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sábado, 16 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27124: Os nossos seres, saberes e lazeres (696): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (217): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 2 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 24 de Junho 2025:

Queridos amigos,
Bem vistas as coisas, este museu organizado no que foi o Palácio Alvor tem um impressionante património que justificaria um conjunto de visitas e dezenas de textos e ilustrações em conformidade com a vastidão das coleções. Tudo começou com a extinção dos conventos, juntaram-se as peças provenientes do espólio da rainha Carlota Joaquina vendido em hasta pública, como consequência da derrota miguelista, há as peças adquiridas com as verbas oferecidas pelos reis D. Fernando II e D. Luís, também as peças adquiridas pela Academia de Belas-Artes, peças adquiridas em leilões, peças provenientes de vários legados; depois da implantação da República, uma nova leva de peças provenientes dos palácios reais, bem como das sés e palácio episcoais, peças depositadas (caso das 1500 esculturas da coleção Vilhena), doações relevantes como as feitas por Calouste Gulbenkian. É impressionante o acervo de arte religiosa, da pintura portuguesa, recorde-se Frei Carlos, os mestres flamengos, Hans Holbein, Lucas Cranach, Dürer, Bosch, Velásquez... E grande escultura, desde o Torso de Apolo, a peça mais antiga do museu, passando por Rodin, alfaias religiosas, a Custódia de Belém, a Baixela Germain, mobiliário ímpar, como o hindoportuguês, os trabalhos escultóricos de Benim, loiça Ming, os biombos Namban. Enfim, comprometo-me a voltar.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (217):
Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 2


Mário Beja Santos

Que o leitor me desculpe, finda uma pausa lancei-me ao trabalho, voltei à escadaria principal, gosto muito destas linhas dinâmicas que nos levam até à escultura religiosa, é a partir daqui que vou a deambular sem preocupações de roteiro quanto às escolas europeias, nada de catalogar cronologicamente o que vai do pré-românico ao oitocentismo, ainda tive o impulso de parar diante dos painéis de São Vicente que há quem garanta a pés juntos que foram pintados por Nuno Gonçalves, embora não haja nenhuma certeza documental.
O meu amigo José Luís Porfírio, que dirigiu esta casa e que dela foi conservador dedicadíssimo, escreveu com a chancela da Editorial Verbo, em 1977, no belo livro dedicado a este museu nacional:
“Se quiséssemos ser polémicos, poderíamos dizer que a pintura portuguesa começa e acaba aqui, nestas seis tábuas com cerca de 60 figuras, num tipo de expressão que, salvo duas ou três aproximações com tábuas da mesma época, desapareceu da pintura feita em Portugal sem deixar grandes vestígios, assim como pouco se conhece em Portugal ou no resto da Europa que possa servir de preparação ou de introdução a esta pintura. Não, evidentemente que se não se possa estabelecer analogias com o Sul da Espanha, ou com a composição das tapeçarias borgonhesas; não, também, que na pintura portuguesa do século seguinte se não possa detetar uma linha de atenção ao concreto, muito especialmente no retrato, que possa aqui ter origem. No entanto, esta pintura, se acaba alguma coisa, não sabemos o que acaba, e não foi, certamente, o princípio de coisa nenhuma; trata-se, antes de mais, de uma das numerosas sendas perdidas na arte europeia do século XV, experiência sem seguimento, ainda que cheia de possibilidades, tal como aconteceu noutros centros marginais ou marginalizados da cultura europeia da época. Descobertas em 1882, cerca de quatro séculos depois de pintadas e quase outro tanto de esquecidas, estas seis tábuas viriam a transformar-se no caso, ou na questão, da história da arte portuguesa. Têm estas seis tábuas praticamente mais literatura escrita sobre elas do que toda a restante pintura portuguesa junta”.
Vou passar adiante deste mistério dos painéis de São Vicente, vamos então ver outras obras de inquestionável valor.


