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sábado, 14 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25942: Os nossos seres, saberes e lazeres (645): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (170): Restos de coleção de visitas inesquecíveis ou lugares esplendentes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Ao passar em revista as imagens registadas num passeio às ilhas de S. Miguel e Sta. Maria, descobri lá no "fundo da gaveta" um outro conjunto de imagens que ainda hoje estou para saber como é que não foram despejadas para o éter ou utilizadas nestes percursos que partilho convosco. Não há qualquer associação entre manifestações de arte oriental ou escultura do Franklin Vilas Boas com Vieira da Silva e Arpad e a alegria que sinto pelo meu jardim. Espero que estes restos de coleção vos convidem a itinerâncias do género ou aparentadas, quem se sente feliz está em condições de incitar os outros a confiar nestes imprevistos, saborosas recordações, enfim, talvez uns instantâneos que outros possam apreciar, porque não?

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (170):
Restos de coleção de visitas inesquecíveis ou lugares esplendentes


Mário Beja Santos

Prepara-se um indivíduo para organizar as suas recordações de viagens às ilhas de S. Miguel e Sta. Maria, das mesmas fazer-vos relato, eis senão quando aparecem umas imagens que parecem ter sido retidas por não merecerem cabimento, do assunto versado já a ver um acervo de imagens adequadas; mas, confesso, que nalguns casos terá havido esquecimento do que ficara em caixa, arreigou-se o interesse em vê-las ao pormenor, não é que então elas parece que ganharam nova vida? É exatamente o que vos vou contar.
Vieira da Silva
Vieira da Silva
Arpad Szenes

Visitei o Museu Arpad Vieira da Silva para ver a exposição dos autorretratos de Ofélia Marques. É um museu magnífico, o arquiteto aproveitou o espaço de uma fábrica criando compartimentos confluentes e afluentes, quem dirige aquele espaço consegue a mestria de ir renovando a coleção permanente e pôr tudo mais à conversa com o visitante. Fiquei a saber que em 1931, pela mão de Vieira da Silva, Arpad integrou o grupo do Atelier 17, ateliê de gravura, por ali passaram nomes geniais das artes plásticas do século XX como Ernst, Miró, Tanguy e Calder. Arpad compôs uma série temática criança com papagaio de papel, foi aqui que ele explorou uma nova linguagem visual onde o signo substitui o objeto, a composição é movimento criado por elipses sucessivas e o tumultuo das cores, nada de tons sombrios ou dos ocres e cinzas das suas primeiras pesquisas, é uma celebração com recursos a cores primárias e a velaturas.
Diante do mundo reticular de Vieira, momentos há que me sinto sugado por toda aquela comunicação de cariz geométrico, que fez dela uma artista de referência da 2ª Escola de Paris, ela é inigualável, a tal ponto que quando vejo os trabalhos de Cargaleiro, ele que me perdoe o desabafo, anda por ali sempre a mão da sua mestra.

Fora visitar uma exposição singular intitulada As mulheres carregam o mundo, no Museu Nacional de Etnologia. O acervo fotográfico, belíssimo, tinha algo de atordoador, de vez em quando saía daquele alinhamento de imagens em que a fotógrafa põe nos píncaros que a mulher faz e fez na história da nossa civilização, passeava-me por espaços de uma grandiosa arte asiática, onde, leitura exclusivamente minha, consigo ver a inocência das crianças quer no pendor e exaltação lúdica quer na exultação religiosa, é como se essas figuras e o que elas simbolizam exsudassem o cântico da alegria no universo.
Ernesto de Sousa (1921-1988), criador, crítico, conhece Franklin Vilas Boas. Deslumbrado com a obra deste artista de uma família de santeiros de Esposende, que preferiu a madeira à pedra, vai acompanhar e promover a sua produção artística. As obras que adquiriu são do ano em que se conheceram, 1964, o escultor criou-as a partir das raízes, trazidas pelas águas do mar ou do rio e dos troncos da melhor madeira que encontrou. Faz parte da doação que a companheira de Ernesto de Sousa fez ao Museu Nacional de Etnologia. Não conhecia e sinto-me assombrado por esta imaginação criadora.
Num lugar chamado Reguengo Grande disponho de dois casebres e uma colina de calhaus onde se vai organizando um possível ajardinamento que também mete árvores de fruto. Lá em baixo, no vale, os meus vizinhos Susana e Henrique cultivam, sou deles beneficiário de feijão-verde e pêssegos, por exemplo. Como seria possível olhar para estes restos de coleção de imagens e não vos mostrar, envaidecido o que nasce no meio destes calhaus dignos de uma área protegida?
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Nota do editor

Último post da série de 7 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25918: Os nossos seres, saberes e lazeres (644): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (169): Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, não há mostruário de azulejo como este (2) (Mário Beja Santos)

sábado, 27 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25782: Os nossos seres, saberes e lazeres (638): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 10 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Aqui se afiança que Figueiró dos Vinhos oferece muito mais do que uma impressionante exposição de pintores naturalistas no Centro de Artes, em que a pintura de José Malhoa recebe o natural destaque, pois ele aqui viveu e morreu. Figueiró é uma vila mimosa, muito florida, não só cercada pela natureza, sente-se à vista desarmada que tem uma singular oferta a quem a visita, praia fluvial, percursos pedestres, trilhos, quanto ao seu património edificado o concelho tem os seus valores na igreja matriz, no Convento de Nossa Senhora do Carmos e também nas ferrarias na Foz do Alge, elas foram fundamentais nas lutas liberais. Digamos que foi visita de médico, partiu-se para Casal dos Matos, onde houve residência secundária que era uma ternura, não havia quem ali chegasse que não se desdobrasse em louvores. E seguiu-se para Pedrógão Grande, aqui se tem dormida, na manhã seguinte ir-se-á bater à porta de Pedrógão Pequeno.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (163):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior – 2


O ponto de partida da visita a Figueiró dos Vinhos foi a visita a O Casulo, a casa que José Malhoa transformou para sua habitação e ateliê, seguiu-se a Casa das Artes e Museu, está dia chuviscoso e tenho uma certa ânsia de me pôr ao caminho, de Figueiró a Outeiro do Nodeirinho, daqui até Figueira, e depois contemplar, com profunda mágoa, a ruína de uma casa que ajudei a remodelar e de que guardo as mais gratas memórias. Mas que o leitor saiba que Figueiró dos Vinhos tem muito para oferecer, andei com as minhas filhas na praia fluvial Ana de Aviz, hei de despedir-me desta romagem de saudade nas Fragas de S. Simão, há percursos pedestres aliciantes, pormenores de património edificado que vale a pena visitar, é o caso da igreja matriz, de uma outra estaria em ruínas no século XIV, com profundas alterações ao longo dos séculos, tem bela azulejaria, os capitéis são renascentistas, dispõe de boa pintura do século XVI e no altar-mor está uma pintura de José Malhoa intitulada O Batismo de Cristo, de 1904. E posso afiançar que os arredores oferecem panoramas aliciantes e pormenores históricos curiosos como a Antiga Ferraria da Foz do Alge, situada na Ribeira de Alge, viveu duas épocas distintas: a que terminou no tempo do Marquês de Pombal e a segunda, iniciada no reinado de D. Maria I, que se estendeu até final das lutas liberais.
Antiga Ferraria da Foz do Alge
Ninguém esqueceu o pavoroso incêndio que assolou povoações de Pedrógão Grande em 2017, morte e destruição. A casa de agricultores que começara a reconstruir no princípio do século, reconstrução em fases, primeiro o telhado, dois quartos, um salão, cozinha e casa de banho, restaurou-se a adega, consertaram-se as pipas e as telhas, lajeou-se todo o pátio, como os invernos são verdadeiramente álgidos, pôs-se uma salamandra na cozinha, o carpinteiro caprichou a fazer o varandim; na segunda fase alterou-se profundamente a chamada casa dos cereais, a casa da mula, a charrete e a carpintaria mereceram restauro, aqui se conviveu e havia força anímica para aqui se passarem as férias e as estadias breves de fim de semana. Houve depois a troca por uma casa em Tomar, continuou-se a fazer visitas e a ver com agrado, que os novos donos, professores de Educação Física, introduziam acrescentos e eu via crescer um rododendro de folhas brancas, os kiwis, as oliveiras. Por razões de pudor, não mostro o escombro, a vegetação viceja entre as ruínas, o dono atual terá regressado ao seu país, não terá recursos para voltar a pôr de pé este recanto encantador. Aqui se viu tudo especado e amargurado. Partiu-se para Pedrógão Grande, aí se dormirá e amesendará.
Estou agora na igreja matriz de Pedrógão Grande, dedicada a Nossa Senhora da Assunção, a construção primitiva data do período da Reconquista (séc. XII), mas o essencial do que vemos no seu interior é marcado pelo período manuelino e pelo barroco. Confesso que sinto uma forte atração por esta abóbada polinervada sobre o altar-mor, obviamente sujeita a restauros, tem uma sinalética curiosa, bem gostaria de identificar ao pormenor o que estou a ver.
É uma das lajes funerárias proeminentes que guarda o transepto, trata-se da sepultura perpétua de Pedro Carvalho Andrada Leitão e seu herdeiros, ele faleceu a 26 de junho de 1640, não chegou a ver a Restauração.
É um belo monumento nacional, impossível não gostar deste púlpito lavrado, adossado à coluna.
A entrada principal prima pela severidade, anoitecia, o que oferece a oportunidade a quem capta imagens de gerar um contraste entre a profusão de dourados do altar-mor e o que de austero capta a vista em profundidade.
Este monumento nacional prima por ter este corpo em andares, uma inusitada torre cimeira, há a vantagem do desafogo com que pomos os olhos, assombrados pela singularidade da construção e pela qualidade da intervenção a que tenho sido sujeito, é um tempo inigualável.
Vista que vai do pelourinho à torre sineira
Pedrógão Grande, tal como Figueiró e outros locais do Pinhal Interior, goza do privilégio de ter dentro da vila múltiplos sinais da natureza, vadiando por azinhagas e caminhos deu para encontrar estas duas orquídeas selvagens, no entanto eram as grandes manchas de amarelo de flores silvestres que pronunciavam o vigor primaveril.
Procurou-se o Centro de Interpretação, é mesmo uma curiosidade, fizeram-se obras num casarão que se arruinou, consolidaram-se paredes esventradas, fez-se no interior um património remoçado, tem sala de exposições e auditório, publicações e produtos artesanais, aqui colhem-se informações, pena não haver um folheto que elucide o visitante de que Pedrógão tem as suas pérolas a oferecer: a igreja matriz, a igreja da Misericórdia, alguns museus, ruínas romanas, nos arredores, em Troviscais, um museu multimodal com objetos da I República, da Maçonaria, do povo ratinho que por aqui passava a caminho ou vindos do Alentejo, deixou marcas que um colecionador põe à disposição do público, são imprevistas e muito impressíveis as recordações que todos estes objetos nos deixam, imagens de grande valor etnológico e etnográfico, marcas do culto artístico e de valioso património acolhido neste ponto do Pinhal Interior.
A neblina começa a tomar conta da barragem do Cabril, deste imponente parapeito vê-se o caminhar do Zêzere que se irá encontrar com o Tejo ali em Constância, aqui nos detemos na esperança de um bom pitéu regional, a barragem faz fronteira com a freguesia de Pedrógão Pequeno, concelho da Sertã, onde também se viveu e se vai recordar.

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 20 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25764: Os nossos seres, saberes e lazeres (637): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 20 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25764: Os nossos seres, saberes e lazeres (637): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162): Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 9 de Maio de 2024:

Queridos amigos,
Não chegou a 20 anos, mas posso afirmar que conheço alguma coisa do chamado Pinha Interior, a área que melhor percorri abrangeu os concelhos de Figueiró dos VInhos, Pedrógão Grande, Oleiros e Sertã. Vindo de Lisboa, esta romagem de saudades, pois já não tenho idade para andar 2h30 de carro para cima e outro tanto para baixo fora os percursos à descoberta de curiosidades, era inevitável começar por Figueiró, um concelho aprazível, com belos recursos naturais e património edificado digno de visita. Por aqui começa a romagem, uma visita a uma exposição em que José Malhoa, que aqui viveu e morreu, pontifica. Esta foi a primeira etapa, prometo mais.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (162):
Uma romagem de saudades pelo Pinhal Interior - 1


