sexta-feira, 26 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25779: Notas de leitura (1712): Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX (e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13) (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá, Finete e Bambadinca, 1968/70), com data de 3 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
O Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde e da Costa de Guiné, parece que ganhou vivacidade quanto aos assuntos da ainda Senegâmbia, já não se limita a nomeações, transferências ou autorização de férias por motivos de saúde ou às receitas alfandegárias, vimos em números anteriores que os governadores passam a enviar para a cidade da Praia informações mensais, fala-se de tudo um pouco desde a agricultura à saúde. Ora, nestes Boletins do início de 1869, aparece um relatório assinado pelo governador Fortunato Meira para o Governador Geral, dando conta de ocorrências havidas na região de Geba, não era a presença portuguesa que estava em causa, eram questiúnculas de diferente dimensão, revoltas contra régulos, que tinham obrigado à intervenção da força militar de Geba, o chefe dos Futa-Fulas veio atacar territórios Mandingas, queimou uma povoação, ainda se faziam escravos nestes ataques, como no passado, esse mesmo chefe dos Futa-Fulas pretendia atacar Gofia, povoação próxima de Geba, as tropas do presídio tiveram que intervir, o Governador mandou levantar quatro baluartes para defender o presídio, na eventualidade de tentativas de agressão. O Governador regressou a Bissau e o chefe dos Futa-Fulas queimou Gofia, degolando todos os homens que apanharam com armas na mão. No meio deste turbilhão, o Governador da Guiné informa o Governador Geral que a navegação no rio Geba estava desembaraçada, o chefe dos Futa-Fulas pusera termo a outras sublevações. Em leitura política podemos dizer que se estava a afirmar a boa relação entre as autoridades portuguesas e as etnias Fulas.

Um abraço do
Mário



Factos passados na Costa da Guiné em meados do século XIX
(e referidos no Boletim Official do Governo Geral de Cabo Verde, ano de 1869) (13)

Mário Beja Santos

Este ano de 1869 está a trazer algumas surpresas, ficamos a saber que a escravatura foi totalmente abolida e que há um prazo determinado para o escravizador libertar o escravo. E aparece um interessante relatório, seguramente que irá interessar os investigadores que pretendam aprofundar este período.

No Boletim Official n.º 4, de 25 de janeiro, por disposição do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, é criado em cada uma das províncias ultramarinas lugar de chefe de serviço de saúde, irá exercer as mesmas atribuições que até então pertenciam ao físico-mor. Lido atentamente o documento, não fica tudo exatamente na troca de nomes, abre-se a oportunidade a aparecer mais gente qualificada. No Boletim n.º 6, de 6 de fevereiro, é aprovado o orçamento de despesa a fazer com a reconstrução do Baluarte do Pidjiquiti na importância de 456.720 réis. No Boletim n.º 7, com data de 13 de fevereiro, confirma-se a nomeação feita pelo Governador da Guiné de Martinho Lopes de Oliveira para fiscal no ponto de Geba, fazendo serviço no ponto de S. Belchior (confirma-se assim que esta região do Geba passara a merecer quadro de ocupação e vigilância, o que não ocorrera até então).

Neste mesmo Boletim, o Governador da Guiné, Manuel Fortunato Meira, envia ao Governador Geral a ata de uma sessão da Comissão Municipal da Guiné, com data de 16 de janeiro, onde além do agradecimento ao Governador Geral “pelas acertadas medidas e providências que adotou para debelar a epidemia da febre amarela, louva igualmente o Governador Geral pelas acertadas ordens que deu para que a bandeira nacional fosse novamente colocada na colónia do Rio Grande de Bolola”, o que foi recebido por todos os povos desta Possessão, ainda os mais estranhos, com demonstrações de agrado e regozijo.

O Boletim n.º 8, de 20 de fevereiro, traz uma novidade, o relatório do Governador da Guiné para o Governador Geral, tem data de Bissau de 18 de janeiro. Depois dos cumprimentos da praxe, Fortunato Meira informa que embarcara para Geba, onde chegara no dia 15 de dezembro pela manhã, reuniu com os notáveis e mais povo deste ponto, queria apurar as ocorrências que haviam tido lugar envolvendo os gentios vizinhos, os de Badora e os Futa-Fulas. Apurou-se ter havido uma revolta dos gentios de Ganadu contra o seu régulo, o que levou as nossas tropas em Geba a atacar uma povoação, de Futa-Fulas, este, por sua vez, tinham vindo atacar diversos territórios de Mandingas, tudo isto se passou na margem direita; na outra margem, em Badora, houvera conflito entre régulo principal e um fidalgo daquele território, o chefe dos Futa-Fulas passou aquela gente para a outra margem e queimou a povoação de Bricama, o régulo teve que fugir para o território de Gole; este chefe dos Futa-Fulas, de nome Sori, convidou os Grumetes de Geba para o acompanharem, aliciava-os a trazerem escravos, etc.

