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segunda-feira, 12 de maio de 2025

Guiné 61/74 - P26794: Brasões, guiões ou crachás (9): O que nos diz o mural de Mansabá, fotografado pelo alf grad capelão José Torres Neves em novembro de 1970 ?






Guiné > Zona Oeste > BCAÇ 2885 (Mansoa) > Mansabá >Novembro de 1970> Fotos do álbum do Padre José Torres Neves, alferes graduado capelão

Foto (e legenda): © José Torres Neves (2025). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O "mural de Mansabá", fotografado em novembro de 1970 pelo alferes graduado capelão, José Torres Neves, do BCAÇ 2885 (Mansoa, 1969/71) (*) traz informações precisosas sobre unidades e subunidades que passaram, mesmo que episodicamente,  por aquele aquartelamento. 

Duas das inscrições murais não conseguimos identificar.  Uma delas  está muito sumida: apanha-se o ano (1965/67/68 ?... e sobra um resto do brasão. A outra parece ser paraquedistas, BCP 12... Mas quem eram os "Sabres" ?...Talvez o Carlos Vinhal (ou outro "bom observador") nos possa ajudar (**):

Aqui vão as que têm a identificação legível:

(i) Pel Mort 1085, "Os Tesos" (1966/68):  não tínhamos até agora qualquer referência a esta subnunidade; chegou ao CTIG em 26 de abril de 1966, juntamente com os Pel Mort 1086 e 1087, sendo inicialmenmte colocado em Mansoa;

(ii) Pel Caç Nat 54, "Aguias Negras", 1964/66: estranha é a referência ao ano de 1964; em princípio, formou-se em Bolama, em 1966; tem mais de 6 referências no nosso blogue:

(iii) CCAÇ 1418, "Os Facas" (Bula, Buruntuma e Fá Mandinga, 1965/67): temos 8 referências; sabemos que foi mobilizado pelo RI 1 (Amadora); pertencia ao BCAÇ 1856 (Bissau  e Nova Lamego, 1965/67); foi comandado pelo cap inf António Fernando Pinto de Oliveira.

Síntese operacional: 
  • após o seu desembarque, a CCAÇ 1418 ficou colocada em Bissau durante quinze dias como subunidade de intervenção e reserva do Comando-Chefe;
  • tendo seguido, em 21ago65 para Bula, a fim de realizar uma instrução de adaptação operacional sob a orientação do BCAV 790 [28Abr65-08Fev67; do TCor Cav Henrique Alves Calado], e seguidamente reforçar este Batalhão em acções realizadas nas regiões de Naga, Inquida e Choquemone, entre outras;
  • até 20out65, continuou depois a ser atribuída em reforço de outros batalhões, com vista à realização de diversas acções na região do Jol, em reforço do BCAÇ 1858 [24Ago65-03Mai67; do TCor Inf Manuel Ferreira Nobre Silva], de 05 a 18Nov65. Na região de Gussará-Manhau, em reforço do BART 645, de 16 a 23Dez65;
  • nas regiões de Naga e Biambe, em reforço do BCAV 790, de 2 a 16Jan66 e novamente de 12 a 26Mar66. Na região do Morés, em reforço do BCAÇ 1857 [06Ago65-03Mai67; do TCor Inf José Manuel Ferreira de Lemos], de 13 a 23Fev66, onde tomou parte na «Operação Castor» [em 20Fev66], um golpe-de-mão à base central do Morés bem-sucedido, já que foi capturada elevada quantidade de armamento e outro material;
  • deslocada seguidamente para Buruntuma, assumiu, em 08Mai66, a responsabilidad do respectivo subsector, em substituição da CCav 703, ficando integrada no dispositivo e manobra do seu batalhão , tendo destacado uma secção para Camajabá e a partir de 21 Set66, um pelotão para a ponte do rio Caiúm;
  • em 03abr67, foi rendida no subsector de Buruntuma pela CCaç 1588 e seguiu para Fá Mandinga, onde substituiu, temporariamente, a CCaç 1589 na função de reserva do Agr 1980;
  • em 09Abr67, seguiu para Bissau, a fim de aguardar o embarque de regresso.
(iv) CCAÇ 1421. "Os Caveiras" (Mansoa, Mansabá e Cutia, 1965/67): mobilizado pelo RI 2 (Abrantes), pertencia ao BCAÇ 1857 ( : foi comandado pelo cap inmf Cap Albino Augusto de Castro Carrapatoso: temos mais de 3 dezenas de referências.

(v) BCAÇ 1857 (Bissau, Mansoa e Mansabá, 1965/67); tem cerca de meia centena de referências no nosso blogue.

Como referimos, há duas inscrições por decifrar: alguns militares terão passado por Mansabá e deixado a "assinatura" da sua unidade ou subunidade; com o tempo houve elementos icónicos que se deterioraram. Apelamos aos nossos "arqueólogos" e "decifradorees de enigmas" para nos dar uma ajuda...
  • (?) 67/68/69;
  • "Sabres" | Rec  Dos  (?) Páras | 20/7/66 | Ex M.M. 



Esta última imagem mostra um emblema militar português, datado de 20 de julho de 1966, com um paraquedas, asas e um sabre (ou de um escorpião?), possivelmente relacionado a uma unidade de paraquedistas. A presença do paraquedas e do escorpião (u do sabre ?), juntamente com a menção a "Páras", sugere uma conexão com  o BCP 12 (que atuou no CTIG) ou uma das suas companhias (Elementos sugeridos em parte pela IA).  Ex M.M. podia ser o autor da inscrição mural...
_____________

Notas do editor:

sexta-feira, 12 de julho de 2024

Guiné 61/74 - P25737: Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) - Parte II: 15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963


Foto nº  5


Foto nº 6


Foto nº 6A

Foto nº 6B


Foto nº 7

Guiné > s/l > s/d > O alf mil art José Álvaro Carvalho  (1º trimestre de 1963/meados de 1965) > Nestas fotos do seu álbum ainda não conseguimos identificá-lo: talvez possa ser o militar que se vê na foto nº 6B, em segundo plano, de pefil, de óculos.




Angola > Ponte do rio Cuanza (em contrução, desenhada pelo eng. Edgar Cardoso) > c. 1971 > O José Álvaro Almeida de Carvalho, diretor do departamento de trabalhos externos da empresa L. Dargent Lda. Aqui ainda no início da montagem do tabuleiro da ponte...Viveu 5 anos em Angola (até depois do 25 de Abril de 1974).

Fotos: © José Álvaro Carvalho (2024). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. O José Álvaro Carvalho, 85 anos, natural de Reguengo Grande, Lourinhã, entrou recentemente para o nosso blogue. Senta-se à sombra do nosso poilão no lugar nº 890 (*). 

Não dispondo da sua caderneta militar (diz que nunca a teve), o Zé Álvaro (como eu o trato, afetuosamente), não sabe exatamente em que data chegou ao CTIG, para render um alferes de uma companhia de intervenção, sediada em Bissau. Aponta para a primavera de 1963, escassos depois da guerra ter "oficialmente" começado, na "narrativa" do PAIGC,  com o ataque  a Tite, na região de Quínara, em 23 de janeiro de 1963.

