Timor Leste > Com c. 15 mil km2, e mais de 1,3 milhões de habitantes, ocupa a parte oriental da ilha de Timor, mais o enclave de Oecusse e a ilha de Ataúro. Antiga colónia portuguesa, tornou-se independente desde 2002, depois de ter sido invadida e ocupada pela Indonésia durante 24 nos, desde finais de 1975. Na II Grande Guerra, conheceu por duas vezes a invasão e ocupação por tropas estrangeiras (os Aliados, em 17 de fevereiro de 1941; e depois os japoneses, em 20 de fevereiro de 1942). Na altura teria pouco mais de 400 mil habitantes. O território era administrado por Portugal desde o início do Séc. XVIII.
Fonte: Portal Casa Comum | Fundação Mário Soares e Maria Barroso | Pasta: 05768.032.08355 | Título: Diário de Lisboa | Número: 6913 | Ano: 21 | Data: Sábado, 21 de Fevereiro de 1942 | Directores: Director: Joaquim Manso | Fundo: DRR - Documentos Ruella Ramos | Tipo Documental: Imprensa.
Citação: (1942), "Diário de Lisboa", nº 6913, Ano 21, Sábado, 21 de Fevereiro de 1942, Fundação Mário Soares / DRR - Documentos Ruella Ramos, Disponível HTTP: http://hdl.handle.net/11002/fms_dc_26735 (2024-7-26)
1. Estamos a publicar notas de leitura e excertos do livro de memórias do médico de saúde pública José dos Santos Carvalho, "Vida e Morte em Timor durante a Segunda Guerra Mundial" (*), disponível em formato digital no Internet Archive.
Ao povo de Timor Leste ligam-nos laços históricos, linguísticos e afetivos, razão por que temos a obrigação de conhecer melhor a sua história, passada e presente, incluindo os trágicos acontecimentos que ocorreram na II Guerra Mundial.
Da entrada sobre "Timor", no "Dicionário de História de Portugal. Suplementos" (ed. lit, António Barreto e Filomena Mónica, vols. VII a IX, Porto, Figueirinhas, 2000), pode ler-se, no Vol IX, Suplemento P/Z, a pp. 515-517, e bem como do livro de memórias de José dos Santos Carvalho que temos vindo a recensear, recolhemos a seguinte informação, sumária, de natureza socioeconómica e demográfica:
(i) de 1926 a 27 de fevereiro de 1942 (data do desembarque japonês), Timor conheceu "um período de abandono e estagnação" (sic), não obstante a "ação civilizadoa e colonizadora" do governador Álvaro Fontoura (1936-1940), propagandeada no célebre "Álbum Fontoura" (coleção com mais de meio milhar de fotografias sobre a "colónia portuguesa de Timor"; ficou com "o nome do governador que o mandou elaborar, em finais dos anos 30, e coincidindo, então, com a permanência em Timor de uma missão geográfica e geológica, chefiada pelo geógrafo Jorge Castilho").
(ii) 200 civis (cerca de metade eram deportados) e 300 militares (a maior parte indígenas) garantiam a soberania portuguesa;
(iii) mais de 90% dos menos de 500 mil timorenses de então viviam nas zonas rurais governados pelsos seus próprios régulos (os "liurais", da confiança política dos portugueses);
(iv) a economia, de base agrícola, era de subsistência (milho, introduzido pelos portugueses no séc. XVII, e arroz de sequeiro), tendo alguma importância o café (que era exportado), a criação de gado e o artesanato;
(v) em Díli, a atividade comercial era dominada por uma "elite de mestiços e chineses";
(vi) 80% das exportações eram representadas pelo café, de alta qualidade (700 toneladas exportadas em 1938);
(vii) na ausência de receitas próprias, Lisboa tinha que suportar as despesas de administração do território;
(viii) em Díli, em 1940, não havia energia elétrica, água corrente, ruas pavimentadas, telefones públicos, instalações portuárias (cais de carga);
(ix) apenas cerca de um milhar de crianças frequentavam a escola primária;
(x) havia 4 médicos (segundo o testemunho de José dos Santos Carvalho, médico de saúde pública) e uns tantos enfermeiros e auxiliares de enfermagem;
(xii) os direitos civis, reconhecidos em 1822, na sequência da revolução liberal, foram revogados pela nova política colonial do Estado Novo (Ato Colonial de 1930);
(xiii) os assimilados ou civilizados eram uma minoria de 2% de timorenses (os que tinham instrução e bens próprios);
(xiv) pelo Ato Colonial de 1930, praticava-se o "trabalho forçado", embora "pago" (obras públicas, etc.);
(xv) o território (a c. 20 mil km de distância da "metrópole") continuava a ser local de deportação e encarceramento (deportados "políticos" e "sociais", que em 1840 não chegaram a uma centena);
(xvi) a Igreja Católica era influente mas só 13% dos timorenses eram então católicos praticantes;
(xvii) a assinatura da Concordata e do Acordo Missionario entre o Vaticano e o Estado Novo tinha-se traduzido na criação de uma diocese em Díli (Timor até então dependia de Macau);
(xviii) não havia rádio nem jornais;
(xix) praticamente, os únicos professores eram os missionários (e um ou outro militar);
(xxx) o sistema de saúde resumia-se praticamente a um pequeno hospital, em Lahane, uma "farmácia de Estado", e três delegacias de saúde pública, para um território de 15 mil km quadrados;
(xxxi) a rede rodoviária era ainda rudimental: o trânsito automóvel (havia poucas viaturas) limitava-se à zona costeira; nas montanha-se recorria-se ao cavalo; e a navegação de cabotagem era feito pelos "beiros" (barcos à vela)...
São dados que estão longe de serem lisongeiros para a potência administrante do território (com governador nomeado desde o início do séc. XVIII)... Compare-se esta informação com as fotos do "Álbum Fontoura", nomeadamente sobre a "ação civilizadora e colonizadora"... Álvaro Fontoura (1895-1975) foi governador de Timor entre 1936 e 1940 e, como se costuma dizer, "deixou obra", leia-se, "obras públicas (escolas, igrejas, enfermarias, edifícios públicos, algumas pontes...).
Timor, Díli, 20 de fevereiro de 1942 - A invasão e a ocupação japonesas
por José dos Santos Carvalho
(i) Sabemos que nesta altura o autor estava em Baucau, onde exercia a função de autoridade de saúde. Bacau estava a mais de 120 km da capital, Díli. Não foi, pois, testemunha direta da invasão japonesa. Os japoneses desembarcaram a 5 km de Dili, expulsaram os Aliados e instalaram-se na capital.
Daí o José dos Santos Carvalho ter-se socorrido de outras fontes, como o livro do deportado dr. Cal Brandão (1906-1973), "Funo: guerra em Timor" (Porto, 1946). E de testemunhos posteriores de quem viveu os primeiros acontecimentos, em Díli e Lahane.
As forças militares portuguesas não ultrapassavm os 300 homens, mal armados e enquadrados: além da Polícia de Fronteira, havia a Companhia de Caçadores, comandada pelo cap Freitas da Costa, e coadjuvada por outros três oficiais, os tenentes Liberato, Ramalho e Garcia de Brito; inicialmente aquartelada em Taibéssi, próximo de Díli, foi obrigada pelos Aliados a ir para Maubisse (e, depois, com os japoneses, para Aileu).
(...) Cerca das nove horas do dia 8 de fevereiro, dois aviões japoneses metralharam as posições holandesas na praia de Díli, atingindo casas da cidade e só por milagre não feriram
os portugueses que, a essa hora se dirigiam para o edifício da Câmara Municipal onde se realizaria a eleição do Senhor Presidente da República [ reeleição de Osar Carmona, pela única, da União Nacional] (1).
Na madrugada do dia 20 de fevereiro, forças japonesas desembarcaram em Díli após uma fraquíssima resistência das tropas holandesas, logo abandonadas pelos soldados javaneses que constituíam a sua maior parte e, como gamos, fugiram para o interior deixando as armas.
Seguiu-se desenfreado saque à cidade pela indisciplinada tropa de choque que tinha feito o assalto e a encontrou
quase vazia de habitantes.
Dos poucos europeus que ainda viviam em Díli, muitos foram pedir auxílio às casas de Lahane e, sobretudo, ao hospital e edifícios anexos e à Missão, onde se alojaram cerca
de trinta pessoas. Outros, foram para muito mais longe, a
Aileu, à Ermera, a Liquiçá e a Maubara, onde tinham as famílias desde dezembro do ano anterior [ desde ainvasão das tropas autraliano-holandesas].
