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sexta-feira, 5 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27498: Notas de leitura (1871): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (3) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 14 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
Como se pode verificar, este Boletim Associativo espelha muito mais do que a conjuntura socioeconómica da Guiné na transição dos anos de 1950 para 1960. A Associação dá-se bem com a política do Governador Peixoto Correia e sente-se apoiada. Há aqui um dado estranho que vale a pena salientar: embandeirou-se em arco com a criação de uma Companhia de Alumínio da Guiné em Angola e anunciou-se formalmente que um potentado petrolífero norte-americano vinha fazer explorações à Guiné, escreveu-se mesmo dizendo que havia o risco de aparecer uma inflação enorme; o país vive ainda em condicionamento industrial de modo que foi possível pedir-se para não vir açúcar a não ser o das nossas refinarias, de modo a garantir a produção local de mel. Vemos também que na leitura destes boletins vamos apanhando alguns dados da vida interna, caso das atividades desportivas ou a diminuição da construção civil, que tiveram o seu furacão nos governos de Sarmento Rodrigues e nas obras concluídas pelo governador seguinte, Raimundo Serrão. O Boletim interrompe-se nos primeiros meses de 1961, a explicação dada pelo presidente foram as agitações, não explica quais. E quando o Boletim reabre, o assunto que parece ser mais interessante é o novo franco da Guiné-Conacri.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 3


Mário Beja Santos

O ano de 1960 revela a direção da Associação Comercial bastante interveniente, conforme se pode ler no Boletim, onde aparecem apontamentos históricos sobre a Guiné, indicadores populacionais, o funcionamento dos serviços de Justiça, mostra-se imagem do Centro de Assistência Materno-Infantil de Bissau, noticia-se o trabalho da Missão Permanente de Estudo e Combate da Doença do Sono e de outras Endemias; também são referidos os serviços da Marinha, a missão Geoidrográfica, os serviços de obras públicas, dão-se informações sobre os impostos, apresenta-se o Centro de Estudos da Guiné Portuguesa, como se começa a falar na EFTA, a que o Governo português pretende aderir.

Como se referiu anteriormente, a correspondência da Associação para o Governador, mesmo para o Governo em Lisboa, e as diferentes repartições da Guiné merecem publicação no Boletim. Logo no primeiro de 1960, transcreve-se do discurso do presidente da Associação na Assembleia Geral de 18 de dezembro do ano anterior o que lhes disse Fernando dos Santos Correia:
“Fizemos várias diligências em exposições submetidas a Sua Excelência o Governador, no sentido de serem colocados no interior, pelos serviços públicos, muitas mais britadeiras de coconote, no que temos sido atendidos. Acompanhámos e apoiámos uma representação do comércio de Bafatá e Nova Lamego, a qual veio pedir ao Governo para não autorizar importações de açúcar extra-continente, tendo obtido do nosso Governador um pronto apoio e deferimento da pretensão. Todos se devem recordar que sem isso estaria em sério risco a produção local de mel. Têm sido muito numerosas as diligencias da direção junto das nossas Autoridades para impedir que os chamados Djilas tragam mercadorias dos territórios vizinhos, passados em contrabando, em grande e nociva concorrência com o nosso comércio.”


Ficamos igualmente a saber o que é a vida desportiva da Guiné, quem a compõe: Associação de Futebol da Guiné, Associação Provincial dos Restantes Desportos, Comissão Provincial de Árbitros, União Desportiva Internacional de Bissau, Clube Desportivo e Recreativo de Farim, Sporting Clube de Bissau, Sporting Clube de Bafatá, Sport Bolama e Benfica, Sport Bissau e Benfica, Clube de Futebol Os Balantas, Atlético Clube de Bissorã, Futebol Clube de Tombali, Futebol Clube Teixeira Pinto, Nuno Tristão Futebol Clube (Bula), Ténis Clube de Bissau.

Também se dá notícia das conferências que se vão celebrando e parece-me pertinente o extrato da conferência do Dr. Pio Coelho da Mendonça que tinha como título Algumas Considerações sobre Comercialização de Produtos Agrícolas:
“A actividade económica da Província desdobra-se em comércio interno e comércio externo. No referente a este último, reflete-se quase exclusivamente na exportação de oleaginosas, pois, num total de 200.259 contos, em 1958, couberam-lhes 171.394 contos, repartindo-se 61.436 contos para o coconote, 106.897 contos para a mancarra e 3.059 contos para o óleo de palma, o que quer dizer que é da ordem dos 64,27% a cota da mancarra, e 23,42% a cota do coconote.
Em 1959, num total exportado 198.609 contos, distribuíram-se 175.680 contos pelas oleaginosas, isto é, 128.000 contos para a mancarra, 44.780 contos para o coconote e 2.889 contos para o óleo de palma. Os restantes 22.929 contos repartiram-se pelas madeiras, arroz, couros e outros.


Como se vê, a exportação da agricultura é representada principalmente pela mancarra, o coconote e o óleo de palma. A exportação é, pois, constituída por um número relativamente reduzido de produtos: aqueles três já referidos e ainda o arroz, a madeira, os couros, etc. A importação, comparada com a exportação mostra-nos que os nossos produtos de exportação são de classificação primária e em muito menor número e menor variedade. Estão, por isso, mais na contingência das flutuações do mercado externo: bastará qualquer perturbação na procura para que, recusados certos destes produtos, o rendimento da Província se ressinta. E todos estes produtos não entram na categoria de bens essenciais à economia dos mercados externos de compradores.”

Mais adiante o orador revela confiança no futuro:
“A Guiné tem óptimas condições para uma larga cultura de laranjas e daqui pensar-se na sua exportação; a Província tem especialidades para uma cultura extensiva e intensiva de frutas e de legumes, por forma a constituir-se um forte circuito comercial interno que nos liberte das dificuldades em que nos debatemos. Há que buscar novas riquezas, há que estruturar a economia do território em bases sólidas em que intervenham a terra, o capital e o esforço humano de todos.”


O ano não foi próspero. Basta ler o que o presidente da Associação disse na intervenção que pronunciou na Assembleia Geral de 29 de janeiro de 1961: “O ano de 1960 foi, infelizmente, dos que têm deixado pior recordação às atividades económicas da Guiné. Uma enorme quebra nas produções de mancarra e de arroz, e a paralisação das exportações de coconote, têm acrescido e agravado com a quase ausência de trabalhos de construção civil, provocaram a crise que atravessamos e ainda estamos vivendo, com todo o cortejo de graves consequências.”
Aguardando a hora da consulta no Centro de Assistência Materno-infantil de Bissau
Ídolo do fanado – Bijagós
Um painel decorativo da autoria do pintor J. Escada
Painel decorativo com motivos de actividades indígenas
Painel decorativo simbolizando as ilhas dos Bijagós

Estas três imagens referem-se à participação do pintor José Escada, que alguém no Boletim da Associação Comercial apelidou de moço cheio de talento. O edifício da Associação Comercial Industrial e Agrícola foi um projeto do arquiteto Ferreira Chaves, executado pelo engenheiro Arnaldo Mariano e o arquiteto Luís Possolo planeou e decorou a sede.

