1. É o relato, sucinto mas magistral, além de bem-humorada, do que era o terror, no nosso tempo de meninos e moços (**), o dia do exame de admissão ao liceu (na capital de distrito, neste caso em Braga) ou de admissão ao ensino técnico (na sede concelho, Vila Nova de Famalicão).
O autor, Joaquim Costa, fez os dois exames, com 11 anos, em 1961 (já a guerra colonial tinha "rebentado em Angola", sobrando para a ele, mais tarde, a da Guiné, em 1972/74).
Acabaria por entrar no ensino técnico, no ano letivo de 1961/632.
No excerto que selecionámos, interessa-nos a primeira parte do seu depoimento, as peripécias que viveu antes de poder entrar no curso de montadores eletricistas (na sede de concelho da sua terra natal) e depois na Escola Industrial do Infante Dom Henrique, no Porto, e finalmente no Instituto Industrial do Porto (hoje, Instituto Superior de Engenharia do Porto / Instituto Politécnico do Porto). Com a tropa, pelo meio...
Enfim, um percurso escolar muito semelhante ao que muitos de nós trilhámos: recorde-se, em todo o caso, que não havia ensino técnico em todas as sedes de concelho e o ensin0 liceal era para uma minoria relativamente privilegiada, funcionando apenas nas capitais de distrito.
E ainda foi do tempo da Mocidade Portuguesa, enquanto frequentou a escola técnica, durante 4 anos:
"Aos sábados de manhã, equipado de calções e camisola branca com o emblema das cinco quinas ao peito, lá ia ele, contrariado, para atividades da Mocidade Portuguesa. Marchar 'contra os canhões' e cantar o seu hino: 'Lá vamos cantando e rindo, levados, levados sim'..." (pp-. 209/210).
O terror do "exame de admissão" (à escola técnica ou ao liceu)
por Joaquim Costa
Sete anos feitos, lá vai ele conhecer a D. Natália (a fera!), carregando a sacola de serapilheira devidamente equipada: livro da primeira classe, lousa, “riscotes”, uma tabuada e uma pequena almofada de trapo velho para limpar a lousa depois de lhe cuspir.
Tal como na cateques, as raparigas que faziam o percurso para a escola com ele, aqui desapareciam e só as voltava a ver no regresso a casa.
Aos onze anos, da sua sala, apenas ele foi para explicações para casa de uma outra professora para fazer o exame de admissão à escola técnica.
Foi na casa desta simpática professora que viu, pela primeira vez, a beleza de um pavão abrindo as suas penas coloridas em leque.
Foi também aqui que viu em direto, na televisão, a colocação da última parte do arco da Ponte da Arrábida. Meio país dizia que a “coisa” ia acabar no rio. Foi um dia em que o povo se encheu de orgulho dos seus engenheiros.
No final, foi convidado a fazer uma redação sobre o acontecimento já que a professora tinha uma convicção muito forte que ia ser o tema do exame.
Mais convicto que a professora, acabou por memorizar a sua redação que esta classificou de Muito Bom.
A sua convicção era tão forte que “despejou” tudo no exame sem olhar ao que lhe era pedido: foi quase ao lado, já que o pedido era uma redação sobre os Descobrimentos. Mas a redação comparava os dois extraordinários feitos!
A professora estava toda entusiasmada. Não tinha dúvidas que, depois dos dois meses de explicações, o rapaz se ia safar.
Chegado o dia, logo pela manhãzinha, ainda o galo não tinha cantado, já sua mãe lhe vestia o fato que o pai tinha mandado fazer, por medida, ao alfaiate da terra. Tudo novo: fato, camisa, gravata e sapatos. Até o cão fadista estava espantado.
Lá vai ele apanhar a carreira para a vila, metido num colete de forças, completamente desconfortável, transpirando por todos os poros e com os pés a moerem-lhe.
Chegou à vila com tonturas e enjoado, acabando mesmo por vomitar sujando o impecável fato, pois foi a primeira vez que andou de camioneta. Da vila só conhecia a feira, percurso que sempre fez a pé com a sua mãe.
Lá o levaram até ao ginásio da Escola, com dezenas de alunos sentados, e com ar de assustados, cada um na sua mesa devidamente equipada com uma pena e um tinteiro.
Uma velha professora e mal-encarada coloca na sua frente uma folha de papel, indicando o sítio onde devia colocar o seu nome e número do bilhete de identidade.
Já com o suor a cair-lhe na folha de papel e com as mãos a tremerem, lá tentou entender-se com a pena e o tinteiro para cumprir a tarefa que lhe foi imposta.
Vai com a pena ao tinteiro e começa a tarefa. Por muito que carregasse na pena a tinta não corria.
Começou a ficar atrapalhado já que se tinha apercebido que todos tinha acabado a tarefa e ele ainda não tinha começado.
Nova ida ao tinteiro e nada. Começa a abanar a pena para ver se a tinta corria. Correu tipo ketchup, acabando por borratar toda a folha. Logo tentou limpar pelo que, obviamente, a inutilizou .