Tendo caído granadas junto ao quartel de Taibéssi, aquando do bombardeamento japonês que precedeu o desembarque, o tenente Ramalho seguiu com o destacamento da companhia de caçadores que comandava para Aileu onde se juntou à companhia de caçadores que, por ordem do Governador, se deslocou para ali, de Maubisse, ficando todos instalados no
edifício do presídio.
Os japoneses ocuparam quase todos os edifícios de Díli e, em Lahane, o edifício da Assembleia dos Funcionários, e as casas do chefe do gabinete do governador, capitão Vieira, e
do Dr. Francisco Rodrigues, que nessa altura estavam sem moradores.
Libertaram imediatamente os seus concidadãos presos pelas tropas aliadas e internaram no hospital Dr. Carvalho,
à responsabilidade assumida pelo seu director, Dr. Correia Teles, e sob palavra de honra, de que não fugiria, o cônsul da
Holanda, engenheiro Brower e sua esposa.
Naquele mesmo hospital ficaram alojados, até ao fim da guerra, o alemão Max Sander e o autraliano Arthur Brian.
Somente através de atos do mais puro heroísmo e destemida dedicação foi possível a alguns portugueses voltar a
Díli e salvar alguma coisa, destacando-se, nomeadamente, o
gerente do Banco Nacional Ultramarino João Jorge Duarte, o Dr. Tarroso Gomes (que exercia as funções de diretor dos Serviços de Fazenda) e o aspirante administrativo José Duarte Santa.
Obrigados a cumprimentar os japoneses com repetidas vénias e maltratados e até esbofeteados, não deixaram de teimosamente voltar às suas antigas repartições, procurando manter um esboço de serviço e evitar a destruição ou deterioração de elementos preciosos para a administração.
Assim, o gerente evitou que as instalações do Banco fossem ocupadas pela tropa e o Dr. Tarroso salvou o essencial
para o funcionamento dos Serviços de Fazenda que conseguiu manter em Díli, algum tempo, numa casa particular.
Do saque a Díli, conseguiram os fiéis timorenses, funcionários da administração do concelho, chefiados pelo aspirante Santa, salvar e transportar para Lahane, sendo armazenados
no hospital e em várias casas, o arroz, feijão e parte do café
que estavam nos armazéns da FOAGE (Fábricas, Oficinas e Armazéns Gerais do Estado), cujas instalações foram ocupadas pelos japoneses e que de lá se conseguiram tirar antes de
desaparecer, tudo, e a gasolina e petróleo da reserva do Estado
que estava num armazém junto ao farol, e que, também, foi
possível salvar em grande parte.
Papel brilhantíssimo coube a todos os funcionários dos Serviços de Saúde, desde o director até ao mais humilde
servente !
Apesar da fuga desordenada perante a fúria e desvastações do invasor, nem um só abandonou o seu posto pelo que o hospital Dr. Carvalho foi o único organismo do Estado que pôde continuar e exercer todas as suas funções com regularidade e a
mais completa calma e eficiência, passando aí a funcionar a
Farmácia do Estado.
(ii) a violação da soberania portuguesa, desta vez pelos japoneses, não teve a mesma denúncia veemente, por parte de Salazar, que tinha tido a invasão dos Aliados;
o Estado Novo tratou o caso de Timor (e de Macau) com pinças e luvas de veludo;
a censura não deixou que se publicassem notícias das atrocidades cometidas pelos japoneses e pelas "colunas negras" por eles armadas e alimentadas...
Os portugueses, na metrópole, só souberam dos "detalhes" sangrentos no final da guerra; a recuperação da soberania de Timor foi duramente negociada com os Aliados.
(...) Em princípios de março [de 1942] os japoneses distribuíram prospetos, em inglês, pelos quais impuseram a sua moeda, o «yen» com paridade com a pataca. Logo surgiram as notas de «gulden», moeda de guerra dos japoneses, emitida especialmente para circular nas Índias Neerlandesas.
Aviões japoneses que sobrevoaram vários pontos da colónia, entre os quais a vila de Baucau, lançaram a seguinte
proclamação, impressa em inglês:
PROCLAMATION
Imperial Empire of Great Japan is now in war with Netherland and also with Australia wich is a component of
the United Kingdom.
Imperial Japanese Forces are obliged to take necessary measures and means in Timor so far as forces of Netherland and Austrália are stationing in that neutral territory.
