Blogue coletivo, criado por Luís Graça. Objetivo: ajudar os antigos combatentes a reconstituir o "puzzle" da memória da guerra colonial/guerra do ultramar (e da Guiné, em particular). Iniciado em 2004, é a maior rede social na Net, em português, centrada na experiência pessoal de uma guerra. Como camaradas que são, tratam-se por tu, e gostam de dizer: "O Mundo é Pequeno e a nossa Tabanca... é Grande". Coeditores: C. Vinhal, E. Magalhães Ribeiro, V. Briote, J. Araújo.
domingo, 10 de dezembro de 2023
Guiné 61/74 - P24938: Estórias do Zé Teixeira (61): Crónica de uma tarde, em sábado de Festas Natalícias (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
Olá Carlos e Luís
Espero que este sábado esteja a correr bem - é Natal.
Junto uma crónica do que me aconteceu hoje ao sair da Tabanca de Matosinhos depois do nosso almoço de Natal.
Se entenderdes que merece ser publicada, estai à vontade.
Aproveito para dar a infausta notícia da morte da Zélia Neno, a ex-esposa do falecido Xico Allen.
Um Grande abraço e continuação de bom fim de semana.
José Teixeira
Crónica de uma tarde, em sábado de Festas Natalícias
Não sei se a culpa foi do “pisca” que se recusou a acender, se foi do automóvel que usualmente por defeito, costuma não trazer “piscas” ou… talvez os seus condutores não se lembrem que os “piscas” são para usar sempre que necessário. Talvez tenha sido o homem que orgulhosamente, pensou que os “piscas” são para os outros usarem… Talvez não tenha acontecido nada disto.
O certo é que, deparei com dois carros parados, com os piscas apagados, atravessados na autoestrada, ao sair da cidade e dois homens engalfinhados na relva húmida da berma. Uma outra viatura, tinha parado. Vi dois/três homens a aproximarem-se e parei. Saltei da viatura e juntei-me ao grupo, com os meus respeitáveis setenta e tantos anos, e conseguimos afastá-los.
As línguas soltaram-se e espalhavam brasas por todo o lado:
- Seu filho deste… olha o pisca… (e mais uma tentativa de aproximação).
- O pisca, o carvalho, seu fils de…
Ora agora, insultas tu, ora agora, insulto eu, num vai e vem de palavras, que não constam no dicionário por serem ocas e vazias de sentido, mas que ferem e incendeiam o ego… e matam… se matam!
- Olha que eu, …seu (ver no dicionário) – e mais uma tentativa de chegar a roupa ao pelo do outro… mais uma corridinha… mais uma barreira. – O pisca está lá é para se usar! Seu…
Logo de seguida trava-se uma investida do outro, que está muito nervoso. Leva tudo à frente, mas… é melhor parar e dar mais duas de língua.
Qual deles está com mais medo? Não sei. Estranhamente, eu sinto-me sereno, como quando estava na Guiné, depois de apanhar com as primeiras, que me atiravam para o chão.
- Calma! Calma! Vamos ficar por aqui! Não estrague a sua vida… entre para o carro… vá, vá-se embora... despreze quem não respeita a Lei.
…E havia no meio de tudo isto havia um “pisca” de um dos carros que não tinha acendido na devida altura. Pelo andar da contenda, creio que o proprietário continuava sem saber que o “pisca” estava lá nos comandos da viatura para ele utilizar.
No meio de tudo isto, havia dois carros parados no meio da estrada, sem se tocarem, a olhar espantados para tudo isto, a apreciarem este espetáculo.
E o raio dos “piscas” continuavam apagados.
O mais gratificante para mim, foi sentir a gratidão de um dos contendores, que ajudei a acalmar. Ao partir, já mais sereno, olhou-me nos olhos e disse: OBRIGADO.
Entrei no meu carro. Dei dois murros no volante e deixei-me invadir pela comoção.
9 de dezembro, depois de um almoço de Feliz Natal na Tabanca de Matosinhos.
José Teixeira
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Nota do editor
Último poste da série de 9 DE SETEMBRO DE 2022 > Guiné 61/74 - P23602: Estórias do Zé Teixeira (60): O Senhor Augusto - Parte III (Conclusão) (José Teixeira, ex-1.º Cabo Aux Enfermeiro da CCAÇ 2381)
Guiné 61/74 - P24937: In Memoriam (488): Zélia Neno (1953-2023), que foi casada com o Xico Allen (1950-2022) e mãe da Inês Allen... Velório a partir das 11h00 de hoje na Igreja de São Martinho de Lordelo do Ouro (Porto) e funeral amanhã às 14h30
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Ingoré > 1998 > Uma foto que correu mundo... ou que , pelo menos, já deu a volta à Tabanca Grande... A legenda é do Albano (Costa): “Esta foto vale pela imagem, e os brancos em África converteram-se? Não é que ficaram a ver a Zélia a puxar o burro, mulher de armas!"... O Albano fez questão de me mandar esta e outras fotos da viagem do Xico e da Zélia, em 1998, com o seguinte recado: "... para ilustrares o que entenderes, com a devida autorização da Zélia" (sic).
