sábado, 17 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10688: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (29): Colégio de Oliveira de Azeméis (2) Parte II (1)

1. Em mensagem do dia 13 de Novembro de 2012, o nosso camarada Belmiro Tavares (ex-Alf Mil, CCAÇ 675, Quinhamel, Binta e Farim, 1964/66), enviou-nos a segunda parte das suas aventuras no Colégio de Oliveira de Azeméis que vai ser dividida em dois postes:


HISTÓRIAS E MEMÓRIAS DE BELMIRO TAVARES (29) 

Colégio de Oliveira de Azeméis C.O.A.

Parte II (1)

Nas páginas anteriores narrei, de forma aligeirada e certamente muito incompleta, as regras gerais do colégio e o quotidiano fastidioso e severo dum aluno interno. Nesta segunda parte, vou contar alguns acontecimentos mais ou menos cómicos, um tanto jocosos e outros um tanto ou quanto funestos, fruto da imaginação individual ou, por vezes, coletiva. Além da ideia era absolutamente necessário também, uma boa dose de astúcia e cautela – além da sorte que faz sempre parte do jogo – para não sermos surpreendidos com o pé em falso e, em consequência, rigorosamente repreendidos ou mesmo (na maioria dos casos) severamente zurzidos.

Era proibido falar com as moças; para namorar, como algumas vezes acontecia, era imperioso ser redobradamente cauteloso, arrojado, ousado mesmo. Em primeiro lugar era fundamental ter um “bom correio”, ou como dizem lá no reino de sua Majestade, um “gobetween” seguro, astucioso, sem receio, mas muito calculista; qualquer deslize seria tremendamente desastroso para os três intervenientes. Eu fui “correio” das manas Manuela e Helena Cruz e elas casaram respetivamente com o Reis Ferreira e com o Alberto Miller, graças, claro, (como convém!) – ao bom desempenho do “correio”. Creio que foram muitos felizes; não sei se tiveram… muitos meninos.

A diretora soube – certamente só desconfiou ou talvez nem isso – que o Miller e a Helena namoravam. Num dia em que estava de boa catadura, ela comentou:
- o Miller tenta levar a Cruz ao calvário.

Algum santo teria caído do altar para ela fazer tal comentário, nada comum naquela senhora. Para passar por bom aluno perante a Srª Dª Maria Adília era absolutamente necessário saber usar devidamente a escova, a graxa e o pano, bajular, ser sabujo e… saber também umas tretas. Os seus castigos corporais eram quase cómicos; ela pegava na régua de desenho, segurava na mão do visado e começava a bater em “alta rotação” – mal afastava a régua da mão; uns fingiam que lhes doía imenso, e ela ficava contente… porque teria castigado severamente o prevaricador; outros deixavam que ela batesse à sua vontade sem manifestar qualquer sofrimento porque na verdade, o castigo era inofensivo. Ela não gostava e comentava:
- “Cara de pau! E não chora!”

Com a Dª Maria Adília eu passei por várias fases… muitos altos e baixos. No 1º ano o nosso relacionamento foi excelente; nos muitos fins-de-semana que passei no colégio, ela até me convidava a acompanhá-la no carro até ao parque de La Salette e levava a merenda para os filhos, e também, para mim… para eu tomar conta dos seus descendentes, Tozé e Betinho; Colaborei nas festas de S. João e noutras celebrações. No 2º ano caí em desgraça, logo no início do ano, porque troquei o tempo de um verbo: “os homens olharam”; eu respondi que era o pretérito mais que perfeito… mas era o pretérito perfeito; porém a forma até era igual. Ela logo informou o Dr. Mota (professor de português) que eu não sabia os verbos na nossa língua – “como poderá sabê-los em francês?” perguntava ela, escandalizada. Até parecia que para aprender francês, era imperioso saber português – coitados dos jovens franceses! Teriam de aprender português para de seguida entrar na sua língua!

O velho Mota organizou logo uma sabatina ou recapitulação de verbos; a turma foi dividida em três equipas: Benfica, Sporting e Porto. As moças formavam a equipa do Porto, pois não podia haver misturas de sexos; os rapazes encaixaram-se nas equipes do Benfica e do Sporting mais ou menos de acordo com a predileção de cada um. O professor chamava dois alunos (um de cada grupo) para junto da secretária; escolhia um verbo e perguntava alternadamente os vários tempos a cada aluno; quem errasse uma resposta era impiedosamente eliminado. A finalíssima, depois de várias horas a eliminar, foi disputada por uma tal Glória Mendes (fez o 2º ano e saiu do Colégio) e este vosso cronista. Foi duro, demorado! O Dr. Mota, depois de inúmeras perguntas, sobre os mais variados verbos que ele ia escolhendo, sugeriu que a Glória selecionasse um verbo e perguntássemos os diversos tempos um ao outro. Como nenhum falhou, eu fui incumbido de escolher um verbo e que mandássemos “cantar” os vários tempos. Eu escolhi o verbo remir (o tal de que se falou na primeira parte desta crónica); ela não soube conjugar o presente do indicativo. Eu fui o campeão! A minha grande vitória académica! Um osso cravado na garganta da Dª Adília!

O Dr. Mota, eufórico, encheu o peito de ar e foi informar a diretora que afinal “O Belmiro sabe bem os verbos em português; se os não sabe em francês… isso são contas de outro rosário!” A Dª Adília, porém, continuou a “molestar-me” severamente durante o 2º ano. Ela era também professora de desenho; sempre que eu lhe mostrava uma folha (1/4 de papel cavalinho) com uns rabiscos “bem-feitos” por mim ela não comentava se estava bem ou mal: rasgava e metia no lixo! Assim se perderam algumas verdadeiras “obras de arte”! Eu deixei de lhe mostrar os meus caros desenhos artísticos; arquivava-os para memória futura!

Aos Domingos, ela dava, principalmente à tarde, umas aulas de desenho e/ou francês aos alunos internos e a alguns externos que moravam na vila e eram “ convidados” a comparecer no colégio. Um belo domingo à tarde, ela pretendia deslocar-se a São Martinho da Gândara para ali assistir a um qualquer evento para o qual ela havia sido convidada, antes de partir decidiu que ficaríamos a fazer desenhos, até à hora de jantar; sugeriu que eu tomasse conta do grupo. Entendi que era o momento ideal para lhe mostrar um dos meus desenhos deliberadamente arquivado antes. Foi a primeira e única vez que ela declarou que o meu desenho estava bom e que pintasse. Não tive a mesma sorte com a pintura… e mais uma “obra-prima” foi parar ao caixote do lixo. A Srª Diretora impunha regras rígidas, imutáveis, para a decoração de cada figura geométrica. O hexágono, figura que nos saiu na rifa, no exame, devia ser “rigorosamente” decorado com uma “irradiação” de malmequeres a partir do centro em direção a cada vértice.

Eu fiz exame no Liceu de Aveiro; a maior parte dos alunos foram para o Porto. À saída da sala, lá estava a diretora, perguntando como cada aluno tinha decorado o hexágono; quando chegou a minha vez, eu respondi que havia decorado aquela figura geométrica com uma simetria; ela quase desmaiou! Mas eu consegui a nota de 13 naquela disciplina, nota melhor que a de alguns alunos que ela considerava de “bons artistas” – os bajuladores.

No meu 4º ano, foi nossa professora de francês durante umas semanas. Logo na 1ª aula, ela ordenou que decorássemos um texto – La Laictière et le pot au lait - . Eu apenas decorei cerca de uma dúzia de linhas… e fui um herói… na sua opinião, claro; os outros nem tentaram decorar uma linha sequer. Assim se iniciou uma grande reviravolta no nosso relacionamento.

No ano seguinte, ela era nossa professora de Geografia de Portugal; impunha para começar, que os alunos papagueassem as fronteiras terrestres de Portugal – a Norte e a Este - sem olhar para o mapa; era “apenas” página e meia do compêndio que tínhamos de memorizar. Geografia sem mapa… nem ao diabo lembra!

Num domingo em que pretendíamos ir ao futebol, ela decidiu dar uma aula de Geografia, pouco depois do almoço. Ela argumentava que, como deixara de ir não sei onde, não podia prescindir de dar a aula. Nesta época (ela e eu) já éramos bons amigos. Sugeri aos colegas que não levantassem ondas e eu trataria do resto. Antes de ela entrar na sala, eu “preparei o terreno”: Pendurei um mapa de Portugal, na parede, do lado direito da professora; - Fiquei junto da secretária, mesmo depois de ela entrar.

Quando ela apareceu, eu permaneci no estrado; ela perguntou se eu queria ser interrogado sobre as fronteiras de Portugal; respondi afirmativamente. Ela mandou-me “cantar” a fronteira terrestre do nosso belo e querido País. Colocado ao seu lado esquerdo e ligeiramente atrás dela, eu via perfeitamente o mapa e assim pude simular que havia encaixado na minha cabeça aquele imenso texto. Estava em causa uma ida ao futebol. Conseguimos convencê-la que todos tínhamos aproveitado ao máximo aquela aula e lá fomos apoiar o U.D.O. Assim melhorei o nosso relacionamento.

Fui encarregado de preparar uns textos, em francês, para descrever o conteúdo (pintura) de uns quadros que eram mostrados aos alunos durante o exame num dos liceus do Porto. Ela não sabia a tradução de “serpette”! Eu informei que era uma espécie de faca curva, usada na vindima. O meu astral estava em alta. Assim continuei até sair para Coimbra.

