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terça-feira, 25 de outubro de 2022

Guiné 61/74 - P23738: (Ex)citações (418): Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos" (Victor Costa, ex-Fur Mil, At Inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

1. Mensagem do nosso camarada Victor Costa, ex-Fur Mil At Inf, CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974), com data de 23 de Outubro de 2022:

Amigos e camaradas da Guiné
Nem sempre a minha actividade me dá o tempo necessário para escrever sobre os diversos temas aqui abordados. Esta mensagem está relacionada com o meu comentário de 10 de Julho de 2022, sobre as Directivas do Gen. Bettencourt Rodrigues e o MFA, espero que o debate sobre este tema não esteja fechado.

Guardo na memória uma das minhas primeiras patrulhas de reconhecimento feita num local do rio Mansoa próximo da travessia de João Landim durante a noite com o objectivo de verificar se havia movimento do IN.



Os Consulados da Guiné, a Preparação Militar e a tarimba dos "velhos"

Partimos ao anoitecer no fim de Março de 1974, a fim de realizar uma patrulha de reconhecimento e verificar se havia movimento nas proximidades da travessia do rio. As nossas armas eram apenas as G3 e carregadores. O condutor do Unimog levou-nos até ao fim duma picada e aí nos deixou.

Ele voltou para o Quartel e nós iniciámos a patrulha pela mata até chegar a uma bolanha, conheço bem este tipo de terrenos, cresci junto e exerço a actividade de Aquacultura Marinha no Estuário do Rio Mondego.

Sirvo-me da proteção duma maracha coberta de vegetação meio-seca, (pequenos muros de terra), que corriam na direção do Rio, estávamos na época seca e o terreno encontra-se seco e duro, eu ia à frente da secção a visibilidade era boa e a progressão decorria sem dificuldade, mandei aumentar a distância entre nós e paramos algumas vezes durante o percurso para escutar sons que viessem do rio.

Ao chegar ao aluvião brilhante constatei que tinha chegado à praia (sapal) na zona de influência das marés, estava baixa-mar e era bem visível a água turva do rio e a praia, não avancei mais. O nosso peso podia dificultar muito os nossos movimentos se o aluvião não fosse compacto, por isso continuamos a nossa progressão pelo terreno seco ao longo da margem, até ao nosso objectivo.

Procurei um local seguro e ali ficamos umas horas protegidos e envoltos pela vegetação, a vigiar a praia e as águas do rio procurando não fazer movimentos. Era uma noite de luar e a visibilidade era boa. Tinham já passado umas horas e não vimos quaisquer movimentações de pessoas, decidi iniciar o regresso, para ir ao encontro do Unimog.

Depois de sairmos da bolanha voltamos a entrar na mata, vi um mangueiro e uma pequena clareira e reconheci que já tínhamos passado ali no início da missão, estávamos perto do ponto de reunião. O mangueiro pareceu-me um bom local, mandei o pessoal aproximar-se do tronco da árvore e aguardar.

O Soldado Silva tinha à data mais de 26 anos e era o mais velho da Secção, era um militar experiente, chamou-me à parte e perguntou-me se iríamos continuar naquele local e como eu confirmei, comentou: - Olhe que não me parece um sítio bom, se aparece um turra com um RPG e faz pontaria ao mangueiro, pode lixar-nos! - E com o dedo indicador apontou para a malta junto ao grosso tronco do mangueiro e continuou, olhe que nós estamos no fim da Comissão, o nosso último morto foi no dia 7 de Janeiro deste ano e eu quero regressar a casa.

Bati na real, estava a receber uma lição dum soldado e ainda mais, nunca tinha ouvido falar nem conhecia o RPG, não pensei duas vezes, o mais sensato era ouvir o que o "velho" dizia e seguir o seu conselho, ia arriscar para quê? Assim foi, continuamos dentro da mata, fizemos o reconhecimento do local fomos aguardar próximo do ponto de reunião, para escutar o som da chegada do Unimog, que chegou quase ao romper do dia.

Como era possível nunca ter ouvido falar de RPG nem me ter passado pela cabeça aquela forma de utilização. Aquilo para os "velhos" era rotina, uma coisa simples e banal, para mim foi aprender e começar a pedir a sua opinião. Assim se formou um grupo coeso, tudo o que eles precisavam eu procurava resolver e tudo o que eu pedia era feito, minha integração foi tão simples, que passado umas seis semanas a CCaç 4541/72 elegeu-me para a delegação do MFA.

As bolanhas podem ser cultivadas e nós devíamos conhecer e ter presente que a guerra obrigou algumas populações ao abandono das culturas de muitos destes terrenos, em alguns locais desenvolveu-se um sentimento hostil, a maioria das NT nem ligava a isto e por isso uma simples travessia podia pôr-nos numa posição de desvantagem perante o IN.

Existe uma fotografia demonstrativa, no Blogue, do que parece ser um pelotão de homens com água pela cintura a atravessar uma bolanha rodeados de plantas aquáticas, que me parece no mínimo insensato, mas é também um desafio ao heroísmo (tangente à loucura) que se enquadra no livro "homens, espadas e colhões", que Rainer Daehnhardt descreveu sobre a coragem dos nossos antepassados.

A instrução de tiro instintivo é muito importante desde que os instruendos tenham aptidão para isso. Dominar uma arma e o tiro instintivo torna-nos mais confiantes e seguros, mas não o conseguimos sem treinar bastante e gastar muitas munições, o tiro instintivo na guerra não é o suficiente mas ajuda muito, eu dominava essa técnica.

Eu não conhecia as Directivas do Com-Chefe Bettencourt Rodrigues e por isso ver escrito preto no branco "Um cartucho por homem serve para detectar um mau atirador", conhecer a realidade dos factos e não ver uma única palavra escrita sobre a má alimentação, os seiscentos escudos por mês que as praças recebiam, a insuficiente preparação militar das NT, desde praças, sargentos e oficiais milicianos, o livro do combatente - patrulhas - o desconhecimento sobre o terreno da Guiné e a sua ideia que a carne para canhão continuava disponível para tudo, incluindo resistir até à exaustão e deixar cair a Guiné, mas nunca negociar com o PAIGC, foi uma desilusão ler estas Directivas e a sua visão da Guerra.

Não podemos no entanto esquecer que este problema era do conhecimento dos militares que compunham o estado embrionário do MFA, também nunca foi uma prioridade para o MFA. A seguir ao 25 de Abril, havia uma vontade da tropa regressar e quanto mais depressa melhor, o TCoronel Almeida Bruno deslocou-se a Bissau em representação do MFA no dia 7 de Maio de 1974 para promover a reestruturação e apelar à preservação da disciplina e da hierarquia das FA como consta da 1.ª pág. do BI do MFA n.º 1 na Guiné.

Essas decisões foram reforçadas pela Circular n.º 1703 da 2.ª Rep do EME e do Com-Chefe das FA da Guiné de 28 de Maio de 1974, também publicada aqui no Blogue, com as negociações de paz a decorrerem, a disciplina e a hierarquia eram mais importantes do que nunca, só um exército forte e coeso pode fazer uma boa negociação.

Sabendo disto alguns oficiais do MFA preferiram fazer política, Otelo Saraiva de Carvalho admitiu as fragilidades do seu pensamento político ao declarar em (os dias loucos do PREC, pág. 324 José P. Castanheira) "Faltou-me estrutura política que me podia ter possibilitado, desde o início ser o líder da Revolução, se tivesse cultura livresca, podia ser o Fidel Castro da Europa" e quantos membros do MFA quiseram ser os líderes da revolução? Não sabemos, o que sabemos é que foram todos para a Academia para seguir uma carreira militar, mas alguns mudaram de opinião, quiseram ser também revolucionários e nunca tiveram a coragem de assumir que estiveram perto lançar o povo numa guerra civil. Ainda bem que não estive sob as suas ordens, porque tinha que sujeitar-me a ver mais um livro publicado cheio de boas intenções e com a sua opinião sobre a sua verdade dos factos.

Tinha apenas 22 anos, mas percebi perfeitamente o que se passava em Bissau. Apenas um pequeno número de elementos do MFA tomava as decisões, mesmo assim sujeitas à direção do "comité central" de Lisboa, a maioria eram figurantes como eu , o que aconteceu às NT africanas, não devia ter acontecido e o MFA é o único responsável por não saber estar à altura da situação.

Eu nunca precisei do RDM para ser respeitado e exercer a disciplina, mas devo dizer àqueles que à data estavam a 4.000 km de distância que gostavam de ler o RDM e tresler uns Boletins e sabiam de tudo, que a única vez que obriguei um Superior a cumprir com aquilo a que ele estava obrigado, foi precisamente por causa de documentos do MFA e apenas precisei de levantar o braço, acenar um papel com a mão direita e o aviso e, passadas 48 horas, os documentos estavam na minha mão e o problema resolvido.

Em anexo:
Duas fotografias do Rio Mansoa e arredores de João Landim.
Cópia da capa e contracapa do livro de Instrução do Combatente-Patrulhas.
Cópia da capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Ad. Gomes e José P. Castanheira.
Cópia da capa e contra capa do livro de Rainer Daehnhardt.
Cópia do papel que exibi na mão direita a um superior.
Cultura de amendoim
Travessia em João Landim
Capa e contra-capa do livro de Instrução do Combatente
Capa do livro "Os dias loucos do PREC"- Adelino Gomes e José Pedro Castanheira
Capa e contra-capa do livro de Rainer Daehnhardt
Papel que exibi na mão direita a um superior

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf

____________

Nota do editor

Último poste da série de 23 DE OUTUBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23732: (Ex)citações (417): A propósito de Amadu Bailo Djaló (1940-2015): mestiçagem, mercenariato, fanado, hospitalidade africana, viagem a Boké... (Cherno Baldé)

domingo, 13 de março de 2022

Guiné 61/74 - P23074: Memória dos lugares (437): Rio Mansoa, destacamento de João Landim (Victor Costa, ex-fur mil at inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)


Foto nº 1


Foto nº 2


Foto nº 3


Foto nº 4


Foto nº 5

 Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa >  Destacamento de  João Landim

Fotos (e legendas): © Viictor Costa (2022). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa > João Landim > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor: Rio Mansoa e passagem em João Landim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


1. Mensagem do Victor Costa, ex-Fur Mil Inf da CCAÇ 4541/72 (Safim, 1974)

Data - 12 mar 2022 17:09 
Amigos e camaradas da Guiné,

Ao longo da História,  os Rios e os Portos tiveram sempre muita importância numa guerra e os rios da Guiné, como não podia deixar de ser, tiveram também aqui um papel de relevo.

Este tema que pretendo abordar prende-se com o facto das fotografias que pretendo ver publicadas se referirem ao Rio Mansoa, ao Porto de João Landim e daí até a Foz, às Jangadas que realizavam a travessia, à proteção das pessoas e bens que as utilizavam, à amplitude das marés e à segurança e riscos associados ao funcionamento da engrenagem e também aos acidentes que vitimaram muitos de nós.

Todas estas fotografias não incluem equipamento militar nem armas, apesar da maior parte delas serem tiradas de cima de uma jangada militar. Isto não foi devido a qualquer imposição do Comando ou dos meus superiores mas por opção minha e deve-se a uma tonteria dum puto 22 anos que não queria que quando o rolo fosse revelado em Bissau pudesse fornecer ao IN qualquer informação por mais pequena que fosse das NT. Também não foi com a ideia de prejudicar quem acima de mim mandava, até porque era uma pessoa de trato fácil, muito correta e se calhar não dava muita importância a estas questões por ser do interior. Mas acontece que eu nasci e vivo numa zona onde desde miúdo convivi com o Rio, o Mar, a amplitude das marés e os riscos aí associados.
 
Quando em meados de Maio de 1974 fui colocado no Destacamento de João Landim Norte a minha travessia do Rio Mansoa foi feita na praia-mar, foi muito fácil e decorreu sem incidentes.

Mas durante as operações de segurança que ali fiz constactei que, apesar do Porto de João Landim estar a mais de 40 Km da foz (Mar), a influência das marés fazia-se sentir fortemente, com um caudal também muito forte e ainda com uma amplitude de maré superior a 4 metros e onde naturalmente se passeava o tubarão negro.

As próximas 5 fotografias tiveram como objectivo captar:

1º O aluvião descoberto no leito do Rio na baixa-mar para poder calcular a altura entre o nível da maior e da menor maré.

2º O desnível da rampa de acesso à jangada a marca da maré na margem e as dificuldades associadas.

3º A entrada das pessoas para a Jangada civil e a Lancha da Marinha a executar a proteção.

4º A Jangada a navegar no Rio sem qualquer dificuldade.

5º A minha última travessia e despedida já ao longe do edifício do Porto de João Landim, felizmente mais uma vez sem qualquer problema.

Para concluir,na minha modesta opinião, durante o período da Lua, o risco de embarque e desembarque nas Jangadas fora do pico da maré era muito elevado.

Um abraço,
Victor Costa
Ex-Fur Mil At Inf
__________

Nota do editor:

Último poste da série > 8 de março de 2022 > Guiné 61/74 - P23058: Memória dos lugares (436): Safim, às portas de Bissau, e o terminal dos autocarros da A. Brites Palma (Victor Costa, ex-fur mil inf, CCAÇ 4541/72, Safim, 1974)

quinta-feira, 28 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20391: (De)Caras (144): A liberdade que as motos e as motorizadas nos davam... Ia-se de Bissau a Safim, Nhacra, Ensalma, João Landim... (Virgílio Teixeira, ex-alf mil SAM, CCS/BCAC 1933, Nova Lamego e São Domingos, 1967/69)



Foto nº 1 >  Guiné > Região de Bissau >  11 de março de 1968 > Ponte sobre o rio Mansoa, em Ensalmá (, inaugurada em 1952). De motorizada, o fur mil SAM Riquito (Peugeot) e o alf mil SAM Virgílio Teixeira (Honda)


Foto nº 2 > Guiné > Região de Bissau > 11 de agosto de 1968 > Rio Mansoa, João Landim, junto à "famosa jangada"---


Foto nº 3 > Guiné > Região de Bissau > Nhacra, piscina do quartel, 11 de março de 1968


Foto nº 4 >  Guiné > Região de Bissau > Nhacra, piscina do quartel, 11 de março de 1968: um salto mortal...


