Pesquisar neste blogue

segunda-feira, 20 de outubro de 2025

Guiné 61/74 - P27333: Notas de leitura (1853): "Os Có Boys (Nos Trilhos da Memória)", de Luís da Cruz Ferreira, ex-1º cabo aux enf, 2ª C/BART 6521/72 (Có,1972/74) - Parte IV: de Figo Maduro a BIssalanca "by air", e depois de LDG até Bolama para a estopada da IAO (Luís Graça) a




Guiné > Zona Oeste >  Região do Cacheu , Có > 2ª C/BART 6521/72 (1972/74) > Messe da caserna do 2º pelotão. O autor em primeiro plano à direita. (Foto, com devida vénia, retirada da pág. 135 e reeditada por LG).



Crachá da 2ª C/BART 6521/72 (Có, 1972/74)


Capa do livro 

1. Continuando a leitura do livro do Luís da Cruz Ferreira, "Os Có Boys" (edição de autor, 2025, il., 184 pp,) 
(ISBN 978-989 -33.7982-0) (*).


Com a especialidade de auxiliar de enfermeiro feita em Coimbra, no RSS (Regimento de Serviços de Saúde) (jan/mai 1972), o Luís é mobilizado para a Guiné, indo formar batalhão, o BART 6521/72, no RAL 5,  Penafiel (jun / set 1972). 

No seu livro de memórias (sem recurso a fontes em papel), ele começa por perguntar como se formara aquele batalhão. 

O Luís, chegado a Penafiel, com mais dois camaradas que vieram com ele do quartel da Carregueira, não conhecia mais ninguém. Os três, munidos da respetiva "guia de marcha", acabavam de se apresentar de manhã no RAL 5, a unidade mobilizadora do seu batalhão. 

Chegaram às 3h00 da manhã. Tinham saído da Carregueira às 11h00 do dia anterior, num dia de junho de 1972. Claro, aproveitaram para pôr o sono em dia, até ao toque de alvorada.  A cama foi improvisada: foram as pedras da calçada, com o saco da roupa a servir de travesseiro.

(pág. 39)


Achámos piada ao termo da gíria de caserna, "atiruense", forma engraçada mas irónica de designar, afinal,  a grande maioria dos militares que iam para o CTIG. Em 1969/71, eram também conhecidos como "amanuenses de gatilho",  enfim a derradeira especialidade que o diabo quereria ter ali, naquele "cu de Judas", a Guiné (hoje, Guiné-Bissau). 

Por outro lado, repare-se na observação sobre o médico e os quatro auxiliares de enfermeiro que em princípio deveriam seguir na 2ª C/BART 6521/72. 

 Médico não havia, e dos quatro 1ºs cabos da secção sanitária só seguia o Luis e o Faleiro. A solução "ad hoc" encontrada,  mais tarde, chegados a Có, foi fazer dois auxiliares de enfermeiro, "de aviário", à pressa, para suprir as faltas. 

Enfim, mais um exemplo do "desenrascanço" à portuguesa (pág. 40).

Estava-se, de resto, numa época em que já ninguém  ligava à qualidade, mas à quantidade. Um país pequeno, com menos de 9 milhões de habitantes e forte emigração (um milhão e meio de portugueses, sobretudo jovens, vão sair de Portugal no período da guerra colonial, entre 1960 e 1975), e que já de si tinha fraca capacidade de recrutamento.

E a prova estava ali, o Luís vai conhecer os seus novos camaradas, os militares da 2ª C/BART  6521/72. Verifica que só tem um militar profissional, em 160 homens: é um graduado do QP (Quadro Permanente), o 1º srgt  António José do Ó, e que era de todos obviamente o mais velho (e respeitado, acrescente-se). 

Era o único, afinal, "que sabia das coisas da tropa" (pág. 42).

A maioria dos militares eram jovens, na casa dos 21/22/23 anos. O capitão nem sequer era do QP, era um miliciano,  com mais cinco ou seis anos do que os restantes. Todos, ao fim ao cabo, iam mal preparados (e por certo contrariados) para aquela guerra e aquele território, do capitão aos quatro alferes, dos furriéis aos cabos. 

Foram de autocarro, de noite, a caminho do aeroporto militar de Figo Maduro, em Lisboa. Para o autor, só podia ser intencional, por parte do exército, a opção pela viagem de noite. 

Foi a primeira viagem de avião que o autor fez na vida. Aqueles de nós que foram de barco para a Guiné,  não sabem, naturalmente, "o que perderam"... Em meia dúzia de linhas,  o Luís descreve, com um leve toque de ironia,  o ambiente que viveu nesse já longínquo dia 22 de setembro de 1973, por sinal uma sexta-feira.