Foto: © Francisco Allen / Zélia Neno (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné
Para mim, e para quem se cruzou contigo na vida!
…
Estará na Igreja de São Martinho de Lordelo (Lordelo do Ouro, Porto);
Funeral : 2ª feira, às 14:30 (segue para o crematório de Paranhos, Porto)
Missa do 7.º dia: sábado, dia 16, às 18:30
Fico muito honrado por publicar esta carta e, por desde já, convidá-la sem mais demoras a figurar no quadro de honra da nossa tertúlia (a ela e ao Allen, pois claro!). A Zélia (trato-o como se a conhecesse há anos!...) mandou-me mais documentos que serão inseridos no blogue ainda este fim de semana." (...)
(*) Vd. postes de:
19 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - P546: Zélia, um caso de amor e de paixão (II)
quinta-feira, 27 de abril de 2023
Guiné 61/74 - P24259: Tabanca Grande (548): Inês Allen, senta-se à sombra do nosso poilão, no lugar n.º 875... Voltou a Empada, 17 anos depois, para cumprir a última vontade do pai, Xico Allen, entregar ao clube de futebol local, "Os Metralhas", o emblema da divisa da CCAÇ 3566 (Empada e Catió, 1972/74)
Brasil > Cidade de Praia Grande > Estado de São Paulo > 2014 > Três "Metralhas": da esquerda para a direita, o António Chaves, o Joaquim Pinheiro da Silva (o "Brasuca") e o Xico Allen, de seu nome completo Francisco Jorge Allen Gomes Pereira (1950-2022). O Joaquim e o Xico são membros da Tabanca Grande e eram grandes amigos.
Uma terceira viagem foi em 1996 e uma quarta em 1998. Temos vários fotos dessa viagem, em que o Xico (e a Zélia) foram inclusive a Madina do Boé. Depois disso, o Xico passou a lá ir regularmente. Perdemos as contas que fez essa viagem, por terra e por ar...
Por sua vez,o Albano Costa, pai do Hugo Costa e primo do Manuel Costa, tinha lá estado em novembro de 2000 (incluindo o Armindo Pereira, o Manuel Casimiro, o Manuel Costa e mais uma vez o Xico Allen). Foi a sua primeira e única vez. Fotógrafo profissional, fez uma excelente cobertura fotográfica dessa viagem, ele e o filho, Hugo Costa, percorrendo a Guiné de lés a lés, incluindo uma ida a Guidaje, onde ele fizera a sua comissão. (Foi 1.º cabo at inf, CCAÇ 4150, Guidaje, Bigene, Binta, 1973/74).
A Inès Allen com o "boneco" de "Os Metralhas", exibido no convívio anual do pessoal, em Fátima, em 22/4/2023 |
Passa a ser a nossa tabanqueira n.º 875 (**). E esperamos que ela, por email ou no seu Facebook nos vá dando conta do andamento do seu projeto em Empada.
(*) Vd. poste de 24 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24247: Facebook...ando (26): Homenagem ao Xico Allen (1950-2022): a filha Inês, em Fátima, no passado sábado, no convívio anual da CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972-74)
(**) Último poste da série > 4 de abril de 2023 > Guiné 61/74 - P24196: Tabanca Grande (547): Rogério Paupério, ex-1.º Cabo Escriturário, CCAV 3404 / BCAV 3854 (Cabuca, 1971/73). Natural de Valongo, vive atualmenmte em Vila Nova de Gaia; passa a ser o membro n.º 874 da Tabanca Grande.
terça-feira, 18 de outubro de 2022
Guiné 61/74 - P23717: In Memoriam (456 ): Xico Allen (1950-2022), ex-Soldado Condutor Auto, CCAÇ 3566, "Os Metralhas" (Empada e Catió, 1972/74), um dos nossos pioneiros nas viagens de saudade à Guiné-Bissau
Era um homem de ação, pouco dado à escrita, afável, amigo do seu amigo... Guardo dele as melhores recordações, incluindo as suas idas ao Encontro Nacional da Tabanca Grande, em Monte Real (a última vez, em 2018).
Sobre ele escrevi algures, legendando a feliz foto do Hugo Costa, a do Xico com um saraui, na Mauritãnia, a caminho da Guiné-Bissau:
(...) O Xico Allen em acção: ele tem o melhor dos portugueses (a abertura aos outros, o sorriso aberto e frontal, a alegria de viver, o sentido da aventura) e dos ingleses (a organização, a tenacidade, a teimosia, o pragmatismo)... Pelo menos, dos portugueses e dos ingleses do Porto. É o que eu deduzo da apreciação feita pelos amigos que o conhecem... e também daquilo que eu já sei dele (...). Desejo-lhe good luck / boa sorte nas suas próximas aventuras terrestres a caminho dessa "terra vermelha e ardente", como chama o Torcato Mendonça à nossa Guiné" (...)
À família enlutada, e em particular à sua filha querida, a Inês Allen, bem como ao seu filho, fica a nossa manifestação de dor e do nosso apreço por este camarada e amigo, cuja memória prometemos honrar: o Xico era muito querido por todos nós. E este é o "In Memoriam" possível que eu aqui deixo, feito em escassas duas horas, antes de ir para a minha sessão matinal de fisioterapia.