Já estava há 26 meses na tropa. E deve ter cumprido mais uns 26 ou 27, no CTIG, entre o primeiro trimestre de 1963 e o segundo semestre de 1965. Passou por Bissau, Olossato e Catió, aqui já a comandanr um Pel Art / BAC, obus 8.8 (a duas bocas de fogo).


O alf mil Maurício Saraiva,
nascido em Sá da Bandeira,
quando ainda frequentava
 o curso de comandos,
em Luanda, em 1963.
Foto de Virgínio Briote
(2015)
No CTIG era popularmente conhecido pelo seu nome artístico do fado, "Carvalhinho" (*) . O Mário Dias, o Manuel Luís Lomba, o Virgínio Briote são (ou ainda são) do seu tempo e rconhecem-no.  O Armor Pires Mota (ex-alf mil, CCAV 488/BCAV 490, Bissau, Ilha do Como, Jumbebem, 1963/65) também era do seu tempo (ligeiramente mais novo: jul 63/ ago 65). Era também amigo do então alferes  'comando' Maurício Saraiva, que será depois visita da sua casa, em Lisboa (foto à direita, em q963, quando frequentava, em Angola, o curso de comandos).De acordo com as as suas memórias de guerra, ao oitavo mês de Guiné, o Carvalho (ou "Carvalhinho") ainda estava no Olossato. E no excerto que passamos a reproduzir. preparava-se para fazer uma golpe de mão ao K .  
Por sua conta e risco, tanto quanto dá para perceber. (K, leia-se K3 / Saliquinhedim: 
Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá, será ocupado mais tarde, no último trimestre de 1965, pela  CCaç 1421).

Na versão, digital, que nos facultou, em formato pdf,  das suas memórias de guerra, os topónimos da Giné aparecem só com as iniciais (como é o caso  de O, 
de Olossato). Não há nomes de militares.  Nem datas.  Esclarecimentos  e informações  complementares têm sido obtidas através das  nossas conversas na Praia da Areia Branca (onde reside atualmente).

Pelas nossas contas (e apenas com base dos livros da CECA), essa companhia para a qual ele terá ido, inicialmente, em rendição individual,  pode ter sido a CCAÇ 273 (mo
bilizada pelo BII 17, Angra do Heroísmo): esteve no CTIG desde janeiro de 1962 e acabou a comissão em janeiro de 1964. (Nessa altura, a comissão na Guiné era de 24 meses.)  

Sabe-se que a CCAÇ 273 teve um pelotão destacado no Olossato, por períodos variáveis, em 1963. Era comandada pelo cap inf Jerónimo Roseiro Botelho Gaspar.

Mas voltemos às memórias do Olossato, destacamento que ele vai reforçar,  dois meses depois de estar em Bissau, a fazer segurança a Bissalanca (de 3 em 3 dias) e patrulhamentos nos arredores.  

De acordo com o poste anterior, ele  tinha saído em coluna auto,  para uma missão na região do Cacheu, de que foi desviado, para o Olossato, ao chegar a Mansoa, por ordem do QG (**): 

(...) "O pelotão para aí destacado, não conseguia não só defender o povoado, como até impedir que o inimigo, encurralando-o de metralhadoras apontadas a cada porta do edifício do quartel, um antigo celeiro de amendoim rodeado de arame farpado a distância conveniente, se passeasse impunemente na aldeia, entrando nos dois estabelecimentos comerciais existentes, abastecendo-se do que bem entendia, em troca de requisições supostamente válidas, após ganha a guerra e exercendo junto da população civil branca ou africana as mais variadas formas de propaganda e intimidação.

"Após confirmar por rádio para o QG as ordens que acabara de receber, desviou a marcha no sentido da povoação de 
O[lossato] , entrando na região onde a guerrilha tinha começado a atuar recentemente e era constituída por um polígono com cerca de 120 kms de comprimento na sua maior dimensão e oitenta na outra , cuja principal estrada, que o atravessava em diagonal, estava obstruída por árvores derrubadas assim como todos os pontões e pequenas pontes já destruídas que atravessavam as linhas de água, que eram muitas em todo o território por ser este a foz dum rio importante, que se dividia por grandes e pequenos canais que se ligavam e entrelaçavam entre si." (...)

Portanto, quando chegou ao Olossato, com o seu pelotão, a "guerra subversiva" tinha começado na região do Oio. Estava-se já na época das chuvas. (E na sua terra, Lourinhã, estava-se em plena época balnear.) É uma narrativa, quase telegráfica, incisiva, "pura e dura", que me faz lembrar as crónicas do "Tarrafo",  o livro de 1965, do Armor Pires Mota, que também andou por aqueles lados (sector de Farim), além de ter estado na Ilha do Como (Op Tridente).



Guiné > Região do Oio > Carta de Farim (1954) > Escala 1/50 mil) > Pormenor: localização de Saliquinhedim / K3, entre o Olossato e Farim. (Não confundir com o verdadeiro Olossato, que fica a sudoeste de Farim, e que está localizado na carta de Binta.)



Guiné > Carta da Província (1961) (Escal: 1/500 mil) > Posição relativa do Olossato, em pleno coração da região do Oio... Do Olossato a K3 / Saliquinhedim eram c. 20 km por estrada. (A o
cupação de Saliquinhedim ao Km 3 da estrada Farim-Mansabá foi feitta pela  CCaç 1421 no final do ano de 1965.)

Infografias:  Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné (2024)



Memórias de um artilheiro (José Álvaro Carvalho, ex-alf mil, Pel Art / BAC, 8.8 cm, Bissau, Olossato e Catió, 1963/65) 

Parte II:   15 minutos, de ferro e fogo, no K3, em meados de 1963



Durante as sestas, depois do almoço , o sono era calmo e repousado. Mas agora era noite e não conseguia dormir.

− Eles aí estão,  meu Alferes!!!

Choviam tiros por todo o lado. As metralhadoras dos postos principais matraqueavam o mais que podiam à medida que aumentavam os pec-bum dos disparos contrários.

Pegou numa granada de mão e, curvado, correu para o posto mais próximo.

 
Deixem-nos vir!!!

As metralhadoras calaram-se. As palmeiras suavam humidade, indiferentes aos homens e aos ruídos da noite.

Ouviam-se rebentamentos ao longe.

  Estão a estoirar com os acessos!!!

Tinham medo que alguma ajuda fosse pedida, mas não corriam esse risco. À noite o teto de nuvens era tão baixo que o rádio só emitia ruídos.

Chamou o furriel mais próximo.

 
− Não quero mais tiros! Deixem-nos chegar à vedação e depois acendam as luzes exteriores e abram fogo de novo. Por cada tiro quero um homem ferido ou morto! Se se vão embora sem "levar na tromba",  amanhã estão cá de novo!

No dia seguinte:

− Encontrámos alguns rastos de sangue.