I. Commanding Officer of Imperial Japanese Forces, hereby demand and declare as follows:
(1) Imperial Japanese Forces will be stationed in Portuguese Timor, for self -defense in connection with their
operations.
(2) Portuguese forces and non-combatents are requested strictly not to obstruct or disturb any operation of the Imperial Japanese Forces.
Commanding Officer Imperial Japanese Forces. (...)
(iii) Tradução para português da proclamação de guerra, assinada peloComandante das Forças Imperiais Japonesas. (Google Translate / LG):
"O Império Imperial do Grande Japão está agora em guerra com a Holanda e também com a Austrália, que é parte do Reino Unido.
As Forças Imperiais Japonesas são obrigadas a tomar as medidas e os meios necessários em Timor, na medida em que forças neerlandesas e australianos estão estacionadas em território neutro como este.
Eu, Comandante das Forças Imperiais Japonesas, por este meio, aqui decalro e exijo o seguinte:
(1) As Forças Imperiais Japonesas ficarão estacionadas no território de Timor Português, para autodefesa no âmbito das suas operações.
(2) Aos militares e aos civis portugueses requer-se estritamente que não obstruam ou perturbem qualquer operação das Forças Imperiais Japonesas.
O Comandante das Forças Imperiais Japonesas."
(iv) O autor dá-nos conta das primeiras escaramuças entre os japoneses e os autralianos, refugiados nas montanhas e organizados em grupos de guerrilha, a que se juntam timorenses e alguns portugueses (deportados); os primeiros portugueses abatidos selvaticamente são os deportados Ramos Graça e Fernando Martins.
(...) Pouco depois da sua chegada a Díli, os japoneses lançaram-se à conquista do acampamento dos australianos em Nai-Suta, tendo sofrido grandes desaires, caindo como tordos
(1) sob os golpes dos soldados australianos que actuavam em
guerrilhas.
No mês de Março, uma secção australiana que operava no Remexio lançou vários raids ao centro de Díli (1) . Os
japoneses, despediram, montanha acima, em perseguição dos importunos. O caminho tortuoso, áspero e apertado, ficou bem
demarcado com cadáveres amarelos (1) .
«Enraivecidos, quando
chegaram ao alto, entram na primeira palhota que se lhes
depara. Era a humilde moradia, a quase miserável residência de Ramos Graça, que deportado em Timor desde 1927, onde levara uma vida de trabalho honrado, ali vivia rodeado dum grupo de
crianças que eram seus filhos.
Surprendido, mas sem receio,
respondeu serenamente, e com verdade, que desconhecia o paradeiro dos guerrilheiros australianos. Sairam; um pouco adiante porém, nova rajada de metralhadora leva mais uns tantos a morder o pó daquela terra ultrajada. Retrocedem cegos de
despeito e ódio, entram de roldão na palhota, avançam as
baionetas em golpes repetidos até saciarem seus selváticos e
sanguinolentos instintos.
Passam uma corda ao pescoço do cadáver
esquartejado, arrastam-no para uma ravina distante, onde o despenham e é encontrado poucos dias depois. Assim morreu Ramos Graça, o primeiro português-europeu a cair indefesa e
ingloriamente» (1).
Combatendo ao lado dos australianos, apesar de ser coxo, encontraram e aprisionaram os japoneses, no Remexio, o
deportado sr. Fernando Martins. Levaram-no para Díli, onde foi morto a golpes de catana no campo de aviação, segundo mais tarde me informou o sargento António Joaquim Vicente que, no tempo de paz, era o chefe da polícia de Díli.
Após as escaramuças na estrada de Nai-Suta, os aviões japoneses bombardearam as suas matas laterais (1).
Dias depois os japoneses avançaram, em três colunas, para a Ermera. Uma grande coluna, cerca de oitocentos homens, abriu caminho, pela estrada; a segunda, foi por Liquiçá,
atravessando em seguida Fatubéssi; e a terceira, que tinha
tentado avançar, foi repelida em Bazar-Tete, onde morreram vinte ecinco japoneses (1).