(pág. 449

O saco ou mala de viagem não podia ultrapassar os 25 kg. Lá teve que se desembaraçar de alguns livros, uma navalha de marinheiro e uma faca de mato. Em contrapartida, teve a sorte de viajar junto à janela. E, por pouco tempo embora,  conseguir desviar o seu pensamento, o "de que estava a caminho do mais perigoso palco de guerra que o nosso governo nos conseguira arranjar"  (pág. 45).

A meio da viagem , os passageiros especiais daquele Boeing 707 recebem ordens para despirem "o blusão de burel", que serviria para o próximo "desafortunado"  ou iria parar à Feira da Ladra.

 A bordo teve direito a um copo de água. 

A título de curiosidade, ficamos a saber que  os dois Boeing 707 dos TAM, encomendados em 1970 e entregues em finais de 1971, "transportaram nos 3 anos seguintes cerca de 318 mil  passageiros do Exército (78%), Marinha (7%) e Força Aérea (15%), além de muitas toneladas de carga.  sem que tenham falhado uma missão". Uma história exemplar, os TAM, ao que parece.
 
Na chegada a Bissalanca, e com a abertura  das portas da aeronave, o Luís não levou a tempo a dar-se conta de que estava nos trópicos: "entrou um bafo de tal modo  quente que, de imediato, começámos  a transpirar e a sentir o incómodo que nos iria acompnhar ao longo de dois anos - o tempo que durou a nossa comissão de serviço na Guiné" (pág.  46).

Além desta sensação de calor e humidade extremos,  que todos experimentámos à chegada a Bissau, o Luís dá conta de uma segunda experiência sensorial, "a intensidade dos odores da terra que resulta  das fortes chuvadas sobre os solos sobreaquecidos" (pág. 46).

Foi tudo muito rápido. e já temos os recém-chegados a caminho do Cumeré,  a 30 km de Bissalanca. Com o batalhão completo, lá seguiriam três dias depois, em LDG, a caminho de Bolama para mais um período de instrução e de adaptação, a IAO (Instrução de Aperfeiçoamento Operacional)... Enfim, estações do calvário por que todos (ou quase todos) tivemos que passar.

Sentado no chão da LDG, em cima dos seus pertences, o Luís faz um trocadilho que diz muito do estado de espírito daqueles jovens a caminho de um futuro incerto, e longe de pensar que a guerra teria um fim um ano e meio depois: (...) "saboreando as primeiras gotas de um fel que nenhum de nós na metrópole saboreara, ante os sonhos justos e devidos de mel que os jovens  (...) de 20 anos esperavam "(pág. 47).

Quatro horas de depois, de noite, "em mar chão e a maré cheia" (pág.47),  chegam a Bolama através do grande canal do Geba.

Vale a pena acompanhar a leitura deste livrinho, singelo e serôdio, mas nem por isso menos interessante (pela capacidade de ajudar a reavivar as nossas próprias memórias da tropa e da guerrra: "Os Có Boys: nos trilhos da memória".

(Continua)


Luís da Cruz Ferreira (n. 1950, Benedita, Alcobaça). 
É membro da Magnífica Tabanca da Linha. 
E esperemos que aceite o nosso convite para se sentar, connosco,
à sombra do poilão da Tabanca Grande

  • nasceu em 2 de março de 1950, mas só  foi registado  seis meses depois, em 4 de outubro;
  • de alcunha o "Beatle", quando jovem;
  • profissionalmente já estava ligado à restauração, antes de ir para a tropa,  tendo trabalhado em diversos estabelecimentos conhecidos da Linha, e nomeadamente em Cascais, a começar pelo famoso  Muchaxo (Guincho).
  • foi trabalhador-estudante;
  • na tropa e na guerra, foi 1º cabo aux enf, tendo sido mobilizado para o CTIG, integrado na 2ª C /BART 6521/72 (Có 1972/74);
  • o  batalhão estava sediado no Pelundo; regressaram a  casa já em finais de agosto de 1974;

(Seleção, revisão / fixação de texto: LG)

_______________

Nota do editor LG:

Último poste da série > 17 de outubro de 2025 > Guiné 61/74 - P27326: Notas de leitura (1852): "Ecos Coloniais", coordenação de Ana Guardião, Miguel Bandeira Jerónimo e Paulo Peixoto; edição Tinta-da-China 2022 (2) (Mário Beja Santos)


Sem comentários: