
Queridos amigos,
1925 é um ano marcado por operações em Canhabaque, Vellez Caroço declarara estado de sítio em virtude de insubmissão do régulo, seguiram-se operações que se estenderam por vários dias de maio, delas o governador publicará um relatório bastante pormenorizado; como sabemos, a submissão foi sol de pouca dura, será necessário chegar a 1936 para dar os Bijagós como região pacificada; a estrela que tem acompanhado esta governação vai empalidecer, não por perda de firmeza na governação, vamos chegar a 1926 com gravíssimos problemas financeiros, caiu a I República, temos agora governos da Ditadura Militar, Vellez Caroço pede insistentemente ao ministro João Belo que tome as medidas necessárias, por fim ameaça demitir-se, e o ministro demitiu-o mesmo, tudo isto se vai passar no final do ano de 1926. Vellez Caroço, sem margem para dúvida, foi um dos mais brilhantes governadores da colónia da Guiné.
Um abraço do
Mário
A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, de 1925 a 1926, é o fim da era do governador Vellez Caroço (40)
Mário Beja Santos
O ano de 1925 é fundamentalmente marcado pelas operações de Canhabaque, vamos ter acesso ao suplemento ao n.º 26, do Boletim Oficial n.º 9, de 30 de junho desse ano, está aí o relatório das operações redigido pelo próprio governador, o tenente-coronel Vellez Caroço.
Em números anteriores há já indícios da insurreição e da declaração de estado de sítio, como se viu no texto anterior. No Boletim Oficial n.º 21, de 23 de maio, o governador mandara publicar uma portaria em que se referia explicitamente ao estado de sítio nas ilhas de Canhabaque, Galinhas e João Vieira, mas o foco da rebelião era Canhabaque, houvera uma operação para destruir estas povoações e os indígenas refugiaram-se no mato e nunca fizeram a sua apresentação nos comandos militares. O governador convocou o Conselho Executivo, que deu o seu voto para que Canhabaque e João Vieira ficassem provisoriamente sujeitas a um comando militar, com sede em Meneque, e postos em Bine, Bane, In-Orei e Meneque, ficando igualmente proibido todo o comércio para o exterior; e mais: todo o coconote, arroz, gado e galinhas seriam apreendidos pelos agentes do Governo, enviados para Bolama e vendido em hasta pública; não seria permitida nova construção de palhotas aos indígenas enquanto não fizesse a sua apresentação incondicional.
Vejamos agora este documento marcadamente histórico, o referido relatório de Vellez Caroço que começa por fazer um historial dos acontecimentos. Em março de 1917 fora estabelecido o estado de sítio no arquipélago dos Bijagós, tinham-se recusado a entregar as armas e pólvora e também recusado a pagar o imposto de palhota; fora organizada uma coluna para os castigar, as nossas tropas tiveram muitas baixas, ocupara-se exclusivamente postos do litoral; os indígenas de Canhabaque nunca desarmaram, geraram um estado de coisas intolerável; em fevereiro de 1925 o Governador recebera um ofício da autoridade dos Bijagós anunciando que fora a Canhabaque a fim de proceder ao arrolamento para a cobrança do imposto, não teve qualquer sucesso; e Vellez Caroço escreve:
“Tive em Canhabaque três vezes as forças de auxiliares que o administrador propunha, tive um avião, tive artilharia, metralhadoras e duzentos homens de forças reguladas e, apesar disso, embora tivesse derrotado os rebeldes em todos os pontos onde em número apareceram a oferecer resistência, o facto é que eles ainda lá estão refugiados no mato, e que nas suas ciladas e emboscadas continuam causando bastantes baixas nos nossos soldados. Estou convencido que batidos como foram em todos os combates que nos ofereceram, destruídas por completo todas as suas povoações, pois nem só uma escapou, e feita agora a ocupação pelas forças militares em todos os pontos importantes da ilha, os rebeldes hão-de acabar por se entregar à discrição, visto que, dentro em pouco tempo, acossados pela chuva, sem terem coberturas ou abrigos e apertados pela fome, por lhes faltarem os géneros que lhes forem apreendidos, por lhe estar interdito o comércio com o exterior, não terão mais remédio do que submeterem-se.”
