte excerto:

" (...) Lembro-me também com respeitosa saudade de Inácio Semedo, sénior, nos seus setenta e muitos anos naquela época que nos recebeu, num domingo, para o almoço, na sua casa de Bambadinca, com a dignidade de um grande senhor que era.

Homem seco, de uma disciplina pessoal e frugalidade extremas, era proprietário agrícola e habituado por isso a exercer autoridade sobre quem estava sobre as suas ordens, fazendo-o de forma quase paternal. E todos lhe retribuíam com afectuoso respeito essa maneira de estar na vida." (...)

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2014).

PS - O Carlos Frota (, atual embaixador de Portugal na Indonésia,)  ia acompanhado, dos dois filhos do velho Inácio Semedo, o mais velho, Júlio Semedo, na altura ministro dos negócios estrangeiros e um dos dirigentes históricos do PAIGC,  e Inácio Semedo Jr, embaixador em Washington.

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Nota do editor:

Postes anteriores da série:

17 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14890: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VII: O edifício dos CTT de Bambadinca: c. 1968/70 e 2010 ... (Fotos completadas com as de Humberto Reis, ex-fur mil op esp., CCAÇ 12, 1969/71)

11 de julho 2015 > Guiné 63/74 - P14864: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte VI: Mulheres e bajudas (III)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14851: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte V: Mulheres e bajudas (II): A Rosinha, a lavadeira de Bambadinca, 40 anos depois (em Bissau)

8 de julho de 2015 > Guiné 63/74 - P14847: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte IV: Mulheres e bajudas de Bambadinca (I)

29 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14806: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte III: O grave acidente com arma de fogo que vitimou o Uam Sambu, do Pel Caç Nat 52, na manhã de 1/1/1970

24 de junho de 2015 > Guiné 63/74 - P14790: Álbum fotográfico de Jaime Machado (ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 2046, Bambadinca, 1968/70) - Parte II: Ao serviço do BART 1904 (de maio a setembro de 1968) e do BCAÇ 2852 (de outubro de 1968 a fevereiro de 1970)



quinta-feira, 31 de outubro de 2013

Guiné 63/74 - P12229: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (5): Relatório de 22/12/1966, assinado por Brandão Mané, sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá, reportando importantes perdas em homens e material

1. Transcrição de documento, manuscrito, de 4 páginas, numeradas de I a IV, assinado por Brandão Mané, com data de 22/12/1966, com referência á situação militar na região de Xitole-Bafatá (pp. I a III).

Em anexo (p. IV), vem um comunicado do Comando Regional Xitole-Bafatá sobre o ataque à Base Central do Sector de Xime (que era então em Baio / Buruntoni, a sudoeste do aquartelamento e tabanca do Xime). Fixação de texto: L.G.(*)

____________

Relatório

Região de Xitole Bafatá, 22/12/1966

Situação militar

I

Por falta de não reunir [sic] condições – falta de atiradores de canhão, obuzes de bazookas [sic], e de “morteiro”, além de medicamentos – , não foi realizada operação nenhuma desde o mês de Novembro [de 1966] até à presente data. (**)

Somente efectuaram-se sabotagens com minas nas estradas e outras nas áreas controladas pelo inimigo, das quais ainda não obtemos [obtivemos] informação concreta.

Durante este período sofremos quatro ofensivas do inimigo das quais segue o comunicado.

II

Nas duas últimas tivemos perdas de armas.