Durante o meu primeiro ano na Universidade, eu acompanhei a Académica a muitos estádios de norte a sul do País; sempre que ia ao norte eu almoçava e/ou jantava no Colégio e até dormi lá algumas vezes – tinha livre-trânsito. De seguida o diretor dava-me boleia até ao Porto quando ele ia ver o seu clube jogar; dali eu seguia o meu caminho.


Nota negativa na disciplina de Religião e Moral

“In illo tempore” – no tempo em que isto aconteceu, o padre Joaquim era professor daquela disciplina que então era uma cadeira obrigatória – só não fazia parte do exame. O padre nunca nos falou de moral (talvez porque não tinha a suficiente); falava apenas de religião.

Estávamos no 5º ano; o padre entrou na sala (ficava quase em frente à secretaria e dava para o terraço junto ao quintal) e depois de ligeiras considerações perguntou a um aluno:
- Qual é a parte mais importante da Missa?

O aluno terá respondido “comunhão”! O padre, sem manifestar a sua opinião quanto à veracidade daquela resposta, pediu a opinião a outros alunos; cada um ia dando uma resposta diferente, supondo que as anteriores estavam erradas. Depois de ouvir várias respostas, todas desiguais, chegou a minha vez. Eu estava sentado na última carteira, ao lado do Arlindo, um rapaz natural de Escariz, lá para os lados de Arouca. Chamávamos-lhe “tetra quintanista” porque só à quarta tentativa concluiu o 5º ano. A minha resposta foi clara e “pouco” eficiente:
- “Ite! Missa est! (ide! A Missa acabou!)

Seria aquilo que gostosamente apelidávamos de “o santo sacrifício da saída”. O Arlindo acrescentou, sem delongas:
- Deo Gratias! (Graças a Deus!)

Poderia até parecer que tínhamos combinado as respostas, mas a ação não foi concertada – juro! O Escariz e eu tivemos nota 9 a Religião e Moral; se tivéssemos negativa a outra disciplina… correspondia a “chumbo”. Terá sido talvez a única vez que um aluno (dois neste caso) teve negativa a Religião e Moral.

Naquele tempo as notas variavam de zero a vinte; longe do que veio a acontecer nos tempos revolucionários em que as notas passaram a ser de um a dez e de um a cinco, (o aluno não podia ter zero); o caso mais cómico, mais aberrante aconteceu na Faculdade de Letras de Lisboa em que, na última cadeira do curso, as notas eram apenas: “apto” e “não apto”. Estas classificações eram atribuídas pelos outros alunos; a professora – qual rainha de Inglaterra “que reina mas não manda” - tinha o supremo poder decisório de desempatar, se tal acontecesse. Uma rebaldaria!


Confraternização de Ex-alunos

O COA era até uma boa escola… apesar de tudo; cada turma incluía todos os alunos do curso – 40 e até 50 alunos; em geral ouvia-se a mosca que abusivamente invadisse aquele espaço. A 1ª vez que um curso foi dividido em duas turmas (e creio que não aconteceu em todas as disciplinas) foi no meu 5º ano – 1957/58. Mais de 40% dos alunos dum 2º ano dispensaram de oral; noutro 2º ano dispensaram mais 40%.

Nos fins dos anos 50 – os liceus e os colégios estavam superlotados; na época dos exames as salas dos liceus eram já insuficientes para albergar tantos alunos – os do próprio liceu e os dos colégios do distrito. O Ministério da Educação decidiu “promover” doze colégios a nível nacional; os seus alunos passavam a ser examinados “em casa” mas com professores nomeados pelo Liceu. O Colégio de Oliveira fez parte desse número mágico de 12 colégios que seriam os melhores do País.

Em 1972, quarenta e nove ou cinquenta anos após a sua fundação, o COA deixou de funcionar como tal; passou a ser uma extensão do liceu de Aveiro, que tomou de renda as avelhentadas instalações (algumas) da vetusta escola. Os alunos daquele colégio, porém, não o esqueceram. Com certa frequência, (pouca a meu ver), tem havido almoços de confraternização de ex-alunos. Participei nos 5 primeiros; estive presente, também, no que teve lugar a 9 de Junho de 2012, com visita às instalações do ex-colégio e o almoço em Ul, com a presença do filho mais novo dos diretores – José Alberto.

Dois desses almoços realizaram-se em Sever do Vouga; num deles o Sr. Almeida esteve presente. Propus-lhe que numa vinda sua a Lisboa (quando o Colégio passou a liceu, os proprietários mudaram-se para o Algarve) me contactasse e jantaríamos juntos. Assim aconteceu. Durante o repasto falámos quase só do meu tempo passado no colégio. Entre outras confidências, contei-lhe como o padre Joaquim teve a lata de me atribuir uma negativa a religião e moral. E logo a mim! Aleguei em minha defesa que ele “teria pouca moral” pois uns anos mais tarde, casou-se, abandonando a sotaina. O Sr. Almeida informou que com duas negativas – mesmo sendo uma a Religião e Moral – eu reprovaria. Retorqui que só tive nega a essa disciplina. Quando eu lhe transmiti que à pergunta: – qual é a parte mais importante da missa? – Eu respondi que era – ite! Missa est – ele, em voz bem audível (leia-se bastante alta) em toda a sala (todos os clientes puseram os olhos na nossa mesa); ele comentou:
- Estavas a pedir vara! Estavas mesmo!

Adorei! Gostei imenso de ouvir aquelas palavras! Pareceu-me que voltámos uns anos atrás… aos saudosos tempos do colégio… mas afinal já não éramos mestre e aluno… éramos apenas dois bons amigos com uma lauta mesa entre nós.


- O Vinho –

Como atrás foi dito, os alunos internos e os semi-internos podiam beber uns goles (poucos) de vinho às refeições principais. Além dos negócios que a “pinga” proporcionava, havia um castigo – uma semana sem beber – para quem sujasse a toalha, entornando um copo de tinto; já era o melhor para a saúde! A srª diretora alegava que o valor do vinho não servido se destinaria a custear a lavagem da toalha. Eu estava no quinto ano! Cada mesa alojava seis alunos; os meus companheiros de mesa eram divertidos e um tanto barulhentos; discutíamos acaloradamente cada tema. A meio de um almoço o Sr. Diretor entrou na sala e exclamou:
- Que diabo de barulheira é esta?

O perfeito – Manuel Correia, natural de Santo Tirso – levantou-se e, sacudindo a água do capote, lançou o seguinte repto:
- Se o Sr. Almeida calar aquela mesa, eu calarei as outras! (referia-se escandalosamente à minha mesa… mas ele sabia que eu era bem comportado!). Sempre fui! Parece que estávamos a ser os “bons” da fita, mas nós até nem éramos maus… tanto assim; até porque… não há rapazes maus!

Fazia parte daquele grupo o Karl Mickael Eberl, filho de pais alemães e nascido em Angola, na fazenda produtora de café Kenuma Numa, no Pango Aluguem, algures no norte de Angola. Democraticamente (imaginem o que nós já éramos naqueles belos tempos) decidimos que, em cada dia, um de nós declamaria um poema durante o almoço. Eu optei por uma estância d’Os Lusíadas, discurso de Marte no concílio dos deuses (pagãos) da qual, quase no fim, constava como segue: “e dando uma pancada penetrante/ com couto do bastão no sólio puro”; aí eu dei um valente murro na mesa – e continuei: “o céu tremeu” etc.

Com aquela punhada enorme, idêntica à de um deus todo-poderoso (como tinha de ser) entornei apenas seis copos de vinho – não havia mais! Houve galhofa da grossa! De tal modo que a srª Diretora, assustada (digo eu) veio ver o que tinha acontecido. Aleguei que apenas queria dar a ênfase devida ao discurso do deus da guerra (como Marte merecia), mas com todos os meus argumentos não consegui adoçar a sua ira. Ela sentenciou fatalmente:
- Entornaste seis copos de vinho ficas seis semanas sem beber!

Eu argumentei, puxando a brasa à minha sardinha, que tendo sujado, apenas, uma toalha, não poderia ser punido com mais de uma semana. – “Essa punição está a ser aplicada com demasiada severidade! É simplesmente desproporcionada!” Ela defendia que era uma semana por cada copo entornado; e eu alegava que era uma semana “a seco” por cada toalha suja. Apareceu o Sr. Diretor que ajuizou de acordo com a posição que eu defendia,… nem poderia ser de outro modo. Eles andavam frequentemente de candeias às avessas. Como cônjuges não seriam o melhor exemplo para a rapaziada do colégio.


Visita noturna ao internato feminino 

Quando entrei para o colégio, as alunas internas ocupavam um piso de um prédio fronteiro ao recreio dos rapazes, do outro lado da avenida. As “pequenas” tomavam lá as refeições e lá pernoitavam sob o olhar sempre atento, mesmo durante o sono, da Dª Urraca – perdão – Dª Idalina (que a terra lhe seja leve! Nunca me fez mal!). Mas era temida por todos! Ao lado do recreio das “miúdas”, ficava uma casa espaçosa; por trás desta vivenda havia um quintal de área razoável e que fazia face com o “pomar” dos proprietários do Colégio e ao recreio dos rapazes. Um muro com mais de dois metros de altura separava as duas propriedades.