− Quantos?

− Quatro.

− Já não foi mau.

O sol a pique aquecia a humidade excessiva, para que as plantas vivessem prósperas, numa inundação de verdura que era preciso destruir diariamente, à volta do celeiro de amendoim, único edifício do aquartelamento.

Durante o dia, a carne dos homens ficava mole. Ainda bem que só havia ataques à noite.

Era a hora do rancho. Os quinze homens do pelotão desfalcado, os nove da secção que o reforçava e os quatro condutores juntaram-se à volta das panelas fumegantes na cozinha de campanha instalada ao fundo do edifício, para receberem a sua ração e irem em seguida para a mesa de refeições, num compartimento separado por divisórias de esteira com 2 metros de altura como todos os outros que formavam as instalações do pelotão.

O impedido aproximou-se:

−  Meu Alferes, o jantar está pronto.

Trazia-lhe a amostra: sopa de feijão, batatas com bacalhau, bolachas, café instantâneo e vinho.

Provou e disse:

 Está bom.

Sentado com os três furriéis à volta duma mesa de caixotes, aguardava em silêncio que o impedido lhe trouxesse a refeição, a pensar que o tempo nunca mais passava. 

Tinha tido 26 meses de serviço militar na metrópole e já estava em África havia oito meses.

O operador rádio trouxe-lhe uma mensagem cifrada do pelotão do alferes que comandava uma guarnição a Norte, a guarnição de B
 [Bigene],  que havia pouco tempo ali tinha estado a contar-lhe do almoço com o comandante da lancha patrulha do rio C[acheu]

Tinha-lhe dito que esse comandante era uma óptima pessoa, uma vez que,  mesmo sem o conhecer, tinha atracado a lancha no cais e convidara-o para um excelente almoço. 

Não lhe apeteceu dizer que aquele almoço se destinava a ele, conforme tinha sido previamente combinado mas não tivera oportunidade de informar o comandante da lancha do desvio que lhe fora imposto e da alteração das instruções do quartel-general.

Na referida mensagem indicava-se em pormenor todo o percurso dos guerrilheiros treinados num campo junto à fronteira do S
 [enegal]. que passavam na região Norte, atravessavam no rio junto à povoação de
K[3],  onde recebiam apoio logístico e seguiam depois por um trilho a corta-mato até à estrada que passava a alguns km do seu aquartelamento, entrando depois na zona que o inimigo pretendia dominar, lutando por ocupar e controlar um território que lhe parecia estrategicamente propício.

Depois do café disse aos furriéis :

− Vamos arrasar o 
K[3].

− Fica a 30 kms.

 Por isso não nos esperam.

Levantou-se da mesa e foi fumar um cigarro sentado do lado de fora do edifício. Não havia vento. O calor continuava a encharcar-lhe o corpo. Tinha anoitecido. As estrelas mal se descortinavam por entre a humidade do ar. Devia ser aí que habitavam as coisas certas e decentes. Dentro em pouco viria mais uma das repentinas trovoadas da época, a descarregar água por todo o lado, a inundar tudo.

Já deitado, pensava que com alguma sorte a operação correria bem. O 
K[3] era a passagem obrigatória dos abastecimentos e dos homens do inimigo, treinados junto à fronteira, que diariamente reforçavam os efectivos da região. Ali se devia esconder todo o apoio necessário à travessia do rio: canoas e barcos de borracha,  como dizia a mensagem cifrada. Nas palhotas da aldeia próxima, ouvia-se o choro de crianças assustadas.

***

Eram 4 horas da manhã. O sargento de ronda que o antecedia, foi acordá-lo:

− Meu alferes, está na hora.

Levantou-se cheio de sono, e acendeu um cigarro que apagou depois de saborear algumas fumaças com força. Deu a volta a todos os postos e parou por fim no último.

− Tudo bem?!

 
− Tudo bem, meu alferes.

Para lá do arame farpado pouco se via além do reflexo das poças de água onde centenas de rãs coaxavam no silêncio da noite. Sentou-se ao lado da sentinela a sacudir os mosquitos que lhe mordiam o corpo por cima do fato de combate.

Já no seu compartimento, estendeu-se na cama à espera do café.

Pensava nas praias da sua terra, naquela altura cheias de gente e sol e paz. Deu-lhe vontade de rir o facto da vida poder ser tão diferente.

O rádio, em escuta, fazia a zoada do costume. Ouviu o ruído dos homens a acordar e foi até à cozinha.

 Quer provar o café,  meu alferes?

 Não, obrigado.

Depois de comer chamou os 4 furriéis ao seu compartimento. Apontou um deles e disse:

 Você entra comigo no centro da aldeia.

Apontando outro disse:

 Você fica no aquartelamento.

Apontando os dois restantes disse:

 
− Vocês entram à direita e à esquerda. 100 balas a cada homem, quatro granadas de mão, uma ração de combate. Levantar às zero horas, partida à uma. Caras sujas com rolha queimada.

Apontou no mapa e disse:

 Seguimos por aqui a corta-mato durante cerca de 20 kms até onde se situa a estrada que conduz ao 
K[3].. Nesta altura estamos a 2 kms do objectivo. Seguimos a pé. Os carros estacionam escondidos. Os motoristas aguardam no máximo 8 horas pelo nosso regresso. Se não regressarmos ao fim desse tempo, voltam para o aquartelamento pela estrada. Se forem descobertos ou tiverem suspeitas disso regressam também de imediato. Se mandar retirar e dispersar, o local de reunião será sempre junto do estacionamento das viaturas mesmo depois destas terem partido. O ataque não pode demorar mais do que 15 minutos. Ao fim desse tempo retiramos à minha ordem. Se houver algum tiro prévio que nos denuncie, abandonamos o objetivo, dispersamos e retiramos para o ponto de reunião sem atacar. Vamos entrar de Este para Oeste,  destruindo tudo o que for útil ao apoio do inimigo.

Apontou um furriel e continuou :

 − O Furriel J, da 1ª secção que entra pela esquerda, vai passar no rio e com granadas de mão o seu pessoal, destrói todas as canoas assim como qualquer outro tipo de embarcação. A segunda secção dá-lhe apoio. Hoje à tarde quem não estiver de serviço deita-se e procura dormir. Podem retirar-se.   [...]

 Na madrugada seguinte, á saída da povoação  [do Olossato],  entraram no mato. As viaturas, ligadas entre si por correntes, roncavam no trilho enlameado estreito demais para elas. A vegetação rompia as capotas. Os homens seguiam em silêncio. O domínio do medo torcia-lhes as caras pintadas. De quando em quando era necessário que os guias indígenas procurassem melhores trilhos explorando o caminho mais à frente. e, em cada uma destas paragens, os soldados saltavam e escondiam-se no mato. Os motores ferviam. 

Ao fim de 3 horas, encontraram a estrada que levava a K[3]. Esconderam as viaturas e dentro em pouco os gritos da floresta tornaram-se normais. Caminhavam curvados, a um e outro lado da estrada em fila indiana, em silêncio. Parecia participarem num jogo de segredos fora do tempo, em que jogavam a vida.