(continua)

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Notas do editor:

Vd. post de 28 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27473: Notas de leitura (1868): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (2) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 1 de dezembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27483: Notas de leitura (1870): "Os Descobrimentos no Imaginário Juvenil (1850-1950)"; edição da Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses; 2000 (2) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 3 de dezembro de 2025

Guiné 61/74 - P27489: Historiografia da presença portuguesa em África (506): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1950 (64) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 28 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
Entrou-se num processo rotineiro de institucionalização administrativa: informações sobre créditos concedidos, legislação do Ministério das Colónias, atividade do Conselho Disciplinar, mais regulamentos, nomeações, fica-se com a sensação que há uma maior ocupação do território, as circunscrições têm mais postos, o Governo concede aforamentos, há mais nomeações, etc. Privado, por razões orçamentais, de se lançar em grandes projetos infraestruturais, Raimundo Serrão deixa seguir o percurso traçado por Sarmento Rodrigues, tem bastantes inaugurações para fazer. Mas decidiu deixar a sua marca de água, o ensino liceal, Sarmento Rodrigues, por razões lógicas. fez espalhar pela colónia as chamadas escolas primárias, naturalmente que se impõe agora dar continuidade aos estudos. Quando deixar a província, Raimundo Serrão encomendará a Fausto Duarte um livro de autoglorificação intitulado Guiné, Alvorada do Império, publicado em 1952, onde se podem ler pérolas como esta: "O engenheiro Serrão é um puritano da arte, um perfeito esteta que o escalpelo da sua ação e experiência burila e retoca com segura mestria e amplia até, como se asas gigantescas a atirassem a grandes alturas, em busca de perfeição”. Para efeitos promocionais, fica tudo dito.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, 1950 (64)


Mário Beja Santos

Estamos em pleno consulado do Capitão de Engenharia Raimundo Serrão, prosseguem as obras, tal como a institucionalização administrativa. Um problema que se vai pôr em 1950 prende-se com a inflação e o açambarcamento. No Suplemento n.º 5, de 9 de maio, publica-se a portaria n.º 205, invoca-se as medidas do Governo Central e a adoção de medidas enérgicas destinadas a defender a economia nacional contra todas as tentativas de açambarcamento e as altas artificiais de preços. E escreve-se na Portaria que “Na colónia pouco ou nada se tem feito nesse sentido, de que resultou, devido à má compreensão dessa benevolência, o encarecimento injustificado dos géneros considerados de primeira necessidade e dos artigos indispensáveis aos principais ramos de atividade”. Por isso se cria na Guiné a Comissão Reguladora de Preços, presidida pelo Inspetor do Comércio Geral, passa a ser competência da Comissão a organização e superintendência dos serviços de fiscalização sobre a fixação de preços, o âmbito de atuação da Comissão em toda a colónia, atuarão o administrador de conselho ou de circunscrição, a delegacia de saúde, nas localidades onde não houver nem serviços aduaneiros nem de saúde, irão intervir o administrador de circunscrição e o seu secretário e um comerciante idóneo.

Serão elaboradas tabelas de preços de venda ao público, ter-se-á em conta uma base de incidência que deve ter sido encarada pelos intervenientes como altamente rebuscada. Diz-se explicitamente que nenhum preço atualmente fixado pelo comércio podia ser elevado a partir da data da publicação desta portaria, dá-se conta de como se procederá na fiscalização, a natureza das contravenções por açambarcamento e especulação, como se fará a repressão dos crimes de especulação e açambarcamento e o tipo de sanções.

No Boletim n.º 19, de 11 de maio, anunciam-se novos procedimentos relativamente ao estudo e combate da doença do sono, detetara-se que, apesar de terem sido concedidas regalias especiais aos doentes indígenas, o método de persuasão não dera os resultados esperados, pelo que o governador da colónia determinava que o tratamento da doença do sono era obrigatório para os doentes, de harmonia com as prescrições feitas pelas competentes autoridades sanitárias. Constituíam-se como infrações penais, por exemplo: a ocultação às autoridades da Missão de Estudo e Combate da Doença do Sono de casos suspeitos de doença do sono em pessoa de família ou dependentes; o transporte de doentes do sono para ou através de zonas infetadas, sem os cuidados aconselhados para evitar a infeção da mosca; o procedimento que induza os indígenas a resistir a exame, tratamento ou qualquer outra determinação das autoridades sanitárias.

Como iremos ver igualmente no ano de 1951, Raimundo Serrão procura uma intervenção que tenha a sua marca de água, ela vai passar pelo ensino. Como se encontra no Suplemento n.º 7, de 9 de junho, publicam-se disposições do estatuto do ensino liceal aplicadas à colónia. Resumidamente, o ensino dos liceus é distribuído por três ciclos; o 1.º ciclo, com a duração de dois anos, e o 2.º ciclo, com a duração de três anos, têm por objetivo preparar para a sequência de estudos e ministrar a cultura mais conveniente para a satisfação das necessidades comuns da vida social, a par dos fins de revigoramento físico, de aperfeiçoamento das faculdades intelectuais, de formação de caráter e do valor profissional e de fortalecimento das virtudes morais e cívicas; o 3.º ciclo, com a duração de dois anos, mantendo nos mesmos objetivos é especialmente destinado a preparar os alunos para o ingresso em grau superior de ensino.

O aspeto curioso desta organização de estudos foi a mesma que eu vivi em Lisboa nos anos 1950 e 1960. Raimundo Serrão terá concebido para ponto de partida um liceu-colégio, daí o estatuto consagrar o seguinte: “Os estabelecimentos particulares que, devidamente autorizados, ministrem o mesmo ensino que é ministrado nos liceus são obrigados a obedecer a todos os preceitos pedagógicos do presente estatuto.” E estabelecem-se os termos regulamentares das matrículas dos alunos.

Acho conveniente voltar um pouco atrás, a 1946, na revista Defesa Nacional, número de novembro de 1946, dedicado à Guiné, aborda-se o problema aeronáutico; ele vai ressurgir na governação de Raimundo Serrão por duas razões: a preparação da pista de aviação para, no futuro, haver voos para Bissau e incentivos a uma vida associativa de clubes aeronáuticos na Guiné.

O Coronel Aviador José Pedro Pinheiro Correia é o autor do texto, recorda que em 1941 a Pan American, ao tempo uma conceituadíssima transportadora aérea, foi obrigada no inverno de 1941 a alterar a sua rota normal dos Açores, encontrou em Bolama condições ideais para a deslocação dos seus Clippers. Houvera anteriormente raides de Lisboa a Bissau, tinham sido identificadas dificuldades na descolagem, mas com os Clippers da Pan American não tinha havido qualquer dificuldade para levantar com os seus trinta passageiros. O coronel aviador fazia sugestões para o futuro aeronáutico da Guiné:
“Em face da situação geográfica da província da Guiné, suas condições climatológicas e possibilidades técnicas dos seus terrenos e planos de água, não é difícil prever que, num futuro mais ou menos condicionado pelo estabelecimento, da parte de Portugal, de uma política aérea definida, a Guiné deverá ocupar o lugar a que tem direito e lhe compete na rede aérea mundial.