Furiosos com esta derrota, prenderam o chefe de posto de Bazar-Tete, sr. César Moreira Rato e levaram-no para Díli,
no dia 12 de Março, acusando-o de ser o causador daquele desastre (1), por não os ter avisado, quando estavam em sua
casa, de que havia australianos perto e, depois, serem atacados
por eles (3) . Levaram-no para Díli, para o quartel-general,
onde dois dias o tiveram preso por uma corda a uma das árvores do quintal; como alimento deram-lhe alguns grãos de arroz e
águaquente (1). Foi libertado, devido a pronta e decidida
reclamação do Governador Ferreira de Carvalho.
Na Ermera, as tropas nipónicas estabeleceram-se na casa do Posto, prendendo num dos quartos o respectivo chefe, sargento Relvas, o enfermeiro e o guarda-fios, e fazendo outras tropelias porém, no dia seguinte, levantaram quartéis e
regressaram a Díli (1) .
Foram-se inesperadamente, como inesperadamente tinham ido, mas dias depois, os seus aviões de ronda, até então
inofensivos, bombardearam todas as vilas daquela região. A Ermera foi a mais castigada, registando-se onze mortos, entre os
quais duas crianças de colo (1).
Um mês depois, voltou a infantaria em formação cerrada, batendo o caminho cuidadosamente, carros de assalto à
frente, metralhadoras a cantar, em serviço de varrer as bermas da estrada. Como guarda-avançada tinham enviado dois oficiais à paisana, disfarçados em chineses, que o Júlio Madeira (3) prendeu e entregou aos australianos (1).
«Vinham para ficar, para castigar aqueles impertinentes australianos, que nesses dias negros, perdidos em Díli os
aparelhos de TSF sem ligação com a Austrália, exaustos os
seus recursos, se tinham recolhido à Fronteira, onde a
assistência dada pelo administrador Sousa Santos, e os demais funeionários que ali prestavam serviço, os ia aguentando na
esperança de melhores dias. Apenas duas ou três patrulhas, deixadas à retaguarda, iam tornando caro o avanço do Grande ExércitoImperial do Grande Império Nipon. Ao chegar à Hátu-Lia, onde se demoraram dois dias, tinham perdido quatrocentos homens.
"Estiveram pois em descanso na Ermera todo um mês, de 13 de abril a meados de maio, que aproveitaram para fazer intensa propaganda no seio dos indígenas» (1).
Na Hátu-Lia prenderam os japoneses o respectivo chefe de posto, sargento Mortágua, juntamente com o missionário Padre Madeira e o feitor da Granja Eduardo Marques, sr.
Carrascalão, que foram libertados somente quatro dias depois, mercê de enérgico protesto do Governador Ferreira de Carvalho.
Por esses tempos, alguns deportados se foram juntar às guerrilhas onde encontraram já o Júlio Madeira, e de combinação com vários amigos, ainda fixados nos arredores da
cidade de Díli, apoderaram-se dum aparelho de rádio, com o qual os australianos estabeleceram o primeiro contacto com Darwin.
(v) Díli e outras posições dos japoneses começam a ser bombardeadas com regularidade pelos Aliados (primeiro, os australianos, e depois os americanos); a resistência recrudesce e aguenta-se, pelo menos até meados de 1943; mas o número de baixas entre os japoneses, reportada por Cal-Brandão, tem de ser aceite com reservas, a ausência de outras fontes independentes.
(...) A Austrália, que considerava perdida toda aquela gente, fez
um apertado reconhecimento e mandou os primeiros socorros bem necessários. Pela primeira vez, então, um avião aliado
apareceu a fotografar as posições inimigas. Criaram-se novas esperanças com o reaparecimento das guerrilhas bem armadas e municiadas pelos reabastecimentos recebidos em paraquedas.
Ouviu-se de novo o estrondear das granadas de mão e as sinistras gargalhadas das metralhadoras. Os japoneses atacados nas suas posições avançadas e na própria linha de comunicações, lançavam patrulhas que iam sendo dizimadas impiedosamente.
Numa luta sem quartel os guerrilheiros atacavam por toda a parte e a toda a hora, de noite e de dia. Batidos, quase
escorraçados, os japoneses confinam-se em Díli, que começa a ser bombardeada regularmente (1).
Assim, apareceram pela primeira vez sobre a cidade, lançando bombas, quatro aviões australianos, no dia 20 de maio.