Até sempre, Xico! (LG)
Viagem Porto-Guiné > Abril de 2005 > O Xico com um saraui
Expedição Porto-Bissau, organizada por Xico Allen e A. Marque Lopes... 9 de abril de 2006... Dia 5... A caminho de Nouakchott, capital da Mauritânia... Um encontro amigável com sarauis e camelos... Fabulosa esta foto do Xico com um saraui, Grande fotógrafo, o nosso Hugo Costa, filho do Albano Costa que, juntamente com a Inês Allen, integrou esta viagem à Guiné, por terra, pelo deserto do Sara...
Foto (e legenda(: © Hugo Costa (2006). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Guiné-Bissau > Região de Quínara (Buba) > Empada > Abril de 2006 > Pai, Xico Allen, e filha, Inês Allen, juntos na pesquisa de vestígios da presença dos "Metralhas" (CCAÇ 3566) nos já idos tempos de 1972/74.
Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Brasil > Cidade de Praia Grande > Estado de São Paulo > 2014 > Da esquerda para a direita, o António Chaves, o Joaquim Pinheiro da Silva e o Xico Allen.
Foto (e legenda): © Joaquim Pinheiro (2014). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Leiria > Monte Real > XIII Encontro Nacional da Tabanca Grande > 5 de maio de 2018 > O Xico Allen e o Agostinho Gaspar
Foto (e legenda): © Miguel Pessoa (2018). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Foto (e legenda): © A. Marques Lopes (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar; Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Matosinhos > Leixões > Restaurante Casa Teresa > 9 de Abril de 2008 > Reunião habitual, às quartas feiras, da Tertúlia de Matosinhos (ou Tabanca Pequena de Matosinhos)... Da esquerda para a direita: (i) de pé, A. Marques Lopes, João Rocha (1944-2018), Eduardo Reis, José Teixeira, Armindo; na primeira fila, Jorge Félix, Xico Allen (1950-2022) e Silvério Lobo... À entrada da Casa Teresa, o António Pimentel. Foi na Casa Teresa, em Leixões, que começou a Tabanca Pequena de Matosinhos.
Foto (e legenda): © Jorge Félix (2008). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]Vila Nova de Gaia > Madalena > Vésperas de Natal de 2005 > Uma minitertúlia de camaradas e amigos da Guiné: da esquerda para direita: Luís Graça (que costuma passar o Natal no Norte, em casa dos cunhados), A. Marques Lopes, José Teixeira, Albano Costa, Hugo Costa e Francisco Allen (mais conhecido pelo Xico de Empada ou Xico Allen...)
Notas do editor:
(*) Último poste da série > 11 de outubro de 2022 > Guiné 61/74 - P23696: In Memoriam (455): Mensagens do Coronel Paraquedista Nuno Mira Vaz, enviadas a Mário Beja Santos, a propósito do falecimento ocorrido no passado dia 2 de Outubro do Alf Mil Paraquedista Jorge da Cunha Fernandes (JOTA) (Nuno Mira Vaz / Mário Beja Santos)(...) O Xico ainda hoje falei com ele e disse-lhe para ele também entrar na nossa tertúlia. Eu tenho a certeza que ele vai contar a sua estória mas ele não se sente muito à vontade para a escrita: é daqueles que só de empurrão mas vai...
Ja mandei um e-mail ao José Teixeira para nos encontrarmos um dia destes. Afinal também somos vizinhos. O Allen é uma pessoa que tem uma visão da Guiné muito grande, ele já lá foi muitas vezes, conhece muitissimo bem a Guiné, e os guinéus conhecem-no bem a ele (...)
quarta-feira, 5 de outubro de 2022
Guiné 61/74 - P23672: Mi querido blog, por qué no te callas?! (6): A todos os meus confrades, aqui deixo o registo de um punhado de reflexões sobre o futuro do nosso blogue (Mário Beja Santos)
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Ingoré > 1998 > Esta foto, com a Zélia Neno, ex-companheira do Xico Allen, chegou-nos por mão do Albano Costa, com a seguinte legenda: “Esta foto vale pela imagem, e os brancos em África converteram-se? Não é que ficaram a ver a Zélia [Neno] a puxar o burro, mulher de armas!"... A propósito, não temos tido notícia desta nossa amiga, "veteraníssima", uma das primeiras a integrar a Tabanca Grande...
Foto (e legenda): © Albano Costa / Zélia Neno (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
Acompanho diariamente o blogue, não posso escrever sem olhar para o fruto do tempo, e constato que a nossa idade introduz limitações que devemos aprender a ultrapassar. Admito que possamos crescer um pouco mais, aceito perfeitamente que ainda há muito para dizer, mas estou seguro de que há condicionalismos irrefragáveis: a concorrência de redes sociais, o facto da nossa memória se ir esgotando sobre o que vivemos e partilhamos com outros, há qualquer coisa como meio século ou mais, o que atualmente se publica espelha essa rarefação e considero que chegou a hora de conjugarmos esforços para que se faça uma reflexão séria sobre o futuro do blogue.