As nossas bolas de futebol, com frequência, “refugiavam-se” nos terrenos da Dª Dores, certamente para evitar levar mais pontapés desajeitados e furiosos dos alunos menos hábeis…, como eu. Imediatamente alguém saltava o muro, apanhava a bola e o jogo continuava. Estas intrusões em terreno alheio enfureciam a proprietária do quintal, mas também o Sr. Almeida que não desejava complicações com a velha vizinha. A dª Dores alegava que nos devolvia as bolas logo que as avistasse no quintal ou no galinheiro… mas a bola fazia-nos falta na hora do jogo e não apenas quando ela fosse alimentar as galinhas. Era uma guerra quase permanente. Podiamos chamar-lhe: batalha sem fim.

Os donos do colégio decidiram comprar aquela propriedade (casa e quintal) à sua estafada proprietária. Ali instalaram o internato feminino, deixando de pagar renda pelo outro edifício. Até à mudança das garotas para as novas instalações, havia uma perfeita a quem chamavam “Dª Urraca”; era uma pessoa difícil, muito complicada, cara de poucos amigos e que não tolerava baldas. Só este ano soube, que o seu verdadeiro nome era Idalina; mas Urraca assentava-lhe… como uma luva! Além do cargo de perfeita (responsável pela disciplina entre as alunas), dava aulas aos miúdos da primária.

Como o número de alunas ia aumentando, a direção contratou outra perfeita, a menina Rosa: talvez mais idosa que a outra (mas era menina, cabelo oxigenado, mais simpática e mais permissiva; gostava que os rapazes conversassem com ela, expondo os seus problemas; facilitava, cautelosamente, alguns contactos com as alunas e até aceitava levar recados – tudo com muito cuidado, respeito total, cautela demasiada… mas tinha de ser assim, convenhamos!

No meio das dificuldades provocadas pela separação exaustiva, total (segundo a vontade da Dª Adília) por sexos, havia no entanto quem conseguisse furar as malhas e até houve vários casamentos. Uns jovens alunos, apesar da vigilância apertada levada a cabo pelos perfeitos dos dois lados, e dos muros que separavam os dois internatos bem como a distância entre eles, combinaram fazer uma visita noturna às instalações habitadas pelas garotas. O planeamento manifestou-se eficiente, tudo estava cabalmente alinhavado e tudo correu como o planeado… até determinada hora.

Parecia tratar-se de uma operação militar (golpe de mão) de grande envergadura e em terreno altamente perigoso… e armadilhado. As moças, como acordado, abriram a porta que dava para o quintal, “correndo” os ferrolhos; a rapaziada entrou no edifício; houve conversa “sussurrada”, para não acordar nem as vigilantes nem as outras alunas que dormiam despreocupadamente no piso acima; houve um pouco de tabaco – q.b. depois pois de quase uma hora de palavreado e como tudo corria sobre rodas, os rapazes, acompanhados pelas amigas, subiram às camaratas para observar ao vivo… como as garotas dormiam; uma acordou e gritou esbaforida:
- Há homens cá dentro!

Todas acordaram e a gritaria tornou-se logo infernal! Muitas das moças refugiaram-se na varanda até não caber mais e cada uma pretendia gritar mais alto que todas as outras. Chovia torrencialmente! A chuva não as perturbava! Pânico! Terror mais que muito! O medo imperava! As moças que facilitaram a entrada misturam-se com as outras, de imediato, alegando certamente, que também se aperceberam que havia homens no interior (havia mesmo, mas desapareceram logo!); todas juravam que não era um sonho!

Os rapazes “assaltantes”, salvo seja, fugiram em direção ao internato dos rapazes, mesmo em frente, e misturaram-se logo com os outros alunos que desciam as escadas velozmente – autêntico atropelo – em socorro das moças frágeis e desprotegidas. Parecia uma passagem de um romance… de cavalaria em que se defendia intransigentemente a honra das damas. O sr. António Almeida e a esposa abriram as janelas de guilhotina, dos seus aposentos, que eram à frente da varanda onde as raparigas, apavoradas gritavam, perguntando ansiosamente às alunas qual o motivo de tal gritaria; era tanta a confusão de gritos que ninguém percebia o que proferiam. Até gaguejavam… em voz altíssima!

O Sr. Almeida pediu a comparência urgente da GNR; os bombeiros foram solicitados mas sem alarme… para não acordar a vizinhança. O Sr. António Almeida compareceu célere, no local do “crime” de caçadeira na mão disposto a mandar para os anjinhos qualquer “assaltante” que por lá se encontrasse (certamente que os viu… mas não sabia que o eram). Naquele tempo dizia-se que os soldados da GNR eram os “desertores da enxada” e acrescentava-se, jocosamente “voltai à ingrícola”! Toda a agente se ria porque eles seriam indelicados, abrutalhados, broncos… e outros epítetos pouco abonatórios.

Os GNR’s, porem, não eram (não foram) tão aparvalhados como se imaginava ou pretendia. Avaliada a situação, aperceberam-se que havia “beatas” no chão e que os fechos haviam sido “corridos”… por dentro; logo concluíram que do interior alguém abriu a porta. Não se tratava portanto de um roubo ou tentativa – teria sido uma investida autorizada. Perante isto, o Sr. Almeida “fechou as portas do circo”; agradeceu a prestimosa (mas incómoda) colaboração da GNR e sugeriu (impôs) que não se falasse mais no assunto. Devemos ter em conta que o Sr. Almeida era (quase) uma autoridade naquela vila. Ordenou que tudo fosse esquecido e… mais ninguém falou daquele famoso assalto, pelo menos às claras, ao internato feminino. Na verdade, as bocas do mundo não mais se abriram. Os intervenientes que se manifestem… ou calem-se para sempre!

Volvidos tantos anos, apesar de tudo, o melhor será continuarem calados(as) para não desenterrar “pecados antigos”. Para que o silêncio fosse total, o Sr. Almeida ameaçou que iria mandar fazer análises às “beatas” e recolher impressões digitais, para identificar os prevaricadores, mas nem sequer mandou recolher as pontas dos cigarros! O que ele pretendia – e conseguiu – era abafar totalmente o caso. Se assim não fosse e se os pais das raparigas se apercebessem do sucedido, o internato feminino seria encerrado… pela falta de alunas! Os pais não perdoariam que as suas filhas estivessem tão expostas… e eles a pagarem.


O Toino

António Rodrigues Figueiredo era natural de São Vicente de Pereira, concelho de Ovar; o pai era proprietário de uma fábrica de curtumes; ele era o irmão mais novo de um outro aluno, Armando Rodrigues Figueiredo. Creio que mais tarde apareceu mais uma irmã. Hoje o Toino é a autêntica cara do pai! O Toino terá feito a 4ª classe no Colégio. Dava a ideia de ser um tanto ríspido, até agressivo, para com os colegas, embora não me recorde de qualquer briga mais dura em que se tivesse envolvido. Se um aluno do 7º ano (para citar, apenas, os mais corpulentos) ao passar pelo Toino lhe tocava inofensivamente com a ponta de um dedo, a reação do puto era sempre a mesma, para qualquer um:
- Parto-te já a cara!

Um dia, na fábrica do pai, o Toino pretendeu ser paraquedista; qual Ícaro dos tempos modernos! Gostava de voar! Arranjou um guarda-chuva, abriu-o e saltou do 1º andar para o solo; tudo funcionou como previsto (não como ele gostaria): o “paraquedas virou-se”; a aceleração foi grande! A velocidade no momento do impacto com o solo seria igual a j t2/2 (se bem me lembro… era assim que aprendíamos na Física). O Toino fraturou apenas uma perna - coisa de pouca monta em comparação com a asneira.

À surrelfa, o Toino quis caçar pardais… à mão, no espaço entre o teto e o telhado do internato. Não se sabe como, o Toino passou por uma espécie de alçapão existente no teto da casa de banho – o pé direito era bastante alto – e movimentou-se sobre as vigas de madeira. Quando se encontrava por cima do vão da escada, a cerca de 6 metros do solo, desequilibrou-se, pisou o teto de gesso fazendo dois avantajados buracos e – grande sorte – ficou encavalitado numa viga e as pernas penduradas, sem ter onde as apoiar. Encontrava-se me situação crítica; se caísse, seria a morte do aventureiro. Apesar do enorme susto, reequilibrou-se, desceu pelo buraco por onde havia subido, assentou os pés no chão, dizendo para com os seus botões: - deste aperto já me safei! Não recordo se foi castigado… ou se ficou só pelo susto – que terá sido enorme.

Muito frequentemente, durante qualquer jogo de pontapé na bola, esta passava sobre o muro, aterrando dentro do galinheiro ou do quintal da Dª Dores. No calor do jogo, o Toino saltou sobre o muro para recuperar a desejada bola; “poisou dentro do galinheiro, sobre uma chapa metálica que dava acesso – imagine-se! – a uma fossa onde convergiam os esgotos não só do galinheiro mas também os provenientes da casa da proprietária! Aquela tampa, ferrugenta e carcomida não aguentou o impacto, e o Toino mergulhou na fossa. Saindo de lá – mal cheiroso! Um cheiro horroroso… pestilento! O Toino vinha de lá todo… “borrado”!

No momento em que saltou do muro para o recreio, o Sr. Almeida passava no local, a caminho do internato masculino, onde também tomava as refeições. Logo que entrou no refeitório, comunicou a má nova ao Armando:
- O teu irmão caiu na fossa da Dª Dores; borrou-se todo; foi tomar banho; logo se vai sujar-se outra vez com a sova que lhe vou dar!