Fotos (e legendas): © Virgílio Teixeira  (2019). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Comentário ao poste P20386 , com data de 27 nov 2019, 23h33,  de Virgílio Teixeira,   ex-al mil SAM, CCS/BCAÇ 1933 (Nova Lamego e São Domingos, 1965/67) (*):


Luís, só agora estou a ver estas fotos, excelentes, e de motas a sério, bem como esta mensagem.

Virgílio Teixeira (*)
A minha foto de Safim, está correcta, é em março de 1968, quando o meu batalhão esteve um mês em Brá. Era uma Peugeot, acho que de 50 cc, uma coisa de dar gás, mas que me levava a todo o lado.

Virgílio Teixeira (*)
Depois temos outra em Bissau, na minha nova Honda de 50 cc, ali ao lado era onde se realizava o famoso mercado de Bandim.

Não sei se já foi enviada, estão tantas em postes, mas esta em João Landim (Foto nº 2), junto à jangada que me levou para a outra margem, já não sei o nome do local. Jugudul,  talvez, A mota, que não sei a marca, era de um outro militar, furriel, que está junto de mim.

Tenho outra que também junto, numa outra altura, em que estou eu e o meu Furriel Riquito, na ponte de Ensalma (foto nº 1), e são ambas minhas, a Peugeot e a Honda, mais nova, que tinha lugar para passageiro.

Vejo agora que não tinham matrículas, não devia ser preciso, há aqui uns anos de diferença, ou as motas tinham que ter a matricula ?!

Ambas foram compradas na mesma casa aqui referida, era o representante da Peugeot, e outras marcas e comprei lá ambas, acho que custaram uns 5 contos cada. Não sei o que fiz delas, penso que as deixei por lá, não vendi nada, isso eu sei.

António Martins de Matos (*)
Com aquela de 200 cc [, do ten pilav António Martins de Matos] (*), podia 'abrir' à vontade, e fugir dos turras que por acaso aparecessem, o que não foi o caso.

Em Nhacra no meu tempo, não se comia ostras em parte nenhuma, e em Safim, eram camarões, e talvez ostras, mas não me lembro. Ostras comia por todas as esplanadas em Bissau.

Em Nhacra ia dar uns mergulhos à piscina do quartel, lá de cima da prancha. Junto duas fotos, para os devidos efeitos, estão todas fracas, mas ainda não tinha os dons da fotografia {Fotos nº 3 e 4].

Não parava de contar aventuras, mas tenho receio (medo!) que me venham a dizer que eu fazia a guerra a andar de motorizada, quer pelas aldeias e cidades à volta de Bissau, ou a percorrer o Pilão.

Eduardo Jorge Ferreira
 (1952-2019) e Jorge Pinto (*)
Como se pode ver, quem podia, comprava uma, porque era uma grande independência para a gente desfrutar por todo o lado, sem horários, sem stress [, como era o caso do alf mil Polícia Aérea, Eduardo Jorge Ferreira (1952-2'0199]

Por agora é tudo, gostei de ver novamente as minhas fotos nas minhas loucuras pela Guiné. Tempos, de saudade, pois tinha muito menos idade, e por tudo o mais que não posso aqui  'introduzir' !

P.S. Ressalvo, quaisquer erros, omissões e outras bestialidades que possa ter escrito em cada foto.

Um abraço, podes publicar o meu comentário, se for de interesse.

Um abraço, Virgilio



Guiné > Bissau > Carta de Bissau (1949) > Escala de 1/50 mil > Posição relativa de Bissau, Bissalanca, Safim, Ensalma, Nhacra, ... De Nhacra a Bissau eram cerca de 20 km. De Bissalanca a Nhacra, por Safim, devia ser um pouco mais... E não havia problemas de segurança na região de Bissau, até ao fim da guerra... 

Decididamente o PAIGC nunca optou pela guerrilha urbana...Pelo menos, não consta que tenha morto ou apanhado à mão algum militar que circulava, de moto, ou de motorizada, pela região de Bissau, na maior das calmas... Afinal de contas, Bissau era uma "ilha" e uma "fortaleza"...

Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2019).
______________

Nota do editor:

Vd. último poste da série > 27 de novembro de 2019  > Guiné 61/74 - P20386: (De)Caras (117): Eu e o saudoso Eduardo Jorge Ferreira (1952-2019), prontos para ir a Nhacra, de motorizada, comer umas ostras (Jorge Pinto, ex-alf mil, 3.ª CART / BART 6520/72, Fulacunda, 1972/74)

sexta-feira, 8 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20325: Memória dos lugares (399): destacamento de João Landim, no rio Mansoa: quem eram os " Homens de Ferro [em] Botes de Borracha", que aqui estavam, em junho/julho de 1970, com uma seção do 3º pelotão da CART 2520 (Xime e Quinhamel, 1969/71) ? Era gente dos fuzileiros especiais e do BENG 447... (José Nascimento)



Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa  > João Landim >  Junho/Julho de 1970 >   O destacamento, composto por dois barracões, guarnecido na altura por 1 secção do 3º pelotão da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71), comandada elo fur mil José Nascimento.


Foto (e legenda): © José Nascimento (2019). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]



1. Legenda complementar do autor (*):


 O que consigo ler da última foto é:

Homens de Ferro [em] Botes de Borracha

D.F.E. / A2 [ou 12 ?]
Destacamento de Fuzileiros Especiais N. A2 [12 ?}

Furriel M.L. Dias

Sinais - Vargas- Lagares
Fuz. Esp.

LDM 203

Tenentes Brito e Beijamim [Beijamim assim mesmo] [Seria o então tenente RN  Rebordão de Brito ? E o Benjamim  ? Havia um outro tenente DFE Benjamim Correia ... LG]

Guerreiro
Pinto


2. Escreve o José Nascimento, ex-fur mil, CART 2520 (Xime e Quinhamel, 1969/71) (*):

 [O destacamento de João Landim] era composto por um barracão onde nós militares do 3.º pelotão da CART 2520  havíamos de permanecer e por um outro barracão onde "moravam" os militares da Engenharia e da Marinha, responsáveis pela manobra e cambança das duas jangadas que operavam entre margens do Mansoa, para o transporte de viaturas militares e civis, bem como de população.

Aqui permaneci nos meses de Junho e Julho de 1970. Ao escurecer era posto a funcionar um pequeno gerador que nos iluminava durante a noite, mas o seu barulho era de tal forma infernal, que, passado quase meio século, parece que ainda ouço o seu roncar dentro da minha cabeça.

A casa de banho era composta por uma estrutura de madeira, com um ou dois bidões no seu cimo, que diariamente os elementos vindos de Safim os abasteciam de água potável, também nos traziam as nossas refeições que, para não variar,  quase sempre chegavam fora do horário que seria normal para o almoço ou para o jantar.