Assim poderemos prever:
1.Bolama ou Bissau deverão vir a possuir um aeroporto apetrechado com um equipamento que lhe permita vir a constituir, dentro do Império Português, uma das placas girantes mais importantes do tráfego aéreo mundial e permitir apoiar as seguintes ligações aéreas:
a) Europa-América do Sul
b) Europa-África Ocidental
c) Europa-África do Sul
d) Europa-América do Norte (para grandes hidros de carga durante o inverno em que o mar dos Açores é impraticável).

2. Bolama ou Bissau deverão vir a ser escolhidas como primeira etapa para a linha aérea imperial da TAP.
3. Dentro da província da Guiné deverá ser estabelecida uma rede interna de soberania e apoio moral às populações do interior da colónia (confesso que este ponto me parece fora de contexto).
4. A província da Guiné deverá estar ligada pela via aérea a algumas das colónias estrangeiras que a rodeiam, em especial a: Dacar-Bathurst-Monróvia".


É por demais sabido que as propostas do sr. coronel se tornaram rapidamente anacrónicas, o hidroavião foi substituído pelo Super Constellation, anos depois irá aparecer o aeroporto de Bissalanca, os voos da ilha do Sal para Bissau, mas jamais a província terá o poder radial com que o sr. coronel aviador sonhou.


Uma fotografia que se tornou icónica, um soldado guineense, sentinela no Baluarte da Puana, Fortaleza de S. José de Amura, o rio Geba ao fundo
Boé, Fonte de Madina, 1946
Granja de Pessubé, construção de carros de bois, 1946
A Bissau dos tempos pós-coloniais

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 26 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27467: Historiografia da presença portuguesa em África (505): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, continuação de 1949 (63) (Mário Beja Santos)

domingo, 30 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27479: Recortes de imprensa sobre o império colonial (1): Sociedade Agrícola do Gambiel, Lda, Aldeia do Cuor, Bambadinca: entrevista a um administrador ("Portugal Colonial", nºs 55-56. set/out 1935)

 














Fonte: Excertos de Portugal Colonial: Revista de Expansão e Propaganda Colonial (Diretor: Henrique Galvão, 1895 - 1970-), Lisboa, nºs 55-56, setembro / outubro de 1935, pp. 12-13 (Cortesia de Câmara Municipal de Lisboa / Hemeroteca Digital)

Veja-se aqui a excelente ficha história sobre a recvista mensal "Portugal Colonial", de 9 páginas,  de Rita Correia. Publicaram-se 72 números, de março de 1931 a fevereiro de 1937. 

(...) Entre todas as colónias, Angola foi a que mereceu maior atenção, sobretudo nos primeiros anos. O assunto era caro ao diretor da Portugal Colonial, que ali viveu uma curiosa experiência, entre 1927 e 1929, que o catapultou da condição de degredado à de governador da província de Huila. 

Mas sobretudo porque a crise económica de Angola, filiada numa não menos gravosa crise financeira, teve um impacto significativo na vida da metrópole. Desde logo porque significou uma quebra nas trocas comerciais entre ambas, mas que foi mais penalizadora para a produção nacional,  em particular para a indústria têxtil e o setor dos vinhos, repercutindo-se também na atividade da marinha mercante, nas receitas tributárias, e nas transferências bancárias. 

MoDepois, porque desencadeou uma sequência de episódios e decisões que contribuíram para a clarificação do quadro político da Ditadura Militar, instituída pela revolução de 28 de Maio de 1926. (...) 


1. Há muitas referências no nosso blogue a esta Sociedade Agrícola do Gambiel Lda, que foi um fiasco, bem como ao regulado do Cuor, à Aldeia do Cuor, e ao rio Gambiel... 

Estes eram domínios do "Tigre de Missirá", o nosso amigo e camarada Mário Beja Santos (cmdt, Pel Caç Nat 52, 1968/70). Ele ainda hoje fala do Cuor com emoção e paixão.

 E outros camaradas do nosso blogue, como o saudoso Jorge Cabral,  cmdt do Pel Caç Nat 63 (Fá Mandinga e Missirá, 1969/71) bem como a malta da CÇAÇ 12 (eu próprio, o Humberto Reis, etc.), temos recordações ainda muito vivas desses lugares, que palmilhámos muitas vezes, em patrulhamentos ou a caminho de operações mais a norte... 

Mas eu, pessoalmente, já não me recordo de ver os restos das instalações e das máquinas da Sociedade Agrícola do Gambiel Lda, se é que ainda existiam no nosso tempo... O Beja Santos julgo que sim, deve lá ter andado a vasculhar o sitio... 

Para quem ainda acredita, piamente, que o colonialismo  (português) nunca existiu, leia, com o devido distanciamento e espirito critico, este resumo de uma entrevista, que tem 90 anos, ao então administrador desta empresa agrícola, o ribatejano Sebastião Nunes de Abreu (que veio em 1930, de Angola, para se enterrar naquelas terras palúdicas do Cuor). 

Em 1935, ainda havia a distinção entre portugueses da metrópole, "assimilados" e "indígenas"... Mas uma empresa agrícola como aquela, onde foi enterrado bastante dinheiro em máquinas e equipamentos, não conseguia recrutar gente para nela trabalhar...

O entrevistador foi Armando de Landerset Simões, que  terá nascido em Moçambique, Caconda, em 1909. Além de funcionário da administração colonial, foi escritor e etnógrafo, tem 8 referências na Porbase. como Simões Landerset. Destaque para a sua obra, "Babel negra: etnografia, arte e cultura dos indígenas da Guiné" (Porto, Oficinas Gráficas de O Comércio do Porto, 1935) (prefácio de Norton de Matos).


2. Para melhor contextualizar a entrevista, acrescente-se que, em 1935, o diploma legal que regulava o trabalho indígena nas colónias portuguesas, incluindo a Guiné, era o Código do Trabalho dos Indígenas nas Colónias Portuguesas de África (sic), aprovado pelo Decreto n.º 16:199, de 6 de Dezembro de 1928.

Este Código estabelecia o regime jurídico do trabalho para os africanos considerados "indígenas" e tinha caráter obrigatório, embora a legislação colonial o apresentasse como uma forma de combater a "ociosidade" e promover a "civilização" (sic).

Todo o "indígena" á partida "não gostava de trabalhar": este era o preconceito básico do administrador, do chefe posto, do colono, do comerciante, de missionário e do soldado. Logo, "era preciso obrigá-lo". 

Principais aspetos do Código de 1928:

(i) Obrigatoriedade: impunha o trabalho obrigatório aos indígenas do sexo masculino, com exceções limitadas (como régulos, sobas e outros  chefes gentílicos, repatriados por seis meses, e homens alistados no exército);

(ii) Curador: criava a figura do "Curador dos Indígenas" e seus agentes (delegados, administradores), responsáveis pela "proteção, tutela e fiscalização" dos trabalhadores, mas também por distribuir os encargos de trabalho;

(iii) Contratos: regulava os contratos de trabalho, estabelecendo direitos e deveres para patrões e trabalhadores, mas com garantias que, na prática, permitiam o uso de métodos coercivos por parte dos patrões para manter a disciplina e evitar o abandono do trabalho (veja-se o drama dos "contratados" das roças de São Tomé);

(iv) Estatuto diferenciado: este Código integrava um sistema jurídico mais amplo que consagrava a inferioridade jurídica do indígena, afastando-o da legislação civil e penal aplicável aos cidadãos portugueses da metrópole (o chamado "Estatuto do Indigenato");

(v) a legislação sobre o trabalho indígena, depois de muitas críticas  (de instâncias internacionais como  a OIT - Organização Internacional do Trabalho, etc. ) foi posteriormente revista e alterada ao longo do período colonial, sendo o Código de 1928 substituído pelo Código do Trabalho Rural em 1962, através do Decreto n.º 44309.