A humidade diluía o suor, tornando-lhes o corpo peganhento, as roupas pesadas, repulsivas, a cara negra com riscas brancas. Pousavam os pés no chão com todo o cuidado, e investigavam com os olhos, reflexos e sombras. Sabiam bem o que os podia denunciar. 

Há mais de 1 ano que andavam metidos naquelas andanças. Agora davam mais importância  vida, porque a morte, na guerra é sempre uma derrota.

 [Ele, o alf Carvalho], seguia à frente com os guias. Em cada curva do caminho levava dois homens e avançava algumas dezenas de metros. Só depois o resto do pelotão avançava.

A terra exalava humidade e calor. Os mosquitos não os largavam há muito. Zumbido enlouquecedor,  ávido de sangue quente.

Perto da aldeia, abandonaram a estrada e redobraram as cautelas. O céu, com rasgos de luz menos escura, anunciava os sons da manhã.

Progrediam agora a dois e dois, de abrigo em abrigo. A alguns metros das primeiras cubatas, sentada no chão e encostada a um tronco velho, a primeira sentinela dormitava. Foi engolida em silêncio pelas facas de dois soldados.

Alguns cães ladraram. Farejavam sarilho. Rebentou a primeira granada. Daí em diante foram sombras vertiginosas, respirações de morte, ferro e fogo, gritos, ferro e fogo, confusão, instantes infernais, ferro e fogo, palavrões, guinchos, ferro e fogo, gemidos, correrias, aflições, ferro e fogo, e cubatas a arder reflectidas na água mole e suja do rio e tiros, tiros e explosões.

Veio depois o silêncio da retirada dispersa e rápida, corrida louca para o ponto de encontro junto das viaturas, com tiros ocasionais a persegui-los. Contou os homens já com os motores em marcha. Estavam todos. Regressaram.

***

Levantou-se. Tomou o pequeno almoço e foi passear pela povoação.

 
− Bum dia, noss' alfero.

As poucas casas dispostas dos dois lados da estrada faziam-lhe lembrar a aldeia onde tinha nascido.

O inimigo lutava o mais que podia para arranjar simpatizantes e para isso não molestava a população civil,  branca ou negra. Só em ultimo caso empregava a força.

Homens e mulheres faziam a sua vida de todos os dias como se nada houvesse, mas,  por de trás dos olhos de cada um, lá estava o terror, a duvida, a ansiedade, a insegurança da hora seguinte. Os nervos tensos à espera do mínimo sinal para fugir, recolher ao abrigo possível.

Depois da sesta da tarde, verificou a situação de todas as medidas defensivas instaladas. Esperava uma represália. Passou o resto da tarde a estudar a forma de melhorar as defesas existentes e implementar métodos de ataque em situação de fogo como sair do aquartelamento através de trincheiras etc.

A noite adivinhava-se pesada, escura, trovejante, desagradável. São estas noites que escondem medos e vergonhas, disfarces e desumanidades. Mas não são noites de guerra, porque a falta de claridade dificulta os movimentos.

Pensava em tudo isto depois de dar ordem de prevenção, e se encostar solitário junto ao abrigo duma sentinela.

Estava tudo a postos para mais um jogo de morte.

O pequeno Unimog blindado com chapas de bidão endireitadas, tinha a traseira encostada à porta principal do celeiro de amendoim que servia de aquartelamento. 

Junto a esta porta, o piso do edifício era sobrelevado em relação ao chão cerca de 1,2 metros, a fim de permitir o carregamento fácil dos camions de transporte que em tempo aí se abasteciam.

A corda amarrada ao “cavalo” de arame farpado que na vedação servia de porta, estava estendida no terreiro e entrava no interior do edifício de modo a que daqui, puxando-a,  se desobstruísse a entrada e o Unimog pudesse sair.

As metralhadoras das duas portas foram abastecidas com mais caixas de munições. Os dois morteiros, um atrás e outro à frente,  entrincheirados também.

Fora enviado para ali porque o destacamento anterior tinha sido várias vezes encurralado no aquartelamento com fogo cruzado inimigo que,  após enfiar uma metralhadora a cada porta, se passeava no povoado abastecendo-se nos estabelecimentos existentes, a troco de improvisadas requisições supostamente válidas, alardeando o seu poder e exibindo a sua melhor propaganda.

Tinha esperança de que com o seu pelotão isso nunca acontecesse.

Todas as máquinas de guerra do destacamento luziam limpas e oleadas, possivelmente satisfeitas por poderem vomitar fogo tão frequentemente. Tinham-nas feito para isso.

(Continua)

(Seleção, revisão / fixação de texto, itálicos e negritos, parênteses retos: LG)
_____________

Notas do editor:

(*) Vd. poste de  
26 de junho de  2024 > Guiné 61/74 - P25684: Tabanca Grande (560): José Álvaro Almeida de Carvalho, ex-alf mil art, Pel Art / BAC, obus 8.8 m/943 (1963/65) , adido 14 meses ao BCAÇ 619 (Catió, 1964/66): senta-se no lugar nº 890, à sombra do nosso poilão

domingo, 16 de junho de 2024

Guiné 61/74 - P25643: Elementos para a história do Pel Caç Nat 54, "Águias Negras" (1966/74) - Parte II: Com o José António Viegas, por Bissau, Bolama, Mansabá, Enxalé e Missirá, no 2ºs emestre de 1966




Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966 > O alf mil Marchand (ou Marchã) junto ao depósito de géneros, destruído no ataque de 22/12/1966


Guiné > Zona Leste > Região de Bafatá > Sector L1 (Bambadinca) > Missirá > Pel Caç Nat 54 > 1966 > Mais uma vista parcial do destacamento (e tabanca), depois do ataque de 22 de dezembro de 1966.



Guiné >  Rio Geba > Pel Caç Nat 54 >c. agosto de 1966 >  No "cais" do Enxalé: da esquerda para a direita, o José António Viegas, o alf mil Marchand (Ou Marchã), ambos do Pel Caç Nat 54, eo fur mil enf, da CCAÇ 1439


Guiné >  Rio Geba > Pel Caç Nat 54 > Agosto  1966 > Nos barcos "turras" (Casa Gouveia), a caminho o Enxalé


Guiné >  Rio Geba > Pel Caç Nat 54 > Enxalé > Agosto de 1966 >  Vacas comparadas em Bissá, pelo comandante da CCAÇ 1439, cap Pires.