Para as necessidades fisiológicas, existia uma pequena estrutura de madeira já meio apodrecida. Quando a maré do Mansoa subia, as águas do rio exerciam as funções de estação de tratamento. Curiosamente, a algumas dezenas de quilómetros da foz, a água aqui era salgada, que quando a maré enchia, quase nos entrava pelo barracão adentro.

Apesar das enormes dificuldades foi um aliviar de tensões e  uma fuga ao perigo constante que representou a nossa estada no Xime. A noite é que era passada com alguma apreensão devido às precárias condições e ao reduzido número de militares para fazermos a nossa própria segurança.
Durante o dia controlávamos as viaturas, tanto civis como militares, que atravessavam de uma margem para outra do rio, fazendo o registo em folhas de papel próprias.

A permanência em João Landim também permitiu que algumas vezes embarcasse no "machimbombo"  que vinha de Teixeira Pinto ou de Bula com destino a Bissau. Aproveitava para ter um almoço diferente do que era habitual (bianda com bianda) e para fazer umas compras de pequenas recordações que traria até à Metrópole quando em Agosto de 1970 vim abraçar os meus familiares.
Terminava a minha pequena aventura em João Landim, para lá não voltaria mais." (...).

Temos 13 referências a João Landim no nosso blogue. Mas muitos maisa camaradas passaram por aqui e devem fotos deste lugar. (**)



Guiné > Região do Cacheu > Rio Mansoa > João Landim > Junho de 1973 > O rio Mansoa em João Landim e a jangada que fazia a sua travessia. Primeiro entravam as viaturas, depois as pessoas. Bissau ficava a cerca de quinze quilómetros e para a "peluda", o fim da comissão, faltavam, ainda quatro longos meses. A Helena regressaria mais cedo a casa, o Francisco só chegará a Lisboa a 11/10/1973, no T/T Niassa, com os seus rapazes do Pel Rec Daimler 3089.

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]

quinta-feira, 7 de novembro de 2019

Guiné 61/74 - P20321: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (15): Mudança para Quinhamel

1. Em mensagem do dia 24 de Julho de 2019, o nosso camarada José Nascimento (ex-Fur Mil Art, CART 2520, Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) fala-nos do "Reguila", o 1.º Cabo Cordeiro do 3. Pelotão da 2520.


RECORDAÇÕES DA CART 2520

MUDANÇA PARA QUINHAMEL

Doze meses são passados sobre a permanência da CART 2520 no Xime. É chegada a hora da abalada para Quinhamel.

Enquanto a CART 2520 esteve sediada no Xime, houve dois pelotões que estiveram fora da zona operacional da Companhia; o 3.º pelotão fez o treino operacional em Mansambo e o 4.º pelotão actuou em Galomaro por cerca de quatro meses.

O destacamento da Ponte do Udunduma, localizado entre o Xime e Bambadinca também esteve à guarda da CART 2520, bem como o destacamento do Enxalé, situado na margem direita do Geba a cerca de dois quilómetros do Xime. As tabancas de Amedalai, Taibatá e Dembataco que estavam em auto-defesa também tiveram a protecção da CART 2520.

Foi um ano de grande actividade operacional para CART 2520 com um sem número de operações militares no mato, de montagem de emboscadas e de patrulhamentos ao longo dos diversos trilhos e picadas existentes na zona. Foram montadas dezenas de seguranças aos barcos que navegavam pelo rio Geba e um elevado número de colunas do Xime a Bambadinca e também algumas deslocações a Bafatá para a compra de mantimentos, nomeadamente algum gado vacum. Estas deslocações a Bafatá também serviam para descontrair e aliviar algumas tensões acumuladas. A estrada entre Bambadinca a Bafatá já era alcatroada.

Assim que souberam que a mudança ia acontecer, os "músicos" da Companhia fizeram uma canção dedicada a Quinhamel baseada numa música do Duo Ouro Negro e que versava ou rimava mais ou menos assim:

Dizem que vou pra Quinhamel
Uma praia bonita pra me banhar
Pra Quinhamel pra Quinhamel
Pra Quinhamel eu vou lá ficar

Pra Quinhamel pra Quinhamel
Pra Quinhamel eu vou lá ficar
E à noitinha quando o sol se pôr
Do Pelicano ou do Grande Hotel eu vou voltar

 Preparando a recepção aos periquitos

Rio Geba - Adeus Xime

Mas, quando chegados a Quinhamel os operacionais foram apanhados por algumas surpresas. Os pelotões seriam dispersos por vários destacamentos; Biombo, Ilondé, Ome e Safim. Só um pelotão e mais alguns atiradores é que tiveram o privilégio de permanecer o tempo restante da comissão em Quinhamel, além dos elementos da chamada Formação, condutores, mecânicos e outras especialidades.

Safim coube ao 3.º pelotão e lá vamos nós, nem tivemos tempo de saborear o belo clima e a praia de Quinhamel. Chegados a Safim ainda havia outra surpresa, um pequeno destacamento que dava pelo nome de João Landim situado na margem esquerda do rio Mansoa. O comando deste sub-destacamento era feito por um furriel, a nível de secção.
Mal tínhamos postos os pés em Safim e sabendo da necessidade de avançar com uma secção para outro destino, o alferes Marques diz-me:
- Nascimento, vais tu - depositando em mim a sua confiança.
- Só vou com voluntários - respondi-lhe.

De seguida perguntei quem queria ir comigo para o desconhecido. Avançaram os elementos necessários, pouco depois estávamos a caminho.

E assim eis-nos chegados a João Landim à beira do Rio Mansoa plantado.

 João Landim depois de uma tempestade - Junho/Julho de 1970

 João Landim - Jangada no Rio Mansoa - Foto obtida em plena noite com o flash de um relâmpago

João Landim - Junho/Julho de 1970 - Visto do Rio Mansoa

Era composto por um barracão onde nós militares do 3.º pelotão da CART 2520 havíamos de permanecer e por um outro barracão onde "moravam" os militares da Engenharia e da Marinha, responsáveis pela manobra e cambança das duas jangadas que operavam entre margens do Mansoa, para o transporte de viaturas militares e civis, bem como de população.

Aqui permaneci nos meses de Junho e Julho de 1970. Ao escurecer era posto a funcionar um pequeno gerador que nos iluminava durante a noite, mas o seu barulho era de tal forma infernal, que passado quase meio século, parece que ainda ouço o seu roncar dentro da minha cabeça.
A casa de banho era composta por uma estrutura de madeira, com um ou dois bidons no seu cimo, que diariamente os elementos vindos de Safim os abasteciam de água potável, também nos traziam as nossas refeições, que para não variar quase sempre chegavam fora do horário que seria normal para o almoço ou para o jantar. Para as necessidades fisiológicas, existia uma pequena estrutura de madeira já meio apodrecida. Quando a maré do Mansoa subia, as águas do rio exerciam as funções de estação de tratamentos. Curiosamente, a algumas dezenas de quilómetros da foz, a água aqui era salgada, que quando a maré enchia, quase nos entrava pelo barracão adentro.

Apesar das enormes dificuldades foi um aliviar de tensões e uma fuga ao perigo constante que representou a nossa estada no Xime. A noite é que era passada com alguma apreensão devido às precárias condições e ao reduzido número de militares para fazermos a nossa própria segurança.
Durante o dia controlávamos as viaturas, tanto civis como militares, que atravessavam de uma margem para outra do rio, fazendo o registo em folhas de papel próprias.
A permanência em João Landim também permitiu que algumas vezes embarcasse no "machimbombo" que vinha de Teixeira Pinto ou de Bula com destino a Bissau. Aproveitava para ter um almoço diferente do que era habitual (bianda com bianda) e para fazer umas compras de pequenas recordações que traria até à Metrópole quando em Agosto de 1970 vim abraçar os meus familiares. Terminava a minha pequena aventura em João Landim, para lá não voltaria mais.

Em João Landim recordo um pequeno episódio, quando o militar que estava de controle chegou ao pé de mim e me disse que havia um nativo que ia para Bissau e não tinha documento de transporte de alguns produtos hortícolas que levava para venda e me perguntou o que havia de fazer. Eu respondi-lhe para o deixar seguir. Passados alguns minutos, para surpresa minha apareceu-me o militar com um ananás como gratidão, oferecido pelo nativo. Soube a pouco.

Para todos os camaradas da Tabanca Grande aqui vai um grande abraço.
José Nascimento
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Nota do editor

Último poste da série de 30 de julho de 2019 > Guiné 61/74 - P20020: Recordações da CART 2520 (Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71) (José Nascimento) (14): "O Reguila"

sábado, 3 de agosto de 2019

Guiné 61/74 - P20031: Escritos do António Lúcio Vieira (1): A suprema mas vã glória de afundar um submarino inimigo... no Rio Mansoa, nas imediações de João Landim... Ou os delírios de um alferes de engenharia que não ficou na História Pátria!


Guiné > Região do Cacheu > Mapa de Bula (1953) > Escala 1/50 mil > Pormenor: Rio Mansoa e passagem em João Landim.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Guiné > O fur mil cav Lúcio Vieira, da CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), no rio Geba.

Foto (e legenda): ©Lúcio Vieira (2019). Todos os direitos reservados. [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Um conto do [António] Lúcio Vieira,  ex-fur mil cav, CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), escritor, residente em Torres Novas. novo membro da nossa Tabanca Grande (*):

SUBMARINO À VISTA!

esta é uma estória realmente surreal

por Lúcio Vieira

[O editor decidou situá-la em João Landim, no Rio Mansoa, à revelia do autor, que apenas esclareceu o seguinte, em email que lhe mandou ontem, em resposta a uma pergunta sobre o lugar:  (...) "sobre o episódio do submarino, não me recordo, francamente, como a estória me chegou. Talvez tenha acontecido em João Landim, mas não sei. Sei, isso sim, é que me pareceu tão deliciosa que não resisti." (...) Ainda bem que o Lúcio Vieira não resistiu... Independentemente do sítio exato onde aconteceu, é uma daquelas histórias que fará parte, seguramente,  da antologia do nosso humor de caserna. Recorde-se, por outro lado, o currículo do autor, enquanto combatente: " "Cruzei o rio Mansoa (na legenda troquei-o, inadvertidamente com o Geba) durante toda a comissão. Tal como o Cacheu.  (...) Estive seis meses de intervenção em Bula e 17 meses em Ingoré, na fronteira norte com o Senegal. Daí conhecer muito bem as passagens em João Landim e S. Vicente."]

Até no desenrolar dos dramas mais pungentes emergem, com alguma frequência, pequenos oásis de balsâmica voluptuosidade, preciosas gotas de água, que se libertam das nuvens da vida e nos refrescam o escaldante quotidiano, pautado pelas dores que sempre resultam das tragédias.

Também no seio dos conflitos armados desabrocham, por vezes, essas pequenas e decisivas pérolas, que nos ajudam a refazer o debilitado estado de espírito e nos criam uma reserva de revigorante resistência, aos sucessivos assaltos de uma sorte mais madrasta do que a madrasta da Cinderela.

Chega. Nada melhor do que contarmos, sem mais delongas, o insólito episódio, ocorrido algures nas margens de um caudaloso rio africano e tendo como cenário um diminuto cais, junto às pré-históricas instalações de um pequeno destacamento militar, algures nas entranhas da Guiné, em meados da longínqua década de 1960.

Manhã cedo – pouco passaria das sete e meia – de um dia já a aquecer e a prometer mais uma escaldante jornada, em tudo igual às que habitualmente pautavam aquele, quase esquecido, reduto de uma reduzida unidade de Engenharia. A capital não distava muitas léguas e o local, quase inacessível por terra, alcançado apenas por tosca e estreita estrada, era classificado, à época, como um reduto seguro, pouco susceptível de se apresentar como alvo de ataques inimigos.

A famosa jangada de João Landim, no rio Mansoa
Foto de Virgínio Briote  (c. 1965/66)
Atracada, uma tosca jangada, de motor assustadoramente periclitante – na ausência de uma mais sofisticada LDM da marinha - aguardava a chegada de uma qualquer coluna de veículos em trânsito, que ali necessitasse efectuar a travessia do largo curso de água.

Pelo espaço em redor, após um reconfortante pequeno-almoço, os rapazes desentorpeciam as pernas, puxavam umas fumaças nos cigarros americanos, trazidos de Bissau e preparavam-se para mais um dia monótono e arrastado, igual aos restantes dias da monótona e arrastada comissão de serviço.

Uma pasmaceira, aquele restar por ali, entre as refeições, umas partidas de sueca, umas mornas e coladeiras na rádio, umas revistas com gajas nuas, as sessões de anedotas, os aerogramas para a Maria, algumas fotografias e, quando calhava, três ou quatro viaturas, para enfiar na jangada e transportar para a margem contrária.

Perdiam-se os olhos na imensidão do rio, pela cinzenta mancha de bolanha, que quase cercava as pequenas barracas, forradas a chapa de zinco, que o destacamento habitava; pelo renque de árvores – bissilões, na sua maioria – que ornavam a estrada na margem norte do rio, a dezenas de metros de distância, do outro lado onde os combates se iam tornando, cada vez com maior intensidade, um acontecimento diário.

Mais a sul, por entre os restos de neblina que se elevavam da bolanha, os olhos ainda distinguiam a enorme mancha verde-escura do tarrafo que, da margem virada a poente, se alongava até perder de vista, para as bandas do mar.

Dois ou três, dos homens do destacamento, ocupavam-se entretanto, junto ao cais, na recolha das armadilhas, deixadas no rio na noite anterior. Havia sempre peixe que optava por não dormir e o que buscava o engodo, nos engenhos de rede, habitualmente dava para uma refeição à pequena guarnição do destacamento.

De pé, encostado à tosca viga de palmeira-dendém, num dos cantos do alpendre, do polivalente refeitório-secretaria e sala de convívio, o alferes que comandava o destacamento observava, a espaços, a paisagem em redor, por vezes de binóculo em punho, com o olhar atento e perscrutador, que se exige à suprema responsabilidade dos lideres, a quem compete zelar pelas vidas dos homens sob o seu comando e dos haveres, que o estado português confiara à sua guarda.

Pese embora o facto de, por aquelas bandas, jamais ter havido notícia de presença inimiga, o homem sabia que não podia baixar a guarda. Quando menos se espera… E recordava, amiúde, os episódios lidos e relidos, sobre guerras distantes ou passadas, nos quais se dava conta das surtidas traiçoeiras, dos audaciosos golpes furtivos e das mil e uma artimanhas, que o génio dos grandes cabos de guerra sempre souberam engendrar, para colher o inimigo de surpresa.

E também da importância estratégica de destacadas zonas do globo, locais cirurgicamente nevrálgicos para o rumo dos conflitos. Assim, aquele perdido posto militar, encravado entre a bolanha e o largo rio, bem podia ser – quem sabe - o seu estratégico rochedo de Gibraltar, ou algo semelhante.

Por isso o nosso alferes não baixava a guarda. Cônscio da importância de uma observação constante e minuciosa, o homem queimava as pestanas, observando metro por metro, litro por litro, as margens e o leito do rio, que na sua frente se abriam. Com ele, ficasse o inimigo a saber, não contassem para menosprezar os perigos, muito menos para se entregar ao desleixo da rotina, que a experiência lhe dizia ser sempre má conselheira.

Um homem, enfim, ciente da sua responsabilidade e da transcendência da missão que até ali o levara; àquele pasmado e frustrante longe de tudo, perdido entre nenhures, onde, habitualmente, o mais emocionante, do arrastado quotidiano, era a passagem, no seio das colunas militares, de uma ou outra bajuda, à boleia.

No seio, foi o que atrás se escreveu, porque nos ditos das moçoilas, rijinhos e ali ao léu, vulgarmente designados por “mama firmada”, já a rapaziada ia, despudoradamente, e sempre que o ensejo se proporcionava, aquecendo as manápulas, naquele tão cativante, quanto emotivo e patriótico, exercício de acção psicossocial.

Estava-se nisto quando, binóculos virados a montante, algo lhe chamou a atenção, lá longe no caudal do rio, logo após a curva junto ao mangal. Havia ali qualquer coisa a navegar, lentamente, em total discrição, descendo sorrateiramente o rio, bem no meio da corrente.

Deixou o local de vigia, no alpendre do barracão e aproximou-se da margem. Não, não havia dúvidas: vinha ali qualquer coisa estranha, com um navegar manhoso. Algo enfim, naquela manhã, descia, lenta e matreiramente, a corrente. Mal se vislumbrava o dorso escuro do enigmático objecto, mas bem se via que era algo grande, arredondado e estranhamente silencioso.

Por entre a onda de espuma que a sua passagem levantava, erguia-se sobre ele, na vertical e a cerca de um metro acima da água, hirto e misterioso, um outro objecto, igualmente redondo e escuro, a fazer lembrar um vulgar tubo de canalização. “Diabo, se aquilo não parece um submarino…”, cogitava o intrigado graduado, de cenho franzido e sentidos alerta.

Voltou a mirar o estranho objecto que sulcava as águas, bem no meio da corrente, a uns bons cem metros da margem. Numa daqueles clássicas decisões, bem expressas nos cânones da caserna, que mandam, em caso de dúvida, atirar primeiro antes de se perguntar “quem vem lá?”, o homem tomou de imediato uma decisão de radical efeito. E tudo ali então se precipitou.

De binóculo em riste - em clara desvantagem ante o, bem mais potente e avantajado, “periscópio” inimigo - porém munido de corajoso ímpeto de destemido afrontamento, o alferes gritava a plenos pulmões: “Peguem nas armas! Vai ali um submarino!”, enquanto os homens, dispersos pelo recinto, de expressão aparvalhada, tentavam perceber a situação. Antes de desaparecer no interior das instalações, em busca da sua própria arma e de umas quantas granadas defensivas, ainda o espavorido oficial repetia à restante guarnição: “Porra, vão buscar as armas!”

Atarantados, os rapazes corriam, desordenadamente, para o interior dos barracões, em busca das G3. Pelo caminho, um ou outro, de mente menos confusa, ia-se deitando a matutar que ideia seria aquela de enfrentar um submarino com umas reles espingardas automáticas, mais umas pobres granadas, que tanta falta faziam para as radicais pescarias do peixe mais graúdo. Mas pronto, o alferes é que tinha os livros; por aquelas bandas, ainda era quem mandava na guerra.

Entrincheirado com a jangada, o destemido comandante da guarnição abria fogo de rajada sobre o “submersível inimigo”. Só podia ser inimigo, já que a pelintra marinha de guerra nacional ainda não conseguira orçamento para tais luxos. Porém, o PAIGC ainda menos. Era pois, seguramente, um vaso de guerra de leste, da União Soviética, que todos sabiam estar de panelinha com os movimentos guerrilheiros.

“Fogo, fogo nele!”, gritava o homem, qual Rommel no deserto, qual Napoleão antes da debandada em Waterloo, qual Nuno Álvares em Aljubarrota ou, mais adequadamente, qual Mouzinho em Chaimite. As balas – apenas as dele, adiante-se – tracejavam as águas, levantavam cogumelos de espuma, enquanto por ali, deitados no chão, em posição de fogo, os homens se entreolhavam, de expressões idiotas, sem entender patavina da situação.

“Aquilo é um submarino! É ou não é, malta?”, interrogava ele, aos brados, num esforço de autoconvencimento. “É, é, meu alferes! Vê-se bem…”, respondiam os homens, confusos e sem coragem para contrariar o agitado superior. “Fogo nele! Afundem os gajos!” Relutantes, os subalternos lá iam disparando uns tiros dispersos, que aquilo de estar ali ao desvario a atirar para o boneco, não lhes cabia lá muito na cachimónia. O intrépido alferes, entretanto, em pequenas corridas pela margem, na busca de melhores posições de tiro, não dava tréguas ao misterioso objecto navegante.

Era uma cena patética, digna da mais talentosa opera-buffa, dos gloriosos tempos da commedia dell’arte.

Nos fugazes segundos que mediariam, entre o gizar de uma estratégia de ataque, ao iminente, inevitável e definitivo afundamento do descomunal submersível, o homem imaginava-se nas capas dos jornais da longínqua capital do império, sob os holofotes da televisão e os microfones das rádios, nos gabinetes dos ministérios e chancelarias, nos jantares de gala em sua honra, no decorrer dos quais, uma vez mais, se enalteceria, nas vozes embargadas dos nossos mais lídimos representantes, o seu heróico feito.

O homem já se via - mais do que numa qualquer e banal entrega de medalhosas distinções, no Terreiro do Paço - nos próprios salões do palácio de Belém, altivo, impante, solene, distinto, em farda de gala, na presença das mais altas figuras da nação. E depois – oh, subida glória! – recebendo, das mãos do venerando chefe de estado, uma qualquer comenda, das várias com que o patrono das ordens honoríficas habitualmente ornamenta o pescoço e o ego dos nossos mais distintos eleitos.