- primeiro, temos um potencial invejável, podemos com ele conviver com outros parceiros, logo todos aqueles blogues de antigos combatentes que queiram entrar connosco em parceria, mais não seja no intercâmbio de informações, notícia de obras publicadas, realização de eventos, etc.;
- há as instâncias universitárias onde se estuda a guerra colonial, em vários pontos do país, bem podíamos procurar estabelecer protocolos;
- há as bibliotecas, se é facto que a Biblioteca Nacional teoricamente recebe todas as publicações, nós não temos acesso fácil a edições de autor,
- há outras bibliotecas que estão prontas a cooperar (eu próprio beneficio da delicadeza do bibliotecário da Biblioteca da Liga dos Combatentes),
- há nas Forças Armadas instituições e publicações com quem nós podíamos intensificar o intercâmbio.
Mais cabeças poderiam seguramente contribuir (e de certeza com aportes mais válidos) sobre o futuro do nosso blogue. É esta dimensão de património histórico-cultural que eu venho pôr à vossa consideração, sugerindo ao fundador do blogue que organize oportunamente um encontro de gente disponível que traga na sua agenda sugestões de engrandecer o futuro do blogue, não devemos desdenhar as nossas idades e legar às novas gerações este dever de memória que diariamente acarinhamos aqui.
Caríssimo Luís,
Saúde e fraternidade,
De há uns meses a esta parte que te ando para escrever. Cumpre-se a ordem natural da vida, nós e os nossos companheiros de blogue vamos envelhecendo, as inscrições de novos bloguistas chega naturalmente a conta-gotas, enfim, não podemos reinventarmo-nos, estamos insistentemente numa atmosfera de manutenção, a criatividade terá os seus dias contados.
Devemos saber prever os próximos anos, é uma pertinência e é um ato de responsabilidade: como manter vigoroso, interativo e muito útil o nosso blogue? Só a ti cabe tomar uma decisão de revigoramento.
Eu venho dar uma sugestão e nada mais. Faria uma curta reflexão sobre o futuro do nosso blogue a partir dos dados da atualidade, convidaria aí uns 20 camaradas para uma jornada de reflexão, num qualquer ponto do país, umas boas horas a partir pedra e a juntar ideias salutares para um futuro promissor.
Adianto algumas ideias da minha lavra:
Não me quero estender mais, exigi a mim próprio notificar-te que temos uma vida curta pela frente e gerámos um património que é inalienável e fulcral para qualquer investigaçã séria que se venha a fazer no futuro sobre a guerra da Guiné, seja a que título for. Depois dizes-me o que pensas.
Um abraço sempre fraterno do Mário.
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Nota do editor:
Último poste da série > 3 de março de 2021 > Guiné 61/74 - P21964: Mi querido blog, por qué no te callas?! (5): O que irá acontecer aos nossos blogues e demais sítios na Net quando, pela ordem natural das coisas, formos transferidos para o Batalhão Celestial? Considerações sobre o futuro (Rogério Freire, fundador e editor do sítio CART 1525 - Os Falcões)
terça-feira, 22 de maio de 2018
Guiné 61/74 - P18663: Memória dos lugares (376): Cheche , rio Corubal e Madina do Boé, uma trilogia trágica (Xico Allen / Zélia Neno / Albano Costa)
No regresso, o Xico Allen e amigos vieram pelo Cheche [foto nº 4], onde atravessaram o Rio Corubal, seguindo depois para o Gabu (ex-Nova Lamego). Em Cheche, ponto de cambança, fizeram questão de lembrar (e rezar por) os 46 camaradas desaparecidos (mais 1 civil) no trágico acidente de 6/2/1969, no decorrer da Op Mabecos Bravios.
Trinta anos depois da retirada de Madina do Boé (em 6 de fevereiro de 1969) ainda continuavam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas... Restos de viaturas das NT abandonadas eram verdadeiros fantasmas dos tempos de guerra... Julgamos que entretanto, nestes últimos 20 anos, foram retirados ou destruídos todos estes vestígios "arqueológicos" da guerra colonial. [Fotos nºs 1, 2 e 3]
Na realidade, eram fntasmas da guerra colonial que, de tempos a tempos, perturba(va)m a paisagem e o viajante...
A foto nº 4 foi tirada intencionalmente no meio do rio Corubal, de trágicas memórias para as NT, vemdo-se ao fundo a praia fluvia do Cheche, com rampa de acesso, na viagem de regresso a Quebo (Aldeia Formosa) - Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego).
A foto nº 5 mostra a famosa fonte da Colina do Boé, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945. Os vestígios de impacto de balas de armas automáticas são mais do que óbvios.
O Xivo Allen |
Esta famosa fonte da Colina do Boé é um sítio onde se concentra(va) alguma população civil da escassa que há (havia) nesta região semidesértica, e a única da Guiné que é, de resto, acidentada (com cotas que sejam quase aos 300 metros).