Fotos (e legendas): © José António Viegas  (2012). Todos os direitos reservados. [Edição e legendagem complementar: Blogue Luís Graça & Camaradas da Guiné]


1. Confirma-nos, por email de ontem, o José António Viegas, que, no início, o Pel Caç Nat 54, formado no CIM de Bolama, era constituído por:

  • alferes Carlos Alberto de Almeida e Marchã (ou Marchand);
  • furriel mil Álvaro Valentim Antunes (morto na 1ª mina);
  • furriel Arlindo Alves da Costa (DFA, ferido na segunda mina);
  • fur mil José António Viegas;
  • 1ºs Cabos Manuel Januário (DFA), Coelho (DFA) e João Simão (telegrafista);
  • os soldados, do recrutamento local, eram das etnias Papel, Fula, Mandinga e Olof (um deles) (*)

Na primeira foto acima, o alferes Marchand (ou Marchã) está junto ao depósito de géneros depois do ataque a Missirá, em 21 de Dezembro de 1966.



José António Viegas, ex-fur mil, Pel Caç Nat 54
 (Bolama, Mansabá, Enxalé, Missirá, Porto Gole,  
Ilha das Galinhas, 
1966/68)


2. O José António Viegas, nosso grã-tabanqueiro nº 587 (desde 11 de novembro de 2012),  continua a ser a fonte privilegiada de informação sobre o seu Pel Caç Nat 54, de que é um dos "pais-fundadores". Daí que o seu percurso no CTIG, de 1966 a 1968, também o é desta subunidade, de que... "não reza a História" (*).

Vamos recordar alguns dos seus passos (**):

(i) Bolama, agosto de 1966

(...) Embarquei para o CTIGem 30 de julho de 1966,  no Uíge. Fui em rendição individual para ir formar, em Bolama, com outros camaradas, os primeiros Pelotões de Caçadores Nativos. Chegámos a 3 de agosto. (...)  Quatro  dias depois seguimos para Bolama para receber os Pelotões e fazer os treinos operacionais. O meu Pelotão foi o 54.

(...) Aqui apanhei o meu primeiro paludismo que me deixou de rastos por uns dias. O cheiro de que estávamos numa guerra e não de férias em África, era o ouvir de rebentamentos todas as noites em S. João, que ficava em frente a Bolama, e em Tite, e logo de seguida fazer a guarda de honra a um camarada que tinha morrido no rebentamento de uma bailarina em S. João e que foi enterrado no cemitério de Bolama.

(...) A minha estadia em Bolama, antes de ser colocado com o meu Pel Caç Nat 54 em Mansabá..., lembro-me bem daquela cidade já em degradação mas ainda com várias edificações em bom estado, como os correios, junto à piscina do Cabo Augusto onde se passavam os bons tempos de lazer, a casa do Governador e o Hotel, que estava em boas condições, onde muitos camaradas vinham descansar e passar férias.

(ii) Mansabá, setembro/outubro  de 1966

(...) No fim de Agosto, depois de ter terminado o treino operacional, seguimos para Bissau e depois para Mansoa, numa coluna enorme, onde se juntaram mais militares com destino a Mansabá.

A coluna até Cutia decorreu com normalidade, mas a partir daqui foram tomadas todas as precauções até Mansabá, onde se ouviram alguns tiros e aviso.

Em Mansabá estivemos 45 dias com a CCAÇ 1421. Aqui começa a nossa entrada na guerra. Logo nos primeiros dias fomos fazer um golpe de mão e, como tal, foi posta à prova a nossa impreparação para reagirmos debaixo de fogo. Quando se chegou ao objectivo, foi lançado o ataque pelo homem da bazuca e, debaixo daquele fogachal, eu de pé com as balas a assobiar sem saber o que fazer.

Aqui começa a minha preparação com os melhores operacionais, os meus soldados nativos, o meu cabo Ananias Pereira Fernandes, o homem que não gostava de G3 e só usava a Madsen, que me joga para o chão e me ensina a organizar e dispersar debaixo de fogo.

Lembro-me o que aprendemos em Vendas Novas com aqueles filmes da guerra da Argélia, no meio de dunas, e nós íamos para a selva, enfim ainda havia poucos formadores com experiência de combate.

(...) Voltando aos meus 45 dias em Mansabá... (Pena que não tenha fotos desta fase pois ardeu-me tudo no ataque em Missirá.)

Nos primeiros dias em Mansabá, ao cair da noite, começou o nosso obus 8.8 a cantar, vim até ao pé da bateria falar com o artilheiro um Fur. Mili. cabo-verdiano, perguntar o que se passava, dizendo ele que tinham informações que o Amílcar andava por ali.

Na semana seguinte foi feita uma operação em forte com a 5.ª CComandos, a CCP 121, a CCAÇ 1421 e o nosso Pelotão. Entrámos pelo Morés, os Comandos e os Páras fizeram o estrago e voltamos.
Um Sargº. Paraquedista trocou o seu camuflado com o meu, soube há pouco tempo que morreu com a doença maldita e que vivia aqui perto de Loulé.

Todas as semanas estávamos a sair sempre à noite. Nas progressões, até me habituar no escuro da noite, às grandes teias de aranha e aos terríveis bicos das Micaias, foi uma tortura.

Antes de sairmos, fomos montar uma emboscada no Alto de Momboncó com um Pelotão da 1421. Estava com o meu pelotão emboscado quando vejo os Fiat a picar sobre nós, deu para assustar, levantámos com as armas para o alto e vejo o asa a desviar, logo de seguida ouviu-se largar as bombas e o cheiro horrível de petróleo. Este era um dia não, e no regresso apanhámos com uma emboscada de abelhas, os nativos largaram as armas e toca a fugir. O Sargento Monteiro da 1421 ficou bem picado e ainda por cima tinha pouco cabelo, ficando num estado lastimável.

Desta CCAÇ 1421 lembro-me do Cap Carrapotoso, já falecido, e dos Furriéis Fernandes e Passeiro. (...)

(iii) Enxalé, novembro de 1966

(...) Os poucos dias que estive em Bissau, foi para tomar contacto com a cidade, um dos sítios de encontro era o Café Bento, conhecido pela a 5ª Rep, onde encontrei amigos que nem pensava que estavam por aqueles lados.

Neste café sabiam-se as novidades todas do mato e também as histórias que contavam aos piriquitos. Havia um pouco de tudo, aqueles que diziam que estávamos ali na guerra para defender os interesses da CUF que era representada pela Casa Gouveia, outros que diziam que ainda iam voltar situações piores que a Ilha do Como.

Os frequentadores assíduos do Café aconselharam-me logo que se quisesse bons livros era falar com o Sr. Bento, pois que certos livros a Pide ia lá buscar, mais tarde tive ocasião de presenciar.

Passados que foram estes curtos dias em Bissau, lá fomos embarcados nos barcos da Casa Gouveia, que iam levar abastecimentos a Bambadinca, e navegando rio Geba acima durante a noite, aconchegados da humidade no meio da carga.

Chegámos ao Enxalé pela manhã. As barcaças encostaram, não havia cais, fomos recebidos pela Companhia 1439 e pelo Pel Caç Nat 51 que já estava naquele aquartelamento.

Fui encontrar o pessoal da CCAÇ 1439 um pouco desmoralizado pois um mês antes, em outubro, tinha rebentado uma mina em Mato Cão, na ida houve um primeiro rebentamento que pulverizou um soldado açoriano, e na volta outro rebentamento que resultou na morte do furriel Mano.