Este documento de Fortunato Meira vem abonar a tese de que, independentemente dos conflitos à volta da presença portuguesa, as guerras gentílicas na segunda metade do século XIX tinham ganho uma enorme intensidade. A preocupação do Governador era que houvesse liberdade de circulação no rio Geba, que fora posta em causa por este conjunto de confrontos e até ataques ao presídio de Geba. No mesmo Boletim Official publica-se as instruções que Fortunato Meira deixava ao chefe do presídio de Geba, ficava autorizado a trazer a paz com os gentios vizinhos quando estes a vierem pedir; deveria o chefe do presídio conservar o mesmo presídio sempre na defensiva, e controlar todos os meios possíveis conciliatórios, que jamais se agridam gentios entre si, defendendo-se se for atacado, mas nunca atacando, e para esse fim iria permanecer em Geba um destacamento de 15 praças; havia que procurar manter sempre o presídio em boas relações de amizade, etc. etc. Isto para significar que passara a ser política dominante os termos de uma ocupação que dissuadisse conflitos interétnicos e que não pusesse em causa a soberania portuguesa.

No Boletim n.º 11, com data de 13 de março, publica-se um documento curioso emanado do hospital militar de Bissau, com nota das doenças que foram tratadas no serviço clínico nos meses de setembro e outubro de 1868. Referindo-se aos doentes militares, no mês de setembro, houvera um doente com bronquite crónica, tinha melhorado; outro com epididimite (inflamação do epidídimo nos testículos), estava curado; houvera três doentes com febres intermitentes quotidianas simples (?), estavam curados; um outro doente curado tinha tido febre terçã; um outro doente com febre perniciosa (forma congestiva) também estava curado; um doente com ferida na região diafragmática (produzida por um instrumento perfurante, faca), também estava curado; um doente com ferida à região anterior na coxa direita (produzida por instrumento perfuro-cortante, baioneta), também curado; um doente com ferida no dedo grande do pé (arrancadura da unha) continuava em tratamento; melhorara um doente que padecia de reumatismo articular crónico; um doente que padecia de sífilis e de cancros infetantes, tinha estado em tratamento e era dado como curado; com referência à tuberculose pulmonar, havia um doente em tratamento, outro falecera e um outro continuava em tratamento; quanto a úlceras da Guiné (?) havia um caso, o doente melhorou.

Para não cansar o leitor, há que referir que existe um quadro dos doentes civis, homens com pleuropneumonia, sífilis, tuberculose pulmonar, curados ou em tratamento; as mulheres padeciam de caquexia palustre (enfraquecimento extremo causado pelo paludismo) e de sífilis.

À relação de setembro segue-se a do mês de outubro, é bastante parecida com a anterior. O Boletim n.º 12 de 20 de março, emanado do Ministério dos Negócios da Marinha e Ultramar, decreta que ficava abolido o estado de escravidão; e no dia 29 de abril de 1878 cessaria para todos os indivíduos a condição de libertos; não pertencerão a qualquer pessoa de quem tenham sido escravos.

(continua)

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Notas do editor:

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Último post da série de 22 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25770: Notas de leitura (1711): Aqueles anos horríveis do ajustamento estrutural, fim do sonho coletivista: Dois ensaios de cientistas sociais suecos, um documento importante de Lars Rudebeck, amigo da Guiné (1) (Mário Beja Santos)

1 comentário:

Antº Rosinha disse...

Estes assuntos coloniais antigos que Beja Santos traz para aqui, e que foi uma parte da guerra que terminou com o 25 de Abril, e que começou em 1400 e troca o passo, podem muito bem explicar "certa passividade" porque os africanos aceitaram as "pacificações " impostas pela Inglaterra, Alemanha, França, Portugal e Belgica.

Mas em que alhadas Portugal se meteu até o 25 de Abril!