Fotos (e legendas): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]
1. O Xico Allen (ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566, "Os Metralhas", Empada, 1972/74, foto à direita), é um dos primeiros membros da Tabanca Grande, registados em 2006, tal como o Albano Costa, foi um dos primeiros camaradas a voltar á Guiné, depois da independência. E nos últimos anos chegou lá mesmo a lá viver.
De acordo com as memórias da Zélia Allen, também nossa tabanqueira, o casal Allen visitou a Guiné do pós-guerra, em abril de 1992, mais um outro casal, o Artur Ribeiro e a esposa. Voltaram em 1994, desta vez foram 3 casais e conseguiram ir a Empada, onde o Xico tinha feito a sua comissão. Uma terceira viagem ocorreu em 1996 e uma quarta em 1998.
E prossegue a ex-esposa do Xico, a Zélia Neno:
(...)"No sábado regressámos a Bissau(...). No domingo à noite, com a chegada do avião,iria juntar-se a nós um grupo de 10 pessoas, 7 deles ex-combatentes, na sua 1ª romagem de saudade que, como todos os outros era a concretização de um sonho, sendo um deles o Sr. Casimiro, aqui do Porto, que se fez acompanhar pelo seu jovem genro, o Carlos, e outros seus amigos e companheiros de guerra, tendo então eu a oportunidade de conhecer o Sr.Armindo, de Moreira de Cónegos, o Sr. Camilo, do Algarve, o Sr. Pauleri, de Vizela, o Sr.Amílcar, aqui de Gaia, único que levou a esposa sendo assim eu beneficiada pois tive companheira para o resto da estadia e dos restantes lamentavelmente não me recordo dos nomes.
"O que não esquecerei nunca, foi poder ver a alegria misturada com a emoção, quando chegámos a Jumbembem, local bem conhecido deles, pois mais não me pareciam do que crianças irrequietas em pleno Portugal dos Pequeninos, tentando ver todo o canto e recanto onde viveram outrora." (...).
Guiné > Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 6 de fevereiro de 1969 > A famigerada jangada que servia para transporte de tropas e material, numa das últimas travessias, aquando da retirada de Madina do Boé. Foi neste pedaço de rio que pereceram 46 militares e um civil.
A foto, histórica, é do comandante da Op Mabecos Bravios, o então cor inf Hélio [Augusto Esteves ] Felgas (1920-2008). Reproduzida com a devida vénia de Camões - Revista de Letras e Culturas Lusófonas, n.º 5, abril-junho 1969, pág. 15 (publicação editada pelo Instituto Camões; o n.º 5, temático, foi dedicado ao "25 de Abril, revolução dos cravos).
2. Julgo que, para a Zélia, aquela, a de 1998, foi a sua última viagem à Guiné, mas não para o Xico, que continuou a lá ir rgulamente. As fotos que hoje republicamos, em formato "extra large", são dessa viagem de 1998, em que o Xico, a Zélia, o Camilo e outros camaradas e amigos, que foram até à região do Boé, a partir de Quebo, no sul, seguindo a estrada junto à fronteira. Estiveram em Boé, não sei se chegaram a ir a Beli, e seguiram depois pela antiga picada que, indo por Cheche e Canjadude, ia dar a Gabu (Nova Lamego)...
Xico Allen (Vila Nova de Gaia) |
Na altura, o Xico ainda não era nosso tertuliano (ou tabanqueiro), alegadamente por não ter endereço de email... Mas creio que já estava reformado da atividade bancária. Aliás, em conhecia-o, pessoalmente, a ele, ao Albano Costa , ao Hugo Costa e ao Zé Teixeira, em 31/12/2005, na Madalena, Vila Nova de Gaia, quando me fizeram
uma visita de surpresa, na casa dos meus cunhados onde passei o Natal e o Ano Novo.
Albano Costa (Matosinhos) |
Fonte: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2018).
3. Comentário do editor LG:
A independência unilateral da Guiné-Bissau foi declarada em 24/9/1973, não em Madina do Boé (como fez crer a propaganda do PAIGC durante muitos anos...), mas na região fronteiriça, a leste, alegadamente em Orre Fello, perto de Lugajole, mas já em território da Guiné-Conacri. Por razões óbvias de segurança... Foi uma das maiores operações de propaganda (e de ofensiva diplomática), a nível interno e externo, dirigidas pelo PAIGC, já órfão do seu líder histórico, Amílcar Cabral.
Sobre o desastre do Cheche [, o toponómimo correto é Ché-Ché, mas todos dizemos e escrevemos... Cheche], vd aqui.
E a propósito, apraz-me dizer, aqui, aos meus amigos e camaradas da Guiné, que há umas semanas atrás, apareceu-me agora, ao telefone, o Diniz, o ex-alf mil José Luís Dumas Diniz (, da CART 2338), responsável pela segurança da coluna da retirada de Madina do Boé, a fatídica coluna que teve o trágico acidente, na travessia de jangada, no Rio Corubal, em Cheche, em 6 de fevereiro de 1969 (. Eu já estava mobilizado para a Guiné mas lembro-me da comoção que me provocou a notícia, que foi título de caixa alta nos jornais de Lisboa)...