Esta Companhia era comandada pelo Capitão Pires, um grande homem e um bom operacional.

A nossa primeira saída foi para ir a Bissá onde o BCAÇ 1888 queria fazer um destacamento.
Fomos direito a Porto Gole e depois seguimos para Bissá, era impressionante ver aquele aldeamento, no chão balanta, no meio de uma grande clareira com bastante gado e celeiros de arroz enormes.

Lembro-me do cap Pires dizer:

- Um destacamento aqui, no meio de um dos principais fornecedores do IN ? Vai correr muito sangue.

E foi verdade, entre 1967 e 1968 muitos morreram e muitos ficaram feridos.

Regressámos com gado comprado para a Companhia.

Nesta mês de Novembro a nossa missão era fazer colunas a Missirá e a Porto Gole e umas operações na zona. Lembro-me do alferes Zagalo de Matos que,  quando saía para as operações o seu ordenança trazia o camuflado impecável e as botas a brilhar, tinha que estar todo a rigor. Ainda há dois para três anos, quando o encontrei nas suas andanças teatrais, lhe falei nisto que ele recordou com saudade. (Já partiu).

Havia na companhia um Furriel que era professor, o Farinha, dava aulas aos militares, a maior parte madeirenses, alguns analfabetos, e dava aulas numa escola improvisada no aldeamento, não esqueço a fome de aprender daquelas crianças.

(iv) Missirá, dezembro de 1966:

(...) O Capitão Pires, da CCAÇ 1439,  querendo juntar o máximo da Companhia para passarem o ultimo Natal juntos, enviou o nosso Pelotão 54 para Missirá, todo o pessoal dizia que íamos passar umas férias, pois aquele destacamento não tinha problemas de ataques há muito.

Instalámo-nos e fizemos o respectivo reconhecimento. No dia 22 recebemos o correio,  via Bambadinca, com algumas encomendas de Natal e preparávamos o nosso primeiro Natal na guerra. Depois do jantar, e depois de verificar os postos, fomo-nos deitar. 

Na nossa palhota dormíamos os três furriéis. Enquanto o sono não vinha,  íamos falando até que, por volta das 10 horas da noite, começa a entrar pela nossa palhota uma metralha de fogo: explosivas, tracejantes e iluminantes de arma pesada, por sorte o fogo passava todo a um metro acima das nossas camas, foi agarrar nas armas como estavámos, já com a palhota a arder, e tentar organizar a defesa.

Eu fui municiar o meu cabo Ananias Pereira Fernandes , com a MG42,  para o abrigo e tentar pôr o pessoal a fazer fogo o mais rasteiro possível. O destacamento parecia Roma a arder e a pontaria deles era tão grande que conseguiram meter uma morteirada no bidão do azeite no depósito de géneros. O rebentamento deste parecia fogo de artifício.

No meio da gritaria e dos impropérios de um lado e de outro, ouve-se um grito de agarra-lo á mano, pois de certeza que vinham com cubanos.

Depois de quase uma hora de fogo, as morteirada estavam a cair junto ao refeitório onde estava o Unimog debaixo do embondeiro, o soldado condutor da CCAÇ 1439 foge e consegue pôr a viatura a funcionar, que estava com escape livre, para o retirar daquela zona de fogo. Julgo que eles pensaram que vinham reforços e debandaram, foi uma sorte porque as munições não eram muitas, principalmente as de morteiro 60 e bazuca.

Tentou-se a seguir ver se havia feridos, não havendo nada a registar entre os militares, mas acho que na população houve dois mortos e três feridos.

Hipótese de ajuda não tínhamos, nem de Finete, que era o destacamento mais perto, nem de Bambadinca, pois tinham que atravessar o rio. Só aguardando o pessoal do Enxalé.

Logo pelo nascer do dia veio o heli fazer as evacuações, o piloto era o Faísca, moço conhecido do Algarve. Assim que o heli levantou começamos a ouvir metralha, era o pessoal da CCAÇ 1439 e o pessoal do Pell Caç Nat 51 que estava a ser emboscado entre Mato Cão e Missirá. O IN retirou mas ficou emboscado, era lógico que viria ajuda.

Começámos então a olhar para a realidade, palhotas ardidas e grande destruição, dos nossos pertences só tínhamos a roupa vestida no corpo, o resto era tudo cinza. Guardo a única coisa que encontrei, uma moeda de 10 pesos toda queimada. No reconhecimento que fizemos, encontrámos bastante sangue e uma pistola. Era triste ver o destacamento com tanta destruição.

Com o depósito de géneros completamente destruído, pouco tínhamos para comer, fomos a Bambadinca buscar algumas coisas e tentar arranjar roupa.

Chega o dia de Natal, a comida não era muita, vem o meu cabo Januário e outro cabo Ananias dizer que iam dar uma volta para arranjar carne. Chegada a hora do almoço apresentaram um repasto de carne com arroz de xabéu , que estava uma delicia, findo o almoço o cabo africano Ananias chamou-me à parte e deu-me as caveiras dos macacos que tínhamos acabado de comer. Guardei uma como talismã que perdi quando vim da Africa do Sul em 1978. (...)

 (Selecção, reevisão / fixação de texto: LG)
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Notas do editor:

(*) Último poste da série > 14 de junho de 2024 > Guiné 61/74 - P25640: Elementos para a história do Pel Caç Nat 54, "Águia Negras" (1966/74) - Parte I: Temos dois representantes na Tabanca Grande, o algarvio José António Viegas (1966/68) e o açoriano Mário Armas de Sousa (1968/70)...



27 de novembro de  2012 > Guiné 63/74 - P10731: Memórias de Mansabá (26): Os meus 45 dias em Mansabá (José António Viegas)

terça-feira, 26 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13535: Blogoterapia (260): A minha toca (Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421)