Posta esta exposição preliminar, Vellez Caroço relata os procedimentos adotados, seguiu para Bine um contingente militar, reconheceu-se a necessidade de fazer um desembarque em Canhabaque, foi recrutado um corpo de auxiliares indígenas, declarou-se o estado de sítio, realizaram-se voos sobre a ilha de Canhabaque, a ver se se atemorizavam os indígenas. São explicadas pormenorizadamente as operações em Bine, estavam presentes no contingente militar os auxiliares do régulo Monjur do Gabu, foi atacada a povoação de Bine, seguiram-se novas operações com mais auxiliares e ocupou-se Ambene e In-Hoda; houve depois operações em Meneque e Bane, seguiram-se operações em Canhabaque, o relatório refere a composição das colunas e a natureza do comando, e faz-se o histórico da operação a partir de 1 de maio, na marcha rompeu um nutrido fogo de longa sobre a coluna, Vellez Caroço acompanhado por um médico, Sant’Ana Barreto, dirigiram-se para a linha de fogo, foi uma hora de tiroteio e levou-se o inimigo de vencida, mas os rebeldes contra-atacaram, sendo repelidos, isto passou-se em Meneque, no dia seguinte as operações prosseguiram para Bane, mais tiroteio, os rebeldes fugiram; a 3 de maio, saiu uma coluna de Meneque em direção a Indena; mais fogo, as nossas tropas tiveram baixas, mas reagiram com firmeza, no fim do combate foi indiscritível a alegria de todo; enfim, a 12 dava-se ordem para a ocupação definitiva e no dia seguinte iniciou-se a evacuação dos auxiliares.
No resumo final, o governador refere que tivemos 22 mortos e 74 feridos. “A resistência foi tenaz. O estado de indisciplina era mais profundo. A propaganda dos comerciantes ambulantes, criaturas desonestas e sem noções de patriotismo e deveres cívicos, foi persistente e por largos anos exercido impunemente. Estou convencido de que acabou agora o seu reinado e ai daquele que for apanhado a permutar armas e pólvora com o indígena! Seja tudo Pró-Pátria!” O documento prossegue com um longo rol de louvores abarcando as forças intervenientes, de terra e mar, e mesmo louvado o médico pelo seu comportamento de destemor e bravura.
O ano de 1926 será vivido por Vellez Caroço com inúmeras inquietações no plano financeiro, há falta de dinheiro para pagar aos funcionários da administração, é grande o contencioso entre o Governo e o BNU, Vellez Caroço não se cansa de reclamar medidas enérgicas ao ministro das Colónias, no final do ano este governador é pura e simplesmente demitido.
Veremos com mais detalhe as situações por ele vividas no próximo texto. Já não se vivia na I República, era o Governo da Ditadura Militar.
Imagens publicadas na revista Ilustração Portuguesa, n.º 124, de 6 de junho de 1908, tem a ver com as operações militares no Cuor, fotografias de José Henriques de Mello, o primeiro fotógrafo militar português, estas operações no Cuor foram comandadas por Oliveira Muzanty, governador da Guiné, nunca até então a Guiné conhecera um contingente militar tão grande de tropa vinda da Metrópole e de Moçambique, marcou a derrota de Infali Soncó e Abdul Indjai recebeu como prémio o regulado, revelou-se um patife de todo o tamanho.
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Nota do editor
Último post da série de 11 de junho de 2025 > Guiné 61/74 - P26908: Historiografia da presença portuguesa em África (485): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial do Governo da Província da Guiné Portuguesa, 1924 a 1925, continuamos na era do governador Vellez Caroço (39) (Mário Beja Santos)