O Diniz foi julgado, creio, em tribunal militar, e foi absolvido... O próprio Spínola terá sido uma das testemunhas de defesa... Era preciso um "bode expiatório", o elo mais fraco da cadeia hierárquica... Ele quer dar-me/nos a versão dele... Vou combinar um almoço com ele... Ele chegou até nós através do Fernando Calado, nosso grã-tabanqueiro, outro camarada e amigo desse tempo (Bambadinca, CCS/BCAÇ 2852, 1968/70)...
Notas do editor:
(*) Vd. poste de 10 de julho de 2013 > Guiné 63/74 - P11822: Álbum fotográfico do Xico Allen: região do Boé, 1998: trágicos vestígios 'arqueológicos' da guerra colonial, entretanto já destruídos ou desaparecidos...
(**) Último poste da série > 6 de março de 2018 > Guiné 61/74 - P18386: Memória dos lugares (375): Lourinhã, Zambujeira e Serra do Calvo: monumento aos combatentes do Ultramar
quarta-feira, 10 de julho de 2013
Guiné 63/74 - P11822: Álbum fotográfico do Xico Allen: região do Boé, 1998: trágicos vestígios 'arqueológicos' da guerra colonial, entretanto já destruídos ou desaparecidos...
Guiné-Bissau> Picada de Cheche - Gabu > 1998 > Restos de viaturas das NT abandonadas... [Julgo que entretanto, nestes últimos anos, foram retirados ou destruídos todos estes vestígios "arqueológicos" da guerra colonial. L.G.]
Guiné-Bissau> Picada de Cheche-Gabu > 1998 >. Trinta anos depois da retirada de Madina do Boé (em 6 de fevereiro de 1969) ainda continuavam vísiveis os sinais das emboscadas e das minas...
Guiné-Bissau> Região do Boé > Rio Corubal > Cheche > 1998 > Praia fluvial com rampa de acesso. Foto tirada a meio do rio, na viagem de Quebo (Aldeia Formosa) - Boé - Cheche- Gabu (Nova Lamego).
Guiné-Bissau> Madina do Boé > 1998 > A famosa fonte da Colina do Boé, com ornamentação de azulejo português, pintado à mão, de 1945. Parece(ia) haver vestígios de impacto de balas de armas automáticas (?).
Guiné-Bissau> Madina do Boé > 1998 > A famosa fonte da Colina do Boé é um sítio onde se concentra(va) alguma população civil da escassa que há (havia) nesta região semidesértica, e a única da Guiné que é acidentada (com cotas que sejam quase aos 300 metros).
Guiné-Bissau> Picada Madina do Boé- Cheche - Gabu > 1998 > Fantasmas da guerra colonial que, de tempos a tempos, perturba(va)m a paisagem e o viajante... Mais uma viatura dos tugas abandonada à beira da picada...
Guiné-Bissau> Picada Cheche-Gabu > 1998 > Mais trágicas memórias da guerra...
Fotos (e legendas): © Francisco Allen / Albano M. Costa (2006). Todos os direitos reservados [Edição e kegendagem complementar: L.G.,]
1. O Xico Allen [ex-1.º cabo at inf, CCAÇ 3566 - Os Metralhas, Empada, 1972/74, foto à direita], nosso tabanqueiro desde 2006, foi um dos primeiros camaradas a voltar á Guiné, depois da independência. E nos últimos anos chegou mesmo a lá viver. De acordo com as memórias da Zélia Allen, também nossa tabanqueira, o casal Allen visitou a Guiné do pós-guerra, em abril de 1992, eles os dois mais um outro casal, o Artur Ribeiro e a esposa.
"Em Maio de 98, só os dois lá fomos e como costume, super carregados de roupas, brinquedos, medicamentos e alguns comestíveis, tudo para por lá distribuir. Xico sempre se zangava comigo na hora da partida pois parecia que eu desconhecia que de avião cada passageiro só pode levar 30 kgs de bagagem a não ser que pague o excesso. Mas eu, confiando sempre na minha boa estrela, deixava-o resmungar pois logo se veria, já que pagar é que não fazia parte dos nossos planos. Chegados ao balcão do chek-in e pesadas as malas, o peso total atingia quase 130 kgs. Que fazer?
"Lá chegados, passamos uns 2 dias em Bissau e num jipe alugado viajámos para o interior, tendo como destino Empada, onde estivemos 2 dias. Aí sim, a experiência foi única até hoje, pois dormimos, comemos e tomamos alguns banhos na tabanca, onde luz só a da lua, das estrelas e da nossa lanterna pois desde a saída da tropa portuguesa não mais houve energia assim como outros bens essenciais, desde material escolar, medicamentos e alimentação. Os banhos, se assim se podem chamar, eram feitos despejando cabaceiras cheias de água retirada de um poço que gentilmente algumas mulheres nos iam entregando, fazendo-os passar por cima de um cercado e que funcionava como banheiro e não só...