  • Contra a Base Central do Sector de Corubal, no dia 22 de Novembro, o inimigo apanhou uma pistola P.A. 7, 65 mm nº 220526.
  • Contra a Base Central do Sector do Xime, no dia 15 do corrente mês, numa ofensiva de surpresa pela sua forma mas causada pela falta de vigilância dos n/ [nossos] camaradas, o inimigo conseguiu apanhar duas carabinas semi-autom[áticas] nºs 2773, 42.708, duas pistolas P.M. [Pistola Metralhadora,] Patchanga 7,62 mm, nºs 2042 [e]  318, duas carabinas de repet[ição], nºs 887 [e] 3578, um[a] Gurianov [Metralhadora Pesada Goryounov 7,62 mm M-943] nº 131, uma pistola P.A. 7,62 mm, nº 22526. (**)

Foram gastas, da nossa parte, nestas quatro ofensivas as seguintes quantias de munições: 


  • 475 balas de carabina de semi-autom[ática] (carabina) 7,62;

III

  • 1188 balas de (Patchanga) [Shpagin, cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)];
  • 239 balas de carab[ina de] repet[ição];
  • 140 balas de P.M. (rico jazz) [Pistola Metralhadora Thompson, cal. 11,4 mm]:
  • 300 balas de mauser semi-autom[ática];
  • 30 balas de mauser de repe[tição];
  • 2 obuzes [granadas] de baz[ooka] 40 mm;
  •  obuzes [granadas] de bazooka P.A. 27 [Pancerovka];
  •  4  obuzes [granadas] de bazooka mod[elo] americano; 
  •  obuzes [granadas] de morteiro 60 mm.

[Assinado:] Brandão Mané

IV

Comando Regional Xitole Bafatá

22/12/1966

Comunicado

O Comando Regional comunica que no dia 15 do corrente [mês de Dezembro] houve uma ofensiva inimiga, desencadeada pela infantaria inimiga, contra a Base Central do Sector de Xime (Baio), onde conseguiram destruir uma meia dezena de barracas depois de capturarem oito armas. (Citadas no relatório). Tivemos onze feridos, dos quais cinco graves.

Seguindo os vestígios deixados pelo inimigo, mostram [sic] que tiveram baixas.

[Assinado:] Brandão Mané


Fonte: (1966), "Relatório sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá", CasaComum.org, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_40103 (2013-10-31)



Instituição: Fundação Mário Soares

Pasta: 07200.170.012

Título: Relatório sobre a situação militar na região Xitole-Bafatá

Assunto: Relatório sobre a situação militar na região de Xitole-Bafatá, assinado por Brandão Mané. Em anexo um comunicado do Comando Regional Xitole-Bafatá sobre o ataque à Base Central do Sector de Xime.

Data: Quinta, 22 de Dezembro de 1966

Observações: Doc. incluído no dossier intitulado Diversos. Guias de Marcha. Relatórios.

 Cartas dactilografadas e manuscritas. 1960-1971.

Fundo: DAC - Documentos Amílcar Cabral

Tipo Documental: Documentos

2. Comentário de L.G.:

O que surpreende neste documento é a qualidade do português... E ao mais tempo o detalhe e o rigor da informação, que vai ao ponto de identificar uma por uma as armas capturadas pelas NT.

Por outro lado, é intrigante o nome do comandante, Brandão Mané (que pode ser apenas um nome de guerra). Brandão é apelido portuguguês. Mané é apelido mandinga ou beafada... Trata-se de alguém escolarizado, que fala e escreve português corretamente.

Seria alguém ligado ao vasto clã dos Brandão ? O ramo mais conhecido era o dos Pinho Brandão, de Catió. O patriarca da família poderia ter sido  o velho Manuel de Pinho Brandão,  da ilha do Como, Catió  e Ganjola, natural de Arouca, desterrado para a Guiné possivelmente no final dos anos 20 ou princípíos dos anos 30, uma figura  já aqui evocada diversas vezes, por  camaradas como o Mário Dias (que esteve na Op Tridente, no Como, jan/março de 1964) e o J. L. Mendes Gomes (que esteve no Como, Cachil e Catió, entre 1964 e 1966).