A imponente escadaria da entrada principal que permite ao visitante ir direto à escultura medieval, tendo à esquerda uma pintura icónica, o Ecce Homo.
Fonte bicéfala, em calcário, 1510-1525, oficina ativa em Lisboa
Biombos Namban, produzido entre 1570 e 1616. Os biombos eram utilizados para dividir espaços, e normalmente eram realizados de dois em dois. O tema mais recorrente no século XVI eram as cenas do cotidiano. Nos biombos do museu vê-se a chegada festiva dos portugueses no barco negro, ao que os japoneses chamavam de a chegada dos namban jin, ou bárbaros do Sul, isto é, os Portugueses e, mais tarde, os Espanhóis. Os namban eram homens de grandes narizes, de olhos negros e estranhos, usando uma indumentária singular onde se evidenciavam as calças tufadas e os chapéus de copa redonda. É assim que os nossos capitães e marinheiros surgem retratados nos biombos, executados sempre aos pares e reportando-se a cenas de aportagem e desembarque da nau de comércio e há o desfile pelas povoações.
Pormenor da chegada dos portugueses ao Japão nos biombos Namban
Arte muçulmana vinda de Damasco, o esplendor do azulejo
Continuação do esplendor do azulejo muçulmano
Paisagem de inverno (Neve), por Gustave Courbet, 1868
Santo Agostinho, Piero della Francesca, c. 1465. Um santo, um bispo, impõe a sua figura contra uma balaustrada e o céu azul, segura um báculo com cabo de cristal e enverga uma capa que narra a história de Cristo. Aqui, nesta narração, em cada uma das suas cenas, está um dos grandes motivos de interesse desta pintura, não só porque são réplicas de pinturas, conhecida uma, outras perdidas, da oficina do pintor, mas também pela conceção espacial que propõem.
Danaide (A Fonte), por Auguste Rodin e Pierre, o seu ajudante, 1893. Esta deusa aquática, de uma tradição literária e figurativa que remonta à própria Grécia, ao mesmo tempo emerge e regressa ao seu reino do incerto e da mudança constante, reino que também é o da relatividade e não o da certeza sacral. Com Rodin está acabando um grande ciclo da escultura. Este regresso ao material anuncia de certo modo os monólitos do século XX.
Interior de taberna, autor não identificado, 1664 (?)
Homem cozinhando, Jan Steen, c. 1650 (?)
Obras de misericórdia, Bruegel, o Moço, depois de 1564/65-1637/38. A família Bruegel criou uma firma de reputação europeia. Bruegel, o Moço, imitador do seu pai, e também conhecido como especialista de infernos, numa tradição boschiana, produzidos em série para um público numeroso e não muito exigente. Este quadro Obras de Misericórdia é uma curiosa descrição da vida e da miséria da Flandres, aponta para um novo tipo de pintura que o século XVII vai desenvolver e cultivar: a pintura de género, ou seja, a representação de cenas da vida quotidiana, burguesa e popular, de grande divulgação e permanente consumo até ao nosso tempo.
Pormenor do tríptico das Tentações de Santo Antão, Jheronimus Bosch, c. 1500. É, porventura, o mais procurado quadro de autor não português (neste caso, um tríptico) tanto por visitantes nacionais como estrangeiros. Toda a pintura de Bosch foi produzida numa obscura cidadezinha da Flandres, acaba por se apresentar como o último grande inventário da Idade Média. Inventário de conhecimentos, de imagens, de espetáculos, de espetáculos e procissões de rua, inventário de medos passeando-se, reunindo-se, dispersando-se como as ideias confusas do espírito, no espaço poderosamente unificado das três tábuas. Mesmo que os contemplemos até à exaustão, fica-nos uma inquietante certeza: o sonho, a imaginação, o inconsciente, são também uma realidade.
Anjo da Anunciação (fragmento), autor flamengo desconhecido, c. 1500
Rei Mago Baltasar, século XVIII, oficina de Joaquim Machado de Castro
Presépio Kamenesky, século XVIII, c. 1783, por Faustino José Rodrigues
Milagre de Santo Eusébio de Cremona, por Rafael Sanzio, 1502-1503

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 9 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27103: Os nossos seres, saberes e lazeres (695): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1 (Mário Beja Santos)

sábado, 9 de agosto de 2025

Guiné 61/74 - P27103: Os nossos seres, saberes e lazeres (695): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216): Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 4 de Junho 2025:

Queridos amigos,
Pode parecer um tanto espetacular, e rebarbativo, crismar este museu de uma casa da extensa História de Portugal, mas a verdade é que o acervo de pintura medieval, a qualidade da escultura gótica, a pintura tardo-gótica, e indo por aí fora até ao século XIX, com remissões para a arte europeia de primeira ordem, impressiona quem quer que o visite, os biombos japoneses, a custódia de Belém, o extenso mobiliário, as preciosidades da arte flamenga e tudo mais justificam visitas regulares ao antigo palácio dos condes de Alvor e do Convento das Albertas, a museologia e a museografia que é hoje possível desfrutar não tem qualquer termo de comparação com as visitas que ali fiz na meninice, estou a ver a minha mãe a mostrar-me orgulhosa a Baixela Germain e eu a interrogá-la se não havia dinheiro para limpar as pratas, como é que uma Baixela tão valiosa se apresentava tão enegrecida... Isto para já não falar nos tapetes puídos e na falta de boa iluminação. Deixa-se aqui dois apontamentos, sugere-se ao potencial visitante que leia previamente uma publicação alusiva ao museu para desfrutar da sua memorável itinerância.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (216):
Nenhum museu tem tanta História de Portugal como este – 1


Mário Beja Santos

Sem nenhuma preparação prévia, naquela manhã de sábado em que tinha pensado em limpar o meu escritório, arranjei-me e tomei a decisão: vou visitar o Museu Nacional de Arte Antiga, nada tem de custoso, apanho o metro até ao Cais do Sodré, são inúmeros os transportes daqui até ao velho Palácio dos Condes de Alvor. Muni-me de uma obra escrita pelo meu amigo José Luís Porfírio, que foi diretor e conservador do museu, fui selecionando o que mais me interessava ver, mas sempre aberto a imprevisto. Recordo-me que a primeira vez que ali entrei, levado pela minha mãe, fiquei intrigado pelo desconsolo da decoração, e quando a minha progenitora me apontou, ufana, para a Baixela Germain, perguntei-lhe se não havia dinheiro para limpar as pratas, estava tudo enegrecido.

Hoje, dá gosto percorrer todas aquelas salas, independentemente de haver ciclos e escolas que não desfazem bater o coração. Mas o Museu das Janelas Verdes, instalado num antigo palácio do século XVIII, e completado com um anexo de 1940, que ocupa o que foi o antigo Convento das Albertas, tem sido alvo de muita atenção, alvo de intervenções qualificadas, e, como muitos outros, é um filho direto da revolução liberal. D. Maria II, e porventura o marido, quiseram preservar o que de melhor havia no acervo nos conventos extintos em 1834, magnífico recheio que foi colocado em depósito no Convento de S. Francisco, aquele quarteirão onde está hoje o Museu do Chiado e no lado oposto a Academia de Belas Artes.

O Museu Nacional das Belas Artes ganhou notoriedade em 1882 com a célebre Exposição de Arte Ornamental, vieram peças de Espanha e do Reino Unido, o museu intitulava-se então Museu Nacional de Belas Artes e Arqueologia e mudou de título em 1911 para Museu Nacional de Arte Antiga. O seu património excede o que veio da extinção dos conventos, temos peças provenientes do espólio da rainha Carlota Joaquina, peças adquiridas pelos reis D. Fernando II e D. Luís, peças adquiridas pela Academia das Belas Artes, peças provenientes de vários legados, como, por exemplo o visconde de Valmor ou as peças depositadas como as 1500 esculturas da Coleção Ernesto Vilhena.

Se o visitante começar a sua visita no andar superior, tem pintura portuguesa e estrangeira do século XIV, adiante irá demorar-se junto dos painéis de S. Vicente, verdadeiramente polémicos quanto ao seu autor e lugar de proveniência, há quem jure a pés juntos que o seu autor é Nuno Gonçalves, permito-me duvidar, o que há de Nuno Gonçalves neste museu tem pouco a ver com o conjunto destas seis tábuas, e não conheço nenhum políptico destinado a uma igreja com pescadores e cavaleiros, naturalmente que me rendo ao assombro deste conjunto, não desmerecendo que está ali o retrato da nascente epopeia portuguesa dos Descobrimentos.