Não recordo se o Sr. Diretor lhe apertou os calos por esta asneira mas… coitado do Toino! Banhar-se nos fétidos excrementos da “velhinha” misturados com os das galinhas… era já castigo demasiado para um jovem aventureiro.

No último almoço de confraternização – 9 de Julho de 2012 – o Toino compareceu. Vítima de acidente, desloca-se em cadeira de rodas. Felizmente soube na véspera que ele ficara paraplégico; mesmo assim fiquei profundamente chocado ao vê-lo naquele estado. Ossos do ofício!


Excursão a Conímbriga – com final feliz 

Quase todos os anos, por altura da Páscoa, havia uma excursão de alunos a um local mais ou menos interessante, previamente escolhido. “Piquenicávamos” ao almoço e ao jantar em locais antecipadamente escolhidos pela direção. Naquele ano, provavelmente no ano letivo de 1958/59, visitámos demoradamente Conímbriga; o professor Santos ia satisfazendo a curiosidade dos alunos do 2º ciclo esclarecendo as dúvidas sobre o que ali víamos.

No regresso, ao cair da noite, jantámos no parque da Curia: pão, croquetes, rissóis, panados, fruta, bebidas… e não sei o que mais; comia-se o suficiente para aguentar o resto da viagem. Na hora da partida informei alguns companheiros de viagem que não se preocupassem com a minha ausência na nossa viatura porque eu “viajaria” num dos autocarros das moças. Todos abriram a boca de espanto por mais esta aventura! É doido! Comentaram alguns.

Escolhi estrategicamente a viatura chefiada por excelente professora de inglês, Dr.ª Maria José Mourão; ela tinha grande consideração por mim porque, no ano anterior, sendo ela minha professora eu fiz uma boa prova oral (prova excelente, digo eu) que me fez subir a média para 14 valores (distinção e não dispensado como consta dos alfarrábio colegiais). No fim da minha oral de inglês, a Dr.ª Maria José Mourão, emocionada, deu-me um abraço em público – coisa rara e nunca vista naqueles tempos – alegando:
- Parabéns! Pois você (para cúmulo, tratou-me por você) acaba de demonstrar o quanto trabalhámos durante o ano! - Naqueles tempos não era comum uma professora tomar uma tal atitude.

Informei a professora que o meu autocarro já havia partido e eu precisava de boleia. Muito amavelmente, como era seu timbre, mandou-me entrar e franqueou-me o lugar vago a seu lado. Conversámos durante uns minutos e apercebendo-se, talvez, da minha intenção, sugeriu que fosse conversar com as meninas, lá atrás. Ela sabia que podia tomar comigo aquela atitude; eu gostava de me divertir, de ultrapassar os limites impostos pela Direção, mas sem desrespeitar quem quer que fosse.

Recordo que alguém alertou que o carro do diretor seguia atrás daquela viatura e que ele poderia aperceber-se que eu seguia misturado com as meninas. Eu ia de pé junto ao último banco! Uma sugeriu, por graça, que eu pusesse um lenço na cabeça, tipo flausina, vestisse um casaco duma aluna, uma jovem altamente patriótica; creio que a aluna se chamava Teresa… talvez Brandão! O casaco apertava-me a cintura mas ficava-me largo no peito… porquê? Perguntei eu; - questões de patriotismo! Esclareci as simpáticas colegas.

Foi uma viagem agradabilíssima, como se pode calcular. O mais complicado foi abandonar aquele autocarro sem que a direção vislumbrasse que eu viajara numa viatura das moças.

(Continua)
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Nota de CV:

Vd. poste anterior da série de 4 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10617: Histórias e memórias de Belmiro Tavares (28): Colégio de Oliveira de Azeméis (Belmiro Tavares)

Guiné 63/74 - P10687: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (41): Poemas da juventude (IV): Desgraçada esperança, Kiev, novembro de 1988... (E tão atual: Vivemos tempos difíceis, tão difíceis que fazem pensar na descrição bíblica dos tempos derradeiros quando o irmão se vira contra o irmão e o filho contra o pai)

1. Comentário do nosso amigo Cherno Baldé, ao poste P10674 (*)

Caros amigos,

Vivemos tempos difíceis, tão difíceis que fazem pensar na descrição bíblica dos tempos derradeiros quando o irmão se vira contra o irmão e o filho contra o pai.

Tenho estado a tentar levar a minha vida normal, apesar dos sobressaltos à volta,  com o seu rasto de medo e de angústia.

Tenho acompanhado diariamente o nosso blogue, inserindo de quando em vez um pequeno comentário a fim de marcar presença.

Mas a minha atenção estava concentrada na leitura do livro com que (vocês) nos premiaram, do Idálio Reis, um testemunho pungente e de altos brados que nos incomoda pela sua franqueza, lealdade e sofrimento.

Também, no ar, sopra um ar insano e maquiavélico que nos quer empurrar para a arena do ódio e da incompreensão, de Guineenses contra Guineenses ou Guineenses contra portugueses, caboverdianos, etc.

Mas, quem acredita em Deus,  também pode e deve acreditar em milagres e pode ser que, depois da tempestade,  venha a bonança pois a esperança é sempre a ultima a morrer. Eu acredito.

Também estou solidário com a sociedade civil e com a plataforma das ONG da Guiné-Bissau, embora pense que deviam assumir uma postura mais neutral e apolítica.

Um grande abraço,

Cherno Baldé

2. Mais um "poema da juventude", escrito pelo Cherno em Kiev, em novembro de 1988 (**)


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Notas do editor:

(*) Vd. poste de  15 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10674: (In)citações (44): Imagens da minha terra, tão bela e tão sofrida (Cherno Baldé)

(**) Último poste da série > 25 de setembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10423: Memórias do Chico, menino e moço (Cherno Baldé) (40): Poemas da juventude (III): Natureza louca (Bissau, 1985)

Guiné 63/74 - P10686: Agenda cultural (236): Lançamento do livro Alpoim Calvão, Honra e Dever, Porto, Salão Nobre do Quartel de Santo Ovídio (antigo Quartel-General), Praça da República, 4ª feira, 28 de novembro, 18h00


Sítio oficial do livro, www. alpoimcalvão.com... Algumas "revelações" feitas no livro são divulgadas neste sítio promocional, como por ex o facto do guineense Amílcar Cabral, de origem caboverdiana,  ser "um surpreendente primo por afinidade" do Alpoim Calvão, transmontano, nascido em Chaves, em 1937, no seio de uma família de militares, e que com a tenríssima idade de um ano emigra para Moçambique, com os pais:

"Sobre o destino previsto para Amílcar Cabral e Sékou Touré no caso de serem capturados [na operação "Mar Verde"], Alpoim Calvão é peremptório: 'Amílcar Cabral destinava-se a ser transportado para Bissau, enquanto Sékou Touré seria entregue ao Front.' Este era o objectivo, mas estavam previstos planos de contingência: 'Havia ordem para neutralizar. E como é que se neutraliza? Ou se prende ou se liquida. A ideia é prender, mas se a pessoa oferecer resistência… o que é que a gente vai fazer, mata não é? É simples, é o que ele [Amílcar Cabral] me faria a mim!'.

"À parte do que poderia ter acontecido se ambos se tivessem encontrado em Conakry, certo é que se isso tivesse ocorrido seriam dois primos por afinidade que estariam frente-a-frente [Doc. 42 – Árvore Genealógica]. A irónica revelação está documentada por estudos genealógicos e deriva da relação de parentesco dos irmãos Manuel Álvares Mendes Calvão – quinto avô de Alpoim Calvão – e Sebastião Manuel Álvares Calvão – sexto avô da mãe das duas filhas de Amílcar Cabral, Maria Helena Ataíde Vilhena Rodrigues, uma engenheira silvicultora, investigadora do Instituto Nacional de Investigação Agrícola, nascida na freguesia da Campanhã, Porto, a 12 de Abril de 1927". (Fonte: Alpoim Calvão > As personagens) (*)



1. Mensagem do nosso leitor Rodrigues Morais, com data de 12 do corrente:


Boa noite,

Posso solicitar-lhes o favor de publicitar no vosso blogue o convite (em anexo) do seguinte evento:
Apresentação, no Porto, do livro Alpoim Calvão - Honra e Dever.


Ficaria grato

Cumprimentos
Rodrigues Morais


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Notas do editor:


Último poste da série > 14 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10670: Agenda cultural (235): Lançamento do livro Dª Berta de Bissau, de José Ceitil, no dia 21, 4ª feira, pelas 18h00, na sede da CPLP, em Lisboa, Rua de São Mamede (ao Caldas), nº 27, com atuação do músico Mamadu Baio, natural de Tabatô (José Ceitil / Hélder Sousa)


(*) Sinopse do livro, de acordo com o sítio oficial:

Título: Alpoim Calvão – Honra e Dever
Autores: Rui Hortelão, Luís Sanches de Baêna, Abel Melo e Sousa (**)
Editora: Caminhos Romanos, Porto
Ano: 2012
Preço: 25 €

"A vida de Alpoim Calvão, o militar mais condecorado da Marinha Portuguesa, é muito mais do que a vida de um homem de armas.  É a vida de um dos principais protagonistas da História de Portugal
das últimas seis décadas.

"A vida de um rapaz que se 
arrebatou por Marx e se encantou pela multiculturalidade de Moçambique. De um jovem patriota que se alistou por convicção e se entregou voluntariamente aos sacrifícios  da guerra no Portugal africano. A vida de um homem que aos 33 anos liderou as forças nacionais na investida a Conakry para libertar presos portugueses. A operação "Mar Verde" (1970), ainda hoje estudada em escolas militares de todo o mundo, continua sem ser oficialmente reconhecida por Portugal. São feitos como este que fazem de Alpoim Calvão o último grande marinheiro do ciclo do Império Português. Mas também que muito contribuíram para que se transformasse num alvo a abater após o 25 de Abril de 1974, uma revolução à qual se recusou a aderir por não lhe ter sido esclarecido o destino a dar às gentes e aos territórios portugueses de África.

"Na vida como no mato, sempre encarou os ataques de frente, avançando por aquilo e aqueles em quem acreditava. Foi assim que se envolveu no 11 de Março de 1975 e que se tornou no líder operacional do MDLP. Se muito disto se conhece já, nunca ele e outros tanto tinham revelado como neste livro.

"E numa vida cheia há ainda tudo o resto, tão ou mais interessante. Os episódios nunca contados da guerra, a irreverência que irritava chefes militares e ministros, os perigos de ser garimpeiro no Brasil, os bastidores do negócio da venda de armas. E mais intimamente, a dor de perder um filho, o talento para a ópera  e o interesse pela arte, a improvável amizade com Otelo Saraiva de Carvalho
e o surpreendente parentesco com Amílcar Cabral, o líder inimigo na Guiné.


"Uma vida única! Uma biografia fundamental para conhecer e compreender a vida portuguesa dos últimos 60 anos".

(**) Sobre o principal autor, Rui Hortelão:

(i) nasceu em 1978, em Lisboa;
(ii) licenciado em Comunicação Social, pelo Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP);
(iii) é jornalista desde 1997;
(iv) foi director-adjunto do Diário de Notícias e subdirector do Correio da Manhã; antes passou pelo Record, 24horas, Focus e foi cronista da Sábado;
(v) como enviado especial, fez a cobertura de visitas de Estado, de dois Jogos Olímpicos, bem como de campeonatos da Europa e do Mundo de futebol;
(vi) foi docente na pós-graduação em Estratégias de Comunicação e Assessoria Mediática, do Instituto Superior de Línguas e Administração (ISLA);
(vii) é co-autor do livro As Estórias Nunca Contadas Pela História – 100 Anos de República (2010).


Guiné 63/74 - P10685: In Memoriam (134): Amália Martins Reimão, enfermeira paraquedista do 3º Curso (1963)... Cumpriu a sua missão nos TO da Guiné e Angola e no HM Força Aérea... Família, amigos e camaradas despedem-se hoje, às 16h30, na igreja de Queijas (Oeiras) e no cemitério de Rio de Mouro (Sintra)


Base Aérea de S. Jacinto, 2007 > III Encontro de Mulheres Boinas Verdes > A partir da esquerda: (?), a Rosa Serra (de branco), a Zulmira André (meio tapada), a Maria Bernardo Vasconcelos (de vermelho e preto), Teresa Lamas, a Maria do Céu Matos Chaves (de amarelo), a Júlia Lemos (camisola florida) e a Amália Reimão (de branco, assinalada com um círculo a verde). Em baixo estão a Giselda e uma camarada mais nova.

Foto e legenda:  Miguel Pessoa (2010)

1. Através da Maria Arminda, o nosso coeditor Carlos Vinhal recebeu a notícia do falecimento, ontem, 16 de novembro, da enf paraquedista Amália Martins Reimão. O seu funeral é hoje, dia 17. O seu corpo encontra-se na Igreja de Queijas [, concelho de Oeiras,] onde será celebrada missa de corpo presente às 16h30, saindo depois para o crematório do cemitério de Rio de Mouro [, concelho de Sintra].

A Amália pertenceu ao 3º Curso de Enfermeiras Paraquedistas (1963).  Prestou serviço nomeadamente nos TO da Guiné e de Angola, bem como no hospital militar da Força Aérea. 

A nossa Tabanca Grande associa-se à dor dos seus familiares, amigos e camaradas. Paz à sua alma.

2. Testemunho da Maria Arminda [, foto de 1967, aos 29 anos, em farda nº 1, com o posto de tenente]:

Conheci a minha colega Amália em 1963, quando ajudei o seu curso. Era uma pessoa alegre, bem disposta e faladora, apanágio das "algarvias" de onde era natural. Estivemos juntas na Guiné, onde o seu trabalho foi como o de todas as camaradas enfermeiras, sempre em prontidão para o que surgisse. A vida separava-nos pontualmente, porque éramos poucas e andávamos sempre a saltitar de um local para o outro. 

Quando passou à disponibilidade,  ainda deu o seu contributo como enfermeira civil no Hospital da Força Aérea. 

Nós, que somos um pequeno grupo no meio de tantos camaradas homens, sentimos muito, sempre que alguma parte. Cada vez mais nos temos que habituar a esta realidade, pois todos nós já começamos a fazer parte de "Uma Velha Guarda". 

Agradeço a todos os comentários aquei colocados e especialmente aos camaradas Luis Graça, Carlos Vinhal e Miguel Pessoa, toda a disponibilidade que nos têm dado na difusão das nossas notícias. Em nome de todas o meu muito obrigado.A Amália, bem merece ser aqui recordada. Que descanse em Paz,(até ao dia em que nos voltaremos a encontrar!..). Mª Arminda
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Nota do editor:

Último poste da série > 15 de novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10675: In memoriam (133): Na morte do 1º. Sargento da Marinha, Augusto Lenine Gonçalves de Abreu, meu primo, meu irmão, meu camarada, que fez uma comissão na Guiné, na LFG Orion, 1966/68 (António Graça de Abreu)


Guiné 63/74 - P10684: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (11): Tese de doutoramento em ciências militares, "O Comando Holístico da Guerra: Wellington, Spínola e Petraeus" (Nuno Lemos Pires, ten cor e prof da Academia Militar)




Página de rosto do sítio Linhas de Wellington, um filme português (2012, 135 '), um épico, com um cartaz de luxo, em exibição nos cinemas, e que o nosso blogue recomenda.... Produção de Paulo Branco; realização de Valeria Sarmiento; argumento de Carlos Saboga; atores/atrizes: Adriano Luz,  Carloto Cotta,  Chiara Mastroianni, John Malkovich, Marcello Urgeghe, Marisa Paredes, Mathieu Amalric,  Melvil Poupaud, Michel Piccoli, Nuno Lopes, Soraia Chaves, Victória Guerra, Vincent Perez (*)


1. Duas mensagem do nosso leitor (e oficial do exército) Nuno Lemos Pires, que de resto nos autoriza a publicar, "com todo o gosto, honra e prazer" [. foto à esquerda, reproduzida coma  devida vénia da Revista Militar, 2006]

(i) De: Nuno Lemos Pires:

Data: 30 de Agosto de 2012 15:05

Assunto: Diário da Guiné


Exmª Sr. Luís Graça

Perdoe-me mandar-lhe este mail para si mas penso que o poderá reencaminhar para o Dr. Beja Santos (de quem não tenho o contacto).

Apresento-me, sou Tenente-coronel de Infantaria e atualmente Professor na Academia Militar.

Estou a a escrever a minha tese de doutroramento intitulada: O Comando Holísitico da Guerra: Wellington, Spínola e Petraeus. Já escrevi os capítulos sobre Wellington e Spínola (quase terminado) encontrado-me agora a escrever sobre Petraeus (Iraque e Afeganistão).

No Capítulo sobre Spínola apenas abordo a Guiné (1968-1973) e o que procuro entender é a forma como civis e militares interagiam, como se estabeleciam estratégias "holísticas" entre as dimensões civis e militares da guerra, entre o desenvolvimento económico e os combates, etc.

Não lhe (vos) quero maçar com detalhes. Mas apenas dizer que, entre os inúmeros textos que utilizei recorri com frequência ao seu Blogue e li intensamente os livros de Beja Santos. Os livros não me são indeferentes, foi o meu pai [, gen Lemos Pires,] que os apresentou e estão sublinhados e comentados por ele. Faltava pouco tempo de vida ao meu pai quando apresentou o último livro de Beja Santos e recordo-me de falar longamente com o meu Pai sobre os livros, sobre a Guiné e... como as cerejas ... falarmos de vivências...

Há poucos dias reli os livros de novo e queria dizer a Beja Santos o quanto as suas reflexões me fazem pensar... embora não o possa refletir muito na escrita da tese, se porventura ler o meu livro "Cartas de Cabul" sobre a minha experiência no Afeganistão, poderá ver o quanto me identifico com o raciocínio, com a filosofia, com o pensar "diferente". Acima de tudo adoro as reflexões e comparações com os livros que lê, as cartas para o Almirante Teixeira da Mota... bom. Um verdadeiro "Concerto de Sabedoria".

Exmº Sr. Luís Graça, pedia-lhe por favor para reencaminhar este mail para Mário Beja Santos. Apenas para que ele saiba o quanto me tocaram as suas obras, o enorme prazer (e orgulho) que o meu pai teve em as apresentar e quão importante são estas "memórias maduras e refletidas" para quem quer entender o nosso passado mas, acima de tudo, o pensar de um homem quando colocado em situações tão difíceis como as que passou. (A título de curiosidade, estive com o meu pai na Guiné entre 1969 e 1971, onde fiz os meus cinco e seis anos de idade...)