Guiné > Região de Bafatá > Carta de Bambadinca (1955)   (Escala 1/50 mil) > Posição relativa de Aldeia do Cuor, Rio Gambiel (afluente do Rio Geba), Missirá, Fá Mandinga e Bambadinca, uma das regiões mais exuberantes da zona leste, pela sua vegetação e hidrografia... 

O rio Geba (Estreito) entre o Xime, Mato Cão, Bambadinca e Bafatá espraiava-se por aquelas terras baixas como uma autêntica cobra, e originava riquíssimas bolanhas e lalas. No tempo das chuvas, redesenhava-se o curso do rio.  Imaginem uma viagem, de  "barco turra" no Xaianga (ou Geba Estreito).

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2025)

sexta-feira, 28 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27473: Notas de leitura (1868): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (2) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
O Boletim começa por realçar a expetativa na criação de uma companhia de alumínio para a Guiné e Angola, tudo tinha a ver com bauxite, depois surgiu a legislação sobre a concessão das explorações petrolíferas, são estas as duas matérias gordas de 1958, o ano em que chega o novo governador, Peixoto Correia. Tanto quanto nos é dado a perceber, o Boletim não primava por grandes investigações, tinha um conselheiro técnico, Artur Augusto Silva, a quem seguramente se devem as análises sobre a economia da República da Guiné e a problemática da mecanização do caju; de resto, e estamos só a falar de 1958 e 1959, reproduzem-se artigos de O Arauto, transcreve-se a legislação da Guiné, discursos do governador, revelam-se as exposições feitas ao Governo e aos serviços públicos. E assim concluí o primeiro volume dos Boletins desta Associação referentes a 1958 e 1959.

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné – 2


Mário Beja Santos

Vimos no primeiro texto em que circunstâncias surgiu em 1958 o Boletim de uma Associação que tinha estatutos aprovados desde 1951. Deu-se realce à Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola, mais adiante falou-se das possibilidades petrolíferas do subsolo da Guiné, o empenho do Ministro das Colónias, Raul Ventura, a publicação de dois Decretos, as companhias envolvidas, Norte-americanas, britânicas e alemãs, a opção foi a Esso Exploration Guiné Inc, foram negociações difíceis quanto aos investimentos que a Sociedade tem de fazer e às regalias financeiras que deve dar ao Estado; haveria um prazo de cinco anos para a fase de pesquisas. E dizia-se no Boletim: “Supondo que vem a provar-se a existência de petróleo na área da concessão, de todo o petróleo bruto extraído 12,5% pertence à Província da Guiné, que poderá recebê-los em dinheiro ou em petróleo. Mas supondo que por qualquer eventualidade a província tem interesse em poder comprar mais petróleo, está estabelecido o contrato que a Guiné terá o direito de adquirir metade dos petróleos que do seu subsolo forem extraídos e dar-lhes depois o destino que melhor entender. A realizar-se esta aspiração que modificará radicalmente a estrutura económica da Guiné, são de prever que surjam e se avolumem outros problemas e que esta Província tenha de encontrar, na multiplicidade de caminhos que se lhe oferecem, aquele que nos conduz à felicidade.”

Em Boletim posterior, o Presidente da Associação alertava:
“A vinda em larga escala de empregados da Companhia poderá trazer como consequência um encarecimento do custo de vida. Ora, a verdade é que enquanto a economia da Guiné se basear na produção de oleaginosas para exportação, não será possível melhorar as condições materiais dos seus habitantes, o que será de recear um aumento do custo de vida. Haverá uma maior afluência de moeda no mercado e abundância de dinheiro na mão de alguns. É possível e até aconselhável tomarem-se desde já todas as medidas para evitar a especulação. Não pense o público que a simples presença na Guiné de uma Companhia americana é suficiente para encher de dinheiro os bolsos dos que nada produzem e nem pense que será fácil encontrar emprego em qualquer das modalidades de ação da Companhia. De início, a maior parte dos empregados e operários será especializada, pelo que não poderá ser recrutada na Guiné. De positivo, só podemos contar com o pagamento à Província do arrendamento da superfície o que, não sendo muito, já representa para a Guiné a possibilidade de aumentar os cambiais disponíveis.”


Um ponto curioso que se vai registar nos Boletins de 1959 são as transcrições que se fazer do jornal O Arauto de artigos sobre a mancarra, o problema da cultura do algodão, a cultura orizícola, transcrevem-se as intervenções do deputado da Guiné, Comandante Teixeira da Mota, a correspondência do presidente da Associação tanto com o Governador como com dirigentes dos serviços.

Em 1 de abril de 1959 o novo Governador, Peixoto Correia, presidiu ao Conselho do Governo, o Boletim transcreve o seu discurso, de que se retira a seguinte passagem:
“A nossa exportação é constituída quase exclusivamente por oleaginosas – 90% da tonelagem total e 80% do valor realizado. Dedicam-se por isso os maiores cuidados às culturas do amendoim, coconote e óleo de palma. Há novas culturas em expetativa, a Brigada da Junta de Exportação de Algodão permanecerá mais um ano na Guiné. Ensaia-se a cultura do gergelim. Há a possibilidade de se produzir açúcar, há diligências para a industrialização do caju.”
O Governador enumerou os serviços de ensaios agrícolas e referiu o trabalho que estava a ser feito pela Fazenda Experimental de Fá.


Sendo um Boletim de interesses económicos, realça-se a secção de contencioso e consulta, as exposições feitas aos serviços, faz-se a transcrição da legislação da Guiné que importa à agricultura, comércio e indústria, noticia-se a criação da Escola Comercial e Industrial, que terá um curso de cinco anos. Mas o noticiário associativo também tem carácter social. É assim que se faz uma notícia sobre a presença do Sr. Aly Suleiman há cinquenta anos na Guiné. “De uma atividade fora do vulgar, o Sr. Aly Suleiman é bem o patriarca da numerosa colónia libanesa aqui estabelecida e a firma que fundou e dirige é uma das mais poderosas organizações comerciais da Província onde possui mais de trinta estabelecimentos comerciais, numerosas embarcações de cabotagem e algumas dezenas de camiões para transporte dos produtos do seu comércio. É, na ordem de grandeza, o quatro exportador de mancarra da Guiné.”