Mudando de posição, vou defrontar-me com obras que muito me impressionam, caso do Santo Agostinho pintado por Piero della Francesca, a Virgem e o Menino de Hans Memling, passo um tanto como cão por vinha vindimada por muita arte religiosa para ir desfrutar do quadro intitulado Chegada das Relíquias de Santa Auta ao Mosteiro da Madre de Deus, pelo chamado mestre do retábulo de Santa Auta, gosto muito de apreciar a Anunciação de Frei Carlos e daqui passo para retratos de grande qualidade como o de D. Leonor de Áustria, pintado por Joos van Cleve ou o rei D. Sebastião pintado por Cristóvão de Morais. Suspendo aqui a visita para ir tomar um cafezinho no belo jardim do museu com uma parte do porto de Lisboa pela frente, mas só depois de me demorar diante de S. Jerónimo, pintado por Albrecht Dürer.

São João Evangelista, 1301-1350, oficina ativa na Península Ibérica
Retrato de um cavaleiro da Ordem de Cristo, 1525-1550 (?), escola portuguesa, estilo de Gregório Lopes. Durante muito tempo pensava tratar-se de Vasco da Gama, com os elementos do quadro, a começar pelos óculos, é totalmente inadmissível.
O Inferno, 1510-1520, escola portuguesa
Virgem Maria (de Calvário) e São João Evangelista (de Calvário), 1501-1525, oficina flamenga ativa em Portugal
Martírio de São Sebastião, Gregório Lopes, 1536-1539
Santo António pregando aos peixes, Garcia Fernandes, 1535-1540
D. João III e São João Batista, oficina de Cristóvão Lopes (?), depois de 1564
Natureza-morta com caixas, vidros e pote de barro, por Josefa d’Ayala, dita Josefa de Óbidos, cerca de 1660-1670
Retrato de senhora, mestre desconhecido, 1625-1650
Presépio de Santa Teresa de Carnide, de António Ferreira, cerca 1701-25, exposto no Museu Nacional de Arte Antiga
Vista do Mosteiro e Praça de Belém, Filipe Lobo, 1657
São Jerónimo, pintado por Albrecht Dürer, 1521

(continua)
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Nota do editor

Último post da série de 2 de agosto de 2025 > Guiné 61/74 - P27080: Os nossos seres, saberes e lazeres (694): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (215): Casal de S. Bernardo, Alcainça, gratas lembranças do Filipe de Sousa – 2 (Mário Beja Santos)

sábado, 24 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26841: Os nossos seres, saberes e lazeres (682): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 5 (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 8 de Março 2025:

Queridos amigos,
Só espero não ter abusado da vossa paciência saltando da arte do século XX para a do século XVI, até ser posto na rua não descansei a contemplar grandes nomes do Renascimento e à saída fui contemplar um quadro que sempre me fascinou por Georg Baselitz, obra da década de 1960, já este mestre alemão era motivo de escandaleira. Alguns destes génios da pintura foram referências essenciais para pintores contemporâneos, é o caso de Velásquez, outros têm sido subtraídos de um plano discreto e são hoje glorificados, caso de Andrea Mantegna; diante de um belo quadro de Pieter Bruegel, o Jovem, deixei a memória esvoaçar e recordei uma exposição espantosa intitulada A Firma Bruegel, que visitei no Museu das Belas-Artes de Bruxelas, a história verídica de um empreendimento que meteu várias gerações de Bruegel a reproduzir obras que vinham de Bruegel, o Velho, e que encheram palácios por toda a Europa, nós não ficámos de fora, temos uma dessas obras no Museu Nacional de Arte Antiga. E despeço-me de Der Städel, passo as margens do rio Meno sempre ofuscado por ver a capital do euro completamente iluminada.

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205):
Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 5


Mário Beja Santos

Depois de uma viagem por obras representativas e movimentos estéticos da primeira metade do século XX e a contemplação de uma exposição da cidade de Amesterdão do tempo de Rembrandt, feita uma pausa para descansar as pernas e tomar um snack, atiro-me para o passado, estou ávido em rever algumas obras-primas que aqui visitei no início do século, penso que não constituiu o núcleo duro da coleção do banqueiro Städel, ele tinha as suas preferências pelos barrocos alemão e flamengo, há para aqui obras da maior importância, é essa a incursão que tenho o prazer de vos mostrar, e despeço-me do Städel olhando uma obra contemporânea de Georg Baselitz, da década de 1960, apreciei sempre este pintor um tanto inclassificável, alvo de escândalos, figurativo e abstracionista, onírico e prosaico, exigente pela leitura dos temas da sua pintura, sente-se a intensidade da sua polivalência, experimentou quase tudo no mundo das artes, desde as artes gráficas à encenação, da escultura ao desenho. Aqui vos deixo um resumo do que mais apreciei até soar a campainha e pôr os visitantes na rua. E mesmo aqui deslumbrei-me com a vista do Meno e a cidade iluminada, mostrarei mais tarde.

Retrato de uma jovem com o seu cabelo solto, Albrecht Dürer, 1497. Dürer frequentou a feitoria de Antuérpia, aqui recebeu encomendas, aqui teve notícia do comércio português, o seu desenho do rinoceronte é fruto dessa relação e desse acervo de encomendas temos uma obra-prima no Museu Nacional de Arte Antiga, S. Jerónimo, uma aquisição do feitor de Antuérpia, Rui Fernandes de Almada.
O geógrafo, Vermeer, 1669. Para ser sincero, era uma das vincadas lembranças que me restava da visita deste museu, um quarto de século atrás. É uma tela pequena, tudo se ilumina, como é obra e graça na pintura de Vermeer da esquerda para a direita, o que permite a quem a contempla ter acesso ao trabalho minucioso do tecido recamado, multicolor, à frente, vemos vividamente um conjunto de objetos, a postura do geógrafo parece a de um modelo, inclinado e a olhar à distância através da vidraça, e depois prende-nos a atenção um sem número de detalhes como aquela estruturação da luz por toda a tela.
Companhia de milícia do distrito XI de Amesterdão sob o comando do capitão Reynier Reael, por Frans Hals e Pieter Codde, 1633-1637. Desde que tive o privilégio de conhecer obras de Frans Hals em Haia, procuro a sua companhia, temos aqui um grupo de gente muitíssimo bem arranjada, o pintor engalanou os dois oficiais, o capitão e o tenente, ricamente vestidos, por aqui me detive, deslumbrado, e sem querer a memória esvoaçou até ao famoso quadro de Rembrandt intitulado A Ronda de Noite, esta rapaziada da tropa queria um registo para todo o sempre, são quadros em que a vivência do grupo é o clamor do poder e da riqueza dos Países-Baixos.
Ecce Homo, por Bosch, ca. 1500. Ainda não é o Bosch do fantástico e do surreal, o que me embevece é esta alucinante profundidade do quadro, a raiva e o escárnio da multidão, a quase humanidade de Cristo que parece tiritar no seu corpo flagelado, curvado, o seu olhar estende-se até à eternidade, totalmente indiferente o conjunto dos seus algozes e da multidão ululante.
Vénus, Lucas Cranach, 1532. Cranach celebrizou-se pela nudeza dos corpos, revela-se um profundo conhecedor da anatomia humana e pela invulgaridade das exposições das figuras, veja-se a escolha da cor do chão em que a deusa assenta os pés, o seu véu transparente, quase translúcido, a evidenciar-se na negridão do fundo da tela.
Retrato do cardeal Gaspar de Borja y Velasco, Velásquez, ca. 1643-1645. Foi um dos maiores retratistas espanhóis, seduziu grandes nomes da pintura até ao presente, caso de Francis Bacon que sentiu atração em distorcer uma destas telas com cardeal, recriando outra pessoa, o pintor espanhol deixa patente o peso dos pormenores, veja-se o nariz cardinalício, o seu olhar penetrante, as faces encovadas, tem majestade, tem pose, mas não nos transmite empatia.
O evangelista S. Marcos, Andrea Mantegna, ca. 1448-1451. Foi um dos maiores do Renascimento italiano, tive a felicidade de ver expostos três quadros seus com o motivo da crucificação de Cristo no Museu das Belas-Artes em Tours, dois emprestados pelo Louvre, a partir de então este genial pintor faz parte das minhas preferências.
Retrato de Simonetta Vespucci como Ninfa, Botticelli, ca. 1480-1485. Botticelli é daqueles pintores que reconhecemos à primeira vista, olha-se para este retrato e de imediato viajamos até ao Nascimento de Vénus, uma das suas obras-primas na Galeria dos Ofícios, em Florença.
Retrato do Papa Júlio II, por Rafael, 1511/12. Pintor de encomendas papais, Rafael encheu o Vaticano de obras e este quadro de alguém que protegeu as artes é uma forma de imortalidade que também Miguel Ângelo ajudou com a poderosa escultura de Moisés junto do túmulo papal na Igreja de S. Pedro em in Vincoli, não muito longe do Fórum Romano.
Praça de S. Marcos em Veneza, Giacomo Guardi, ca. 1870-1810. Esta é a Praça de S. Marcos antes da chegada de Napoleão Bonaparte que mandou fechar o fundo com a chamada galeria napoleónica, neoclássica, que deu a esta praça uma formosura ímpar. Giacomo Guardi era descendente de Francesco Guardi, a maior coleção de obras em coleção particular dele está em Lisboa, no Museu Gulbenkian.
A Virgem e o Menino com S. João Batista e Isabel, Bellini, ca. 1490-1500. É preciso ser dotado de uma finura genial para que esta composição possuir o poder magnético de nos estontear com aqueles tons azuis intensos que ganham um estranho recorte com aquele fundo de azul do céu cheio de nuvens, e como nada destoa na simetria da composição com a indumentária pobre de S. João Batista enlevado diante daquele, como diz o Evangelho, de que ele não era digno de desatar as sandálias.
A adoração dos Reis Magos numa paisagem de inverno, Pieter Bruegel, o Jovem, ca. 1630. Mal sabia o pai deste que se transformara no promotor de uma firma de consecutivas cópias que eram encomendadas pela aristocracia e a grande burguesia. O filho de Pieter Bruegel, o Velho, também não frutava a introduzir variantes, e consegue fazer conjugar, com sucesso pleno, esta mistura de religiosidade com cenas da vida quotidiana, dando um cuidado realce à neve.
Retrato da infanta Margarida, por Velásquez, 1651-1673. Uma obra pictórica de génio fala por mil palavras, esta infanta aparece num conjunto de obras-primas, confesso que a que mais gosto é Las Meninas, que está no Museu do Prado, a infanta de Espanha rodeada da sua Corte no primeiro plano, uma tela cheia de profundidade quando ao fundo se abre uma porta por onde discretamente o pintor sai.
Oberon, por Georg Baselitz, 1963 – 1964. Já se ouvem os chamamentos das 17h45, os senhores visitantes são convidados a sair, e despeço-me desta memorável visita a Der Städel contemplando o Oberon de Baselitz, este mítico rei das fadas que também atraiu Shakespeare que deu intenso vigor na sua comédia Sonho de Uma Noite de Verão, o mesmo Oberon que entusiasmou o músico Weber, o seu Oberon é peça de reportório dos concertos. O que aqui me facina é a multiplicidade de figuras que parecem exatamente saídas de um sonho, fazem parte de um formulário de Baselitz de expor temas em completa rutura com a vida quotidiana. E agora vou ver Frankfurt ao anoitecer.