(...)"No sábado regressámos a Bissau, onde outra grande aventura nos aguardava mas é demasiado longa assim como tantas outras para as inserir aqui, regresso esse devido a que no domingo à noite, com a chegada do avião,iria juntar-se a nós um grupo de 10 pessoas, 7 deles ex-combatentes, na sua 1ª romagem de saudade, que como todos os outros era a concretização de um sonho, sendo um deles o Sr. Casimiro, aqui do Porto, que se fez acompanhar pelo seu jovem genro, o Carlos, e outros seus amigos e companheiros de guerra, tendo então eu a oportunidade de conhecer o Sr.Armindo, de Moreira de Cónegos, o Sr. Camilo, do Algarve, o Sr. Pauleri, de Vizela, o Sr.Amílcar, aqui de Gaia, único que levou a esposa sendo assim eu beneficiada pois tive companheira para o resto da estadia e dos restantes lamentavelmente não me recordo dos nomes.
"O que não esquecerei nunca, foi poder ver a alegria misturada com a emoção, quando chegámos a Jumbembem, local bem conhecido deles, pois mais não me pareciam do que crianças irrequietas em pleno Portugal dos Pequeninos, tentando ver todo o canto e recanto onde viveram outrora." (...)
Julgo que para a Zélia aquela, a de 1998, foi a sua última viagem à Guiné, mas não para o Xico, que continuou a lá ir rgulamente. As fotos que hoje republicamos, em formato "extra large", são dessa viagem de 1998, em que o Xico, o Camilo e outros camaradas foram até à região do Boé, a partir de Quebo, no sul, seguindo a estrada junto à fronteira. Estiveram em Boé, não sei se chegaram a ir a Beli, e seguiram depois pela antiga picada que, indo por Cheche e Canjadude, ia dar a Gabu (Nova Lamego)... Fizeram, por isso, o mesmo percurso das NT, Fevereiro, no âmbito da Op Mabecos Bravios (1-7 de fevereiro de 1969), ou seja a picada Madina do Boé-Cheche-Canjadude-Gabu. Estas fotos do Xico Allen têm um enorme interesse documental (tal como as fotos do álbum do Manuel Coelho, ex-fur mil trms da CCAÇ 1589 / BCAÇ 1894, Nova Lamego e Madina do Boé, 1966/68), embora já tivessem sido publicadas, em formato reduzido, na I Série do nosso blogue, em 6/2/2006, no poste 500 (*).
Na altura, o Xico ainda não era nosso tertuliano (ou tabanqueiro), alegadamente por não ter endereço de email... Mas creio que já estava reformada da atividade bancária. Aliás, em conhecia-o, pessoalmente, a ele, ao Albano Costa , ao Hugo Costa e ao Zé Teixeira, em 31/12/2005, na Madalena... Foi o Albano Costa que, nesta transação, serviu de intermediário: Teor da mensagem do Albano:
"Estas fotos são do arquivo do Francisco Allen: ainda hoje estive com ele, fica contente em saber que são úteis, as fotos. Um abraço, Albano Costa".
Guiné > Carta da província > 1961 > Escala 1/500 mil > Pormenor da região do Boé > .Pormenor do Gabu (Região de Gabu), passando pela antiga Madina do Boé, Cheche e Canjadude. A independêmcia unilateral da Guiné-Bissau foi declarada em 24/9/1973, não em Madina do Boé (como se fez crer durante muitos anos), mas na região fronteiriça, a leste, alegadamente em Orre Fello, perto de Lugajole, mas já em território da Guiné-Conacri. Por razões óbvias de segurança... Foi uma das maiores operações de propaganda, a nível interno e externo, do PAIGC na época.
O antigo aquartelamento de Madina do Boé foi retirado em 6/2/1969 (Op Mabecos Bravios). O destacamento de Beli já sido retirado uns tempos antes, em 1968. Com retirada de Beli, Madina do Boé e Cheche, o aquartelamento mais a sul, de Gabu, que nos restou foi o de Canjadude (guarnecido pela CCAÇ 5, onde esteve o nosso camarada e colaborador permanente José Martins, em 1968/70).
Foi também nesta região (desertificada) do Boé, "região libertada" (segundo a terminologia do PAIGC) que foram executados (por fuzilamento) uma boa parte das quase duas centenas de militantes e dirigentes do PAIGC acusados e condenados à morte pelo seu alegado envolvimento na conspiração e assassínio de Amílcar Cabral (em 22/1/1973). Todas as provas do seu julgamento, feito em Conacri, desapareceram.
Infografia: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2013).
Guiné-Bissau > Região do Cacheu > Ingoré > 1998 > Uma foto que correu mundo... ou que , pelo menos, já deu a volta à Tabanca Grande... A legenda é do Albano (Costa): “Esta foto vale pela imagem, e os brancos em África converteram-se? Não é que ficaram a ver a Zélia a puxar o burro, mulher de armas!"... O Albano fez questão de me mandar esta e outras fotos da viagem do Xico e da Zélia, em 1998, com o seguinte recado: "... para ilustrares o que entenderes, com a devida autorização da Zélia" (sic).
Foto: © Francisco Allen / Zélia Neno (2006). Todos os direitos reservados.