Mário Beja Santos

Aí pelo virar do século, num daqueles jornais que então se publicavam sobre as diferentes regiões, vi a notícia de que estava à venda um casebre para reconstrução numa aldeola do concelho de Pedrógão Grande. Aproveitando uns dias de férias nas aldeias serranas da Serra da Lousã, no regresso para lá me encaminhei, massa florestal densa, marcas da interioridade chocantes com casas derruídas, lugares espectrais, largo era o abandono. Prosseguindo por terra batida, lá se encontrou a casa abandonada, e pronto começou um amor à primeira vista. O lugar chama-se Casal dos Matos, freguesia da Graça, reconstruiu-se aos poucos aquela casa de agricultor, o proprietário era conhecido por Manuel Arrependido, tinha mulher e quatro filhas, estas e os respetivos maridos irão comparecer na Conservatória de Pedrógão Grande para fazermos a escritura. Aos poucos a casa tornou-se um brinquinho, sub-repticiamente fui adaptando os espaços, fiz uma biblioteca, comprei dez estantes no mercado de Figueiró dos Vinhos, atulhei-a com milhares de livros. Lancei depois um olhar para uma outra casa abandonada numa encosta íngreme sobre a barragem do Cabril, a cerca de 7-8 km de Casal dos Matos. Novo empreendimento, dois deslumbramentos, mas psicologicamente não era confortável cuidar da casa de Casal dos Matos, fechá-la pouco tempo depois abrir outra. Felizmente que apareceu um casal de professores de ginástica com a proposta de trocar uma fração num condomínio junto a Tomar, proposta irrecusável, houve disponibilidade para ficar mais tempo na barragem do Cabril e conhecer melhor toda aquela região de Sertã, de Oleiros, de Proença-a-Nova. Enfim, anos suficientes para deixarem boas memórias, agora que a idade convida a outras medidas de sensatez, assentei arraiais num lugarejo do concelho da Lourinhã, agora estou a cerca de uma hora de Lisboa, a atmosfera é outra, bem-parecida com a Foz do Arelho, onde passei férias em casa dos meus padrinhos.

Pois bem, delineei uns escassos dias de férias para romagem de saudades, contornei Tomar, entrei no que se chamava o IC3, parei em Cabaços para comer uma sopa de couve troncha, umas queixadas no forno, refastelado, avancei em direção a Valbom, um belo passeio na margem da barragem da Bouçã, Figueiró à vista, depois da Foz do Alge. Figueiró tem o encanto de parecer um jardim, a primeira etapa era mesmo ir visitar o Centro de Artes e a casa do pintor José Malhoa, chamada O Casulo. Era uma tarde um tanto chuviscosa, eu procurava indícios de recantos que sempre me fascinaram, azinhagas, quelhas, o campo quase em permanência dentro da vila.

A visita ao Centro das Artes era ponto assente, havia uma exposição de importantes naturalistas, sempre com o predomínio de obras de Malhoa, muitos empréstimos do Museu Nacional de Arte Contemporânea, da Casa-Museu Anastácio Gonçalves e de particulares, enfim, uma discreta homenagem a Malhoa que viveu tantos anos aqui em Figueiró. Um escultor da terra, Simões de Almeida, tio, conseguiu atrair jovens pintores que andavam ávidos por paisagens, queriam captar o sentimento na paisagem e os efeitos da luz na cor das casas, atraiu-me José Malhoa e Manuel Henrique Pinto, o aliciamento tinha a ver com os contrastes da paisagem e a boa luz. Estes jovens tinham o ávido por captar o “natural”, estavam convictos da verdade na arte, apreciavam imenso o trabalho de Silva Porto.

A exposição tem como envolvente os naturalismos, cenas de feira, vendedeiras, trabalhos em meio rústico, pormenores do património unificado, retratos, há muito Sol, há também cenas de motivação marítima, e em dado momento, frente a uma pintura de Malhoa, chamada Outono, questiono se aquela paisagem ao ar livre não anuncia de algum modo o impressionismo. Uma bela visita que recomendo a quem ali vive e arredores, a conservadora do Museu Nacional de Arte Contemporânea, Maria Aires Silveira, elaborou uns textos que melhor ajudam a compreender a reunião destas peças, fundamentalmente da primeira década do século XX, são um esplendor dos naturalismos, exatamente no tempo que começam a trabalhar os artistas da primeira geração do modernismo, que trazem uma profunda rotura estética.

E não adianto mais, aqui deixo um punhado de imagens tiradas do Centro de Artes, eu estava feliz da vida neste primeiro dia de romagem de saudades, pois esta Figueiró foi longamente visitada durante anos, quando ali estava era obrigatória a visita ao mercado aos sábados, e não havia visitante da minha casa que não viesse aqui ver a igreja matriz, o centro cultural recebia bons filmes aos fins de semana, percorriam-se as azinhagas e era indispensável ir até às Fragas de S. Simão, de onde se aprecia um deslumbrante panorama, a seu tempo, nesta romagem, haverá visita. Até breve!
Camões, escultura de Simões de Almeida, tio
José Malhoa, Inundação da Ribeira de Santarém
José Malhoa, Campanário de Figueiró de Vinhos
José Malhoa, À Beira-Mar
Ninfas do Mondego (Lusíadas, canto III), Simões de Almeida, sobrinho
Silva Porto, Paisagem
João Vaz, Barcos
José Malhoa, Retrato da minha mulher
José Malhoa, Clara
José Malhoa, Quelha de Figueiró
José Malhoa, Apoteose da Lagosta
José Malhoa, Outono

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 13 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25741: Os nossos seres, saberes e lazeres (636): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (161): As cores da primavera e cumprimentos a Velásquez na Gulbenkian (Mário Beja Santos)

sábado, 13 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25741: Os nossos seres, saberes e lazeres (636): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (161): As cores da primavera e cumprimentos a Velásquez na Gulbenkian (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 22 de Abril de 2024:

Queridos amigos,
Com os avisos da primavera, meti-me ao caminho para apreciar o multicolorido de um jardim construído entre fraguedos, nos casebres que tenho em Reguengo Grande. Foi tal a satisfação de ver esta sonata de cores, e depois de andar a catar as ervas, achei por bem que registar em imagens o viço que desponta da terra, mesmo quando encerrada em tanta aspereza. E tanto se trombeteia que há um Velásquez com retrato de Filipe IV para nós vermos na Gulbenkian que vim ver como me comportava no confronto. É uma tela notável, ainda bem que o rei Habsburgo aparece naquele aparato militar para esmagar a revolta da Catalunha, tivemos sorte em haver duas frentes, deu-nos para ter gana em querermos ser independentes mesmo à custa de termos vivido nessa guerra da Restauração o mais trágico período financeiro da nossa História. Quanto aos catalães, eles que decidam. Aproveitei a ocasião para ir saudar algumas das obras que tantas vezes me fazem visitar este museu único e partilho convosco a alegria de as rever.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (161):
As cores da primavera e cumprimentos a Velásquez na Gulbenkian


Mário Beja Santos

Quando adquiri a casinha no Reguengo Grande, concelho da Lourinhã, a promotora imobiliária teve a preocupação de salientar dois aspetos do local: que não me esquecesse do clima, manhãs com neblina, mesmo no verão, uma indiscutível amplitude térmica, a este aspeto respondi prontamente que passara férias anos a fio na Foz do Arelho, ia com os sete filhos da minha madrinha às 9 horas, a neblina costumava levantar por volta do meio-dia e a camioneta trazia-nos de volta pelas 13h, passeávamos de camisola até ao Gronho, ouvindo as fúrias do mar, a senhora promotora que não se preocupasse com esse aspeto, era bem conhecido; e que no fim do terraço havia um espaço inclinado para o vale, património da casa, o antigo proprietário, que praticava o alojamento local, tudo fizera para manter aquela superfície de fragas envolvida em mato. Aceitou-se o desafio, o resultado está à vista, no meio destas pedras que nos lembra a idade do Quaternário a primavera agita-se, multicolorida, até as laranjeiras dão fruta doce, o vale é fecundo, a minha vizinha dá-me abóboras, pêssegos e da última vez trouxe um carrego de favas. Estou num paraíso, não troco este meu lugarejo por um palácio.

Os casebres têm dois terraços, esta manhã sinto a grande satisfação de ter arrancado todas as ervas daninhas, fez-se limpeza geral, costume almoçar no outro terraço pondo um toldo, há mais sombra, fecho os olhos no pós-prandial e vem sempre um sono retemperador.
O colorido entre os pedregulhos falam por mil palavras, ninguém imaginará que aqui havia mato com quase 2 metros de altura.
Procurou-se dar-se um toque de romantismo, há um banco debaixo da figueira, quando começarem a rebentar os figos há para aqui um perfume embriagador, é uma das doçuras da vida campestre, mesmo que se tenha de afugentar as moscas ou ver passar cobras a alta velocidade.
O senhor Tozé é multiusos, faz obras na casa e dá alvitres para que haja mais segurança no jardim, fez estes degraus e outros mais, no cimo está uma das laranjeiras e uma janela aberta sobre o vale.
A Fundação Gulbenkian trombeteia em todos os órgãos de comunicação social que há uma tela de Velásquez no museu, um empréstimo que vem da coleção Frick, sediada em Nova Iorque. Trata-se de um retrato a meio corpo de Filipe IV, era a obra preferida do colecionador Henry Clay Frick, adquirida em 1911. O que há de mais revelante nesta obra-prima?
Se estivesse a contemplá-la com um espanhol ao lado, penso que não teria coragem de lhe dizer que o rei andava na sua incursão militar na Catalunha, 1644, os catalães tinham-se revoltado em 1640 e os exércitos espanhóis desdobraram-se com os acontecimentos portugueses e os da Catalunha. Foi uma guerra que nos levou praticamente à falência, mas vencemos, a seguir veio o acordo de paz, depois das últimas refregas em 1668, a partir daí Castela não tem qualquer ilusão que “de Espanha não vem bom vento nem bom casamento”. Então, o que há de mais relevante é que Velásquez pintou o retrato do rei Habsburgo num ateliê improvisado, era o quartel-general das tropas espanholas. O monarca aparece-nos representado como um chefe militar determinado e vitorioso, enverga sobreveste adornada com brocados, é um conjunto que no seu todo parece matéria viva, é impressionante a modelagem dos tecidos, parecem saltar da tela. E já que vim ao cheirinho desta obra-prima, como é meu costume vou visitar algumas das obras mais diletas.

Se é facto que detemos uma portentosa baixela Germain encomendada pelo nosso rei Magnífico, esta peça central de um centro de mesa constituído por três, é impressionante, e descobri que ao fundo está o retrato de Thomas Germain e sua mulher, na chamada secção de arte francesa, gostei da combinação, aqui a tendes.
No máximo sigilo, o Governo soviético, no início da década de 1930, vendeu um conjunto de peças para angariar fundos, fora ano de penúria de cereais, Gulbenkian tinha relações formais com as autoridades soviéticas, tudo por causa do petróleo de Baku. Lá se entenderam e entre outras preciosidades que seriam bem acolhidas em qualquer grande museu de fama mundial estão patentes no museu o quadro da mulher Rubens e esta espantosa escultura, a Diana, de Houdon, um assombro.
Não é a primeira vez que venho a este museu só para estar a contemplar este naufrágio que saiu do génio de Turner. Ficamos com o coração contrito a ver à esquerda o afundamento do navio, as ondas revoltosas e as cores medonhas do céu provocam um terrível contraste; e partilhamos da dor daqueles que procuram a salvação em pequenas embarcações ondulantes, e o grande pintor obriga-nos a fixar o olhar naquela jangada patética onde se procura a sobrevivência enquanto as ondas revelam pedaços da carga do navio enquanto ondas raivosas atiçam aquele mastro que parece vir a ser engolido pela onda que se ergue à direita. Não é por nada, mas temos uma obra-prima de Turner de um calibre tal que faz com que, às dezenas de visitantes, a aglomeração à sua volta, é um dado permanente.
Este inverno cheio de neve foi pintado por Jean-François Millet marca o movimento naturalista, tenha a intuição que anuncia Van Gogh, mas é coisa minha, o que mais me atrai é o elogio da natureza, não há aqui acabrunhamento nestes rigores de inverno, parece que a natureza adormeceu, e o que mais me compraz é a solução talentosa de criar um fio de horizonte e obter com as mesmas cores soturnas um céu ameaçador, com aquela solução de génio que é, ao fundo, uma mansão iluminada por uma luz que parece ter o condão de nos alertar de que a seguir ao inverno vem a primavera.
Quando se folheia uma obra dedicada ao grande escultor Rodin, as imagens mais esplendentes prendem-se com formas volumosas, ou grupos escultóricos que nos obrigam a andar à roda ou até mesmo aquela finura do pensador, que tem algo de matéria bruta. Ora a escultura As Bençãos situa-se no polo oposto, as formas delicadas parecem emergir da tal matéria bruta, têm tal graciosidade e finura que nos deixam sempre um olhar maravilhado.
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Nota do editor

Último post da série de 6 DE JULHO DE 2024 > Guiné 61/74 - P25721: Os nossos seres, saberes e lazeres (635): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (160): Díspares modos de ver, mimoseio para um coração feliz – Reguengo Grande, Praia da Adraga, Ofélia Marques (Mário Beja Santos)