(continua)

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Nota do editor

Último post da série de 17 de maio de 2025 > Guiné 61/74 - P26811: Os nossos seres, saberes e lazeres (681): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (205): Algures, na Renânia-Palatinado, em Idstein, perto de Frankfurt – 4 (Mário Beja Santos)

sábado, 14 de setembro de 2024

Guiné 61/74 - P25942: Os nossos seres, saberes e lazeres (645): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (170): Restos de coleção de visitas inesquecíveis ou lugares esplendentes (Mário Beja Santos)

1. Mensagem do nosso camarada Mário Beja Santos (ex-Alf Mil Inf, CMDT do Pel Caç Nat 52, Missirá e Bambadinca, 1968/70), com data de 27 de Junho de 2024:

Queridos amigos,
Ao passar em revista as imagens registadas num passeio às ilhas de S. Miguel e Sta. Maria, descobri lá no "fundo da gaveta" um outro conjunto de imagens que ainda hoje estou para saber como é que não foram despejadas para o éter ou utilizadas nestes percursos que partilho convosco. Não há qualquer associação entre manifestações de arte oriental ou escultura do Franklin Vilas Boas com Vieira da Silva e Arpad e a alegria que sinto pelo meu jardim. Espero que estes restos de coleção vos convidem a itinerâncias do género ou aparentadas, quem se sente feliz está em condições de incitar os outros a confiar nestes imprevistos, saborosas recordações, enfim, talvez uns instantâneos que outros possam apreciar, porque não?