(vi) O administrador do concelho de Díli é substituído pelo engenheiro Artur do Canto, da Missão Geográfica, ao que parece por pressão dos japoneses; o autor, José dos Santos Carvalho, irá elogiar a sua ação, na ligação com o ocupante; por sua vez, os portugueses perdem todas as ligações com o exterior, quando em 31 de maio de 1942 os japoneses ocuparam a estação radiotelegráfica de Taibéssi.
(...) Os japoneses organizaram então a sua defesa antiaérea, eriçando de canhões e metralhadoras os pontos estratégicos,
entre os quais as muito próximas vizinhanças da residência do
Governador e do hospital Dr. Carvalho, os quais, sempre que havia um ataque, desentranhavam um muito nutrido e ensurdecedor fogo de barragem.
«Impotentes para resistir aos violentos ataques dos aliados, fazem recair suas iras sobre os indefesos funcionários que,
na capital, junto do Governador, procuram manter em funcionamento um arremedo de serviços públicos. Incompatibilizados com o administrador do concelho, fazem pressão para que seja castigado, conseguindo que seja suspenso do exercício das
suas funções, afastado do seu posto e substituído pelo
engenheiro-geógrafo Artur do Canto, da Missão Geográfica, que, naquele momento difícil e num gesto simpático, voluntariou para tão espinhoso como ingrato cargo» (1).
No dia 31 de maio os japoneses ocuparam a nossa estação radiotelegráfica de Taibéssi pelo que, daí em diante,
ficámos sem qualquer possibilidade de comunicação com o exterior.
A nomeação do engenheiro Canto para exercer as funções de administrador do concelho de Díli saiu em 4 de junho, seguindo o administrador Aguilar para Baucau (onde o encontrei no dia 6) e daí para Venilale, residência em que se
fixou.
Aconteceu no dia 6 de junho um facto absolutamente inesperado e inexplicável que a todos deixou confusos. Aviões
australianos bombardearam e metralharam Aileu, onde somente se encontravam portugueses!
Fortemente intimidadas pelo bombardeamento, as famílias que aí se achavam refugiadas procuraram novos poisos e seguiram para diversos pontos, especialmente para Manatuto, Baucau e Soibada onde encontraram o melhor acolhimento.
O administrador de Manatuto, Dr. Mendes de Almeida e a sua esposa, D. Elzira, receberam na sua residência de Saututo, as
famílias do Governador, do capitão Vieira e do tenente Alves. O
capitão dos portos de Timor, comandante César Gomes Barbosa, seguiu para Baucau onde se instalou numa casa próxima domoinho que aí existia.
No dia 10 de junho, Díli foi fortemente bombardeada por aviões australianos o que obrigou o Governador a ordenar que os serviços que ainda estavam em Díli fossem transferidos
para Lahane. Assim, a administração do concelho passou a funcionar na Missão Geográfica e os serviços de fazenda numa das casas do Estado.
A 28 do mesmo mês, registou-se um novo bombardeamento da cidade de Díli.
Na noite de 1 de Julho deu-se a fuga do hospital Dr. Carvalho do cônsul da Holanda, Engenheiro Brower, e de sua
esposa, o que causou sérios dissabores ao Dr. Correia Teles,
diretor do hospital, que foi fortemente incomodado no inquérito a
que a polícia japonesa (4) procedeu após o acontecimento.
No dia 9 de julho, Lahane foi bombardeado por aviões, agora americanos, sendo atingida a casa do quartel da
polícia portuguesa instalado no lugar de China Rate. Morreram quatro guardas e treze moradores auxiliares da polícia e foram feridos outros, todos timorenses.
Os sucessivos e mortíferos bombardeamentos forçaram o Governador a transferir a sede do Governo e os Serviços
Públicos para outros locais onde ainda não tinha chegado a
guerra.
(vii) por razões de segurança, os escassos serviços e funcionário públicos (e respetivas famílias) são dispersos pelo território, por ordem do governador; em 12 de agosto, o médico desloca-se de Baucau para Lahane, numa ação de voluntarismo e solidardade.
(...) Por uma portaria publicada em 11 de julho [de 1942], ordenou que a sede do Governo e os Serviços de Administração Civil e os de Fazenda passassem a funcionar em Baucau, os Serviços dos Correios em Laga e a Repartição de Saúde, o Hospital Dr.
Carvalho e a Farmácia do Estado, em Quelicai.
A mudança dos serviços e o transporte dos funcionários e do mobiliário e dos arquivos que ainda nos restavam, foram feitos com febril mas perfeitamente ordenada organização que logo demonstrou as excecionais qualidades de dirigente e
administrador do Engenheiro Canto.