Depois, como corolário, talvez o nome numa rua da sua vila natal, quiçá de vilas e cidades de norte a sul do país, e a inevitável promoção por distinção que, unanimemente, as altas chefias forenses não deixariam de lhe proporcionar.

Que subida honra, que glória, que página, nos anais onde se canta a imortalidade dos heróis. Caramba! Não é todos os dias – nem, por ventura, em todas as guerras – que se abate, sem remissão, ou se aprisiona, um submarino inimigo, recheado de uma tripulação amedrontada e rendida à heroicidade de meia dúzia de bravos militares portugueses. De Engenharia. Ainda por cima, homens da Engenharia!

Toda a pequena guarnição estava, pois, prestes a protagonizar um feito único nos anais da história militar lusíada. Uma epopeia que contariam aos filhos e netos, os quais, orgulhosos do apelido e do sangue herdados, haveriam de se rever nela por incontáveis gerações.

“Atirem, não o deixem escapar!”, e os rapazes, mais para evitar reprimendas do que para confrontar a ameaça navegante, lá iam despejando carregadores, para aquele intruso flutuante que, oriundo por ventura dos confins soviéticos, ali lhes calhou em sorte, por certo numa missão de solidária “mãozinha” ao inimigo.

Uma, duas rajadas. O arrojado alferes não descansava. Depois, granada na mão, cavilha arrancada com um gesto largo e decidido e o lançamento do engenho para bem longe, nas águas do rio. À boca pequena comentava-se: “O nosso alferes não ‘tá bom da cabeça”. Então “aquilo” estava a ir ali a mais de cem metros de distância… quem é que o alferes pensava que era: “campeão do lançamento do martelo, ou quê?”

Entretanto, mesmo ali frente ao cais, com um repentino remoinhar das águas, o “vaso de guerra inimigo” inverteu o “leme” a estibordo e parecia querer rumar a montante, de onde havia pouco surgira. “Está com medo, rapazes: ele está com medo. Vai voltar para trás! Fogo, não o deixem fugir!” E as armas voltaram a troar, rasgando de novo a quietude da manhã.

E que manhã! Ciente agora que o matreiro submersível tentava escapar, o homem lembrou-se que, no reduzido espaço que servia de paiol, repousava a um canto uma metralhadora ligeira. Lá estava, havia muito, para o que desse e viesse. “A Dreyse, tragam a Dreyse!”. Lesto, o cabo e um soldado ergueram-se, entreolharam-se por momentos e partiram numa corrida, desaparecendo no interior das instalações.

Quando voltaram, de metralhadora em punho e uma braçada de carregadores a caírem dos braços, deixaram a arma nas mãos decididas do alferes e aprestaram-se para o municiar. Da ponta da jangada, já sobre as águas, a Dreyse iniciou então o ritmado e mortífero concerto. As balas sulcavam as águas e atingiam certeiramente a misteriosa “embarcação”, ante o eufórico frenesim que agitava o bravo oficial.

Fosse por acção das balas, ou por capricho da corrente do rio, o manhoso “submarino” inverteu de novo a rota e voltou a navegar para jusante, rumando, tranquila e suavemente, para a foz. Ficava já fora do alcance do fogo lançado da margem e parecia ir perder-se para lá da curva frente ao bosque de palmeiras, na viagem que o levaria ao oceano.

As armas calaram-se. Uma densa e negra nuvem formava-se agora, nos olhos e na mente do ofegante comandante do destacamento de Engenharia, aquartelado naquela perdida margem de rio. As honrarias, as comendas, os jantares e discursos e as ruas com o seu nome esfumavam-se assim, mais depressa do que o fumo que se evadira dos canos das armas. Oh, glória tão efémera e vã! Oh, história tão ingrata, que assim lhe iria olvidar o nome.

Que dia aquele, de tanto fervor patriótico e de tanta alma guerreira, transformados, ingloriamente, na mais redundante e decepcionante manobra militar, alguma vez encetada em terras da Guiné. Os deuses, os tais do Olimpo, deviam mesmo estar loucos. Oh, com os reveses enchem, tanta vez, as guerras de infortúnio. Ia assim o homem cismando, tentando refazer-se dos amargos de boca, resultantes da frustrante acometida.

Acalmara-se um pouco. Acendeu um cigarro e encaminhou-se, cabisbaixo e de cenho franzido, para o recato das instalações. Necessitava de um revigorante whisky, para encarrilar as ideias.

No exterior, ainda aturdidos, os homens olhavam-se, acendiam igualmente cigarros e, entre o encarrilar de ideias e a sequente procura do revigorante whisky, quedaram-se, por momentos, a matutar, que raio de mosca teria mordido ao alferes, para desatar a ver submarinos e a despejar quilos de munições, num pobre e inofensivo tronco de bissilão que, inadvertidamente, entendeu entregar-se aos prazeres da navegação no dia errado, no rio errado e na hora errada.

O perturbado alferes, esse entretanto e enquanto via esvaírem-se os sonhos de glória e imortalidade, de olhar lançado ao alto e pensamento embargado pela emoção, justificava a si próprio o desaire, citando – como, de resto fica bem em situações tão dramaticamente solenes, como aquela – as palavras do poeta: “malhas que o Império tece…”

Perdão, tecia.

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Em rodapé, aqui - como preito de homenagem ao avisado bom senso - se regista o alívio da restante guarnição, pelo facto de, na balburdia gerada pelo fragor da insólita “peleja”, o inefável e confuso alferes nunca se ter lembrado de, via rádio, pedir o apoio dos T-6 da Força Aérea, ou dos patrulheiros da Marinha. Valeu esse lapso porque, para ridículo, já tinham de sobra para contar.

António Lúcio Vieira
CCav 788 / BCAV 790 ( Bula e Ingoré, 1965/67)
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Nota do editor:

(*) Vd. poste  de 2 de agosto de  2019 > Guiné 61/74 - P20027: Tabanca Grande (483): Lúcio Vieira, ex-fur mil, CCAV 788 / BCAV 790 (Bula e Ingoré, 1965/67), natural de Torres Novas, jornalista, poeta, dramaturgo, encenador: senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar nº 794

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Guiné 63/74 - P16489: Memória dos lugares (345): O destacamento e a jangada de João Landim, no Rio Mansoa (José Nascimento / Francisco Gamelas / Leonel Olhero / Alcídio Marinho)



 Guiné > Região de Cacheu > Junho de 1973 > Margem direita do rio Mansoa... Travessia  de João Landim, que se fazia em janganda. . Primeiro entravam as viaturas, depois as pessoas. Bissau ficava a cerca de quinze/vinte  quilómetros. Foto nº 51C, do álbum de Francisco Gamelas.

Foto (e legenda): © Francisco Gamelas (2016). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]




Guiné > 1965/66 > A famosa jangada que atravessava o Rio Mansoa em João Landim, ligando Bissau com a região do Cacheu

Foto (e legenda): © Virgínio Briote (2005). Todos os direitos reservados



1. Comentários ao poste P16486 (*):

José Nascimento [ex-Fur Mil Art da CART 2520, 
Xime, Enxalé, Mansambo e Quinhamel, 1969/71); vive no Algarve]


João Landim era constituído por um barracão em madeira e que era gerido em conjunto pela Marinha, que uma jangada, e pela Engenharia, que tinha outra jangada. A outra parte era um barracão em alvenaria, se a memória não me falha, era dividido em duas partes.

As condições não eram as melhores, havia uma latrina feita em madeira construída sobre o lodaçal da margem do rio Mansoa. Havia uns bidões com um chuveiro onde podíamos tomar banho, muitas vezes tínhamos que esperar que nos touxessem água de Safim e era de lá que esperávamos que viessem as nossas refeições e que quase sempre chegavam tarde e a más horas.

Felizmente havia um gerador que fornecia energia eléctrica, mas estavam tão perto de nós que ainda hoje parece que ouço o roncar do seu trabalhar. A guarnição era constituída por uma secção e quando o alferes Marques, ainda em Safim,  me disse, "vais para lá tu,  Nascimento", só aceitei ir com voluntários. A maioria do pelotão ficou em Safim.

Com algum receio dos jacarés ainda dei uns mergulhos no rio Mansoa e também vivi alguns episódios curiosos. João Landim ficava na margem direita do rio e mal de nós se nos quisessem fazer algum mal, penso que não havia interesse por parte do PAIGC, porque João Landim era um ponto de transição entre a zona de guerra e a dita ilha de Bissau e os guerrilheiros podiam perfeitamente passar entre a população. Quem é que sabia? Quando tiver oportunidade coloco umas fotos.

PS - Caros editores: quero corrigir que João Landim ficava na margem esquerda do rio Mansoa e não na margem direita, a sua água era salgada e sofria a influência das marés (cheia/vazia) e por vezes chegava quase ás paredes do nosso barracão. Nunca me senti muito seguro neste destacamento com pouco mais do 6 gatos pingados, sendo que durante a noite estava sempre um elemento de sentinela e como é evidente o meu sistema de alarme estava sempre em alerta.



Carta da província da Guiné  (1961) > Escala 1/500 mil > Posição relativa do destacamento de João Landim, cujas instalações ficavam na margem esquerda do rio Mansoa, do aldo de Safim, ou seja, na ilha de Bissau, e não na margem direita, do lado de Bula. A distãncia, em linha reta, até Bissau deveria seria de 20 km.

Infogravura: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2016)


Francisco Gamelas [ex-alf mil cav, cmdt do Pel Rec Daimler 3089
 (Teixeira Pinto, 1971/73), adido ao BCAÇ 3863 (1971/73): vive em Aveiro]


Sobre João Landim, tanto quanto recordo, não existiria no local qualquer destacamento. Era a malta de Bula que fazia a protecção, sempre que a jangada era utilizada. Creio mesmo que era malta de Bula que operava a jangada. Isto do lado Norte. Do lado de Bissau nunca me recordo ali existir qualquer tipo de protecção, nem recordo ter ali existido qualquer conflito com a população. As viaturas circulavam livremente. Ataques do PAIGC à jangada, no meu tempo, nunca ouvi falar.

Leonel Olhero [, ex-Fur Mil Cav do Esq Rec 3432 (Panhard),
Bula, 1971/73]


A protecção às jangadas em João Landim era feita pela malta do Esquadrão de Bula.

As jangadas eram operadas pela Marinha que estava aquartelada do lado de lá, na outra margem, num destacamento de barracas feito de latas. Todavia, ao fim da minha comissão 1973 (embarquei em 4/10/73),  João Landim já tinha instalações condígnas feitas em cimento e "até" bonitas.

Fui furriel das Panhards e fiz escoltas a João Landim, três vezes ao dia e sem conta. Nunca aquelas colunas foram atacadas.









Guiné > Rio Mansoa > João Landim >  c. 1972/74 > A "jangada militar"


Fotos (e legendas): © Leonel Olhero  (2012). Todos os direitos reservados [Edição: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


Alcídio Marinho [ex-fur mil inf, CCAÇ 412 
(Bafatá, 1963/65): vive no Porto]


Quando chegou o mês de abril de 1965, o meu pelotão (3º) estava destacado, desde março, ma povoação de Geba, fomos avisados que iriamos ser rendidos pela CCAÇ  557 (, do José Botelho Colaço).

Chegou o fim do dito mês de abril e rumamos a Bissau, ficando a pertencer ao BCAÇ 600.
Em Bissau fazíamos patrulhamentos nocturnos e destacamentos semanais em João Landim, a nível de secção reforçada, cerca de vinte homens.

Então, colocou-se o problema, qual dos sargentos vai comandar o destacamento? Ofereci-me, para ir.
Levei o pessoal da minha secção e mais uns voluntários, incluindo um cozinheiro.
Na aquela altura, as instalações eram apenas um barraco e cada um desenrascava-se. Levamos géneros e viveres para uma semana, quando era preciso, éramos reabastecidos

No fim da primeira semana, do pessoal os que quiseram regressar a Bissau, foram substituídos por outros voluntários. Ali não havia o problema do serviço como havia em Bissau, cada um andava de calções e á vontade.

Estive duas semanas seguidas no principio de maio. Mais tarde na última semana na Guiné, voltei e dali partimos na antevéspera do embarque (Uíge), para Lisboa (27/5/1965).

Foram umas férias bem merecidas.

A jangada era em madeira, tinha um cabo que atravessava o rio, e que passava numas roldanas que com umas manivelas fazia a travessia do rio.

A população civil era controlada à entrada de um lado e do outro.

As unidades militares eram apenas controladas pelas ordens de serviço e também era controlado o peso e o número das viaturas para não sobrecarregar a jangada.

O pessoal que manobrava a jangada eram nativos comandados por um cabo, creio que era papel (raça).
Durante o dia, quatro militares estavam no controle em terra, de cada lado do rio. Na jangada circulavam dois e às vezes três. A outra malta estava estacionada do lado de Bissau.


Guiné-Bissau > Ponte Amílcar Cabral,  mais conhecida  por  ponte João Landim. Com 785 metros de comprimento, inaugurada em 2003, tendo sido totalmente financiada pela União Europeia e construída por um consórcio espanhol  [Foto à esquerda com a devida vénia, fonte: Acciona-Engineering]


Por vezes éramos visitados por colunas da Companhia e às vezes até aparecia o Comandante da Companhia, o Sr. Tenente Azevedo

Um dia, deixaram passar um individuo com uma malinha. Ele já estava na jangada e eu mandei que saísse para revistar a mala. Dentro tinha ligaduras e outro material médico. Mandei um rádio para Bissau e vieram buscá-lo, já não passou dali.

Foram umas semanas bem passadas. Quando queríamos peixe, lá vai uma granada ofensiva para o rio 
e recolhíamos o peixe, que distribuíamos pelos nativos que apareciam por ali.

Assim conheci João Landim, não estava sujeito aos salamaleques da tropa macaca de Bissau.



Guiné-Bissau > Rio Mansoa, Ponte Amílcar Cabral > Abril de 2005 > Belíssima foto do português Carlos Galveias [Reproduzida, com a devida vénia, do seu blogue República da Guiné-Bissau > 28 de abril de 2005 > Guiné-Bissau Topur 2005 - Actualização].

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