1. Mensagem do dia 13 de Agosto de 2014, do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67):

Tenham coragem
Leiam até ao fim
É um pedido


A MINHA TOCA

Sou serrenho
Nasci na serra
Numa toca
Não na grandeza de uma caverna
Habitada por homens superiores
Tinha como vizinhos
As raposas astutas
Passava o Sr. Melro
Sempre impecavelmente vestido
No seu fato preto de alta pena
Lá mais ao longe voava a cotovia
Também cantava o rouxinol
Bebia água pura com sabor a champanhe
No riacho ao lado passeavam-se peixinhos
Cantavam as rãs e os sapos
Os corvos também apareciam, com o seu mistério
Comia frutos silvestres com as aves e as abelhas
Colhia das árvores as frutas com que me banqueteava
Em noites de trovoada, eram lindos os desenhos feitos com os relâmpagos
Em noites calmas, ouvia-se o gemido do mocho e da coruja
Nas noites em que o vento dava concertos
As árvores dançavam loucamente
Qual artistas de cabarés de elite
Ou mesmo como nos palcos dos bailados
Mas a fama do império chegou à minha toca e eu tive que partir
A desilusão não conta
Voltei mais louco
Perdi-me
Iludi-me não voltei à minha toca
Fiquei numa gaiola normal e modesta
Havia gaiolas de luxo
Havia até gaiolas douradas
Todas tinham porta com fechadura
Também havia jaulas com celas
Tinham presos por que tinham falado
As gaiolas hoje são em excesso
Há carência de jaulas
Há tanta gente que fala, fala e não esta preso
Gostava que não fosse assim
Vou voltar a procurar a minha toca sem porta
A minha gaiola com porta e fechadura
Onde criei o meu mundo e dos meus
Foi assaltada
Foi devassada
Não ficou nada de valor
Nada com valor moral
A porta e a fechadura da gaiola alta palavra em tecnologia
Vou voltar à minha toca
Aos meus antigos vizinhos
Riam-se da caricatura da mensagem!
Mas pensem pelo menos uma vez
No quanto estão inseguros
E o valor que as vossas coisas têm e que se não apercebem
Não quero lançar o medo
Não! Isso nunca!
Mas quem sabe pode haver uma coisita a fazer e fazerem e assim, não terem razões para dizerem, casa roubada tranca na porta!

Um grande abraço a todos
Ernesto Duarte
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Nota do editor

Último poste da série de 21 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13521: Blogoterapia (259): Mensagem de agradecimento de Rui Alexandrino Ferreira à tertúlia, a propósito do lançemento do seu último livro "Quebo - Nos confins da Guiné" e da passagem do seu 71.º aniversário

segunda-feira, 11 de agosto de 2014

Guiné 63/74 - P13485: Blogoterapia (258): Palavras (Ernesto Duarte, ex-Fur Mil da CCAÇ 1421)

1. Mensagem do dia 5 de Agosto de 2014, do nosso camarada Ernesto Duarte (ex-Fur Mil da CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67):

Olá Carlos, Olá Luís
Tudo de bom para vocês.
O meu modesto contributo, para quem está de Oficial Amanuense dia, poder dizer recebi mais um email!
Pois a pobreza aqui não é fruto da crise!

Palavra!
Palavras, há quem diga que são fios de ouro do pensamento!
Eu direi pepitas, pepitas grandes, gigantes!
Jóias raras, de uma grandeza que hipnotizam!
Lindas mesmo!
Ditas aqui com um sentido, ouvidas ali com outro!
Férias!
É uma dessas palavras!
Linda, mesmo muito linda!
Mas tão diferente!
Não só de lugar para lugar!
Mas de fulano para fulano!
E com a féria a ditar leis!
Como ela é importante e fundamenta!
Eu sou daqueles jovens que em teoria vou de férias!
Sim porque da nossa juventude, a grande maioria já está sempre de férias!
Tento ter o espírito da época!
Não perder tempo!
Ouvir o mundo à minha volta!
Mas continuar a pô-lo em causa!
Já tenho a noite na alma mas sem beijos de socorro, resta-me dançar com as árvores sem forma!
Estou assim como que perdido neste jardim de flores pretas e secas, e palavras, palavras que se não entendem!
Desculpem eu esquecia-me que sou daltónico, que sofro de miopia e de surdez!
Não me perdi nas matas misteriosas!
Nas bolanhas e rios sem fundo!
Nos caminhos cheios de lama!
Nos caminhos cheios de um pó que sufocava, e que em cada curva era retraçado o meu destino!
Contra minha vontade comecei em guerra, e vou acabar em guerra!
As armas são outras!
Muito mais difíceis de manusear!
Já não encontro os velhos da minha terra!
Sensação estranha sobe-me a coluna vertebral, o velho sou eu e os da minha idade!
Encontramo-nos, sentimos alegria!
As conversas são tão diferentes!
Os netos são o tudo!
Depois vem a nossa parte cultural!
Sim porque estamos muito mais cultos!
Sabemos algo de culinária!
Conhecemos alguns vinhos!
Mas o nosso forte é medicina e industria farmacêutica!
Conhecemos tanto médico!
Conhecemos hospitais!
Conhecemos e sabemos de exames médicos!
Sabemos o nome de tanto medicamento!
Já vamos sabendo nomes de lares!
Não é pessimismo é realidade!
As férias dos jovens da nossa idade, sejam elas com muita ou pouca féria, passadas no Polo Sul, ou no Polo Norte, as palavras diferem pouco!
Mais confusos!
Palavras mais confusas!
Fruto do tempo!
O tempo é outro, isso não há a mínima dúvida!

Um muito grande abraço para ti Carlos
Um muito grande abraço para ti Luís
E muito boas férias

Ernesto Duarte
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Nota do editor

Último poste da série de 2 de Agosto de 2014 > Guiné 63/74 - P13456: Blogoterapia (257): Julgo que pelo menos a maioria de nós tínhamos medo, eu tinha, e às vezes muito, mas procurava não mostrar (Manuel Carvalho)

quarta-feira, 23 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13027: Memórias de Mansabá (31): Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas: (i) que tínhamos sempre medo; (ii) que de dentro do mato era muito difícil disparar um LGFog ou até um morteiro; e (iii) depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67)


Guiné > Região do Oio > K3 > Um abrigo em construção...

Foto: © Ernesto Duarte (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Mensagem de Ernesto Duarte [ex-fur mil. CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67],

Data: 19 de Abril de 2014 às 21:29

Assunto: um abrigo em construção

Boa noite, Luís

Já passaram 49 anos e eu continuo a arrepiar-me, e em vez de ter sonhos tenho pesadelos, ainda hoje não sei muito bem o que é dormir, dormir considerado normal! Só que as forças vão faltando e vão aparecendo alguns problemas!

Chegados à Guiné, mais propriamente a Mansoa, a nossa primeira saída, se é que se pode chamar, ao que supostamente fomos fazer, uma saída!

Na estrada Mansoa-Bissorã, uma auto metralhadora tinha sido atingida com uma granada anticarro, restou o esqueleto!

Corridos poucos dias, ida para Mansabá, com armas e bagagens, muita bagagem, penso que todos nós só tínhamos um pensamento, é na próxima curva que vem aí a nossa granada!

Com o tempo interiorizámos três ou quatro coisas:

(i) Que tínhamos sempre medo, e que a fuga teria que ser sempre para a frente, nunca voltar as costas;

(ii) Que de dentro do mato era muito difícil disparar uma bazuca, um roquete, assim como os célebres morteiros 120;

(iii) Depois do primeiro tiro tínhamos a ideia que conseguíamos controlar as coisas.

Era de uma tensão de rebentar os nervos a um santo, o espaço de tempo que mediava entre o ouvir a granada sair e o cair! Não valia a pena nos mexermos, porque nunca ninguém tinha uma ideia onde ela ia cair!

Os morteiros 120 começaram a ser utilizados, quando fazíamos os golpes de mão, depois do primeiro tiro o nosso poder de fogo era superior, e quando eles se calavam ouvia-se o disparar do morteiro, que supostamente estaria regulado para a zona que eles ocupavam, ou zona por onde tínhamos feito a aproximação!

