Queridos amigos,
Estes pequenos capítulos de obras como esta de Fortunato de Almeida, uma segunda edição em 1920, permite pertinentes leituras: o enclave está perfeitamente definido, assume-se desconhecimento em aspetos tão importantes como a geologia, é uma época em que para além de Bolama e Bissau têm reconhecida vida ativa Cacheu e Farim, Geba, Fá, Belchior, Buba e Cacine. Estão identificadas algumas das riquezas e potencialidades do território, curiosamente não se fala ainda no arroz, e é altamente questionável que houvesse para ali tigres e leões. O comércio ainda está dominado pelos estrangeiros, a Alemanha tem um peso dominante, como pude detetar quando estava a preparar a História do BNU na Guiné; a CUF ainda não chegou, para se chegar à metrópole só pelos vapores da Empresa Nacional de Navegação. A Guiné só possuía um concelho e número reduzido de escolas primárias. E também não há uma só palavra sobre os recursos do mar, não é de estranhar, ainda vai demorar muito a conhecer a riqueza da plataforma continental marítima onde depois da independência percorreram, com grandes ganhos, as embarcações da URSS e da União Europeia, fora adventícios que aqui vieram fazer riqueza.
Um abraço do
Mário
Fortunato de Almeida e a Guiné antes de 1920
Mário Beja Santos
Recebo um telefonema do meu primo José Thadeu, estava em S. Brás de Alportel a ajudar uma velha amiga a deitar fora toneladas de traquitana deixadas por um familiar, era um acumulador lendário, cujos interesses iam desde velhos ferros de engomar e candeeiros a petróleo, passando por alfaias agrícolas, até grafonolas e livros. Tinha encontrado bastantes livros em mau estado, jornais antigos, panfletos, etc., se eu estava interessado que me os trouxesse, disse imediatamente que sim. E é do livro Portugal e as Colónias Portuguesas, por Fortunato de Almeida, bacharel formado em Direito, professor efetivo do Liceu e da Escola Normal Superior de Coimbra, sócio da Academia das Ciências de Lisboa, da Sociedade de Geografia, da Sociedade Portuguesa de Estudos Históricos e do Instituto de Coimbra, segunda edição, 1920, que vos vou falar do capítulo dedicado à Guiné.
Ficamos a saber que a Guiné Portuguesa era outrora denominada Guiné Superior, o autor dá informação sobre a situação de limites e superfície da Guiné, observa que os territórios da Guiné ainda estão mal estudados sobre o aspeto geológico, descreve o território, rios e povoações, quando chega ao rio Geba, dá uma explicação sobre o macaréu, é interessante o que escreve:
“O rio Geba dá-se na ocasião das marés-vivas um fenómeno conhecido pelo nome de macaréu, e que é o mesmo a que os franceses chamam mascaret e os brasileiros designam, no Amazonas, pelo nome de proroca. O macaréu é uma onda gigantesca que se levanta e propaga rapidamente, e que em alguns rios, não na Guiné, constitui grave perigo para as embarcações. Não está o fenómeno suficientemente esclarecido; mas parece que o macaréu é formado pela acumulação de algumas ondas sucessivas. A primeira onda do fluxo ou enchente propaga-se com velocidade proporcional à profundidade da água; a segunda, encontrando maior profundidade, propaga-se com velocidade maior; e assim vai acontecendo sucessivamente com as restantes, até que muitas ondas chegam a juntar-se e a formar uma onda gigantesca que se precipita impetuosamente.”
Falando da flora, agricultura e fauna, o autor não esquece as espécies vegetais: milho, legumes, mandioca, batata-doce, cana-de-açúcar, amendoim, bananeira, laranjeira, cafezeiro, tamarindo, palmeira; tabaco, algodoeiro, anil, árvore de borrada, árvore da cola, bambu, mogno, ébano, pau-carvão, pau-sangue e outras espécies que fornecem boas madeiras. Quanto à fauna, além dos animais domésticos, repertoria: galinhas, gado vacum, ovino, caprino e suíno, encontram-se ali tigres (?), leões, elefantes, antílopes, lobos, onças, panteras, gazelas e uma grande variedade de macacos; papagaios, pelicanos, íbis, falcões e outras aves.