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(*) Vd. I Série, poste de 6 de fevereiro de 2006 > Guiné 63/74 - D: Madina do Boé, 37 anos depois
sábado, 23 de setembro de 2006
Guiné 63/74 - P1106: A ubiquidade dos nossos mortos (Zélia)
Foto: © Francisco Allen & Zélia Neno (2006)
Texto da nossa amiga Zélia Neno, ex-companheira do Xico Allen (1).
Olá, Luís
Com certeza admirado por este meu reaparecimento, após alguns meses de silêncio, julgo que desde aquela noite de cavaqueira em casa dos teus cunhados, [na Madalena, Vila Nova de Gaia,]com o Albano. Os motivos julgam que serão já do teu conhecimento. Contudo e apesar de, continuo a acompanhar a evolução do blogue e as estórias que lá vão sendo contadas quase diariamente e só posso dar-te uns enormes parabéns, pois sabendo como é atribulada a tua vida profissional ainda consegues ter tempo e disposição para manter em dia esta enorme obra.
Se hoje decidi escrever foi devido ao assunto que despertou alguns tertulianos, ou seja, a reportagem transmitida pela RTP1, 3ª feira, dia 19, e que ficou aquém das minhas expectativas mas que compreendo pois é um assunto delicado e de certo ainda magoa os corações de muitos familiares de todos aqueles jovens que lá longe e a troco de Nada foram roubados à Vida.
Como se isso não bastasse, os inicialmente mortos, por lá tiveram que ficar depositados num pedaço de chão ao qual nenhuma afinidade tinha pois aquela não era a sua terra embora fosse então seu país. Quanto às famílias tiveram que os velar e chorar à distância e na ausência da sua presença, mesmo que numa tumba, mantêm a incerteza de como e onde estarão seus restos mortais.
Mas se a grande parte desses mortos foi isso que aconteceu, casos houve que julgo serem mais gravosos e até cruéis, de militares mortos e enterrados em dois lados, ou seja, lá e cá. Como é isso possível se pela lei da física o mesmo corpo ou objecto não pode ocupar dois espaços simultaneamente?
Em 1998, eu, o Xico e quem nos acompanhou numa visita ao cemitério militar português em Bissau, encontrámos (e fotografámos) duas sepulturas onde, segundo informação convicta do coveiro local, estão inscritos os nomes e mesmo sepultados os corpos de dois jovens aqui do norte (zona do Marão) e em cujos cemitérios da sua terra natal têm dupla residência, sabendo-se que na ocasião tiveram um funeral tradicional e ainda hoje os familiares devotam atenção e carinho àqueles quatro palmos de terra. Mas afinal o que estará debaixo deles?
À data, este facto não foi transmitido a nenhum familiar pois iria causar um impacto inquietante – hoje não sei se entretanto lhes chegou ao conhecimento. Na época e na sequência de um filme produzido e passado pela SIC, seu nome Monsanto [ , realizado em 2000 por Ruy Guerra], cujo enredo era baseado no stress do pós guerra vivido pelo protagonista, enviei para lá uma apreciação sobre o dito filme e no contexto do assunto falava da triste constatação que havíamos verificado e posteriormente agravada quando, numa ida a Lisboa, o Xico verificou que no Memorial aos Combatentes do Ultramar em Belém não estavam mencionados os nomes daqueles militares, mortos em defesa duma pátria que concedeu a cada um deles duas sepulturas mas nenhum destaque no monumento que foi construído em seu louvor – terá sido ironia do destino?....
Perante estes dois casos de dupla sepultura que casualmente vi que existem, julgo que devem existir mais nestas circunstâncias entre as centenas que por lá ficaram, sem direito a um trato condigno mesmo que seja na morte, porque, como se viu na reportagem, a maioria dos cemitérios estão degradados pelo abandono. Mas para além do respeito devido aos mortos também se deve pensar nos vivos, no sofrimento que pode ser provocado aos familiares se algo de anormal se verificar quando do levantamento dos restos mortais para a transladação, pois além de só por teste de ADN, nenhuma garantia têm de que o ainda restante em qualquer uma daquelas covas corresponde ao nome inscrito nas mísera lápide assente sobre ela pois não nos esqueçamos que ali foram enterrados sob um cenário de guerra e a turbulência que tal implicava.
Não é pessimismo. É que na década de sessenta, início da guerra, era eu ainda menina e ouvia ler cartas que chegavam de Angola, escritas por quem vivia em pleno seio da rebelião e em frente a um cemitério onde os enterros eram constantes, realizados de qualquer forma e feitio, e nunca esqueci o relato de um que se efectuava quando houve um ataque, provocando a debandada geral, inclusive de quem transportava o caixão, deixando-o cair ao chão permitindo ver que o seu conteúdo não era um corpo mas sim... pedras. Isto porque corpos apanhados por minas davam muito trabalho a resgatar e o tempo era de guerra!
A todos que morreram, enterrados cá ou lá, com ou sem as devidas exéquias fúnebres, honremos a sua Memória.
Paz às suas almas.
Luís até um qualquer dia.
Um xicoração.
ZÉLIA
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Nota de L.G.:
(1) Vd. post de 1 de Março de 2006 > Guiné 63/74 - DXCVI: A viagem do Xico e da Zélia em 1998