Queridos amigos,
Ao passar em revista as imagens registadas num passeio às ilhas de S. Miguel e Sta. Maria, descobri lá no "fundo da gaveta" um outro conjunto de imagens que ainda hoje estou para saber como é que não foram despejadas para o éter ou utilizadas nestes percursos que partilho convosco. Não há qualquer associação entre manifestações de arte oriental ou escultura do Franklin Vilas Boas com Vieira da Silva e Arpad e a alegria que sinto pelo meu jardim. Espero que estes restos de coleção vos convidem a itinerâncias do género ou aparentadas, quem se sente feliz está em condições de incitar os outros a confiar nestes imprevistos, saborosas recordações, enfim, talvez uns instantâneos que outros possam apreciar, porque não?
Um abraço do
Mário
Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (170):
Restos de coleção de visitas inesquecíveis ou lugares esplendentes
Mário Beja Santos
Prepara-se um indivíduo para organizar as suas recordações de viagens às ilhas de S. Miguel e Sta. Maria, das mesmas fazer-vos relato, eis senão quando aparecem umas imagens que parecem ter sido retidas por não merecerem cabimento, do assunto versado já a ver um acervo de imagens adequadas; mas, confesso, que nalguns casos terá havido esquecimento do que ficara em caixa, arreigou-se o interesse em vê-las ao pormenor, não é que então elas parece que ganharam nova vida? É exatamente o que vos vou contar.
Vieira da Silva
Vieira da Silva
Arpad Szenes
Visitei o Museu Arpad Vieira da Silva para ver a exposição dos autorretratos de Ofélia Marques. É um museu magnífico, o arquiteto aproveitou o espaço de uma fábrica criando compartimentos confluentes e afluentes, quem dirige aquele espaço consegue a mestria de ir renovando a coleção permanente e pôr tudo mais à conversa com o visitante. Fiquei a saber que em 1931, pela mão de Vieira da Silva, Arpad integrou o grupo do Atelier 17, ateliê de gravura, por ali passaram nomes geniais das artes plásticas do século XX como Ernst, Miró, Tanguy e Calder. Arpad compôs uma série temática criança com papagaio de papel, foi aqui que ele explorou uma nova linguagem visual onde o signo substitui o objeto, a composição é movimento criado por elipses sucessivas e o tumultuo das cores, nada de tons sombrios ou dos ocres e cinzas das suas primeiras pesquisas, é uma celebração com recursos a cores primárias e a velaturas.
Diante do mundo reticular de Vieira, momentos há que me sinto sugado por toda aquela comunicação de cariz geométrico, que fez dela uma artista de referência da 2ª Escola de Paris, ela é inigualável, a tal ponto que quando vejo os trabalhos de Cargaleiro, ele que me perdoe o desabafo, anda por ali sempre a mão da sua mestra.
Fora visitar uma exposição singular intitulada As mulheres carregam o mundo, no Museu Nacional de Etnologia. O acervo fotográfico, belíssimo, tinha algo de atordoador, de vez em quando saía daquele alinhamento de imagens em que a fotógrafa põe nos píncaros que a mulher faz e fez na história da nossa civilização, passeava-me por espaços de uma grandiosa arte asiática, onde, leitura exclusivamente minha, consigo ver a inocência das crianças quer no pendor e exaltação lúdica quer na exultação religiosa, é como se essas figuras e o que elas simbolizam exsudassem o cântico da alegria no universo.
Ernesto de Sousa (1921-1988), criador, crítico, conhece Franklin Vilas Boas. Deslumbrado com a obra deste artista de uma família de santeiros de Esposende, que preferiu a madeira à pedra, vai acompanhar e promover a sua produção artística. As obras que adquiriu são do ano em que se conheceram, 1964, o escultor criou-as a partir das raízes, trazidas pelas águas do mar ou do rio e dos troncos da melhor madeira que encontrou. Faz parte da doação que a companheira de Ernesto de Sousa fez ao Museu Nacional de Etnologia. Não conhecia e sinto-me assombrado por esta imaginação criadora.
Num lugar chamado Reguengo Grande disponho de dois casebres e uma colina de calhaus onde se vai organizando um possível ajardinamento que também mete árvores de fruto. Lá em baixo, no vale, os meus vizinhos Susana e Henrique cultivam, sou deles beneficiário de feijão-verde e pêssegos, por exemplo. Como seria possível olhar para estes restos de coleção de imagens e não vos mostrar, envaidecido o que nasce no meio destes calhaus dignos de uma área protegida?
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Nota do editor
Último post da série de 7 de setembro de 2024 > Guiné 61/74 - P25918: Os nossos seres, saberes e lazeres (644): Itinerâncias avulsas… Mas saudades sem conto (169): Igreja de Nossa Senhora da Piedade e Santo Quintino, não há mostruário de azulejo como este (2) (Mário Beja Santos)