Ao vosso blogue os meus parabéns, e por favor continuem porque a memória é um bem precioso!

Os melhores cumprimentos,

Nuno

Nuno Correia Barrento de Lemos Pires
Ten Cor Inf, Professor de Relações Internacionais e História Militar
Academia Militar/ Tel civil (central AM): +351 213186900/ Tel Militar: 412657


(ii) Mensagem de 8 de Novembro de 2012:

Sr. Professor Luís Graça

No próximo dia 5 de Dezembro irei proferir uma palestra intitulada "A participação da Engenharia Militar nas campanhas de África - o caso da Guiné" englobadas no seminário das comemorações dos 200 anos do Regimento de Engenharia 1.

O vosso blogue foi precioso para mim, especialmente na recolha de algumas imagens. Uma vez que consegui importantes informações na Direcção de Engenharia, os dados estatísticos aí levantados, mais as vossas imagens, darão "cor" ao Power point que irei, se me autorizar, apresentar.

Li as vossas instruções sobre o uso de imagens e desde já me comprometo, além de estar a pedir autorização, a divulgar a fonte.

Aguardo a autorização, os melhores cumprimentos,

Nuno Lemos Pires

2. Comentário de L.G.:

Nuno:

Esteja à vontade para utilizar as nossas imagens e demais materiais, dentro do respeito das nossas "regras bloguísticas"...Dou-lhe os parabéns pela próxima finalização da sua tese de doutoramento. É um período intenso da vida de um académico, também já passei por isso, sei dar o devido valor. Espero que corra tudo bem até ao fim e, uma vez obtido o desejado grau de doutor em ciências militares, fica com as portas abertas da nossa Tabanca Grande para nos honrar com a sua presença e publicar um ou mais textos sobre a Guiné que conheceu, bem como como sobre o nosso comandante António Spínola, cuja abordagem estratégica da guerra e da paz você está a estudar... Obrigado pelas suas palavras simpáticas em relação ao nosso esforço de preservação e divulgação das nossas memórias, individuais e de de grupo, como ex-combatentes na Guiné. As minhas melhores saudações. Luís Graça

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Notas do editor:

Último poste da série > 25 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10568: O nosso blogue como fonte de informação e conhecimento (10): Hoje, no Porto Canal, às 22h00, o Programa Testemunho Directo vai ser dedicado aos ex-combatentes da guerra do Ultramar


( *) Vd. aqui um dos vídeos do filme: Marechal Masséna vs General Wellington


Sinopse

A História

Em 27 de Setembro de 1810, as tropas francesas comandadas pelo marechal Massena, são derrotadas na Serra do Buçaco pelo exército anglo-português do general Wellington.

Apesar da vitória, portugueses e ingleses retiram-se a marchas forçadas diante do inimigo, numericamente superior, com o objectivo de o atrair a Torres Vedras, onde Wellington fez construir linhas fortificadas dificilmente transponíveis.

Simultaneamente, o comando anglo-português organiza a evacuação de todo o território compreendido entre o campo de batalha e as linhas de Torres Vedras, numa gigantesca operação de terra queimada, que tolhe aos franceses toda a possibilidade de aprovisionamento local.

É este o pano de fundo das aventuras de uma plêiade de personagens de todas as condições sociais – soldados e civis; homens, mulheres e crianças; jovens e velhos -, arrancados à rotina quotidiana pela guerra e lançados por montes e vales, entre povoações em ruína, florestas calcinadas, culturas devastadas.

Perseguida encarniçadamente pelos franceses, atormentada por um clima inclemente, a massa dos foragidos continua a avançar cerrando os dentes, simplesmente para salvar a pele, ou com a vontade tenaz de resistir aos invasores e rechaçá-los do país, ou ainda na esperança de tirar partido da desordem reinante para satisfazer os mais baixos instintos.

Todos, quaisquer que sejam o seu carácter e as suas motivações – do jovem tenente idealista Pedro de Alencar, passando pela maliciosa inglesinha Clarissa Warren, ou pelo sombrio traficante Penabranca, até ao vindicativo sargento Francisco Xavier e à exuberante vivandeira Martírio -, convergem por diferentes caminhos para as linhas de Torres, onde o combate final deve decidir do destino de cada um. (...)

Fonte: Reproduzido com a devida vénia, do sítio oficial do filme, Linhas de Wellington

Guiné 63/74 - P10683: Do Ninho D'Águia até África (27): O perfume exótico das filhas do Libanês (Tony Borié)

1. Vigésimo sétimo episódio da narrativa "Do Ninho de D'Águia até África", de autoria do nosso camarada Tony Borié (ex-1.º Cabo Operador Cripto do Cmd Agru 16, Mansoa, 1964/66), iniciada no Poste P10177:


Do Ninho D'Águia até África (27)

O perfume exótico das filhas do Libanês

O Cifra, na qualidade de militar que foi mobilizado pelo governo de Portugal, para ir defender a então “Mãe Pátria” e a “Soberania Portuguesa” além-mar, tal como aprendeu na escola primária da vila a que pertencia a sua aldeia do Ninho d’Aguia, que frequentou por quatro anos, onde o professor lhe explicava, e tinha que fazer uma redacção sobre o tema, que os heróis que se aventuraram por “mares nunca antes navegados”, descobriram aquelas terras selvagens, que “cristianizaram”, viajando numa “casca de noz”, e tinham em mente somente educar e cristianizar, esses povos também selvagens, mas que mais tarde, principalmente depois de frequentar outras escolas de ensino, no estrangeiro, e depois de conviver com outras culturas, verificou que não eram esses os principais objectivos, do reino de Portugal, e veio a saber que essas expedições por “mares nunca antes navegados”, era o investimento de governos e empresas, que entre si, disputavam e queriam dividir diversas zonas do globo, tal como se nada existisse, a não ser a sua vontade, para subjugarem um povo que vivia com as suas leis, e talvez com a sua guerra, ou com a sua paz, mas que só a eles dizia respeito, e tinham uma cultura de milhares de anos, nesses territórios, que estavam localizados em diversas partes do globo, e muito longe da Europa, onde existia o reino de Portugal.

Mas continuando e sem querer cortar o fio à meada, o Cifra desembarcou nesta então província do Ultramar Português, que era a Guiné, não saindo de uma “casca de noz”, que viajava ao sabor do vento, quase sempre com terra à vista, mas de um navio, que viajava no mar alto, a poder de motores a diesel, não transportando padrões em granito, com a cruz de Cristo, arreios, cavalos, espadas e lanças, mas sim auto metralhadoras, lança granadas, aviões que lançavam bombas de napalme e outro material bélico e explosivo, transportado em camiões de seis rodados, a gasóleo e outros combustíveis, não vestido como se fosse um navegador, mas sim vestido de camuflado de combate, (gravura em cima, com a G3 e o capacete de guerra do Setúbal, pois a ele nunca lhe deram um capacete, e ele também nunca o pediu), treinado para um conflito, embora fosse um razoável militar, era um fraco guerreiro, e ainda bem porque a sua missão era ser operador cripto.

Ficou estacionado na vila de Mansoa, passado algum tempo, já conhecia parte da população, pois no seu tempo livre, andava por ali, falava com este e com aquele. Numa dessas ocasiões, passando de fronte da igreja que havia na vila, no seu pensamento recordou a frase que tinha aprendido na escola primária, que era mais ou menos, “cristianizaram esses povos selvagens”, e de facto era verdade, pois logo a seguir à ponte em cimento, sobre o rio Mansoa, a obra mais emblemática da vila era sem dúvida a igreja, foto em baixo. Reparando melhor, a igreja sobressaía das demais casas, algumas até pareciam casebres, podia não haver outras infraestruturas na vila, e a população ser quase toda de outra religião que não a católica, mas igreja havia, não havia Padre, era verdade, mas com a chegada de militares, vinha um capelão, periodicamente da capital da província, e havia missa, pelo menos uma vez por semana, lá nesse aspecto, se não cristianizaram, pelo menos tentaram.

Mansoa > Igreja Católica

Mas passamos adiante. O Cifra até gostava de assistir à missa, gostava de entrar na igreja e gostava do cheiro, não sabia se era ao mofo, se era ao incenso, ou se era do perfume exótico das filhas do Libanês, também gostava de ouvir o Padre, pois não falava de mensagens, de cifra ou de guerra, falava de milagres e algumas outras coisas bonitas e dizia constantemente que Jesus Cristo era muito boa pessoa, e o Cifra até simpatizava com Jesus Cristo e pelas coisas que o Padre dizia, achava mesmo que gostava de o ter conhecido, só não gostava era de o ver com aquela cara de sofrimento, com as mãos e os pés perfurados com pregos, e com a coroa de espinhos na cabeça, fazia-o sofrer também só de pensar nisso. O Padre dizia que ele sofreu e lutou, e como o Cifra também estava numa zona de conflito, onde se sofria e lutava, às vezes colocava a mão na testa e ao redor da cabeça, a ver se tinha também uma coroa de espinhos.

Mas enfim, vamos continuar. Se fosse à semana, quase sempre a missa era ao fim da tarde, quando a temperatura era mais fresca, mas ao domingo era pela manhã, normalmente assistia à missa na companhia do Setúbal e do Curvas, alto refilão, pois o Trinta e Seis, baixo e forte na estatura, e o Mister Hóstia, ajudavam o Padre e andavam sempre ocupados, antes e depois da missa.