Mas também havia uma família Brandão em Bambadinca, com ligações a Catió. Provavelmente, eram parentes. Falando, ao telefone,  há uns anos atrás (2008) com Inácio Semedo Júnior, ex-guerrilheiro e quadro do PAIGC, ex-embaixador aposentado, apurei o seguinte:

(i) na altura com 65 anos de idade, deveria ter  nascido, portanto, por volta de 1943); 

(ii) era natural de Bambadinca; 

(iii) era filho de Inácio Semedo, um histórico do PAIGC; 

(iv) a família tinha propriedades na região; nomeadamente o pai tinha uma destilaria de aguardente de cana, tendo costume comprar arroz aos Brandão, de Catió, para alimentar os seus trabalhadores balantas de Bambadinca (possivelmente de Nhabijões, Mero, Santa Helena...); 

(v) trocava-se, naquele tempo,  aguardente por arroz, sendo o  arroz do sul, do celeiro da Guiné, o melhor; 

(vi) A Guiné era pequena e todo o mundo se conhecia. 

A família Brandão, de Catió, também deu pelo menos um militante do PAIGC, que ele, Inácio Semedo Júnior, irá conhecer na luta de guerrilha, no sul. Seria este Brandão Mané ? Em Bambadinca também havia uma família Brandão (com quem os Semedo seriam aparentados, se bem percebi...).

O pai, Inácio Semedo, agricultor, proprietário, foi um nacionalista da primeira hora, que andou a conspirar com o Amílcar Cabral e outros históricos do PAIGC, e que como tal foi preso e torturado pela PIDE e condenado a 2 anos de prisão. 

O filho, Inácio Semedo Jr, estava então, em 2008,  a ver se ainda recuperava parte do património da família em Bambadinca... .

Aos 16/17 anos[[, por volta de 1959/60,]  veio estudar para Portugal, onde fez o liceu. Deve ter aderido ao PAIGC nessa época e/ou saído de Portugal nessa época. (Segundo o Leopoldo Amado, o Amílcar Cabral foi padrinho de casamento do pai, numa cerimónia que se realizou justamente em Bambadinca, antes do início da guerra).

Em 1964 [, com c. 21 anos,] vamos encontrá-lo, ao Inácio Semedo Jr,  na guerrilha, no sul,  sob as ordens do comandante Manuel Saturnino da Costa. Nunca andou na sua terra natal, Bambadinca, zona leste. A orientação do PAIGC era,. compreensivelmente,  pôr os guerrilheiros em regiões diferentes daquelas onde tinham nascido e vivido.

Mais tarde (não percebi quando, exactamente) o jovem Inácio Semedo foi para a Hungria, onde tirou o curso de engenharia e fez o doutoramento em Ciências. A seguir à independência trabalhou no Ministério das Obras Públicas, cujo titular da pasta era o Arquitecto Alberto Lima Gomes, mais conhecido por Tino, e que viria a morrer, mais tarde, num acidente de caça, actividade de lazer de que era um apaixonado. 

Inácio Semedo vivia, em 2008, em Portugal, retirado da vida pública do seu país. Tinha um filho bancário. Confessou que não conhecia o nosso blogue, por não estar muito familiarizado com a Internet. Tinha endereço de e-mail mas era o filho que o ajudava a gerir a caixa de correio.

Continuava ligado ao seu partido de sempre, o PAIGC.  Prometemo-nos voltar a contactar  (, o que nunca mais voltou a acontecer),  quando houvesse maior disponibilidade, de parte a parte. Para falarmos da nossa Bambadinca ("hoje tão decadente, tão triste, tão morta"...), do nosso Geba Estreito ("onde já não circulam os barcos que lhe deram vida, cor e movimento"...), enfim, da "nossa Guiné" (onde o Inácio Semedo continuava a ir regularmente...).

Sobre a tipologia, designação e evolução do armamento do PAIGC temos diversos postes no nosso blogue (**).
________________

Notas do editor:

(*) Último poste da série > 23 de outubro de 2013 > Guiné 63/74 - P12192: A guerra vista do outro lado... Explorando o Arquivo Amílcar Cabral / Casa Comum (4): O anúncio,em 4 de janeiro de 1961, do envio para a China, para a Academia Militar de Nanquim, dos futuros dez primeiros comandantes do PAIGC, João Bernardo Vieira [Nino], Francisco Mendes, Constantino Teixeira, Pedro Ramos, Manuel Saturnino, Domingos Ramos, Rui Djassi, Osvaldo Vieira, Vitorino Costa e Hilário Gomes.