Bem curioso é um artigo que se publica sobre a República da Guiné:
“Calcula-se a reserva de bauxite da Guiné, das regiões de Boké e Fria em mais de 280 milhões de toneladas. Mas a bauxite, exportada em bruto, não é fonte de grandes rendimentos e o essencial para a industrialização de bauxite com vista à produção de alumínio reside na energia hidroelétrica. Neste capítulo, a Guiné encontra-se em boa posição, pois é considerada o celeiro de água da África Ocidental Francesa, com os inúmeros rios que aí nascem e as suas quedas de água. Calcula-se que, com facilidade, a Guiné possa produzir, nas duas barragens do rio Konkouré 5 biliões de KW por ano, o que corresponde a uma produção de 250 mil toneladas de alumínio, isto é: uma produção que iguala a atual produção francesa metropolitana. Porém, tem-se verificado ultimamente que a União Soviética não só se desinteressou das fontes externas de bauxite como a tem lançado nos mercados internacionais a preços que não permitem qualquer concorrência. Daí uma diminuição de produção do Canadá e, consequentemente, um retraimento de investimento de capitais estrangeiros na indústria do alumínio na Guiné.”


O artigo refere ainda outras riquezas da República da Guiné como reservas de ferro, uma produção de diamantes, um conjunto de fábricas ligadas a óleos, descasque de arroz, conservas de frutos, produção de bananas, plantações de café. O grande óbice económico é o da Guiné estar privada nos seus mercados tradicionais por se ter afastado da chamada “comunidade francesa”.

Terminamos com uma referência à castanha do caju, tudo tinha a ver com uma firma brasileira que oferecia ao comércio e indústria locais máquinas descascadoras de caju e de despeliculagem. Até então, referia-se no Boletim, todas as tentativas feitas para mecanizar a indústria do caju tinham falhado. “O processo que se afigurava mais viável consistia no descasque por meio da passagem da castanha, primeiro por vapor de água sobreaquecida e, logo em seguida, por um compartimento onde era produzido o vácuo, o que obrigava a castanha a abrir-se por si, sem ofender a polpa. No Governo do Sr. Almirante Sarmento Rodrigues, deu-se um extraordinário incremento à plantação de feijoeiros na Guiné e agora toda a Província deve produzir para cima de 1500 toneladas de castanha de caju, que só é aproveitada em reduzidíssima escala e por métodos mais do que primitivos.”

O autor da notícia manifestava uma grande expetativa no processo de mecanização proposto pelos brasileiros, poderia ser assim que o problema do descasque se resolvesse. Mas como esta maquinaria era de elevado preço seriam necessários capitalistas da metrópole. “Parece-nos duvidoso pois que estamos habituados a ver as reticências com que os capitalistas portugueses investem os seus dinheiros em África. Não seria possível a criação na Guiné de uma sociedade por acções, com a participação do Estado? A pergunta aí fica.”
Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné: ler-se-á num Boletim de 1959 que “Chegou de Lisboa o ilustre artista Sr. José Escada que a Bissau se deslocou para vir decorar a nossa sede – três painéis decorativos alusivos às atividades da Guiné. O nome de José Escada é reconhecido hoje como um dos artistas plásticos de maior prestígio e talento da segunda metade do século XX.”

(continua)
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Notas do editor:

Vd. post anterior de21 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27449 : Notas de leitura (1866): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

Último post da série de 27 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27469: Notas de leitura (1867): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74) - Parte VI: a IAO em Bolama: "Eh, pá, estás morto!... Atira-te para o chão, que estás morto!" (Luís Graça)

quarta-feira, 26 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27467: Historiografia da presença portuguesa em África (505): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, continuação de 1949 (63) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
É gritante, flagrantemente gritante, o conteúdo das matérias dos Boletins Oficiais da governação de Sarmento Rodrigues, da do período que ficou a cargo do encarregado de Governo e agora do novo Governador, Engenheiro Raimundo Rodrigues Serrão. O que conta agora é a institucionalização da vida administrativa, vai surgir a aviação civil, fala-se dos direitos dos aposentados, de segurança social, como seja as indemnizações, pensões e compensações por acidentes de trabalho dos indígenas, do abastecimento de água em ruas ou zonas servidas pela rede geral da distribuição de água, dos direitos dos funcionários a medicamentos, há melhoria do abastecimento em carnes verdes, há necessidade da Guiné se apetrechar com aparelho estatístico, e aumenta o número dos clubes de futebol, fundou-se uma associação de desporto com o nome Nuno Tristão Futebol Clube, em Bula. Ainda não se falou numa preocupação que é latente em Raimundo Serrão, ele quer pôr o liceu a funcionar, no fundo o espírito da colónia-modelo parece enraizar-se nas preocupações do novo governador, enquanto decorrem as construções deixadas pelo seu antecessor procura melhorar o aparelho administrativo, pô-lo na dimensão da modernidade.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, continuação de 1949 (63)


Mário Beja Santos

Estamos em julho de 1949, no Boletim Oficial n.º 29, do dia 18, são publicados os estatutos do Nuno Tristão Futebol Clube, tem a sua sede em Bula, o emblema constará de camisola amarela, calção preto, meia preta com lista amarela e as armas da colónia, o seu estandarte será também preto e amarelo com as armas da colónia. Os fins da associação são: promover diversões familiares entre os associados, a prática das diversas modalidades desportivas, expansão do espírito associativo e o progresso da associação.

O reforço da vida administrativa passava também pela introdução de infraestruturas de abastecimento portadoras de sinais da civilização. No Boletim Oficial n.º 30, de 25 de julho, consta uma Portaria que nos recorda que a população de Bissau, 11 mil habitantes, lutava com sérias dificuldades quanto à aquisição de carnes verdes, refere-se que o serviço de aquisição, matança de rezes e fornecimento de carnes verdes é do verdadeiro interesse público, sendo necessário dotar o serviço com fundo permanente para aquisição de gado, autoriza-se a Câmara Municipal de Bissau tomar as medidas atinentes. É também nesta perspetiva que se deve olhar o regulamento para serviço de abastecimento de água nas circunscrições civis, consta do Suplemento ao n.º 30, n.º4-A, 26 de julho, atenda-se aos propósitos:
- As administrações das circunscrições civis fornecerão água potável para usos domésticos e industriais a todos os proprietários e inquilinos de prédios, bem como as repartições, dependências e utilizações públicas situadas nas ruas, zonas ou locais servidos pela rede geral de distribuição;
- A água será fornecida ininterruptamente de dia e de noite, exceto em casos fortuitos e de força maior;
- Nas ruas ou zonas servidas pela rede geral de distribuição de água é obrigatória a instalação de canalizações de distribuição, esta obrigação pertence sempre ao proprietário do prédio. É um minucioso regulamento que contempla as canalizações, o fornecimento de água e muito mais.

As preocupações sociais vão começar a dar pelo nome de segurança social e direitos dos trabalhadores. No Suplemento n.º 4-B, de 26 de julho, consta um despacho do gabinete do governador em que se pretende regulamentar a proteção aos indígenas vítimas de acidentes de trabalho e por isso se publicam instruções sobre acidentes de trabalho em concordância com o Código do Trabalho dos Indígenas, que tinha sido aprovado por um decreto de 6 de dezembro de 1928. Vejamos alguns aspetos relevantes:
- Terão direito às indemnizações, pensões ou compensações fixadas neste regulamento todos os trabalhadores indígenas que forem vítimas de um acidente de trabalho, do qual lhes resulte alguma lesão ou doença que tenha ocorrido no local e durante o tempo de trabalho ou na prestação de trabalho ou fora do local e tempo de trabalho normal, se ocorrer enquanto se executam ordens ou realizam serviços sobre a autoridade da entidade patronal. O legislador é também minucioso, dirá o que não é acidente de trabalho ou o que não se poderá considerar como acidente de trabalho, em condições o sinistrado perde o direito a qualquer pensão ou indemnização, etc., etc.

