domingo, 11 de novembro de 2012

Guiné 63/74 - P10652: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (10): 11.º episódio: Momentos de puro e são divertimento

1. Em mensagem do dia 8 de Novembro de 2012, o nosso camarada Veríssimo Ferreira (ex-Fur Mil, CCAÇ 1422, Farim, Mansabá, K3, 1965/67), enviou-nos mais um episódio da sua campanha no K3, dias que fazem parte dos melhores 40 meses da sua vida. E nós continuamos a acreditar.


OS MELHORES 40 MESES DA MINHA VIDA

11.º episódio - Momentos de puro e são divertimento

Mas... também tínhamos momentos de puro e são divertimento, pois então. Construíramos para tal, um antro de prazer, num dos paióis anexos ao condomínio e para onde nos deslocávamos andando de gatas. Eram dois, a 10 metros cada do bedroom e o acesso só a partir daí, se podia fazer. Um estava do lado esquerdo (o das bazoocas) e o outro do lado direito (o dos morteiros). Anexo a um dos espaldões, ficava então o nosso casino.

Permanecer lá, só sentados e os bancos, seis ao todo, eram os cunhetes com granadas prontas a entrar ao serviço e até a própria mesa da jogatina eram outros também caixotes cheios daqueles supositórios em forma de míssil terra-ar e que tantas vezes fizeram a diferença. O tecto houvera sido feito com cibes e coberto depois com grossa camada de cimento, porque o tesouro lá depositado, por demais precioso, merecia a obrigatoriedade de estar devidamente acondicionado e protegido. Por esse facto, não tínhamos hipótese de abrir qualquer buraco para que nós, os viciados na lerpa, pudéssemos ter algum ar, vindo do exterior.

Colmatávamos essa falta, fumando desalmadamente... bebendo mesmo sem ter sede... e a luz, fornecida por candeeiros a petróleo.

Pertantus... observadas todas as regras de não segurança, mas qu'é qu'isso importava a quem vivia em permanente corda bamba?

Distraíamo-nos assim e sempre se recuperavam os dez mil réis ontem perdidos. Comigo não... pois que perdia sempre o dobro do amealhado, facto que aceitava, na certeza de que "azar no jogo, sorte com as mulheres". Afinal e comprovei depois nos bailes da minha terra, tratava-se de grande mentira, já que me continuaram a calhar as mais feias.

Quando a água proveniente da maré a encher, começava a subir e habitualmente prái uns 10 cm, eram certos, ou quando os filhos duma quelque chose avec nos vinham incomodar, saíamos então ordeiramente e em magote de seis, pelo buraco onde só um de cada vez, conseguira entrar.

 Outubro de 1965 > Veríssimo Ferreira no K3 (Saliquinhedim)

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A minha Secção e como sabem, era chamada de "Armas Pesadas" e distribuídos nos foram, por isso, também três morteiros 60, que pesavam mesmo e bem o sentíamos quando os levávamos a tiracolo e nos deslocávamos durante os passeios pedestres através da agreste selva rural, assim estilo rally paper pedonal. E nem sequer levávamos, quer o prato base quer o regulador de distâncias destinado a observar para que a coisa acertasse, por considerarmos que eram apetrechos incomodativos assim mais... mariquices desnecessárias, pois que e disparados a olho nu, não falhavam e nem daquela vez em que um resolveu fugir e desaparecer, mas antes disparou, expeliu e acertou. Foi encontrado, ao que consta, do outro lado do globo, não sem que antes visitasse o centro da terra.

E deu-se porque ao sermos recebidos por intenso fogo d'artifício, ali junto à bolanha do Biribão, nós... pumba lá vai disto... mas mesmo utilizando o costumado capacete por baixo, o gajo quando lhe tocaram no percutor, afundou-se e pronto. Guardo religiosamente a chave de fendas com que substituía tal peça ao fim de quatro bojardas enviadas.

Desertou? está desertado... mas também fomos culpados, dado que já acontecera com outros... na lama não se disparam tais armas... mas aquela ânsia de corresponder foi fatal.