(**)  Sobre a tipologia, a evolução e a designação do armamento do PAIGC, vd. poste de 7 de julho de 2008 > Guiné 63/74 - P3032: PAIGC: Instrução, táctica e logística (13): Supintrep, nº 32, Junho de 1971 (XIII Parte): Armamento (A. Marques Lopes)

(...) Tipo de Armamento > DESIGNAÇÃO

Foguetão 122 mm > GRAAD ou JACTO DO POVO

Morteiro 120 mm > BADORA

Canhão S/R B-10 > BEDIS
Canhão S/R 75 mm > TECHONGO

Lança Granadas-Foguete PANCEROVKA P-27 > BAZOOKA BICHAN, LANÇA GRANDE, PAU DE PILA, BAZOOKA CHINÊS

Lança Granadas-Foguete RPG-2 > BAZOOKA CHINA, BAZOOKA LIGEIRO, LANÇA PEQUENO

Lança Granadas-Foguete 8,9 cm (M20 B1) > BAZOOKA CUBANA

Metralhadora Pesada DEGTYAREV (DSHK) Cal. 12,7 mm M-38/56 > DEKA, DESSEQUE, DCK,

Metralhadora Pesada GORYOUNOV Cal. 7,62 mm M-943 SG > TRIPÉ, GORRO NOVO

Metralhadora Pesada ZB – 37 ZDROJOVSKA > TRIPÉ, TRIPÉ BESSA

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV DP Cal. 7,62 mm > BIPÉ DISCO ou DISCO BIPÉ SOVIÉTICO

Metralhadora Ligeira DEGTYAREV RDP Cal. 7,62 mm > BIPÉ CHECO, BIPÉ PACHANGA

Metralhadora Ligeira M-52 Cal. 7,62 mm > BIPÉ CAUDO, BIPÉ MAQUESSEN

Metralhadora Ligeira BORSIG Cal. 7,92 mm > BIPÉ

Espingarda Automática KALASHNIKOV (AK) Cal. 7,62 mm > AKA ou ACAG3, PM SOVIÉTICO

Espingarda Automática SIMONOV (SKS) Cal. 7.62 mm > CARABINA AUTOMÁTICA ou CHIME AUTOMÁTICA, CANHE BALE (JOL), CARABINA SINECE, CARABINA CHINESA, E.S.A SIMA

Espingarda M-52 Cal. 7,62 mm > CARABINA CHECA

Espingarda MAUSER K98K > MAUSER

Espingarda Semi-automática M-52 Cal. 7,62 mm > CHIME AUTOMÁTICA, CARABINA BOMBARDEIRA

Carabina MOSIN-NAGANT M-944 > CARABINA RÔSSIA (SOVIÉTICA)

Pistola-Metralhadora M-23 > MERENGUE

Pistola-Metralhadora M-25 > MERENGUE ou RICON RICO

Pistola-Metralhadora SHPAGIN Cal. 7,62 mm M-941 (PPSH)> PA[T]CHANGA, METRO ou METAR

Pistola-Metralhadora SUDAYEV Cal. 7,62 mm M-943 (PPS) > PM de FERRO, 
DECÉTRIS, MODELO PACHANGA, PM CHINESA

Pistola-Metralhadora THOMPSON Cal. 11,4 mm > RICO JAZ[Z]-THOMPSON

Pistola-Metralhadora BERETTA N-38/42 e M-38ª> BERETTA

Pistola-Metralhadora SHMEISSER MP-38 e MP-40 > COPTER

Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 7,65 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA

Pistola CESKA ZBROJOVKA Cal. 6,35 mm > PISTOLA SEMI-AUTOMÁTICA PEQUENA