Vejamos agora o Boletim Oficial n.º 36, de 5 de setembro, determina que os comerciantes fiquem obrigados a manifestar mensalmente, para fins exclusivamente estatísticos, as quantidades compradas e os preços praticados. Isto porquê? O legislador explica:
“Não dispõe a Guiné de estatísticas da sua produção agrícola. Os números publicados quanto a este aspeto da estrutura económica da colónia resultam de simples estimativas que nem sempre traduzem a realidade dos factos, refletindo com exatidão a atividade agrícola geral dos indígenas, nem permitem traçar com segurança a política económica mais adequada às necessidades locais. Enquanto não for possível a organização daquele ramo de estatística por forma a fornecer elementos de grande utilidade, quer sob o ponto de vista económico-agrícola, quer sob o ponto de vista político e social de ocupação do território, tenta-se suprir a lacuna existente organizando o manifesto comercial agrícola que permitirá ao Governo conhecer, com o rigor possível, não só o volume dos produtos da lavra indígena que afluem aos centros comerciais de cada circunscrição como a evolução anual dos respetivos preços, as compras feitas por uma circunscrição em qualquer das outras e as existências em armazém no fim de cada mês.”
E estabelece-se esta obrigatoriedade de que todos os comerciantes que compram os produtos agrícolas aos indígenas são obrigados a manifestar mensalmente as quantidades compradas e os preços praticados.

Temos finalmente o Suplemento n.º 17, de 31 de dezembro, publicam-se os Estatutos do Aero Clube da Guiné, organismo de interesse público e privado com sede em Bissau, tendo como objetivo o desenvolvimento da aviação civil na Guiné Portuguesa. “Para atingir os fins enunciados, o Aero Clube dedicar-se-á ao ensino, prática e propaganda da aeronavegação e, mais particularmente, procurará criar e desenvolver escolas de pilotagem e transportes aéreos, destinados aos seus associados; também o Aero Clube poderá promover a prática de desportos e à realização de reuniões, festas e sessões educativas; o Aero Clube será o porta-voz dos interesses da associação civil, desportiva e turística da Colónia junto dos competentes organismos do Estado.” E prescrevia-se, conforme o espírito do tempo, que o Aero Clube orientaria a sua atividade de forma a favorecer o interesse nacional, ficando indiferente em matéria política ou religiosa, sendo estranho às opiniões políticas e crenças religiosas dos seus associados.

Creio que o leitor pode verificar que o novo Governador está mais vocacionado para a institucionalização da vida administrativa, nada do que espelha a sua atuação durante estes meses de 1949 nos faz recordar a dinâmica introduzida por Sarmento Rodrigues, Raimundo Serrão quer uma boa administração para a colónia, como veremos proximamente em 1950 estará atento ao transporte do correio por toda a colónia, estatutos sindicais, instruções especiais da polícia e fiscalização do movimento migratório de nacionais e estrangeiros, sanidade urbana, serviços meteorológicos ou camarários. A administração cresce, tenho que estar à altura do espírito da colónia-modelo que tinha sido insuflado por Sarmento Rodrigues. Claro está que haverá construções mas sobretudo das obras lançadas pelo anterior Governador.

Em julho de 1949 chega o novo Governador, o Engenheiro Raimundo Rodrigues Serrão
Engenheiro Raimundo Rodrigues Serrão
Escreveu um dia Avelino Teixeira da Mota que a Mata do Cantanhez é a mais bela do mundo
Planta da Praça de São José de Bissau, desde a Ponta de Balantas até à Ponta de Bandes, Bernardino António Alves de Andrade, 1776, Arquivo Histórico Ultramarino
Geba, habitação de Fulas, postal antigo
Fotografia retirada da Casa Comum/Fundação Mário Soares, porventura representação da família de um régulo
Sala de aulas do Liceu Honório Pereira Barreto

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 19 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27441: Historiografia da presença portuguesa em África (504): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1949 (62) (Mário Beja Santos)

sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27449: Notas de leitura (1865): Uma publicação guineense de consulta obrigatória: O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné (1) (Mário Beja Santos)


1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Outubro de 2025:

Queridos amigos,
São três volumes que incorporam Boletins de formato minguado que vão de 1958 a 1966, estamos no ano da eleição de Américo Tomás para o seu primeiro mandato e a vizinha Guiné Conacri é um país independente. Ao tempo, a Associação Comercial Industrial e Agrícola de Bissau congregava 648 associados, recebera um impulso do Governador Silva Tavares para ter uma sede com uma certa dignidade e a quotização anual atingia os 325 contos. Desde 1951 que se previa a publicação do Boletim, teriam faltado os recursos. Mas 1958 é também o ano em que se começou a andar à procura de alumínio em Buba e em Madina de Boé, o Ministro do Ultramar, Raúl Ventura, negociou uma concessão para a prospeção de carbonetos e foi assim que nasceu a Esso Exploration Guiné. Veremos adiante que a Associação temia consequências gravosas com a chegada de gente com maior poder de compra, como estava a acontecer em todas as regiões onde se iniciavam explorações petrolíferas. E escreve-se mesmo: "A verdade é que enquanto a economia da Guiné vaziar na produção de oleaginosas para exportação, não será possível melhorar as condições materiais dos seus habitantes, pelo que será de recear um aumento do custo de vida sem o necessário aumento do poder de compra da população, o que, em última análise equivaleria a um empobrecimento geral desta Província."

Um abraço do
Mário



Uma publicação guineense de consulta obrigatória:
O Boletim da Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné - 1

Mário Beja Santos

Na Biblioteca da Sociedade de Geografia de Lisboa chamaram-me à atenção para três volumes que contém Boletins desta Associação, de 1958 a 1966, não é a primeira vez que se fala desta publicação iniciada em 1958, não consigo por enquanto encontrar data em que teve o seu último número, tenho de bater à porta da Biblioteca Nacional.

Temos aqui nove anos de uma publicação declaradamente favorável ao Estado Novo, representativa dos interesses económicos instalados na Província da Guiné. Logo no primeiro número, o Presidente da Direção, Fernando S. Correia, refere que esta publicação corresponde a uma velha aspiração:
“A antiga Associação Comercial, Industrial e Agrícola de Bissau foi fundada em 1917 passou a denominar-se, desde 1951, Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné; o seu principal dever é a instigação e alargamento de todas as atividades fomentadoras da Guiné.
Os Estatutos da Associação, datados de 1951, preveem a publicação do Boletim, destinado a divulgar os atos da sua vida associativa e a registar todas as informações, notícias e estatísticas que interessem conhecer, e bem assim quaisquer estudos que digam respeito às atividades de fomento da Província.”


E mais refere que tinham sido as dificuldades de ordem financeira que até agora tinham impedido esta realização. Devia-se ao atual Governador, Silva Tavares, o apoio para que estes 648 sócios comerciantes, industriais e agricultores, pudessem dispor de uma sede condigna, arrecadando agora a Associação uma quotização de 320 contos. Espera-se que o Boletim venha a registar trabalhos que digam respeito às atividades de fomento da Província e abrem-se as portas às repartições públicas para cooperarem com informações e artigos.