Em poucos dias se conseguiu dar execução à portaria governamental, porém, quando o Governador, com o seu ajudante e secretário, saíam no seu automóvel do recinto da residência para seguirem para Baucau, no dia 22 de julho, uma simples sentinela japonesa barrou-lhes o caminho, sem dar quaisquer explicação do seu ato. Não tiveram outro recurso senão regressar ao ponto de partida e resignar-se à situação, pois
o cônsul japonês, sr. Sayta, assediado pelo engenheiro Canto,(atuando qual consumado diplomata) , afirmava que, como
simples civil, nada podia fazer perante o omnipotente comando militar.
Deste modo, o Governador com os seus dois diretos colaboradores ficou retido em Lahane ao passo que os Serviços estavam instalados, na zona leste. Prevendo o pior,
combinou, pelo telefone, com o Dr. Taborda, director da administração civil, que assumisse as funções de governador, se se
passassem 48 horas de interrupção de comunicações entre Baucau e a
residência de Lahane.
No edifício do Hospital Dr. Carvalho funcionava agora somente uma ambulância dirigida pelo Dr. Rodrigues que nele habitava com sua esposa D. Rufina, e aí estavam instalados o administrador do concelho de Díli e seus directos
colaboradores, o gerente do Banco Nacional Ultramarino com dois seus funcionários, o sargento-artífice Alberto Pinto e os
estrangeiros Max Sander e Arthur Brian.
Ao passar em Baucau, caminho de Kelikai, o chefe da Repartição de Saúde, Dr. Correia Teles, contou-me que a
senhora D. Rufina Rodrigues andava seriamente assustada e preocupada com os bombardeamentos de Díli e Lahane que muito a emocionavam. Redigi e assinei, então, uma nota a ele dirigida,
oferecendo-me para ir substituir aquele nosso colega em Lahane, durante um mês.
Instalaram-se os vários funcionários que agora prestavam serviço em Baueau, nas diferentes casas que ficaram superlotadas com várias famílias.
Na minha residência tive o prazer de receber o sargento Ribeiro e sua família e o Dr. Tarroso Gomes que exercia as
funções de director dos Serviços de Fazenda.
O meu oferecimento para substituir o Dr. Francisco Rodrigues durante um mês foi aceite pelo Governador, pelo que eu segui no automóvel da circunscrição de Baucau para Lahane onde cheguei no dia 12 de agosto, tendo o Dr. Rodrigues e sua esposa ido para Baucau, imediatamente, no mesmo carro que me levara.
No pavilhão principal do edifício do Hospital Dr. Carvalho encontrei : o engenheiro Canto, o sargento Vicente, o
secretário administrativo João Gamboa, o chefe de posto de Laulara,
Francisco Torrezão, os aspirantes administrativos, José Santa e Domingos Ribeiro, o secretário da Câmara Municipal de Díli, Rosário Roque da Piedade Rodrigues, o sargento-artífice
Alberto Pinto, o enfermeiro Victor Madeira, o gerente do Banco Nacional Ultramarino, João Jorge Duarte, os funcionários do mesmo banco, Anselmo Bartolomeu de Almeida e Fausto Amaral, e os estrangeiros Max Sander e Arthur Brian.
(Continua)
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Carlos Cal Brandão: "Funo: guerrra em Timor". Porto, edições "AOV", 1946, 200 pp.
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Capa do livro de José dos Santos Carvalho: "Vida e Morte em Timor Durante a Segunda Guerra Mundial", Lisboa: Livraria Portugal, 1972, 208 pp. Cortesia de Internet Archive. |
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Notas do autor:
(1) Vide Carlos Cal Brandão, Funo. Porto, 1946.
(2) Informação a mim prestada, directamente, pelo senhor Moreira Rato.
(3) O senhor Júlio Madeira, natural da Ermera, tinha sido
soldado da Companhia de Caçadores e havia constituído com timorenses uma guerrilha que fez grandes estragos entre os
japoneses devido ao conhecimento perfeito que o seu chefe tinha da
região onde nascera e à sua perfeita mobilidade e perícia no manejo
das armas.
(4) Os japoneses tinham uma polícia no género da Gestapo, por eles denominada Kempy [ou Kempeitai]