Chegamos agora ao comércio, aos portos e vias de comunicação. Importam-se: tecidos, géneros alimentícios, metais, tabaco, bebidas fermentadas e bebidas destiladas. A maior parte da importação procede de países estrangeiros. O país que recebe mais géneros da Guiné Portuguesa é a Alemanha (foi assim de facto até à Primeira Guerra Mundial), como país de destino, Portugal figura em segundo lugar e a Bélgica em terceiro. Os portos de Bolama, Bissau e Cacheu são os mais frequentados, principalmente por navios portugueses, alemães, franceses e belgas. São também importantes os portos de Farim e Cacine. Em Bolama e Bissau tocam regularmente os vapores da Empresa Nacional de Navegação.
Não sabemos que dados Fortunato de Almeida compulsou, calcula a população da Guiné em 70 mil habitantes, dois por quilómetro quadrado. Elenca um conjunto de etnias e observa: “Estes povos são de caráter diverso: uns irrequietos, aguerridos e salteadores; outros vivem da apascentação de gados; outros ainda se dedicam a trabalhos agrícolas. Muitos dos habitantes são feiticistas; outros são muçulmanos; e há também muitos cristãos. Dos gentios, alguns são polígamos e dão-se muito a práticas supersticiosas. A evangelização daqueles povos tem sido descurada, por falta da indispensável proteção do Estado às missões religiosas".
Exerce a autoridade suprema da Guiné um governador de província. A sede do Governo é Bolama, as outras povoações mais importantes são Bissau, Cacheu, Geba, Bolor e Farim. A província só tem um concelho, com sede em Bolama. Há comandos militares em Bissau, Cacheu, Geba e Cacine.
A Justiça é administrada pelo auditor dos conselhos de guerra em Bolama, o qual acumula com aquelas funções as de juiz de Direito. Há um auditor de fazenda, encarregado de fiscalizar a administração financeiras das províncias de Cabo Verde e da Guiné. A Guiné Portuguesa pertence à diocese de Cabo Verde; é eclesiasticamente administrada por um vigário-geral, que até há poucos anos era auxiliado no ministério religioso por seis párocos missionários. Há escolas primárias para ambos os sexos em Bolama, Bissau e Cacheu; e só para o sexo masculino em Buba, Geba e Farim. A guarnição militar compõe-se de uma companhia mista de artilharia de montanha e infantaria, e de dois pelotões de dragões; uma canhoneira, duas lanchas canhoneiras e algumas lanchas de vela para policiamento dos rios.
E Fortunato de Almeida muda de rumo, segue agora para S. Tomé e Príncipe.
Imagem extraída do livro de Fortunato de Almeida, é a primeira vez que vejo uma dança de Grumetes com os seus fatos guerreiros
Planta da cidade de Bolama, Guiné Portuguesa, 1920-1921
A Baía de Bolama nos tempos da tentativa de ocupação britânica, segunda metade do século XIX
Bolama, o primitivo Palácio do Governador
O que resta do Mercado Central de Bolama
A arquiteta Djamila Gomes que se propõe a restaurar o Grande Hotel de Bissau
_____________Nota do editor
Último post da série de 17 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25754: Historiografia da presença portuguesa em África (432): Crenças e costumes dos indígenas de Bissau, do século XVIII (Mário Beja Santos)
3 comentários:
Olá Camaradas
Não acredito, por motivos óbvios e pela situação em vigor, na recuperação de Bolama.
Mas era uma boa recuperação e poderia constituir uma fonte de desenvolvimento do país.
Mas eu sou estrangeiro...
Um Ab.
António J. P. Costa
Pereira da Costa, parece que agora está haver obras na zona de Bissau a recuperar todos os arruamentos e edifícios desde o Palácio do Governo até ao Cais e qualquer dia será Bolama que é uma pérola da Guiné, assim como Bafatá colonial.
O nosso tabanqueiro Patrício pode dar notícias sobre estes melhoramentos.
As obras do Martim Moniz, Lisboa, duraram mais de 60 anos.
Saúde da boa
Valdemar Queiroz
Conheci na década de 80 em Faro o governador de Bolama. À época era o Manuel Nandigna. Confessou-me que no segundo semestre de 1970 integrou as forças do PAIGC que bombardearam Cuntima algumas vezes.
Fui convidado a visitar Bolama e alertado para o facto de haver uma enorme degradação do património arquitectónico da cidade. Nunca foi possível fazer essa visita com muita pena minha.
Faz doer o coração as imagens da linda Bolama.
Abraço fraterno
Eduardo Estrela
Enviar um comentário