Inevitavelmente, um tema fulcral que veio logo a ser tratado foi a Guiné na hora do petróleo. Procura-se logo no primeiro número fazer uma súmula dos acontecimentos:
“Em 1956, em regime experimental, foi a firma holandesa N. V. Biliton Maatschappij superiormente a pesquisar minérios de alumínio em determinada zona desta Província.
A referida firma, em fevereiro daquele ano, enviou para tal fim à Guiné uma expedição mineira, chefiada por um geólogo de nacionalidade alemã, que iniciou a sua atividade em dezembro do mesmo ano, na região de Buba, na Circunscrição de Fulacunda.
Não dispomos de elementos que nos deem a conhecer o resultado dos trabalhos ali realizados, mas o abandono daquela região após poucos dias de permanência nela da expedição é sintoma evidente de que não foi brilhante ou, pelo menos que, se a existência do referido minério na região de Buba é um facto, ele não é economicamente explorável.

Em princípios de janeiro de 1957 passou a expedição para a região de Boé, da circunscrição de Gabu, onde estabeleceu acampamento na povoação de Madina. Mais tarde, isto é, em 7 de março de 1957, em virtude da publicação do Decreto n.º 40.987, foi, entre o Governo português e a referida firma holandesa, celebrado um contrato concedendo a uma companhia, que a mesma firma viesse a constituir, o direito exclusivo sobre pesquisas de minério de alumínio, na Guiné e em Angola. A companhia a que alude o Decreto acima referido foi constituída por escritura de 16 de agosto de 1957, com a denominação de Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola. Durante a primeira fase dos trabalhos a N. V. Biliton Maatschappij foi aqui representada pela conceituada firma comercial desta Praça, Nunes & Irmão. Veio a época das chuvas, o pessoal estrangeiro seguiu para Angola onde permaneceu até outubro de 1957. A representação da companhia passou para o Administrador de Circunscrição aposentado Luís Correia Garcia. Em fins de outubro a expedição regressou à Guiné, mas em virtude das cheias do Corubal os trabalhos só recomeçaram passados seis meses.

Nada sabemos quanto ao resultado dos trabalhos levados a efeito em Angola, como nada sabemos de positivo quanto aos que vêm sendo realizados na Guiné.
Oxalá os portos da Companhia Lusitana do Alumínio da Guiné e Angola sejam coroados de êxito, porque sob o ponto de vista industrial a Guiné ainda está tentando os primeiros passos.”


E noticiava-se também que estava a percorrer a Guiné uma missão de técnicos que ao serviço de uma firma alemã tinha vindo proceder a estudos sobre as possibilidades de existirem no território jazigos petrolíferos.

No número seguinte do Boletim, avançam-se mais elementos. O Ministro do Ultramar, Raul Ventura, tinha referido em Conselho de Ministros que havia a possibilidade de uma concessão de pesquisas e exploração de petróleo na Guiné. Tinham surgido várias entidades a manifestarem grande interesse sobre as possibilidades da obtenção de petróleo em várias províncias ultramarinas – em Angola, em Moçambique, na Guiné, em Timor e em São Tomé. Em sequência, publicaram-se dois Decretos pelos quais se estabeleceram os chamados direitos de concessão a pagar pelo concessionário, bem como o imposto de rendimento sobre os petróleos. Desses diplomas se fixaram com todo o rigor quais são as deduções que se podem fazer para encontrar o rendimento líquido. Tinham aparecido dois cidadãos portugueses a requerer ao Ministério a concessão de quase todo o território da Guiné para pesquisarem e explorarem petróleo. O Ministro despachou no sentido de que, tratando-se de petróleo, era indispensável fazer prova da sua capacidade técnica e financeira, que não chegou a ser feita. Apareceram outros concorrentes: uma sociedade francesa, companhias de várias nacionalidades como a Mobil, Texas, Standard de Nova Jérsia, Gulf Oil Corporation, a British Petroleum e duas empresas alemãs.

Houve conversações com os representantes destas companhias e pediu-se-lhes que dessem a conhecer as suas propostas. Acabou por ser selecionada a Standard Oil Corporation, mas os outros concorrentes foram avisados que caso não se chegasse a um acordo final com a Standard, em qualquer altura podia ser feito com uma outra. É nesse contexto que foi publicado o Decreto n.º 41.537, de 26 de fevereiro.

Este Decreto estabelece que uma sociedade que se chamará Esso Exploration Guiné Incorporated, que está constituída propositadamente para esse efeito nos EUA, fará contrato com o Ministério do Ultramar para a concessão do direito de pesquisas e de exploração. Trata-se de uma sociedade norte americana, mas uma condição que logo no início foi posta a todas as companhias é que o Governo não dá uma concessão a uma sociedade estrangeira; só dará a uma sociedade portuguesa o que significa que a Esso Exploration Guiné terá que se transformar, no prazo de seis meses, numa sociedade portuguesa. O máximo da representação que se poderia dar a investimentos portugueses seria de 20%; a Esso Exploration Guiné terá 20% do capital português, inteiramente gratuito e será entregue à Província da Guiné dentro de seis meses a partir da assinatura do contrato. O conselho de administração deverá ter maioria de membros portugueses e o seu presidente terá de ser também português.

Continuaremos a tratar deste número e de outros no próximo número.

O Governo português concede à Esso Exploration Guiné a prospeção de petróleo, entre outros carbonetos, fevereiro de 1958
Associação Comercial, Industrial e Agrícola da Guiné
(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 17 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27435: Notas de leitura (1864): "Atlas Histórico do 25 de Abril", por José Matos; Guerra e Paz, 2025 (3) (Mário Beja Santos)

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Guiné 61/74 - P27441: Historiografia da presença portuguesa em África (504): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1949 (62) (Mário Beja Santos)

Mário Beja Santos, ex-Alf Mil Inf
CMDT Pel Caç Nat 52

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 13 de Maio de 2025:

Queridos amigos,
O capitão de fragata Manuel Maria Sarmento Rodrigues já partiu para outros desígnios, está agora a construir-se a sua lenda, a sua memória indissolúvel. O encarregado do Governo propõe o seu nome para a ponte de Ensalmá, destinada a unir a ilha ao continente. Ponte que acabou num desastre ecológico, veio a independência e esqueceu-se a manutenção. O Boletim Oficial traz boas notícias, a produção de arroz é exuberante, a cidade está convertida num estaleiro. Na circunstância, aproveitei para fazer uma larga referência ao discurso de Sarmento Rodrigues no mesmo dia em que assistiu ao início da construção da ponte-cais de Bissau e em que também rejubilou com o início dos trabalhos da ponte de Ensalmá, hoje substituída por uma construção bastante sólida e que se espera que não tenha o triste fim que teve aquela construção em ferro que a incúria transformou em sucata.

Um abraço do
Mário



A Província da Guiné Portuguesa
Boletim Oficial da Colónia da Guiné, inícios de 1949 (62)


Mário Beja Santos

1949 ainda guarda a sombra tutelar de Sarmento Rodrigues. O encarregado do Governo, até chegar o Governador Raimundo Serrão, será o Tenente-coronel Pedro Joaquim da Cunha e Menezes Pinto Cardoso, o Chefe de Gabinete é o 1.º Tenente António Augusto Peixoto Correia, que um dia será governador da Guiné e depois Ministro do Ultramar.