Rapidamente atirávamos as granadas incendiárias e íamos como se fossemos atrás deles, flectindo depois em ângulo recto e lá tínhamos sempre uma bolanha para passar!

Eles faziam três, quatro morteiradas, mais tarde soubemos que era-lhes muito difícil o disparar de dentro da floresta e o terreno não tinha consistência para o prato, aparelho de pontaria, etc.

Onde apanhámos com maior eficácia, mas também para aí uma meia dúzia de tiros, foi em Morés!

Os deuses decidiram a nosso favor porque os tiros caíram na bolanha e perderam eficácia! Era uma granada pesada foi muito para o fundo, mas esses estavam bem apontados, ou casualidade.

Os abrigos de Mansoa, se os tinha não me lembro, os de Cutia eram do modelo da fotografia, os de Mansabá mais tipo trincheira clássica, os de Manhau, de Banjara e K3 eram iguais mais pormenor menos pormenor. Farim também não me lembro como eram!

Todos nós, mesmo as chefias dizendo maravilhas de aquilo, tínhamos consciência, que se caísse uma granada na frente, próximo da vigia, que as hipóteses eram nulas e se uma dos 120 caísse em cima que aquilo não aguentava!

O primeiro tiro que deram no primeiro ataque ao K3, de noite, acertaram com uma granada anticarro numa viatura, que com a ajuda da gasolina do depósitos só ficou uns restos do chassi!

Aconteceu que nesses ataques, ainda com os abrigos em construção, a foto é do meu abrigo acabado, puseram dentro do arame dúzias de granadas. Atiravam granadas muito velhas que não rebentaram, mas era contando com os rebentamentos por simpatia. Mas tal como em Cutia, Manhau e Banjara, não acertaram uma, excepto a da viatura.

No K3 não se ouvia a saída dos canos porque havia umas LDM no rio Farim que faziam fogo para as laterais, era mesmo guerra adulta.

Eu daquele abrigo via em frente a chama das Costureiras e servia-me de uma Manelica 8mm, ponta redonda, dos meus caçadores nativos! Fazia tiro instintivo e aquilo causava grandes estragos, passava um morro baga-baga com uma facilidade espantosa. Eu disparava e os caçadores carregavam!

No meu tempo, por falta de apontadores que deveriam ter, por ser difícil disparar do mato, por serem armas de tiro curvo, o aproximarem-se só lhes trazia desvantagens e por aquilo a que chamamos sorte, não acertaram nenhuma, depois, depois não sei!

O nosso grande inimigo foram as minas! Levantámos muitas mas também rebentaram muitas!

No meu tempo ainda não se falava muito em canhões sem recuo!

Mando-te uma foto do referido abrigo numa fase ainda da construção!

Quantas cavadelas, quantas pazadas de terra!

Um abraço,
Ernesto
_________

Nota do editor:

quinta-feira, 17 de abril de 2014

Guiné 63/74 - P13001: 10º aniversário do nosso blogue (10): O baú das memórias já está muito rapado... mas ainda consegui uma foto, que diz muito: um abrigo no K3 (Ernesto Duarte, ex-fur mil, CCAÇ 1421, Mansabá, 1965/67)



Foto nº 1


Foto nº 2 


Foto nº 3


Foto nº 4

Fotos (sem legendas): © Ernesto Duarte (2014). Todos os direitos reservados. [Edição: LG]


1. Duas mensagens, com data de 15 do corrente, do Ernesto Duarte [ex-fr mil.  CCAÇ 1421/BCAÇ 1857, Mansabá, 1965/67], respondendo ao nosso pedido para "rapar o baú" das recordações:


(i)  Assunto - O baú rapado


Primeiro o meu desejo que essa saúde continue
a ser reposta com a rapidez desejada ! Segundo desejo, uma boa Páscoa para ti e para os teus familiares !

Terceiro, os meus parabéns ao imortal blogue ! Sim, o blogue já é e continuará a ser imortal ! Viva o grande blogue, que deu voz a todos os silenciados !

Sim, o baú está mais do que rapado, tanto o caixote como a cabeça que caminha a passos largos para lá também e como a confusão é grande não juro que ainda não tenha mandado estas fotos !

Mas, aproveitando o assunto, vou tentar dizer quanto a mim uma das razões que muito contribuíram para que eles estejam muito rapados, muito por baixo !

Quando se pensa mais em pormenor na nossa história de vida de há quarenta e tantos anos, baila nas nossas mentes um milhão de coisas, e hoje que somos uns especialistas em trabalhar com computadores, com botões e sem gatilhos, nós temos que lembrar a dificuldade, ou falta de máquinas fotográficas, com rolo nessa altura, não como aquelas fitas que aquelas metralhadoras usavam, com as de hoje seria facílimo.

E depois o cenário, parava de disparar a G3 , para disparar a máquina, parar a guerra no cenário ideal, não era muito viável !

Agora outra grande verdade: nós normalmente saíamos ao anoitecer sem hora de regresso ! Levávamos umaa sandes. um cantil de água, muitos dois !

O bornal não era prático, principalmente quando se tinha que correr, ou passar cursos de água, com água até ao pescoço, a farda passava a ter poucos bolsos, porque havia coisas que tinham que ir: no cinto o cantil e seis carregadores, para a maioria, depois mais umas granadas; mais umas facas, às vezes mais uma pistola; eu costumava levar o casaco para a carga ser maior e ir mais bem dividida.
Não havia digamos assim, muito espaço para uma máquina [fotográfica] !

Aí pelo inicio de 1965 quando dei uma recruta em Beja, mais de metade daquela gente maravilhosa não sabia ler, grande parte da companhia também não, até me surpreende, como mesmo assim dos mais veteranos ainda chegaram cá tantas fotografias !

Na minha casa falou-se sempre de isso, mas eu já disse, e volto a dizer, convencer alguém que nunca viu nada daquilo, o convencer que não estamos a divagar, nós por vezes já perguntamos a nós próprios se não foi tudo um sonho mau !

Uma Boa Páscoa
Um grande abraço para vocês todos do blogue.
Um grande abraço a todos os ex-camaradas.



(ii) Assunto: Uma que estava no fundo do caixote


Luís: Esta [, foto nº 1,] tem mesmo muito valor !

É artesanal e significa tudo o que se possa dizer sobre condições más.... Era assim o abrigo para cada secção, abrigo e sala de estar !foi atacada tanta vez !


K3 – Farim

Um abraço


Ernesto Duarte
Furriel miliciano
CC 1421 BC 1857
Mansabá – Oio – Morés
1965 / 1967

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Nota do editor:

Último poste da série > 17 de abril de 2014 > Guiné 63/74 - P13000: 10º aniversário do nosso blogue (9): Sondagem: resultados finais (n=129); mais de um terço dos respondentes nunca falou da guerra, ou só muito raramente, aos seus filhos... Comentário da jornalista e escritora Catarina Gomes: "não esperem por perguntas, digam filho, anda cá que eu quero contar-te uma coisa"