Um abraço do
Mário



Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (170):
Restos de coleção de visitas inesquecíveis ou lugares esplendentes


Mário Beja Santos

Prepara-se um indivíduo para organizar as suas recordações de viagens às ilhas de S. Miguel e Sta. Maria, das mesmas fazer-vos relato, eis senão quando aparecem umas imagens que parecem ter sido retidas por não merecerem cabimento, do assunto versado já a ver um acervo de imagens adequadas; mas, confesso, que nalguns casos terá havido esquecimento do que ficara em caixa, arreigou-se o interesse em vê-las ao pormenor, não é que então elas parece que ganharam nova vida? É exatamente o que vos vou contar.
Vieira da Silva
Vieira da Silva
Arpad Szenes

Visitei o Museu Arpad Vieira da Silva para ver a exposição dos autorretratos de Ofélia Marques. É um museu magnífico, o arquiteto aproveitou o espaço de uma fábrica criando compartimentos confluentes e afluentes, quem dirige aquele espaço consegue a mestria de ir renovando a coleção permanente e pôr tudo mais à conversa com o visitante. Fiquei a saber que em 1931, pela mão de Vieira da Silva, Arpad integrou o grupo do Atelier 17, ateliê de gravura, por ali passaram nomes geniais das artes plásticas do século XX como Ernst, Miró, Tanguy e Calder. Arpad compôs uma série temática criança com papagaio de papel, foi aqui que ele explorou uma nova linguagem visual onde o signo substitui o objeto, a composição é movimento criado por elipses sucessivas e o tumultuo das cores, nada de tons sombrios ou dos ocres e cinzas das suas primeiras pesquisas, é uma celebração com recursos a cores primárias e a velaturas.
Diante do mundo reticular de Vieira, momentos há que me sinto sugado por toda aquela comunicação de cariz geométrico, que fez dela uma artista de referência da 2ª Escola de Paris, ela é inigualável, a tal ponto que quando vejo os trabalhos de Cargaleiro, ele que me perdoe o desabafo, anda por ali sempre a mão da sua mestra.

Fora visitar uma exposição singular intitulada As mulheres carregam o mundo, no Museu Nacional de Etnologia. O acervo fotográfico, belíssimo, tinha algo de atordoador, de vez em quando saía daquele alinhamento de imagens em que a fotógrafa põe nos píncaros que a mulher faz e fez na história da nossa civilização, passeava-me por espaços de uma grandiosa arte asiática, onde, leitura exclusivamente minha, consigo ver a inocência das crianças quer no pendor e exaltação lúdica quer na exultação religiosa, é como se essas figuras e o que elas simbolizam exsudassem o cântico da alegria no universo.
Ernesto de Sousa (1921-1988), criador, crítico, conhece Franklin Vilas Boas. Deslumbrado com a obra deste artista de uma família de santeiros de Esposende, que preferiu a madeira à pedra, vai acompanhar e promover a sua produção artística. As obras que adquiriu são do ano em que se conheceram, 1964, o escultor criou-as a partir das raízes, trazidas pelas águas do mar ou do rio e dos troncos da melhor madeira que encontrou. Faz parte da doação que a companheira de Ernesto de Sousa fez ao Museu Nacional de Etnologia. Não conhecia e sinto-me assombrado por esta imaginação criadora.
Num lugar chamado Reguengo Grande disponho de dois casebres e uma colina de calhaus onde se vai organizando um possível ajardinamento que também mete árvores de fruto. Lá em baixo, no vale, os meus vizinhos Susana e Henrique cultivam, sou deles beneficiário de feijão-verde e pêssegos, por exemplo. Como seria possível olhar para estes restos de coleção de imagens e não vos mostrar, envaidecido o que nasce no meio destes calhaus dignos de uma área protegida?
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Nota do editor

Último post da série de 7 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25918: Os nossos seres, saberes e lazeres (644): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (169): Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, não há mostruário de azulejo como este (2) (Mário Beja Santos)