Antes de voltar a essa sombra tutelar que foi Sarmento Rodrigues, importa dizer que a produção de arroz se revelou excecional neste ano. Foi criada a povoação de Cantonez, na Circunscrição Civil de Catió, deu-se como justificação a necessidade de se exercer uma mais ativa e eficiente fiscalização sobre o comércio de arroz, era público e notório que a produção ia sendo drenada clandestinamente para território estrangeiro. Tomaram-se medidas em prol dos interesses económico das praças indígenas, definindo que estas quando em serviço público superiormente autorizado, ao deslocarem-se a mais de dez quilómetros da área do aquartelamento e desde que a deslocação demorasse 24 horas ou mais, seriam abonados de ajuda de custo diária de cinco escudos.

No Boletim Oficial n.º 18, de 2 de maio, consta o diploma legislativo 1:444:
“Interpretando o sentir da população da Guiné que com a maior grandiosidade e brilho tem homenageado o ex-governador desta colónia, Capitão de Fragata Manuel Maria Sarmento Rodrigues;
Indo ao encontro das intenções dos membros do Conselho de Governo;
Considerando a obra verdadeiramente notável que realizou durante o período do seu governo;
Considerando ainda o especial e persistente interesse que dedicou à velha aspiração da Guiné, a construção de uma ponte ligando a ilha de Bissau ao Continente, cujos trabalhos inaugurou oficialmente em 10 de julho de 1948;

Com a aprovação do Governo, o encarregado do Governo manda o seguinte: a Ponte de Ensalmá será designada Ponte Governador Sarmento Rodrigues, o que nos remete para um discurso do ex-governador no início oficial da construção da ponte-cais, em Bissau, igualmente em 10 de julho de 1948, é uma bela peça, não só de recorte literário, espelha o que o tinha trazido à Guiné naquela vertigem desenvolvimentista:
Nós por cá não somos muitos, não somos demais. Estamos absorvidos por um programa vasto que não nos deixa livres nem mãos nem meios. Precisamos de quem a nós se junte e nos ajude a levar por diante todas as obras, a remover todos os obstáculos.

A construção de uma ponte-cais, como esta de Bissau, levou-nos primeiro a solicitar a intervenção do Ministério, não só para a orientação técnica, como para a concessão do crédito que saía fora dos limites do orçamento ordinário. E acabou por trazer para a Guiné o concurso de uma empresa até estranha à Colónia, dispondo de meios financeiros, materiais e técnicos, apta a realizar esta e outras obras importantes.
Começamos hoje oficialmente os trabalhos de construção do maior benefício que ao comércio, e, portanto, à economia da Guiné poderia ser dado. Para se chegar a este dia de regozijo, foi preciso durante longos anos preparar os estudos, os projetos, e os meios. Nesta obscura campanha de tenacidade, tomaram parte principal o Governo da República e o Governo da Colónia, desde vários anos a esta parte. Os ministros Vieira Machado, Marcello Caetano e Teófilo Duarte e o Governador Vaz Monteiro. No Governo Central esteve sempre presente, a manter a continuidade e a assistir com a sua extraordinária competência e infatigável atenção para com a Guiné, o ilustre Subsecretário Sá Carneiro.

Coube-nos, apenas, a rara sorte de poder acompanhar a aceleração do projeto e a sua aprovação e de conseguir rapidamente os meios para a execução. Chegámos, porém, ao fim do processo. E digo-o confiadamente, porque hoje nada falta, nem projeto, nem fórmulas, nem dotações, nem materiais… nem empresa capaz de levar até ao fim esta obra.
Não é esta obra original entre nós. Desde 1870 que o Governo pensava a sério na edificação de uma ponte-cais em Bissau, e algumas pontes de madeira serviram por vezes a empresas particulares. Mas só em 1889 o Estado começou solenemente a construção da primeira ponte para atracação de navios, em parte de alvenaria e em parte de madeira, a que foi dado o nome de Correia e Lança, o governador de então.

E aqui bem perto estão as ruínas de realização semelhante à atual, levada a cabo mercê da inteligência e capacidade do ilustre governador Carlos Pereira, a quem os destinos desta colónia estiveram tão bem empregues durante os três primeiros anos da República.
Aquela ponte, que foi criação sua, era uma perfeita obra de engenharia e excedeu a duração de garantia, apesar das brutalidades que posteriormente lhe foram feitas, fruto da ignorância – ia a dizer da esperteza – de quem mais tarde a utilizou para fins diferentes para que foi projetada. Todas as violências se fizeram. Em vez de apenas os encostar, amarraram-lhe os navios, que a faziam continuamente oscilar perante o esforço das correntes fortíssimas; como não havia cabeços, abriram-lhe buracos, por onde passavam os cabos;
e por último, para que, em vez das vagonetas previstas, pudessem no seu leito transitar os mais pesados camiões, tiraram-lhe o ligeiro empedrado e pavimentaram-na solidamente com betão!

Eis por que, na presença de tão bárbaro procedimento, eu não oculto as minhas dúvidas sobre o futuro desta nova obra, sobre o destino de tantas energias já gastas, de tantos sacrifícios que se fizeram e que ainda se hão de fazer para chegar com a empresa até ao fim.
Por isso eu pretendi que esta construção tivesse aquela característica que tanto me tem preocupado aqui na Guiné e que desejaria sempre imprimir em todas as obras: a duração indefinida; resistência capaz de sofrer todos os maus-tratos, de dispensar os menores cuidados.

O velho cais do Pidjiquiti, ao qualquer nos últimos anos pudemos acrescentar o seu troço mais importante, nem assim tem podido evitar as grandes aglomerações que ultimamente se têm verificado, mercê de uma extraordinária atividade que é um seguro índice do progresso e da vontade de trabalhar e construir que por toda a parte se observa.
Espero que antes de dois anos e meio possa o primeiro navio atracar à ponte, resolvendo de vez o problema de maior acuidade que à economia da Guiné se põe. Ficarão assim mais livres os navios, mais disponíveis as lanchas, mais seguras as mercadorias, mais favorecidos os passageiros. Não mais veremos o pouco edificante, embora pitoresco, espetáculo da balburdia das lanchas atulhadas, acotovelando-se no único desembarcadouro; das mercadorias sofrendo tratos nas cargas e descargas; dos navios ao largo esperando da sua vez de carregar!
E teremos engrandecido a cidade de Bissau, capital da mais encantadora e rica parcela do Ultramar português.”

Único número publicado, vê-se a sua ligação à Mocidade Portuguesa e fala-se muito no colégio-liceu de Bissau, terá funcionado junto do Museu e Centro de Estudos da Guiné Portuguesa
Outra ilustração do jornal Voz Académica
Uma referência a Amílcar Cabral, no jornal de 1953
A ponte-cais do Pidjiquiti, 1950, fotografia Foto Serra

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 12 de novembro de 2025 > Guiné 61/74 - P27413: Historiografia da presença portuguesa em África (503): A Província da Guiné Portuguesa - Boletim Oficial da Colónia da Guiné Portuguesa, 1948 (61) (Mário Beja Santos)