O Cifra, foto ao lado na frente da igreja, até recorda uma vez em que o Mister Hóstia lhe pediu o isqueiro para acender as velas, e no final teve que andar à sua procura, a cruzar o altar e ter sempre que se ajoelhar de cada vez que o fazia, pois o Mister Hóstia não lhe dava qualquer atenção, com o seu trabalho de dobrar as toalhas, arrumar o frasco do vinho, que tinha servido para celebrar a missa. Quando levou o frasco do vinho, foi o único momento em que olhou de lado para o Cifra, enfim tentava limpar e arrumar tudo.

No final, já fora da igreja, quando lhe entregou o isqueiro, disse-lhe:
- Fiz de propósito, pedi-te o isqueiro, para depois me procurares, pois sei que não passas um momento sem esse maldito cigarro na boca, e teres de te ajoelhar, por diversas vezes, perante Jesus Cristo, para veres se o respeitas mais, pois tanto tu como o Setúbal e o Curvas, alto e refilão, são umas almas perdidas, durante a santa missa só tinham olhos para as filhas do Libanês.

(Texto, ilustrações e fotos: © Tony Borié (2012). Direitos reservados) 
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 13 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10661: Do Ninho D'Águia até África (26): Raízes de agricultor (Tony Borié)

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10682: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (5): Os cheiros de Lisboa, Parte III: As brumas fadistas de Alfama e Madragoa (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)


Lisboa > Belém > Dezembro de 2007 > Lisboa ao anoitecer, com vista da ponte sobre o Rio Tejo e do Cristo Rei.

Foto: © Luís Graça (2007). Todos os direitos reservados




A. Em 25 de setembro p.p., demos início à publicação desta nova série, Ficou um Palmeirim nas Bolanhas da Guiné, "parte de uma novela escrita em memória do nosso saudoso camarada [Mário] Sasso", da autoria do seu amigo e camarada de armas J. L. Mendes Gomes, ex-alf mil inf da CCAÇ 728 (Cachil, Catió e Bissau, 1964/66) [, foto atual, à direita].

Até à data publicámos 5 postes, de acordo com o "plano da obra" e o material que nos foi enviado. Este, de hoje, é o último texto em carteira que temos disponível. Espero que o autor (, a viver na Alemanha,) vá alimentando a série... Para ele vai um especial Alfa Bravo. LG


Plano

1. A Origem do Nome – “Palmeirins”
2. A Cidade Moçambicana da Beira
3. A Barra do Tejo
4.  Os Cheiros de Lisboa
41. A Feira Popular
42. Uma sardinhada em Cacilhas
43. As Brumas (Ruelas) Fadistas de Alfama e Madragoa
44. As Palmeiras da Estufa Fria
45. As Vielas da Ameixoeira
46. A Feira da Ladra
47. A Baixa às ordens de Pombal
48. O Jardim do Campo Grande
49. A Estrela Real
410. Os Bosques de Monsanto (...)


B. Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné > 4. Os cheiros de Lisboa > 43 . As Brumas fadistas de Alfama e Madragoa

por J. L. Mendes Gomes

Naquela noite ninguém ia sair. O Benfica ia jogar com o Sporting de Portugal. No estádio do Benfica. Constava que o desafio ia ser transmitido pela televisão. Só no telejornal é que se iria saber a certeza. Sempre seria mais barato. E até se via melho,  adiantava o tio Diógenes, para se justificar. A rapaziada lá em casa era toda perdida pela bola. Até a tia Judite. Bilhetes para todos saía muito caro.

Era a altura dos famosos violinos do Benfica: o Eusébio. Ainda por cima o Eusébio também era de Moçambique. Um espanto a jogar; o Caiado....o....

A tia Judite, pelo sim pelo não, foi adiantando o jantar, para que pelas 21h toda a gente estivesse despachada e livre, para se seguir o desafio em família. Com certeza que seria dado pela TV. Já se sabia.

Uns amendoins nunca faltavam nestas alturas. E umas cervejinhas no frigorífico...Tudo bons costumes e recordações de Moçambique. Aí reinavam as ostras a rodos, o camarão, as cervejas às grades,...naqueles ares quentes dos trópicos.

Se não fosse o futebol, os primos já tinham desafiado o Mário para uma noitada de fado em Lisboa. Estava prometida desde há muito. Ficou para outra semana.

Depois do jantar, sempre animado, em família, os três primos estavam prontos e aperaltados para a noitada de Alfama e Madragoa.

Tinha chegado enfim, o grande dia, melhor a grande noite, de que tanto se falara nas férias passadas da Beira. Os tios tinham toda a confiança nos dois filhos e, por isso, contra o que era hábito daqueles tempos, não se importaram de que a Isabel fosse também.

O último eléctrico que saía do Terreiro do Paço para o Dafundo, era às duas da manhã. Calhava mesmo bem. Aí vão eles. O eléctrico amarelo ali vem. Traz pouca gente. À noite, não há muita gente que se disponha a ir para Lisboa. Só os boémios ou, então, por uma farra como esta dos três primos.

Em menos de meia hora, já estão a descer em pleno Terreiro do Paço. Frente ao Tejo , agora escuro e com umas luzitas tresmalhadas, pelos lados negros, de lá, desde Cacilhas e Almada ao Seixal, Barreiro...Montijo.

A iluminação da praça não é por aí além, mas dá para se andar à vontade. Não há perigo nenhum. A segurança pública é total.

As ruas da Baixa fervilham de gente a ver as montras. A Rua da Prata, o Chiado, o Rossio, os Restauradores e depois a Avenida da Liberdade, de arvoredo ─ via-se que era frondoso, até lá acima, ao Marquês de Pombal. Está um pouco deserta apesar dos cinemas e cafés que abundam de cada lado e as esplanadas elegantes, nos serenos passeios laterais. De dia, é mais interessante girar por ali. Há muito mais vida.
─ O 28 sobe por Alfama dentro, até à beirinha do Castelo, lá em cima, sobre o Tejo mas o melhor é irmos a pé ─  diz o Pedro. ─ Pela rua do eléctrico, vai-se até à encosta do Castelo, com vistas sobre o rio
─  De dia, deve ser muito giro─  adiantou o Mário. Não perdia pitada de tudo que estava a acontecer.
─  Sim, é uma maravilha ver o Tejo, daqui deste miradouro. Todo “o mar da palha”. Parece mesmo mar. Até ao Barreiro, Montijo, Moita, Alcochete e Vila Franca...É mesmo um mar. Cabem os barcos todos do mundo. Há sempre lugar para mais um. Mesmo daqueles petroleiros gigantes.

Os Cacilheiros lá andam nas suas voltas do costume. Duma para a outra margem. Os da Praça do Comércio só andam até à meia-noite....Depois, só os do Cais do Sodré.
─ O que é isso da Praça do Comércio?─  perguntou o Mário, surpreendido com o nome.
─ Ainda não ouvira falar dessa praça.
 ─ É a mesma, a do Terreiro do Paço. Tem os dois nomes. Não sei desde quando nem porquê. Deram-lhe esses dois nomes. Por mim, acho melhor o de Terreiro do Paço. ─ esclareceu o Pedro, com um ar de certo modo, exaltado. Para o justificar, acrescentou:
─  Onde está então a Praça da Indústria?...Ou a da Agricultura...Não há!....

Uma risada de todos.
─  Tens razão Pedro. ─  disse a Isabel. Até aí ainda não tinha aberto a boca. E continuou:
─ A gente habitua-se a ouvir e a chamar estes nomes e não liga ao sentido deles.
─ Já agora, outro nome que não concordo nada e até me revolta, é o do Parque Eduardo VII, lá em cima, a seguir ao Marquês.
─ Então porquê? ─ perguntou a Isabel, já sem esconder a natural curiosidade. Ela nunca vira mal nenhum nisso...
─ Então, achas bem que aquele jardim, tão grande e num sítio nobre da cidade capital tenha o nome dum rei inglês?...

(Continua)
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Nota do editor:

Último poste da série > 28 de outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10586: Ficou um Palmeirim nas bolanhas da Guiné (5): Os cheiros de Lisboa, Parte II: uma sardinhada em Cacilhas (J.L. Mendes Gomes, ex-alf mil, CCAÇ 728, Cachil, Catió e Bissau, 1964/66)

Guiné 63/74 - P10681: Convívios (481): 23.º Encontro e Almoço de Natal da Tabanca do Centro, dia 28 de Novembro de 2012, em Monte Real (Joaquim Mexia Alves)


1. Comunicado da Tabanca do Cento a propósito do seu 23.º Encontro e Almoço de Natal, a levar a efeito no próximo dia 28 de Novembro de 2012, desta feita com uma aliciante visita à Base Aérea N.º 5 de Monte Real

Meus camarigos
Assim “a modos que” presente de Natal, o António Martins Matos, sugeriu e a Tabanca do Centro aceitou de braços abertos a ideia de uma visita à Base Aérea Nº 5, em Monte Real.
Tendo ele feito o contacto com o Comando da Base, foi autorizada e concertada essa visita.
Assim, no dia do 23º Encontro da Tabanca do Centro, que será também o almoço de Natal deste ano, a visita à B. A. 5 terá lugar, para aqueles que, expressamente, na inscrição o confirmarem.
A B. A. 5 apenas para vos aguçar o “apetite” é hoje em dia dotada das mais modernas e perfeitas tecnologias de ponta, pelo que esta visita, se tornará uma agradabilíssima surpresa, e não duvido que muitos ficarão admirados com o que vão ver.
Em Portugal há coisas que nós nem sonhamos!
Como compreenderão a logística para esta visita, nada tendo de complicado, exige no entanto o devido pormenor, (até por causa do transporte), pelo que é imperativo obedecer ao prazo limite para a inscrição para o 23º Encontro, com a indicação expressa da vontade de participar nesta visita.
O resto está explicado muito bem abaixo, pelo Miguel Pessoa.