(continua)

OBS: - Imagem do morteiro 60, retirada do site HISTÓRIAS DA GUINÉ 71-74 - A C.CAC 3491-DULOMBI, com a devida vénia ao nosso camarada Luís Dias
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Nota de CV:

Vd. os primeiros dez postes da série de:

12 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10522: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (1): 1º e 2º episódios: tempos de Mafra, EPI, CSM (Veríssimo Ferreira, ex-fur mil, CCAÇ 1422, 1965/67)

16 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10538: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (2): 3.º episódio: O 2.º Turno, no CISMI, na bela terra de Tavira

 18 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10543: Os melhores 40 meses da minha vida Veríssimo Ferreira) (3): 4.º episódio: Passagens por Amadora, Lamego, Tancos e Lisboa

 23 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10558: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (4): 5.º episódio: Partida para o CTIG em Agosto de 1965

 27 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10579: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (5): 6.º episódio: Pela primeira vez o quartel foi atacado

29 de Outubro de 2012 > Guiné 63/74 - P10590: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (6): 7.º episódio: O quotidiano no K3

1 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10602: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (7): 8.º episódio: Uma emboscada perigosa

4 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10618: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (8): 9.º episódio: As confissões de um prisioneiro
e
7 de Novembro de 2012 > Guiné 63/74 - P10631: Os melhores 40 meses da minha vida (Veríssimo Ferreira) (9): 10.º episódio: Um bunker inimigo ao pé da porta

3 comentários:

Bispo1419 disse...

Oh camarada Veríssimo, continuo a gostar desta tua saga "Os melhores 40 meses da minha vida". Repetindo o que um ou outro leitor já disse, aprecio o teu estilo descritivo onde a ironia e o disfarce dominam a escrita mas não desvirtuam a realidade, antes a realçam.
Eça de Queiroz diz em "A Relíquia" que "sobre a nudez forte da verdade " está "o manto diáfano da fantasia". Estes teus textos lembram-me aquela expressão queiroziana. E já o provérbio diz que "a brincar, a brincar se dizem muitas verdades".
Parabéns pelo trabalho e um abraço do
Manuel Joaquim

Anónimo disse...

Camarada Manuel Joaquim, obrigado pelas tuas palavras, e se vou escrevendo, mal e porcamente, o que pretendo apenas,é exercitar a memória que tanto tempo não quis que eu recordasse. Faço-o parodiando, mas na verdade e já reparaste, está lá tudo, menos o horror que infelizmente conhecemos.Pretendo continuar assim até que os editores permitam mas tenho que aprender a escrever, pois que depois de ler o que tens publicado, eu apenas faço redacções como na 4ª classe.Um abraço grande e aguarda que um destes dias tenho uma história linda duma operação em Bissorã e se calhar estavas lá. O meu pelotão foi lá em, penso eu, Outº 1965, e ao passarmos por um rio quase sem água ,tudo bem, só que no regresso estava cheio e o Fur Mil Raul Durão, então ainda operacional (só depois foi para a Rádio) pediu-me ajuda pois não sabia nadar. Mas crê nisto: aprendeu ali. Abraços.
Veríssimo Ferreira.

Bispo1419 disse...

Olá Veríssimo!
Começo por dizer-te o seguinte: não menosprezes a tua capacidade nem a tua qualidade de comunicação escrita porque a tua "escrita" não o merece. Ela tem qualidade.
Quanto à operação conjunta em Bissorã, que referes, não deve ter sido com a "minha" CCaç1419 pois esta chegou a Bissorã a 24/10/65 e a 1ª operação que realizou foi, três dias depois, com a CArt.643 em que também participou o nosso ilustre companheiro desta Tabanca Grande, Rogério Cardoso, que ficou gravemente ferido no desenrolar da operação.
Quanto ao Raul Durão (r.i.p. Raul), vai para ele a minha afetuosa memória, a saudosa memória dos nossos tempos de "especialidade" em Mafra e das nossas estimulantes "discussões ideológicas à volta do beliche" (dormíamos no mesmo beliche, eu no 1º andar, ele no rés-do-chão).

Um abraço, meu caro Veríssimo.
Manuel Joaquim