Um abraço para todos
Joaquim Mexia Alves

Nota Importante: A visita à BA 5 está limitada a 50 pessoas, que serão os primeiros a inscreverem-se, obviamente.


Nota do Editor:
As inscrições devem ser efectuadas na página da Tabanca do Centro em: http://tabancadocentro.blogspot.pt/2012/11/vem-ai-o-nosso-almoco-de-natal.html
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 2 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10608: Convívios (480): Mais um Encontro da Magnífica Tabanca da Linha, a levar a efeito no próximo dia 15 de Novembro de 2012, em Alcabideche (José Manuel Matos Dinis)

Guiné 63/74 - P10680: Álbum fotográfico de Leonel Olhero (3): Bula (Fernando Súcio / Leonel Olhero)



1. Terceiro de uma série de 4 postes com fotografias enviadas pelo nosso camarada e tertuliano Fernando Súcio (foto à esquerda), ex-Soldado Condutor do Pel Mort 4275, Bula, 1972/74, fotos estas pertencentes ao seu conterrâneo, o outro nosso camarada Leonel Olhero (foto à direita), ex-Fur Mil Cav do Esq Rec 3432 (Panhard), Bula, 1971/73.


 
Bula, 21 de Julho de 1973 > Dia da Cavalaria > O Gen Spínola passa revista às tropas acompanhado pelo Brigadeiro Benajol

João Landim, 3 de Outubro de 1973 > Dia em que o Fur Mil Leonel Olhero se despede do seu amigo Fernando Súcio

Coluna na estrada de Bissorã

Bula > Invólucros de munições de morteiro 120

Bula > Três conterrâneos: Norival Carvalho, Leonel Olhero e Fernando Súcio

Bula > Casa dos geradores > Estragos provocados por um míssil

Foto sem legenda


Farim > Travesia do Rio Cacheu

Bula > Convívio do pessoal do Esq Rec 3432 (Panhard)

Bula > Pessoal do Esq Rec 3432 (Panhard)

Fotos: © Leonel Olhero (2012). Todos os direitos reservados [Fotos editadas por CV]
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 14 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10667: Álbum fotográfico de Leonel Olhero (2): Bula (Fernando Súcio / Leonel Olhero)

Guiné 63/74 - P10679: Notas de leitura (429): "Da Guiné à Angola O Fim do Império", pelo Coronel Piçarra Mourão (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Setembro de 2012:

Queridos amigos,
Neste segundo e último livro, o coronel Piçarra Mourão rememora a vertente social desenvolvida pela sua companhia em Bissorã, entre 1966 e 1967.
É um depoimento sereno e singelo. E revela mágoa por só se ter apercebido, muito mais tarde, dos distúrbios provocados pelo stresse pós-traumático. Terá criado um admirável espírito de corpo e de invulgar entreajuda, revela, ao tempo em que escreveu este seu depoimento (2002) que os antigos militares continuavam a acompanhar os mais carenciados, foram laços de amizade irreversível que tiveram um ponto alto na passagem do 35º aniversário do regresso da Guiné em que se realizou uma sentida homenagem aos mortos da companhia junto do Monumento aos Combatentes Mortos no Ultramar, em Belém.

Um abraço do
Mário


Da Guiné à Angola, o fim do Império

Beja Santos

O coronel Piçarra Mourão cumpriu uma comissão de serviço na Guiné (1966-1967), na CART 1525 adstrita ao BCAÇ 1876, em Bissorã. Do seu livro “Guiné, Sempre!” (Quarteto Editora, 2001), fez-se oportunamente recensão. Chega agora a vez de se referir a segunda e última obra deste oficial superior, intitulada “Da Guiné a Angola, O Fim do Império” (Quarteto Editora, 2004). Diga-se desde logo que o coronel Piçarra Mourão irá recapitular situações vividas em território guineense, o essencial da obra é dedicado à Angola onde ele cumpriu duas comissões (1969/1971 e 1973/1975).

Trata-se de um respigar da memória para enaltecer o valor das campanhas de apoio social, moral e médico a que a companhia que ele comandou esteve ligada. Esse fluir de memória inclui uma apreciação do stresse do combate, situação que hoje afligirá cerca de 10 % de todos os combatentes das 3 frentes, e que tem o nome de desordem de stresse pós-traumático. Trata-se de um depoimento despretensioso, solto, um verdadeiro correr da pena onde não se esconde o contentamento pelo dever cumprido. Refere o apoio médico prestado às populações, era uma assistência diária com atendimento dos doentes que se juntavam à porta do posto de socorros, filas permanentes de mulheres, crianças e velhos. No respeito pelos costumes da terra, concedia-se primazia no atendimento aos homens, salvo as situações de emergência, que não tinham qualquer contestação. Enaltece a dedicação dos profissionais de saúde, sempre solícitos a atender em consulta e prestando tratamento. Mas esses profissionais de saúde não se limitavam a aguardar pelas consultas, deslocavam-se às tabancas dos arredores em busca de casos e situações mais complexas. E regista, com aprazimento: “Quando do regresso de estafadas operações em que o débito físico e mental tinha sido significativo, era retemperador passarmos pelo posto de socorros, para pequenos tratamentos de recuperação, e aí o desvelo do pessoal era inultrapassável”.

A companhia sediada em Bissorã, além de um percurso operacional, também remexeu no espaço e deixou obra para um maior bem-estar de todos: novo conjunto de cozinha, refeitório e cantina/bar para as praças; um espaçoso e seguro paiol, um sistema de filtragem de águas para beber e para banhos, uma oficina auto, etc.; deu-se suporte às milícias, fornecendo-lhes material para melhorar as suas habitações e diz sem enfeites: “A nossa ligação sentimental e afectiva a essa gente era tão profunda que nunca poderíamos regatear qualque tipo de colaboração, partindo quase sempre essa iniciativa da nossa parte. Mais do que os imperativos da missão, era a solidariedade verdadeira que nos movia".

E não esconde o seu orgulho no investimento educativo: “Dos nossos homens existiam alguns analfabetos e um número elevado sem as necessárias 3ª e 4ª classes. Cerca de três meses depois do início da comissão, foi-me proposta a constituição das denominadas escolas regimentais. A proposta partiu de um furriel miliciano, na época já habilitado com o curso do magistério primário – o Benfeito da Costa. Homem de grande competência, iniciativa e dedicação, a breve trecho tudo pôs em movimento, constituindo-se duas classes que funcionavam em horário repartido. Tudo transcorria dentro da melhor normalidade, com grande empenho das praças participantes e sem prejuízo da atividade operacional. Foi deste modo que 44 soldados da companhia, feitos os exames oficiais no termo do ano letivo de 1967, obtiveram os almejados diplomas – 11 da 3ª classe e 33 da 4ª”. Circula na Net um texto assinado por Armando Benfeito da Costa que confirma tal atividade.

Procedendo à análise do stresse. Confessa que na altura não se apercebeu do fenómeno, não houve previsão das vastas e dolorosas consequências, não havia preparação nem se apostava na profilaxia: “A Nação e os seus mentores limitavam-se a mandar combater a qualquer preço. O acompanhamento psicológico dos homens, em qualquer fase do seu empenhamento, nunca foi visto, tratado ou falado”. E descreve como procurou agir no teatro de operações. Retardava cautelosamente a informação sobre a saída para operações ou patrulhamentos ofensivos, só uma ou duas horas da saída, mandava comparecer no seu gabinete os oficiais e sargentos, era aí que se definiam os efetivos a empenhar. Dá um retrato sumário das emoções e tensões provocadas pelo contacto com o inimigo e como procurava, no decurso da comissão, avaliar as capacidades e resistências psíquicas dos seus subordinados. Divide as atitudes e comportamentos entre aqueles que demonstravam situar-se entre o respeito e o medo da guerra e os outros que começavam por se mostrar intimidados, via-se à légua que exerciam um grande esforço para dominar os seus receios e que depois, imprevisivelmente, eram capazes de se soltar e mostrar arrojo debaixo de fogo. Narra uma terrível emboscada que ocorreu em 5 de Dezembro de 1966, que provocou mortes e feridos, e que deixou marcas. A resposta que ele procurava dar passava pela atividade física, torneios com clubes locais e outras unidades e saber responder quando o médico informava que este ou aquele militar estava em baixo de forma ou manifestamente deprimido. Deplora como só recentemente se começa a dar atendimento e a procurar dar apoio a distúrbios de stresse pós-traumático, reconhecendo que se deu um passo gigante com a criação do Centro de Psicologia Aplicada do Exército, onde se estuda e analisa em toda a sua dimensão o fenómeno do stresse.

E aqui finda o depoimento guineense do coronel Piçarra Mourão, condecorado com a Cruz de Guerra de 1ª Classe pela sua comissão em Bissorã.
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Nota de CV:

Vd. último poste da série de 12 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10655: Notas de leitura (428): "Colapso e Reconstrução Política na Guiné-Bissau 1998-2000", por Lars Rudebeck (Mário Beja Santos)